Vedanta. www.yoga.pro.br. Texto de Swami Dayananda Sarawasti (1930-2015). SOBRE A MORTE. Este é um extrato do
primeiro capítulo do Shrimat Sanatsujatiyam, uma seção do
grande épico Mahabharata, que foi comentada por Swami Dayananda durante
os encontros de estudo de março de 2007 no Ashram de Rishikesh, Índia. A
transcrição e tradução dos diálogos do épico e os comentários que Swamiji
entreteceu ao longo do texto, foi feita por Pedro Kupfer, para quem devem ser
creditadas as eventuais equivocações. Sejam todos muito bem-vindos. Temos um
texto muito interessante para comentar. Um texto que nunca comentei antes.
No Mahabharata, o grande épico, temos todos os assuntos possíveis:
administração, a arte da guerra. Todas as emoções humanas devidamente
ilustradas, o resultado e a conexão entre passado e presente, etc. Tem tanta
psicologia, tanto dharma. Tem valores. Para cada valor existe um
arquétipo. Como esses valores funcionam em situações dinâmicas, como aplicá-los
e interpretá-los corretamente. E, finalmente, o grande tema que é moksha,
a libertação. Depois, temos vários outros diálogos no épico, afora a Bhagavad
Gita, que apresentam moksha desde outros pontos de vista,
mas sempre considerando quem está lendo/ouvindo. Então, iremos olhar esta outra
conversação, entre outras duas pessoas. Estes não são Krishna e Arjuna. Este
épico tem algumas licencas poéticas. No entanto, as linhas gerais são
históricas. Quando você lê Ivanhoe, pode ter uma idéia de como eram
a Inglaterra e a Escócia no século XVI. Como havia ódio contra os judeus, como
era a sociedade, etc. Algumas personagens saíram da mente do autor, Walter
Scott. Mas o contexto é histórico. Da mesa forma, no Mahabharata também
partimos de uma situação histórica com personagens reais, onde, escrevendo de
forma muito poética, Vyasa ilustra os valores e como aplicá-los nas diferentes
situações dinâmicas da vida. Dentro deste épico, encontra-se o diálogo sobre a
morte conhecido como Shrimat Sanatsujatiyam, que acontece
entre o rei cego, Dhritarashtra, e o sábio Sanatsujata. O rei cego solicita
para o sábio que fale sobre a morte. Quer ouvir seu ensinamento sobre este
assunto: porque fala-se na tradição hindu que a morte "não existe"?
Todos sabemos que ela existe, sim. Se a morte não existisse, porque as pessoas
iriam querer fugir dela? Há alguma confusão a respeito disso. Tome por exemplo
o mantra Asato ma. Ele diz, 'Da morte, conduza-me à
imortalidade'. Amrityu significa o mesmo que moksha:
ver-se livre da morte. A Chandogya Upanishad também fala sobre
este assunto. Nesse texto, diz-se que até mesmo os devas morrem.
'Como você pode dizer que a morte não existe?', pergunta o rei cego para o
sábio. 'Gostaria de compreender esta aparente contradição. Esse é meu desejo',
diz Dhritarshtra. Todos os seres vivos estão sujeitos a momentos de sukhaduhkha,
prazer e sofrimento. Você está feliz mas, antes mesmo de se dar conta de que
está feliz, a sua felicidade já se foi. Isso acontece todo o tempo, pois
estamos condicionados pelo samsara. É preciso acharmos uma solução
para essa aparente contradição. É um fato que estamos condicionados pelo tempo
e pelo espaço. Isso é uma realidade. É algo que não muda. Se existe o ilimitado
em termos de tempo/espaço, deveríamos fazer como o mantra nos ensina;
liberar-nos da noção da morte: 'Da morte, conduza-me à imortalidade'.
Apresentando-se Dhritarshtra como um shishya (estudante),
Sanatkumara irá lhe transmitir o ensinamento por ele solicitado. Se todos os
organismos morrem, se a morte sobrevêm para todos os corpos, isso é apenas um
epifenômeno, um detalhe químico, por assim dizer. Não há dúvida de que a morte
é apenas para os organismos. O corpo morre. Nesta vida, viajamos de um lugar
para outro dentro destes corpos, que estão limitados pelo tempo e pelo espaço.
Ocasionalmente, apesar dessas limitações espaço-tempo, eu me aceito do jeito
que sou. Ocasionalmente, me vejo como alguém totalmente aceitável. O conhecedor
de atma é aquele que não tem mais confusões a respeito de quem
ele é. Atma não é um objeto de conhecimento. Quando alguém
diz eu te amo, está dizendo amo o que estou vendo de
você, mais o que estou imaginando sobre a parte que não vejo. É por isso que
dizem que o amor é cego. Você até se supreende de amar alguem nessas condições,
mas às vezes a outra pessoa se surpreende ainda mais. Chamam isso de sociedade.
Estou apenas apresentando a confusão que acontece habitualmente. Sanatkumara
irá esclarecer essa confusão neste texto. O Shastra (escritura)
ensina e clarifica a este respeito. Até mesmo aqueles que sabem que existe vida
após a vida, confundem-se em relação a isto. A explicação que Dhritarshtra pede
é para ficar tranqüilo em relação ao seu próprio investimento emocional, que
são seus filhos. Antes que Arjuna e o exército dos Pandavas comecem a guerra
com Duryodhana, ele precisa um esclarecimento para saber o que irá acontecer
com seus filhos, caso morram. No Mahabharata, este diálogo vem um
pouco antes da Bhagavad Gita e do início da grande guerra. Se
você olhar para os lados, observará apenas formas e mais formas. Formas e
substantivos (vastu) ficam totalmente associados em sua mente. Se eles
são a mesma coisa, quando a forma muda, o nome muda. Se a forma não muda, o
nome não muda. A maneira em que este assunto é introduzido é muito bela. Vyasa
apresenta Dhritarshtra como um rei que, pelo menos temporariamente, está são.
Vejamos o diálogo. I. Vaisampayana disse: 'Então, o ilustre e sábio rei
Dhritarashtra, havendo aplaudido as palavras faladas por Vidura, inquiriu
Sanatsujata em segredo, desejoso de obter o mais elevado de todos os
conhecimentos. E o rei questionou o sábio dizendo, 'ó Sanatsujata, eu
escuto que você é da opinião de que não há morte. No entanto, é dito que deuses
e asuras (demônios) fazem práticas de austeridade como forma
de evitar a morte. Desses dois diferentes pontos de vista, qual é o
verdadeiro?' Sanatsujata disse, 'Alguns dizem que a morte é evitável através de
certas ações particulares; outros opinam que não existe morte; me perguntas
qual desses pontos de vista é o verdadeiro. Escuta minhas palavras ó rei,
enquanto eu discurso sobre isso, de maneira que tuas dúvidas possam ser
removidas'. 'Saiba, ó guerreiro, que ambas opiniões são
verdadeiras. Os educados são da opinião de que a morte é um resultado da
ignorância. Eu digo que ignorância é morte e, portanto, que a ausência de
ignorância é imortalidade. É por causa da ignorância que os asuras tornan-se
sujeitos a derrota e a morte, e é a partir da ausência da ignorância que os
deuses atingem a natureza de Brahman. 'A morte não devora as criaturas como um
tigre, ela não tem uma forma definida. Além disso, alguns imaginam que Yama?
seja a morte. Isto, no entanto, acontece por causa da fraqueza [limitadora] da
mente. 'A busca de Brahman ou autoconhecimento, é imortalidade. Esse Deus da
Morte, que habita a região dos ancestrais, é a fonte da virtude para o reto e
do sofrimento para o equivocado. 'É obedecendo ao seu comando que a morte, na
forma de ira, ignorância e raiva, acontece entre os homens. 'Tomados pelo
orgulho, os homens se desviam do caminho reto. Deles nenhum é bem sucedido na
tarefa da conquista da sua natureza real. 'Com o entendimento nublado, e
tomados pelas paixões, identificam-se com seus corpos e morrem repetidamente.
Eles estão sempre dominados pelos seus sentidos. É por isso que a ignorância
recebe o nome de morte. Aqueles homens que desejam o fruto da ação, quando é
chegado o momento de desfrutar desses frutos, são conduzidos para o céu,
abandonando os seus corpos. Portanto, eles não podem evitar a morte. Criaturas
encarnadas, vivas, inaptas para alcançar o conhecimento de Brahman
identificadas com os desfrutes terrenais, continuam incessantemente subindo,
descendo e girando no ciclo de renascimentos. 'A inclinação natural do homem em
relação a propósitos ilegítimos é a única causa do erro a que são induzidos os
sentidos. A pessoa que é constantemente afetada pela busca de objetos irreais,
lembrando apenas aquilo com o qual ela está a cada momento ocupada, valoriza
apenas os desfrutes terrenais dos quais se cerca. 'O desejo do desfrute é o
primeiro destruidor dos homens. Lascívia desenfreada e ira seguem em
seguida. Estes três, o desejo, a lascívia e a ira conduzem os tolos à morte.
'Aqueles no entanto que, através da autodisciplina, conquistaram o ser, escapam
da morte. Aquele que conquistou o Ser sem ser
subjugado pelas suas ambições, reconhece que estas não têm valor, com a ajuda
do autoconhecimento. 'Ignorância, assumindo a forma de Yama [a morte física],
não pode devorar o sábio que superou seus desejos desta forma. XIII. 'O homem
que segue os seus desejos é destruído junto com eles. No entanto, aquele que
consegue renunciar aos desejos, pode certamente dispersar sua influência. 'O
desejo é de fato ignorância, trevas e sofrimento em relação a todas as
criaturas, pois tomados por ele, perdem os sentidos. XIV. 'Assim como, pessoas
intoxicadas andam tropeçando nos buracos da rua, da mesma forma os homens, sob
a influência dos desejos, enganados por alegrias ilusórias, correm em direção à
destruição. XV. 'Que pode a morte fazer contra aquela pessoa que não se deixou
confundir, nem distrair pelo desejo para ele, a morte não inspira medo, é como
um tigre feito de gravetos. 'Portanto ó kshatriya, se a existência
do desejo, que é ignorância, deve ser destruída, nenhum desejo, nem até mesmo o
menor, deve ser pensado ou buscado. XVI. 'Este Ser, que habita seu corpo,
associado à ira, à raiva e à ignorância, é a própria morte. Sabendo que a morte
surge desta maneira, aquele que confia no conhecimento, não guarda medo dela.
'De fato, assim como o corpo é destruído sob influência da morte, a própria
morte é destruída quando fica sob influência do conhecimento. XVII.
Dhritarashtra disse: 'os Vedas declaram a capacidade de emancipação daquelas
regiões eternas e sagradas, que são alcançadas através de preces e sacrifícios.
Sabendo disso, por que não deveria uma pessoa instruída recorrer a atos
religiosos?' XVII. Sanatsujata disse: 'De fato aquele que não têm conhecimento
procede no caminho indicado por você e os Vedas também declaram que esse
caminho conduz a emancipação e plenitude. Porém aquele que confunde o corpo
material com o Ser, tendo sucesso na renúncia aos desejos alcançará
imediatamente a emancipação. Se, no entanto, for buscar a emancipação sem
renunciar aos desejos deve-se proceder de acordo com um plano de ação
prescrito, tomando-se o cuidado de destruir os eventuais desvios da rota pela
qual se passou'. XIX. Dhritarashtra disse: 'Quem é esse, que é não nascido e
eterno? Se ele é aquele que é todo este universo, aquele que entrou em
todas as coisas, qual pode ser sua ação ou sua felicidade? Ó sábio erudito,
explique esta verdade para mim!' XX-XXI. Sanatsujata disse: 'Têm uma grande
objeção em identificar completamente as duas diferentes criaturas. As
diferentes criaturas sempre derivam da união das condições. Este ponto de vista
não se contradiz com a supremacia do não nascido que é o não nascido, os homens
também se originam da união das condições. Tudo isso que aparece não é sinal o
Ser supremo e eterno. De fato o universo é criado pelo Ser que sofre
transformações. Os Vedas atribuem esse poder de auto transformação ao Ser
absoluto. Para essa identidade do poder e o controlador, os Vedas e demais
escrituras são a autoridade. XXII. Dhritarashtra disse: 'Neste mundo alguns
praticam a virtude e outros renunciam as ações. Em relação aqueles que praticam
a virtude: é a virtude eficiente para destruir a equivocação ou ela é destruída
pela equivocação?' XXIII. Sanatsujata disse: 'Os frutos da virtude e da não
ação perfeita, ambos são eficientes a este respeito. De fato, ambos são meios
seguros para alcançar a emancipação. O homem no entanto, que é sábio, alcança o
sucesso através do conhecimento. Por outro lado, o materialista adquire mérito
pela ação e consequentemente alcança também a emancipação no decorrer do seu
caminho ele incorre na equivocação. Havendo colhido novamente os frutos da
virtude e a equivocação que são transitórios, o homem de ação, reforça o seu
hábito de agir como uma consequência de seus acertos e erros prévios. O homem
de ação no entanto dotado de inteligência neutraliza os seus erros através das
ações virtuosas. A virtude portanto, é forte e conduz ao sucesso o homem de
ação. www.yoga.pro.br.
Abraço. Davi
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