Mahabharata.
Texto de Krishna Dharma. Capítulo Quatro. II. O REI CEGO. AGORA ELE VEIO
SUAVIZAR A CARGA DO MUNDO e isso certamente acontecerá. Quem pode evitar o
destino? Dristarastra tinha ouvido os sábios descreverem como Krishna havia
aparecido para destruir todos os elementos da Terra. Talvez Duriodhana e seus
irmãos estivessem nessa categoria. Se esse fosse o caso, o que se poderia
fazer? E por que alguém deveria se preocupar? Krishna certamente retificaria a
situação - se ele fosse, realmente, o
Senhor Supremo. Akrura percebeu que seu conselho estava caindo em ouvidos
moucos. A cegueira de Dritarastra se completava pela recusa em ver os fatos ou,
pelo menos, em agir com responsabilidade. Só poderia haver um resultado para
tudo aquilo, que com certeza Dritarastra entenderia: por meio de sua política
de favorecer os kauravas em detrimento dos pandavas, ele provocaria um conflito
tal que acabaria destruindo a casa Kuru. Akrura se despediu de Dritarastra e
regressou a Madura. Depois que Akrura partiu, Dritarastra sentiu uma grande
ansiedade. Talvez houvesse mais alguma coisa que pudesse fazer. Certamente os
filhos de Pandu tinham direito prioritário ao trono. Assim Como tinham direito
à herança, eram virtuosos, poderosos e muito amados pelo povo. Iudistira era
especialmente competente, demonstrando uma compreensão acima da média sobre
religião e leis. O rei tinha que admitir que seus próprios filhos eram
inferiores. Mas era muito difícil pensar neles se afastando para que os
pandavas tomassem o trono. E se isso acontecesse, é claro, significaria que ele
próprio teria de se afastar. Ferido pela indecisão, Dritarastra pediu conselhos
a Bishma. Vidura e aos brâmanes. E todos foram unânimes: Iudistira deveria ser
feito príncipe regente. Bishma falou: Este é o único caminho virtuoso, ó rei!
Quantas vezes o povo nos enviou representantes pedindo que ele se tornasse
herdeiro do trono? Agora, ele já completou seu treinamento e é muito capaz. Não
demore mais em torna-lo príncipe regente. Dritarastra não podia argumentar e
logo preparou a cerimônia. Para alegria do povo e horror de Duriodhana,
Iudistira se tornou o rei aparente, ou herdeiro do trono. O príncipe kaurava
ficou atônito. Como é que seu pai permitirá uma coisa daquelas? Vendo sua raiva
e decepção, Bima lhe acenou, imitando suas caretas miseráveis. Levando consigo
karna e Dushasana, Duriodhana foi correndo para falar com Shakuni. Quando os
quatro ficaram a sós, Duriodhana exclamou: Ó tio, não posso tolerar mais! Bima
é odiosos e detestável. Iudistira se tornou o príncipe regente, e eu me tornei
um zero à esquerda no palácio! O que podemos fazer? Cheio de ódio, Duriodhana
explodia, enquanto Shakuni parecia pensativo. Depois de alguns momentos, seu
rosto pareceu se iluminar. Acho que o grande festival de Varanavata está para
acontecer logo. O rei sempre manda um representante àquela cidade distante para
a celebração anual. Por que não deixarmos que os pandavas sejam os
representantes deste ano? Duriodhana ficou pasmo. Os cantos da boca de Shakuni
se levantaram num leve sorriso. Os incêndios sempre aparecem do nada nesses
lugares quentes (...). Não seria uma tragédia terrível se os pandavas fossem
pegos numa fogueira? Os olhos de Driodhana se arregalram, enquanto ele assentia
com a cabeça. Dushasana deu uma gargalhada e apertou a mão do tia, mas karna
não podia concordar com eles e, levantando-se rápido, disse: Não posso
compactuar com essa traição. Somos guerreiros, são as armas que nos dão poder.
Se temos inimigos, vamos até um campo de batalha resolver essa questão da
melhor maneira. Shakuni foi até karna e apertou as mãos do rapaz, dizendo: Meu
menino, você é um herói, sem dúvida alguma. Nunca foi sábio enfrentar aqueles
que nos são superiores em força. Não se lembra do que aconteceu em Kampila? Não
viu como Bima os venceu com a maior facilidade? Karna franziu a testa numa
carranca. Preferia se esquecer do que ocorrera em Kampilia. Tinham sido pegos
de surpresa. Drupada era mais poderoso do que parecia – e, ao contrário dos
kauravas, os pandavas tiveram a oportunidade de conhecer esse fato antes de
ataca-lo. Pois diga o que quiser, Shakuni. Não tenho medo de Bima nem de nenhum
dos seus irmãos. Sou a favor do combate aberto e não posso me aliar a esquemas
covardes para ataca-los pelas costas. Assim dizendo, Karna se retirou.
Duriodhana ainda o chamou, mas Shakuni lhe disse que não se preocupasse.
Deixe-o. É teimosos e impetuoso, mas nunca sairá do nosso lado. Tenho certeza
de que você ainda terá oportunidade de usar o poder e o heroísmo dele, muito em
breve. Então, Shakuni contou a Duriodhana sua ideia. O príncipe deveria usar
sua influência para fazer com que seu pai enviasse os pandavas para Varanavata.
O astuto Shakuni já tinha analisado a situação cuidadosamente, inclusive a
mentalidade de Dritarastra. Se você o pressionar, seu pai certamente concordará
com sua proposta, ó príncipe. Confiante no julgamento de Shakuni. Duriodhana
logo acedeu. Sentado ao lado do tia, maquinou cautelosamente os detalhes do
plano, e então foi direto ver o rei. DRITARASTRA ESTAVA SOZINHO EM SEU QUARTO,
o queixo apoiado na mão, pensando. Depois da instalação de Iudistira, percebera
como Duriodhana tinha ficado furioso. O filho quase não lhe falara desde o dia
da cerimônia. Preocupado, Dritarastra tinha comentado o fato com Shakuni, seu
cunhado, então, lhe sugerira que falasse com um brâmane chamado Kanika, que era
um especialista em política e coisas do estado. Esse brâmane era amigo de
Shakuni e tinha pensamentos e critérios tão alienados quanto. Quando o rei lhe
pediu conselhos, ele respondeu que os pandavas deveriam ser imediatamente
destruídos. Se o senhor vê esses irmãos como inimigos, então não deve ter
nenhuma compaixão, ó rei! Não hesite. Antes que se fortaleçam, devem ser
liquidados. Se não, sua posição será seriamente ameaçada. Kanika sugeriu que o
rei empregasse alguma forma secreta para liquidá-los. Externamente, Dritarastra
deveria manter uma disposição amigável pra com os sobrinhos, mas assim que uma
oportunidade aparecesse, deveria atacar. O senhor não terá o apoio dos ministros
para um confronto direto. Nem o povo ficará feliz se souber que feriu os
pandavas. Dritarastra ponderou sobre o conselho de Kanika. Mas como ele poderia
ferir os filhos de Pandu? Havia algum sentido em vê-los como inimigos? Que mal
lhe teriam feito? Mas quando pensou em Duriodhana, a mente do rei se alienou.
Seu filho nunca seria feliz na presença dos pandavas. Nem poderia reivindicar o
trono, isso era bem claro. Também era muito improvável que o povo ou os anciãos
kurus escolhessem Duriodhana em vez de iudiistira, ou mesmo em vez de qualquer
um de seus irmãos. Ele já ouvira muitos relatórios acerca dos comentários do
povo. Passe o trono para Iudistira agora. Por que deveríamos ser governados
pelo cego Dritarastra? O rei sabia que tinha de tomar uma decisão. Ou pegava
Duriodhana pelas mãos e fazia com que ele aceitasse o fato de que Iudistira
seria o rei, ou seguia o conselho de Kanika. Mas nenhuma das duas opções lhe
parecia muito atrativa. Enquanto pensava, o rei ouviu as passadas de
Duriodhana, que se aproximava. Quando o príncipe chegou até ele, Dritarastra
pode sentir sua agitação. Perguntou-lhe o que o tornava irrequieto e Duriodhana
respondeu: É que tenho ouvido relatórios muito preocupantes do reino. Parece
que o povo quer que Iudistira seja coroado rei imediatamente. Não estão
satisfeitos com você, querido pai, e parece que tampouco se importam comigo.
Enquanto falava, Duriodhana andava de um lado para outro, balançando os
inúmeros ornamentos de ouro que normalmente usava. A ignomínia logo nos cobrirá.
Como é que você pensa que o rude Bima vai nos tratar? Seremos uma chacota.
Rejeitados e desprezados por todos, teremos de abandonar a casa de nossa
família. Duriodhana, então, contou que tinha pensado num meio de salvar a
situação. E revelou com cuidado o plano que ele e Shakuni tinham forjado,
observando de perto as reações do pai. O príncipe não sabia exatamente que
sentimentos o rei alimentava pelos pandavas. Primeiro, sugeriu que eles fossem
mandados para Varanavara para o próximo festival, sob o pretexto de dar-lhes
uma férias. Duriodhana falava em voz baixa, olhando para os lados, pelo quarto
do rei, para ver se alguém entrava. Uma vez que os irmãos estejam naquela
cidade distante, quem sabe o que pode acontecer? Talvez nunca mais regressem.
Dritarastra compreendeu imediatamente e exclamou, levantando a mão: Não! Esses
pensamentos são altamente pecaminosos. Como poderia permitir que você fizesse
algum mal aos filhos de Pandu? Meu irmão era gentil e generoso para comigo.
Deu-me todo este reino que hoje governo. Não tenho por ele nem por seus filhos
a menor má vontade. Amei Pandu, e seus filhos me são igualmente queridos. Mas,
à medida que falava, Dritarastra sentia aumentar a incerteza que o acometera
desde que fizera de Iudistira príncipe regente. Sua voz se tornou mais baixa.
E, depois, o que o povo diria se mandássemos os pandavas embora? O povo bem
pode se rebelar e nos afastar pela força. E estou certo de que Bishma e os
outros anciãos kurus estão do lado dos filhos de Pandu. Duriodhana sorriu. Já tinha
considerado aquela possibilidade. Não precisa ter medo, ó rei. Deixe-nos
começar a ganhar a preferência do povo, com a distribuição de riquezas e
honras. Assim que nossa posição se estabelecer, poderemos mandar os irmãos
embora. Na ausência deles, continuaremos a reforças nossa posição como o povo
até que esteja na hora da minha coroação. E quando me tornar rei os pandavas
poderão até voltar.Dritarastra se abaixou, aproximando seu rosto do de
Duridhana. Esse mesmo pensamento já me passou pela cabeça, filho querido, mas o
mantive secreto, com medo de pecar. Esses atos não serão apoiados por Bishma,
Vidura, Drona ou Kripa. Esses homens sábios e virtuosos não vêm nenhuma
diferença entre os kurus e os pandavas. Se souberem que estamos tentando tirar
os direitos dos pandavas – inclusive ferindo-os – você não acha que quererão
nos castigar. Duriodhana nem ligou para essa objeção do pai. Passara bastante
tempo analisando cautelosamente cada possibilidade com Shakuni. Aproximando-se
do pai, sussurrou: Ó rei, Bishma sempre se mantêm neutro; na verdade, jurou
proteger o trono de Hastinapura – e é você que hoje o ocupa. Quanto aos outros,
o filho de Drona, Asvatama, apoia-me em tudo, e Drona certamente não se oporá
ao filho querido. Kripa é nosso empregado, é pago para nos apoiar, e sua irmã é
a mulher de Drona. Portanto seremos apoiados por ele também. Vidura pode ser
que se oponha, mas que pode fazer ele? Depende de nós para sobreviver e tem
pouco poder. Duriodhana repetia sem parar ao pai que mandasse embora os pandavas.
Descrevia como, na presença dos primos, ele sofria intensamente. O rei ainda
relutou, mas o apego pelo filho finalmente venceu. Concordando com a proposta
do príncipe, disse: Assegure-se de que isso seja mantido em segredo, oculto até
mesmo de todos os seus conselheiros mais confiáveis. Duriodhana assentiu e saiu
feliz do quarto do rei, deixando o pai ainda consumido pela dúvida.
Imediatamente começou a fazer os arranjos. Livro Mahabharata – Recontado por
Krishna Dharma – Versão Condensada da Maior Epopeia do Mundo. Abraço. Davi.
Nenhum comentário:
Postar um comentário