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SOBRE A CULPA. Tememos decepcionar os outros, sentimos culpa por decepcionar os
outros. Mas uma pessoa não pode decepcionar ou desiludir outra, se a
ilusão criada não partiu dela. Seria uma grande tolice pensar desta forma.
Só que, muitas vezes, assumimos essas responsabilidades absurdas, movidos
pela necessidade de aceitação, de autoafirmação, ou por acreditarmos que
somos salvadores do mundo, que aqui viemos para ajudar as almas perdidas.
E isto, na realidade, só demonstra o nosso orgulho, a nossa fantasia sobre
nós mesmos, nossa fascinação, nossa auto adoração. Por causa da culpa, por nos
acharmos salvadores do mundo, responsáveis por tudo e por todos, estamos
sempre tentando evitar que algo de errado venha a acontecer. Então, carregamos
pesos enormes sobre nossos ombros desnecessariamente. Achamos que somos
responsáveis pelos outros, que os outros não podem, não conseguem,
agir prudentemente sem a nossa ajuda. Muitas vezes até nos metemos a agir
por eles, achando que iremos salvá-los de um mal maior. Tal atitude revela
uma tremenda arrogância de nossa parte. Agindo assim, colocamo-nos como
superiores, maiores, melhores, e jogamos para baixo aqueles a quem
acreditamos estar ajudando, menosprezamos suas capacidades. O pior é que
achamos normal assumir tal postura, convencidos de que estamos agindo por
bondade, por compaixão. Estamos sempre tentando evitar que os outros se magoem
ou que briguem conosco, que sintam raiva de nós. Estamos sempre tentando
evitar que as pessoas briguem entre si, que nossa autoimagem se desfaça.
Não queremos ser responsáveis por nada de ruim, não queremos ser culpados por
nada de ruim. Queremos, sim, fazer os outros felizes. Mas como fazer
alguém feliz e não damos conta nem de nossa própria felicidade? Se achamos
que os outros têm a responsabilidade de nos fazer felizes? Se
acreditamos que as coisas externas vão nos trazer felicidade? Quanto mais
tentamos evitar problemas, situações desagradáveis, brigas ou conflitos,
mais contribuímos para a criação e manutenção de confusões e situações
conflitantes. A culpa gera ansiedade, repressão, pressão, tensão. A culpa é a
raiva secreta de si mesmo. A culpa é a não aceitação de si mesmo, a não
aceitação das coisas como são, dos nossos limites físicos,
materiais, psíquicos. A culpa é também o medo da rejeição. Por sentirmos
culpa ou para evitarmos de senti-la, fazemos coisas que não queremos,
contrariamos nossa própria natureza, nossas necessidades, nos violentamos.
Se nos sentimos tão culpados assim é porque, na verdade, somos muito
orgulhosos, vaidosos; é porque estamos preocupados com o que vão achar de
nós, com o que vão dizer de nós. O fato é que cada um de nós está interessado
em seus próprios prazeres, necessidades. Cada um de nós está preocupado
consigo mesmo. Por isso, culpamos os outros pelos nossos erros, pelas
nossas incapacidades, fraquezas, preguiça, má vontade, ignorância. Aquele
que não tem consciência disto, que tem problemas de aceitação de si mesmo
e dos fatos, chama a culpa para si. Aquele que corre atrás da aceitação
dos outros, que mendiga aceitação alheia, tende a sentir uma intensa e
descabida culpa. Um filho que tem preguiça de fazer comida para si mesmo, por
exemplo, culpa a mãe por não ter preparado sua refeição. Ou seja, vê na
figura da mãe um objeto para a satisfação de suas necessidades. Por outro lado,
uma mãe que tem problemas de carência, que não se aceita, está sempre
culpando o filho pelas escassas visitas, por não receber dele atenção, por
não ser reconhecida, lembrada. A fim de suprir seus desejos, suas
necessidades de aceitação, apela para a chantagem emocional. Assim, de
forma inconsciente, ela utiliza o filho como objeto de satisfação de seus
desejos, de suas necessidades. Cabe aqui assinalar que isto não significa
que se deva desprezar as mães, mas se, por exemplo, resolvemos visitar
nossas mães movidos apenas pelo sentimento de culpa, vamos mal. Não há mérito
em fazermos algo por alguém, se depois exigimos algum tipo de reconhecimento.
Há muitas explicações para tanta solicitude em relação ao outro: carência,
necessidade de aceitação, baixa estima. Há ainda aqueles que, quando não
recebem o reconhecimento esperado após ajudar alguém, apelam para a
chantagem, tentando fazer com que aqueles a quem prestou ajuda se sintam
culpados, e assim acabem por reconhecê-lo, movidos por sentimentos que
acreditam ser de arrependimento ou consciência. É preciso perceber que
gratidão é uma coisa e culpa é outra, bem diferente, muito diferente. A culpa
tem origem nos padrões, nos conceitos e preconceitos, nos falsos valores. Eis
um quadro clássico: uma mãe acredita que tem que fazer tudo por seu filho,
que tem que se preocupar com seu filho, já que é o que todo mundo diz e
faz; e, se algo a impede de fazê-lo, ela irá se sentir profundamente
culpada, mais ainda se o filho resolve culpá-la diretamente. A sociedade
utiliza a culpa como regulador da moralidade, utiliza-a para controlar as
pessoas, para fazer com que estas se sintam obrigadas a agir do modo mais
conveniente. Para quem obtém as vantagens, é muito cômodo culpar os
outros. Enfim, todos nos utilizamos da culpa, da chantagem, para obtermos
o que queremos. É muito cômodo, muito comum, apesar de não nos darmos
conta disso. Não sentimos culpa por qualquer coisa, por qualquer motivo.
Sentimos culpa apenas em relação àquilo que julgamos correto, importante,
justo. Sentimos culpa em relação a pessoas que julgamos importantes,
segundo os nossos padrões, valores, conceitos. É de se questionar onde está a
moral de quem usa de chantagem para cobrar moralidade de outrem. Dominados
por medos diversos, cegos pelos desejos, moldados por conceitos e
preconceitos, iludidos por falsos valores, influenciados pelos inúmeros
egos que possuímos, não conseguimos a isenção necessária para que possamos
verdadeiramente observar o que realmente ocorre dentro de nós. Vivemos a nos
culpar no presente por causa de culpas do passado. E buscamos a aceitação ou
o perdão alheio como se estivéssemos fugindo, evitando, negando ou nos
justificando por culpas passadas. Este é um caso que merece muita
reflexão. Tentemos refletir sobre tal situação com um exemplo: uma criança
que foi rejeitada pela mãe pode vir a buscar essa aceitação de maneira
inconsciente. Isto vai fazer com que ela passe a refletir essa necessidade
de aprovação, de aceitação, no comportamento com as pessoas à sua volta.
Porém, ainda que ela consiga obter posteriormente a aceitação da mãe ou dos
outros, a rejeição de um dado momento nunca será compensada. Não será
compensada porque ela teria de ser compreendida em si mesma; deveria
haver, antes de tudo, a percepção direta de que se está tentando compensar
um momento com outro. Só com esta consciência seria possível permanecer no
presente, no agora. Sentimos culpa por causa da nossa auto cobrança, por
acharmos que poderíamos sempre ter sido melhores, que deveríamos ter feito
isso ou aquilo. Quando nos culpamos ou nos recriminamos, e repetimos a
contínua ladainha de que fomos burros, de que não poderíamos ter agido daquela
maneira, estamos, na realidade, dizendo: “como é possível que alguém tão
genial, tão brilhante, tão conceituado pelos outros, tão admirado, como
nós, tenha falhado a esse ponto?” Neste sentido, estamos colocando a aparência,
a autoimagem é acima de qualquer outro valor. Usando de um outro exemplo para
ilustrar a situação, quando uma criança se machuca e a mãe se sente
culpada por isto, e diz para si mesma que não poderia ter se descuidado,
na verdade ela está querendo dizer: “Como é que uma mãe como eu, tão atenta,
tão preocupada, tão cuidadosa, pode falhar desta maneira?”. Assim, precisamos
perceber que a auto cobrança não passa de um esforço para preservarmos uma
certa imagem diante dos outros, para preservarmos nossas fantasias sobre
nós mesmos, para mantermos um conjunto de sensações agradáveis. A culpa é o ato
interno de remoer uma situação mal resolvida. Precisamos observar, analisar,
compreender e eliminar de dentro de nós esses agregados psíquicos que nos
fazem sofrer, esses agregados psíquicos que fazem os outros sofrerem. www.jardimdosmestres.com.br. Abraço.
Davi
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