quarta-feira, 12 de abril de 2017

OS CINCO MENINOS DIVINOS



Mahabharata. Texto de Krishna Dharma. Capítulo I. OS CINCO MENINOS DIVINOS. A PRIMAVERA CHEGARA ÀS MONTANHAS, e a atmosfera estava deliciosamente fresca. Pandu passeava pelo campo cheio de flores cheirosas, admirando o cenário celestial. Alguns cucos cantaram das árvores champaka próximas, e abelhas pretas zuniam enquanto voavam ao redor de brilhantes botões amarelos. A jovem esposa de Pandu, Madri, caminhava adiante dele, seu longo sari de seda balançando com a brisa gentil. Ela cantava baixinho para si mesma e parava, de vez em quando, para colher as flores. Quando Pandu se aproximou, ela se voltou e sorriu. O sol quente brilhou atrás dela. Pandu podia ver sua silhueta graciosa dentro da veste estufada pelo vento. A princesa de Madra era mesmo linda. A luz do sol brilhou através dos cabelos dourados, contornando seu lindo rosto. Pandu sentiu o coração agitado. Já fazia mais de sete anos que a abraçara! Uma vontade irresistível tomou conta dele. Largando no chão o saco de vegetais silvestres que apanhara para a refeição, ele deu um passo na direção da esposa. Madri imediatamente entendeu seus sentimentos. Vendo-o cheio de desejo, a princesa teve medo. “Ó rei, lembre-se das palavras do sábio!”, falou, ansiosa, mas Pandu pareceu não ouvi-la. Ela levantou os braços para impedi-lo, balançando a cabeça. “Meu senhor! Pare! Ó, grande herói, controle sua mente. Um grande perigo o ameaça neste momento”. Porém Pandu ignorou os avisos de Madri, que, tentando fazê-lo desistir, só conseguiu aumentar seu desejo. Abaixando os braços abertos da mulher, ele os colocou ao redor do próprio corpo e a abraçou com firmeza. Madri lutava desesperadamente, tentando se libertar. Inteiramente tomado pela luxúria. Pandu ria. Jogou-se sobre a grama macia, carregando Madri. Com a princesa presa em seus braços fortes, rolava pela grama. Apertando-a contra o solo, seus lábios buscavam os dela. De repente, Pandu sentiu uma dor terrível apertar seu peito. Tossiu e seus braços caíram, inertes. Enquanto a esposa o olhava, horrorizada, afastou-se dela. Com um grito abafado, deu seu último suspiro e seu corpo, sem vida, aquietou-se. Madri gritava e sacudia o corpo do marido, agitada pelos soluços. Era muito tarde para fazer qualquer coisa. A maldição do rishi tinha se cumprido. Pandu se fora. A princesa se jogou sobre o corpo dele e chorou descontroladamente. Lamentava-se, dizendo ao marido morto: ‘Ó, invencível, como pode ser vencido pelo desejo? Ah, a culpa foi minha. Oh, meu senhor, não poderei viver sozinha. Certamente o seguirei no caminho que tomou”. Seus lamentos foram levados pela brisa e ecoaram através do bosque. Não muito longe dali, no ashram que Pandu mantinha na floresta, sua outra esposa, Kunti, estava acendendo um fogo para cozinhar o jantar. Os gritos de Madri chegaram até Kunti, que parou, tentando saber de onde vinham. Os dois filhos jovens de Madri, Nakula e Sahadeva, estavam com ela e também ouviram os gritos. “Que é isso, Mãe kunti? Quem está gritando”, perguntaram”. Não tenho certeza, mas irei ver. Onde estão os seus irmãos? Estão chegando do banho no rio, respondeu Nakula. Então vocês dois devem ficar aqui e esperar por eles. Digam-lhes que me sigam, assim que chegarem. Kunti entrou no bosque, andando rapidamente na direção dos gritos. E estava certa de que a voz que ouvia era de sua segunda esposa, Madri. O que poderia ter acontecido? Seria a maldição de Kindama que tinha se cumprido? Quando saiu do bosque e entrou no campo, seus piores temores se confirmaram. Horrorizada, viu Pandu caído, com a cabeça deitada no colo de Madri. Por alguns momentos – que mais pareciam horas – ficou paralisada, em choque. Então, sentindo as pernas pesadas como chumbo, correu para eles, jogando-se ao solo ao lado de Pandu. Vendo que ele estava morto, Kunti chorou sua tristeza incontrolável. Olhou para Madri, com os olhos cheios d’água, e sussurrou: Ó, princesa, o que aconteceu? O tom da voz de Kunti era acusador. Como é que Madri tinha se permitido seduzir o rei? Ela sabia tudo sobre a maldição (...). Ó, Madri, sempre tive o maior cuidado na presença do senhor, e nem mesmo lhe sorria. Ele sempre estava sério e autocontrolado, lembrando-se das palavras de Kindama. Com foi que perdeu a compostura em sua presença? As palavras de Kunti saíram entre soluços. Sua cabeça caiu sobre o peito de Pandu. Onde teria ele ido, agora? Como é que poderia viver sem ele? Madri escondeu o rosto com  as mãos, chorando em silêncio. Sentia-se culpada pela morte de Pandu. As palavras de Kunti só fizeram exacerbar sua dor. Ela deu um longo suspiro e respondeu; Ó, nobre Kunti, querida irmã, com os olhos rasos d’água, tentei impedir os avanços do rei. Mas foi inútil. Vendo a expressão triste de Madri, Kunti encheu-se de compaixão. E falou com mais delicadeza: Você é certamente mais afortunada do que eu, porque viu o rosto de nosso senhor iluminado de alegria quando a procurou. Aquele pensamento feriu Kunti profundamente. Mas ela afastou a inveja que sentia de Madri quando esta balançou a cabeça e respondeu: Estou totalmente arruinada. Parecia que o rei queria que a maldição do rishi se cumprisse. Não pude fazer nada para impedi-lo. Kunti sentiu a raiva diminuir. Com certeza, Madri estava sendo sincera. De alguma forma aquela terrível tragédia devia fazer parte dos planos do Senhor. Qual seria seu dever, agora? Ela olhou o rosto do marido, sereno na morte. O virtuoso monarca já deveria ter chegado aos mundos superiores. Deveria segui-lo e servi-lo lá? Sem dúvida, Madri também desejaria segui-lo, mas algue´m tinha de tomar conta dos meninos. Kunti segurou a mão de Madri e disse: Oh, irmã, eu sou a primeira esposa. Portanto, é meu direito ir com nosso marido para as regiões dos mortos. Não me impeça. Levante-se e cuide de nossas crianças. Eu entrarei no fogo com nosso marido. Madri percebeu que o rosto de Kunti se retesava ligeiramente. Pressentindo que seu ciúme estava despertando, mudou de tática. Pegou a mão de Kunti e disse: Oh, irmã querida, como eu poderia criar as crianças tão bem? Não sou como você, que vê os cinco igualmente. Por favor, fique e sirva a nosso senhor cuidando de nossos filhos. Deixe-me partir, deixe-me entrar no fogo e ir para onde ele se foi. Kunti olhou para Madri, que de novo caíra sobre o corpo de Pandu. Seria difícil continuar vivendo com a lembrança daquele momento. A culpa a consumiria. E ela estava certa sobre os garotos. Uma das esposas de Pandu tinha de permanecer viva a fim de tomar conta dos filhos dele, e Kunti, que tinha o maior número de filhos, sabia que aquele era mais dever dela do que de Madri. Sim, era melhor deixar Madri seguir Pandu. Kunti levantou-se e disse suavemente: Que seja como você deseja, querida irmã. Endireitando-se devagar, caminhou de volta à choupana. Os meninos tinham de saber. Logo depois que Kunti saiu da choupana, seus três filhos voltaram e viram os gêmeos, Nakula e Sahadeva, sentados sozinhos. O mais velho dos irmãos, Iudistira, perguntou a eles: Onde está Mãe Kunti? Ouvimos gritos. Foi ela quem gritou? Os gêmeos balançaram a cabeça e Nakula respondeu: Não. Mãe Kinti também ouviu os gritos e foi ao bosque. Disse que vocês deveriam segui-la. Iudistira olhou para os dois irmãos, Bima e Arjuna. Vamos! Vamos! Vamos depressa! Mamãe pode estar precisando de nós. Ele correu para dentro do bosque, seguido pelos quatro irmãos. Os gritos tinham cessado, e Iudistira não estava certo sobre que direção tomar, mas escolheu o caminho que levava ao campo. Iudistira tinha o pressentimento de que aqueles gritos tinham alguma coisa a ver com Pandu. Enquanto corria, viu sua mãe, que vinha na direção deles, cair ajoelhada, com o rosto entre as mãos. Obviamente, algo terrível tinha acontecido! Quando aproximou-se dos irmãos, Kunti tentou sorrir, mas eles puderam ver as lágrimas escorrendo de seu rosto. Os cinco a cercaram e ela disse: Queridos filhos, nosso único escudo agora é o Senhor. Seu pai morreu. Ele foi para os mundos superiores dos seus ancestrais. Os meninos olhavam para ela estarrecidos, em choque. Nenhum deles conseguia falar, e Kunti chorava baixinho. Finalmente, Iudistira disse: Como isso aconteceu? Certamente nenhum outro homem poderia ter vencido nosso pai. Foi algum acidente? Iudistira sabia que Pandu era um guerreiro poderoso. Também sabia que moravam num lugar onde praticamente todas as pessoas eram ascetas, devotadas à meditação e à prática da religião. Então, o que poderia tê-lo ferido? Lutando contra a própria dor, Kunti respondeu: Seu pai foi vítima da maldição de um rishi. Está caído do outro lado do bosque. Madri está com ele. Lutando contra a própria dor, Kunti respondeu: Seu pai foi vítima da maldição de um rishi. Está caído do outro lado do bosque. Madri está com ele. Os garotos se afastaram da mãe e correram para fora do bosque. Vendo o pai morto e Madri a seu lado, choraram. Jogaram-se no chão, gritando e rolando para expressar sua dor. Madri se sentia mais calma, sabendo que logo seguiria o marido, e falou delicadamente aos gêmeos, que tinham corrido para o lado dela. Filhos queridos, os caminhos do Senhor são misteriosos. Vocês devem servir à sua mãe Kunti com amor, daqui por diante. Ela tomará conta de vocês. Eu vou com seu pai para os mundos superiores. Os gêmeos olhavam para a mãe, sem saber o que dizer. Tinham apenas oito primaveras e ainda não entendiam o que estava acontecendo. A situação os oprimia completamente. Correram para Kunti, que os envolveu com os braços, derramando lágrimas sobre suas cabeças. Seus três filhos continuavam a expressar a dor em altos brados. Ouvindo os gritos, alguns rishis chegaram ao campo e, vendo o rei morto, aproximaram-se e imediatamente começaram a realizar os rituais fúnebres. Enquanto os rishis entoavam ritmicamente os mantras sagrados, os garotos se acalmaram e se levantaram de mãos postas. Kunti ficou ao lado deles, observando enquanto os rishis afastavam Madri de Pandu. Eles colocaram o corpo num ataúde e o carregaram para perto do rio. Madri os seguia chorando. Apoiada pelos dois filhos mais velhos, Kunti foi atrás de Madri. Alguns dos rishis acompanharam os outros garotos de volta ao ashram enquanto o corpo de Pandu era levado às margens do rio, enfeitado com guirlandas de flores da floresta e pintado com o barro sagrado do rio Ganges. Perto da água, uma grande pira foi construída e o corpo foi colocado sobre ela. Enquanto os rishis recitavam sem parar os mantras védicos, Iudistira ateou fogo à pira de sândalo. As labaredas cresceram e Madri, de repente, se jogou contra o corpo, gritando: Meu Senhor! Em poucos momentos, tanto o corpo de Pandu quanto o dela estavam reduzidos a cinzas. Kunti chorava desoladamente. Seus filhos ficaram a seu lado, com lágrimas escorrendo pelas faces. Quando as chamas se acalmaram, os rishis recontaram versos sobre a sabedoria dos Vedas, descrevendo a vida eterna da alma. Pacificados pelas palavras dos sábios, Kunti e os filhos voltaram lentamente para o ashram, que parecia vazio e solitário. Eles olharam um para o outro em silêncio, entendendo que não poderiam continuar ali sem Pandu. Enquanto se sentavam, juntos e tristes, o líder dos rishis entrou na choupana e disse a Kunti: Agora que seu protetor se foi, você deve voltar para a família em Hastinapura. Pegue os meninos e faça com que eles assumam as posições às quais têm direito, de herdeiros do trono. Os meninos sabiam que o pai havia sido rei em Hastinapura, a grande capital do mundo e trono da poderosa dinastia dos Kurus. Pandu lhes havia contado que viera para a floresta por causa da maldição de um rishi, mas eles não conheciam todos os detalhes. Aquela deveria ter sido uma imprecação realmente terrível! O que teria feito para merecê-la? Eles olhavam para a mãe com indagação nos olhos. Devastada pela perda repentina do marido e da segunda esposa, Kunti não conseguia falar. Vou lhes explicar enquanto viajamos para a cidade, disse ela, secando o rosto com a pontinha do sari. Seu pai e eu sempre quisemos lhes contar tudo. O sábio advertiu que eles deveriam partir logo. Ele e outros rishis os acompanhariam até a cidade. Kunti concordou e começou a juntar seus poucos pertences, dizendo aos meninos que fizessem o mesmo. Em pouco tempo estavam todos prontos para partir. Uma longa fila de rishis partiu na direção de Hastinapura, com Kunti e seus filhos entre eles. Iam também acompanhados por muitos Sidas e Charanas, seres celestiais que moravam nas montanhas onde eles viviam. Enquanto caminhavam, Kunti tentou se centrar. Tinha de contar aos meninos sobre a maldição, e também sobre seus nascimentos. Trazendo-os para junto de si começou: Um dia, quando seu pai estava caçando na floresta, ele flechou acidentalmente um rishi chamado Kindama, que tinha tomado a forma de um veado. Para libertá-lo da consequência daquele pecado, o rishi lançou uma maldição. Seu pai tinha ferido Kindama quando ele estava prestes a gerar um filho em sua esposa. Então, o sábio disse ao rei que, se algum dia tentasse ter filhos, ele imediatamente morreria. Foi por isso que seu pai decidiu viver uma vida de asceta. Kunti explicou que Pandu, incapaz de gerar filhos, procurar continua sua linhagem de outra forma. Eu lhe contei sobre uma graça que recebera de outro sábio, quando era ainda pequena. Aquele sábio, de nome Durvasa, tinha ficado agradecido pelo serviço que lhe prestar. Ele me abençoou e me deu um mantra, dizendo que com ele eu poderia chamar qualquer deus que desejasse. Então, seu pai me fez invocar várias divindades importantes. O primeiro de todos foi Dharma, o deus da religião. Ela olhou para o filho mais velho, que a ouvia atentamente. Caro iudistir, esse deus poderoso é seu pai natural. Kunti contou então que Bima era filho de Vayu, deus dos ventos. Arjuna era filho de Indra, o rei dos deuses, e os gêmeos tinham nascidos dos deuses gêmeos aswins, os médicos celestiais. Assim, vocês três, os mais velhos, nasceram de mim, e os gêmeos nasceram de Madri, que me pedira para usar o mantra. No nascimento de cada um de vocês uma voz celestial foi ouvida, profetizando coisas notáveis para todos. Iudistira será o senhor do mundo, Bima o homem mais poderosos e forte, Arjuna o maior dos arqueiros, e os gêmeos possuirão beleza e energia. Os garotos se entreolharam. Nunca teriam imaginado a verdade – eram filhos de deuses! Seu pai lhes dissera muitas vezes que um grande destino os esperava, e que um dia voltariam a Hastinapura para governar. Mas nunca havia explicado como é que tinham nascido (...). Kunti sorriu um pouco, em meio à sua tristeza. Seus ancestrais há muitos, muitos anos governaram a Terra, mantendo-a firmemente no caminho da religião. Esse dever certamente será de vocês um dia. Depois do que pareceu um piscar de olhos, a cidade surgiu à frente. Eles caminhavam numa estrada larga e pavimentada, coberta de grandes arcos cheios de esculturas de vários deuses. Os campos cultivados se estendiam dos dois lados da estrada, coloridos pelos vegetais e pelo trigo dourado. Muitos colonos trabalhavam o solo, arando a Terra com a ajuda de bois negros. Eles olhavam maravilhados a procissão de seres celestiais e rishis, saudando-os à sua passagem, enquanto os abençoavam. Ao anoitecer, a procissão chegou aos portões da cidade, que era circundada por imensos muros de granito. Os mensageiros foram correndo informar o rei da chegada deles, e logo uma multidão de cidadãos saiu da cidade, admirados de ver tantos rishis e outros seres celestiais, que pareciam uma assembleia de deuses entrando na cidade. Quando os cumprimentos e formalidades terminaram, um chefe rishi contou ao rei o que sucederá. Sempre seguindo o caminho da virtude. Pandu ascendu aos céus junto com sua casta esposa Madri. Aqui estão seus cinco filhos, nascidos dos deuses. O rishi deu o nome do deus que era pai de cada menino. Depois de pedir ao rei que cuidasse do bem-estar e dos estudos dos garotos, ele se reuniu aos outros rishis. Então, ante os olhos dos cidadãos estupefatos, todos os sábios e seres celestiais desapareceram do local. Um dos líderes kurus se aproximou de Kunti e a saudou de mãos postas. Ela o apresentou aos filhos, dizendo: Este é seu avô Bishma. Os cinco se ajoelharam reverentemente, saudando o avô. Então Bishma levou Kunti e os cinco meninos para conhecer a cidade, arranjando acomodações para todos no palácio real. Os últimos rituais fúnebres foram realizados para Pandu e Madri. Todos os líderes kurus, acompanhados de milhares de cidadãos, entraram no rio Ganges e fizeram oferendas pelas almas que partiam. A cidade inteira, então, respeitou um período de 12 dias de luto, que terminou com uma grande festa. Muitas riquezas foram dadas como caridade aos brâmanes, e o rei distribuiu uma grande quantidade de comidas refinadas para todas as pessoas da cidade. Aos poucos, a vida voltou ao normal e os filhos de Pandu tomaram seu lugar na família real. Livro Mahabharata – Recontado por Krishna Dharma. Versão Condensada da Maior Epopeia do Mundo. Abraço. Davi.

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