domingo, 30 de abril de 2017

II. O REI CEGO.

Mahabharata. Texto de Krishna Dharma. Capítulo Quatro. II. O REI CEGO. AGORA ELE VEIO SUAVIZAR A CARGA DO MUNDO e isso certamente acontecerá. Quem pode evitar o destino? Dristarastra tinha ouvido os sábios descreverem como Krishna havia aparecido para destruir todos os elementos da Terra. Talvez Duriodhana e seus irmãos estivessem nessa categoria. Se esse fosse o caso, o que se poderia fazer? E por que alguém deveria se preocupar? Krishna certamente retificaria a situação -  se ele fosse, realmente, o Senhor Supremo. Akrura percebeu que seu conselho estava caindo em ouvidos moucos. A cegueira de Dritarastra se completava pela recusa em ver os fatos ou, pelo menos, em agir com responsabilidade. Só poderia haver um resultado para tudo aquilo, que com certeza Dritarastra entenderia: por meio de sua política de favorecer os kauravas em detrimento dos pandavas, ele provocaria um conflito tal que acabaria destruindo a casa Kuru. Akrura se despediu de Dritarastra e regressou a Madura. Depois que Akrura partiu, Dritarastra sentiu uma grande ansiedade. Talvez houvesse mais alguma coisa que pudesse fazer. Certamente os filhos de Pandu tinham direito prioritário ao trono. Assim Como tinham direito à herança, eram virtuosos, poderosos e muito amados pelo povo. Iudistira era especialmente competente, demonstrando uma compreensão acima da média sobre religião e leis. O rei tinha que admitir que seus próprios filhos eram inferiores. Mas era muito difícil pensar neles se afastando para que os pandavas tomassem o trono. E se isso acontecesse, é claro, significaria que ele próprio teria de se afastar. Ferido pela indecisão, Dritarastra pediu conselhos a Bishma. Vidura e aos brâmanes. E todos foram unânimes: Iudistira deveria ser feito príncipe regente. Bishma falou: Este é o único caminho virtuoso, ó rei! Quantas vezes o povo nos enviou representantes pedindo que ele se tornasse herdeiro do trono? Agora, ele já completou seu treinamento e é muito capaz. Não demore mais em torna-lo príncipe regente. Dritarastra não podia argumentar e logo preparou a cerimônia. Para alegria do povo e horror de Duriodhana, Iudistira se tornou o rei aparente, ou herdeiro do trono. O príncipe kaurava ficou atônito. Como é que seu pai permitirá uma coisa daquelas? Vendo sua raiva e decepção, Bima lhe acenou, imitando suas caretas miseráveis. Levando consigo karna e Dushasana, Duriodhana foi correndo para falar com Shakuni. Quando os quatro ficaram a sós, Duriodhana exclamou: Ó tio, não posso tolerar mais! Bima é odiosos e detestável. Iudistira se tornou o príncipe regente, e eu me tornei um zero à esquerda no palácio! O que podemos fazer? Cheio de ódio, Duriodhana explodia, enquanto Shakuni parecia pensativo. Depois de alguns momentos, seu rosto pareceu se iluminar. Acho que o grande festival de Varanavata está para acontecer logo. O rei sempre manda um representante àquela cidade distante para a celebração anual. Por que não deixarmos que os pandavas sejam os representantes deste ano? Duriodhana ficou pasmo. Os cantos da boca de Shakuni se levantaram num leve sorriso. Os incêndios sempre aparecem do nada nesses lugares quentes (...). Não seria uma tragédia terrível se os pandavas fossem pegos numa fogueira? Os olhos de Driodhana se arregalram, enquanto ele assentia com a cabeça. Dushasana deu uma gargalhada e apertou a mão do tia, mas karna não podia concordar com eles e, levantando-se rápido, disse: Não posso compactuar com essa traição. Somos guerreiros, são as armas que nos dão poder. Se temos inimigos, vamos até um campo de batalha resolver essa questão da melhor maneira. Shakuni foi até karna e apertou as mãos do rapaz, dizendo: Meu menino, você é um herói, sem dúvida alguma. Nunca foi sábio enfrentar aqueles que nos são superiores em força. Não se lembra do que aconteceu em Kampila? Não viu como Bima os venceu com a maior facilidade? Karna franziu a testa numa carranca. Preferia se esquecer do que ocorrera em Kampilia. Tinham sido pegos de surpresa. Drupada era mais poderoso do que parecia – e, ao contrário dos kauravas, os pandavas tiveram a oportunidade de conhecer esse fato antes de ataca-lo. Pois diga o que quiser, Shakuni. Não tenho medo de Bima nem de nenhum dos seus irmãos. Sou a favor do combate aberto e não posso me aliar a esquemas covardes para ataca-los pelas costas. Assim dizendo, Karna se retirou. Duriodhana ainda o chamou, mas Shakuni lhe disse que não se preocupasse. Deixe-o. É teimosos e impetuoso, mas nunca sairá do nosso lado. Tenho certeza de que você ainda terá oportunidade de usar o poder e o heroísmo dele, muito em breve. Então, Shakuni contou a Duriodhana sua ideia. O príncipe deveria usar sua influência para fazer com que seu pai enviasse os pandavas para Varanavata. O astuto Shakuni já tinha analisado a situação cuidadosamente, inclusive a mentalidade de Dritarastra. Se você o pressionar, seu pai certamente concordará com sua proposta, ó príncipe. Confiante no julgamento de Shakuni. Duriodhana logo acedeu. Sentado ao lado do tia, maquinou cautelosamente os detalhes do plano, e então foi direto ver o rei. DRITARASTRA ESTAVA SOZINHO EM SEU QUARTO, o queixo apoiado na mão, pensando. Depois da instalação de Iudistira, percebera como Duriodhana tinha ficado furioso. O filho quase não lhe falara desde o dia da cerimônia. Preocupado, Dritarastra tinha comentado o fato com Shakuni, seu cunhado, então, lhe sugerira que falasse com um brâmane chamado Kanika, que era um especialista em política e coisas do estado. Esse brâmane era amigo de Shakuni e tinha pensamentos e critérios tão alienados quanto. Quando o rei lhe pediu conselhos, ele respondeu que os pandavas deveriam ser imediatamente destruídos. Se o senhor vê esses irmãos como inimigos, então não deve ter nenhuma compaixão, ó rei! Não hesite. Antes que se fortaleçam, devem ser liquidados. Se não, sua posição será seriamente ameaçada. Kanika sugeriu que o rei empregasse alguma forma secreta para liquidá-los. Externamente, Dritarastra deveria manter uma disposição amigável pra com os sobrinhos, mas assim que uma oportunidade aparecesse, deveria atacar. O senhor não terá o apoio dos ministros para um confronto direto. Nem o povo ficará feliz se souber que feriu os pandavas. Dritarastra ponderou sobre o conselho de Kanika. Mas como ele poderia ferir os filhos de Pandu? Havia algum sentido em vê-los como inimigos? Que mal lhe teriam feito? Mas quando pensou em Duriodhana, a mente do rei se alienou. Seu filho nunca seria feliz na presença dos pandavas. Nem poderia reivindicar o trono, isso era bem claro. Também era muito improvável que o povo ou os anciãos kurus escolhessem Duriodhana em vez de iudiistira, ou mesmo em vez de qualquer um de seus irmãos. Ele já ouvira muitos relatórios acerca dos comentários do povo. Passe o trono para Iudistira agora. Por que deveríamos ser governados pelo cego Dritarastra? O rei sabia que tinha de tomar uma decisão. Ou pegava Duriodhana pelas mãos e fazia com que ele aceitasse o fato de que Iudistira seria o rei, ou seguia o conselho de Kanika. Mas nenhuma das duas opções lhe parecia muito atrativa. Enquanto pensava, o rei ouviu as passadas de Duriodhana, que se aproximava. Quando o príncipe chegou até ele, Dritarastra pode sentir sua agitação. Perguntou-lhe o que o tornava irrequieto e Duriodhana respondeu: É que tenho ouvido relatórios muito preocupantes do reino. Parece que o povo quer que Iudistira seja coroado rei imediatamente. Não estão satisfeitos com você, querido pai, e parece que tampouco se importam comigo. Enquanto falava, Duriodhana andava de um lado para outro, balançando os inúmeros ornamentos de ouro que normalmente usava. A ignomínia logo nos cobrirá. Como é que você pensa que o rude Bima vai nos tratar? Seremos uma chacota. Rejeitados e desprezados por todos, teremos de abandonar a casa de nossa família. Duriodhana, então, contou que tinha pensado num meio de salvar a situação. E revelou com cuidado o plano que ele e Shakuni tinham forjado, observando de perto as reações do pai. O príncipe não sabia exatamente que sentimentos o rei alimentava pelos pandavas. Primeiro, sugeriu que eles fossem mandados para Varanavara para o próximo festival, sob o pretexto de dar-lhes uma férias. Duriodhana falava em voz baixa, olhando para os lados, pelo quarto do rei, para ver se alguém entrava. Uma vez que os irmãos estejam naquela cidade distante, quem sabe o que pode acontecer? Talvez nunca mais regressem. Dritarastra compreendeu imediatamente e exclamou, levantando a mão: Não! Esses pensamentos são altamente pecaminosos. Como poderia permitir que você fizesse algum mal aos filhos de Pandu? Meu irmão era gentil e generoso para comigo. Deu-me todo este reino que hoje governo. Não tenho por ele nem por seus filhos a menor má vontade. Amei Pandu, e seus filhos me são igualmente queridos. Mas, à medida que falava, Dritarastra sentia aumentar a incerteza que o acometera desde que fizera de Iudistira príncipe regente. Sua voz se tornou mais baixa. E, depois, o que o povo diria se mandássemos os pandavas embora? O povo bem pode se rebelar e nos afastar pela força. E estou certo de que Bishma e os outros anciãos kurus estão do lado dos filhos de Pandu. Duriodhana sorriu. Já tinha considerado aquela possibilidade. Não precisa ter medo, ó rei. Deixe-nos começar a ganhar a preferência do povo, com a distribuição de riquezas e honras. Assim que nossa posição se estabelecer, poderemos mandar os irmãos embora. Na ausência deles, continuaremos a reforças nossa posição como o povo até que esteja na hora da minha coroação. E quando me tornar rei os pandavas poderão até voltar.Dritarastra se abaixou, aproximando seu rosto do de Duridhana. Esse mesmo pensamento já me passou pela cabeça, filho querido, mas o mantive secreto, com medo de pecar. Esses atos não serão apoiados por Bishma, Vidura, Drona ou Kripa. Esses homens sábios e virtuosos não vêm nenhuma diferença entre os kurus e os pandavas. Se souberem que estamos tentando tirar os direitos dos pandavas – inclusive ferindo-os – você não acha que quererão nos castigar. Duriodhana nem ligou para essa objeção do pai. Passara bastante tempo analisando cautelosamente cada possibilidade com Shakuni. Aproximando-se do pai, sussurrou: Ó rei, Bishma sempre se mantêm neutro; na verdade, jurou proteger o trono de Hastinapura – e é você que hoje o ocupa. Quanto aos outros, o filho de Drona, Asvatama, apoia-me em tudo, e Drona certamente não se oporá ao filho querido. Kripa é nosso empregado, é pago para nos apoiar, e sua irmã é a mulher de Drona. Portanto seremos apoiados por ele também. Vidura pode ser que se oponha, mas que pode fazer ele? Depende de nós para sobreviver e tem pouco poder. Duriodhana repetia sem parar ao pai que mandasse embora os pandavas. Descrevia como, na presença dos primos, ele sofria intensamente. O rei ainda relutou, mas o apego pelo filho finalmente venceu. Concordando com a proposta do príncipe, disse: Assegure-se de que isso seja mantido em segredo, oculto até mesmo de todos os seus conselheiros mais confiáveis. Duriodhana assentiu e saiu feliz do quarto do rei, deixando o pai ainda consumido pela dúvida. Imediatamente começou a fazer os arranjos. Livro Mahabharata – Recontado por Krishna Dharma – Versão Condensada da Maior Epopeia do Mundo. Abraço. Davi.



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