segunda-feira, 14 de setembro de 2020

I O SUFISMO COMO DIMENSÃO MÍSTICA DO ISLÃ

 

Sufismo. Editor do Mosaico. Amigos leitores passo a transcreve a pesquisa acadêmica feita pelo professor Carlos Frederico Barboza de Souza com o título: I O SUFISMO COMO DIMENSÃO MÍSTICA DO ISLÃ. Como introdução digo que o Islamismo é sabidamente uma doutrina religiosa com várias vertentes filosóficas. Acontece que o mundo ocidental em sua perversa generalização estereotipou a religião Islâmica, comparando-a aos diferentes grupos radicais (e suas facções) que usam a força, como violência para impor suas ideologias políticas, sociais e doutrinas dogmática. Mas existem inúmeros seguimentos muçulmanos espiritualistas que proclamam o amor, a paz, a compreensão, a tolerância e a fraternidade humana. Esses nobres movimentos da religião do profeta Maomé em momento algum ganham destaque na mídia, falada, escrita ou nos tele jornais do ocidente. Uma religião que precisamos conhecer para melhor respeitá-la, valorizando seus conceitos, pressupostos e mistérios. Entendendo que Allá O Eterno Bem da Humanidade a concedeu como dádiva divina, dentre tantas, à todos os povos que o buscam com um coração sincero e contrito. Allá seja conosco nessa leitura.  Ao final do segundo texto seguirá a referência bibliográfica. Começa o texto da dissertação do professor  Carlos Frederico Barbosa de Souza. I O SUFISMO COMO DIMENSÃO MÍSTICA DO ISLÃ. "Diante da realidade islâmica contemporânea e buscando estar atento às diversas vozes presentes no "outro", este artigo tem em vista apresentar de forma sucinta o que é o Sufismo, pensando-o como uma possibilidade entre muitas de concretização das crenças islâmicas. Para tal, iniciar-se-á procurando compreender como a notícia acerca de sua existência chega ao Ocidente, ou seja, como os ocidentais o "descobrem". A seguir, centrar-se-á na busca de compreender o Sufismo a partir de sua relação com o Islamismo por meio de suas fontes primordiais: o Alcorão e o Profeta Muhammad (ou Maomé). Por fim, este artigo apresentará brevemente alguns elementos que compõem e caracterizam o repertório de crenças e práticas de várias Escolas Sufis tais como a busca da Unicidade Divina, a prática meditativa da recitação dos Nomes Divinos e a submissão à orientação de um "Sayh". " De maneira geral, a mídia apresenta uma face quase que unilateral acerca do Islã, baseada em algumas pré compreensões simplistas do mesmo ou compreensões exclusivas de grupos mais radicais no seguimento e interpretação da Lei Religiosa e em questões sócio políticas. Assim, sendo, na maior parte das vezes, é incapaz de captar sua singularidade enquanto experiência religiosa e, ao mesmo tempo, a diversidade que compõe o seu espectro. Infelizmente, muitas pessoas, ao não terem acesso a uma leitura mais ampla acerca da história e constituição da tradição muçulmana e dos diversos grupos e concepções que a compõem, acabam desenvolvendo comportamentos e posições intolerantes e preconceituosas sem ao menos se colocarem a questão de que a maior parte do preconceito surge do desconhecimento do outro ou de um conhecimento insuficiente e limitado por paradigmas que não se encaixam em seu universo de sentido. Diante de tal situação, o primeiro passo é o conhecimento, pois este é a primeira forma de aproximação da singularidade e alteridade que constitui o outro enquanto outro. Porém, este esforço de aproximação cognitiva do diverso pode ter seu resultado malogrado devido às perspectivas com que uma pessoa se mune na realização de tal tarefa. Portanto, algumas posturas são importantes e necessárias. Respeito e acolhida ao outro, aceitando-o como um ser distinto e valorizando sua alteridade, que em si é uma riqueza, pois aponta para a liberdade humana capaz de construir diversas posturas frente ao cosmo e á realidade sócio político cultural, indicando a possibilidade de que se pode ser diferente, de que não se é "obrigado" a ser sempre do mesmo jeito. Além do mais, o contato com esta riqueza que a diversidade propicia gera uma aprendizagem sobre si mesmo e sobre o locus de onde se parte e no qual cada um se situa. Também se faz necessário munir-se de humildade, reconhecendo-se pequeno diante da infinitude absoluta do Sagrado que ultrapassa as crenças de cada tradição religiosa. Uma atitude como esta pode propiciar uma busca sincera da Verdade que está para além das tematizações acerca do Divino que cada religião elabora ou se percebe inspirada a elaborar. Assim, novas e inusitadas manifestações compreensões acerca da própria tradição religiosa e acerca das manifestações do Sagrado são possibilidades. Por fim, faz-se necessário munir-se de gratuidade, pois não é uma busca de conhecimento acerca do outro para convertê-lo, ou seja, torná-lo semelhante a nós e acabar com a diferença. Ouvir a voz do "outro" significa entrar na relação face a face com ele e além dos interesses pessoais de quem com ele estabelece interlocução sócio político cultural; e permitir, assim, a revelação de seu rosto às concepções preconcebidas e ao sistema dominante. Diante da realidade Islâmica contemporânea e buscando estar atento às diversas vozes presentes no outro, este artigo tem em vista apresentar de forma sucinta o que é o Sufismo, pensando-o como uma possibilidade; entre muitas, de concretização das crenças Islâmicas. Para tal, iniciar-se-á  procurando compreender como a notícia acerca de sua existência chega ao Ocidente, ou seja, como os ocidentais o "descobrem". A seguir centrar-se-á na busca de compreender o Sufismo a partir de sua relação com o Islamismo por meio de suas fontes primordiais: o Corão ou Alcorão (livro sagrado dos muçulmanos) e o profeta Muhammad ou Maomé. Por fim, este artigo apresentará brevemente alguns elementos que compõem e caracterizam o repertório de crenças e práticas de várias Escolas Sufis. A Descoberta do Sufismo pelo Ocidente. O Sufismo tem uma longa história e é cercado de um certo interesse pelo mundo ocidental. Já na Idade Média, o contato entre cristãos e árabes ocorreu mediado pela filosofia. Textos de origem árabe judaica provocarão uma transformação no pensamento ocidental: novos métodos, novos conhecimentos, novos problemas, que exigirão um esforça enorme de razão cristã. O próprio pensamento Aristotélico chega ao ocidente, de forma sistemática e sob uma ótica neoplatônica, por meio do filósofo persa Avicena (980-1037). Depois, os que continuaram a trazer a obra aristotélica para o Ocidente foram os  tradutores, dentre os quais tiveram um papel significativo o Collegium de Toledo, fundado pelo arcebispo Raymond de Sauvetat (1126-1151), e que traduziu o texto aristotélico a partir de versões siríacas e árabes. Não se pode esquecer também o intenso debate no seio da cristandade com o chamado "averroismo latino", movimento que interpretava Aristóteles a partir do prisma de Averrois (Ibn Rusd) e tinha como seus principais representantes Boécio de Dácia (1200-1299) e Siger de Brabante (1240-1284). Mais tarde, o catalão Raimundo Lúlio (1316) parecia haver sofrido uma influência dos místicos Sufis. Também Joinville chanceler de Luis IX, levou em 1638, levou para a Europa o conhecimento da figura de  Rab a Al Adawiyya, no final do século XIII. No século XVII, em 1638, Fabricius, da Rostoch University, editou e traduziu  pela primeira vez o poema do místico egípcio Ibn al Farid. E em 1651, Adam Olearius (1599-1671) fez a primeira tradução para o alemão dos livros favoritos da intelectualidade européia. Porém, é principalmente a partir da era moderna que o interesse de intelectuais do ocidente pelo Sufismo aumenta, pois a modernidade é o marco a partir do qual surge a preocupação ocidental mais ampla. A motivação desta curiosidade se relaciona com o progressivo empreendimento colonial, mormente à medida que este vai se tornando, em termos políticos, um dos principais escopos das nações euporéias. O Sufismo como Dimensão mística do Islã. 1. O intuito de conhecer a religião dos povos "colonizados" era propiciar um melhor meio de dominá-los, pois muitos de seus mestres possuíam, em vários países, lugar de destaque e, em outros, muitas rebeliões estavam associadas a suas lideranças. Para isto, investiu-se em especialistas sua língua e cultura, o que gerou vários volumes de estudos e traduções de vários de seus textos, além de gerar uma especialidade científica: o orientalismo. 2. Assim, "Naqueles ambientes, o estudo do Sufismo se tornava uma via mediana entre a constituição de um dossiê policial e a análise de cultos perigosos". O início dos estudos ocidentais modernos sobre o Sufismo se encontra ao redor do século XVIII, quando se criaram os conceitos  fundamentais que condicionaram a compreensão a seu respeito, e se estende pelo século XIX. Os primeiros trabalhos se baseiam nos relatos fragmentários de viajantes europeus pelos territórios árabes e que viam os Sufis como um grupo exótico e referindo-se vagamente ao Islã. Sua terminologia sublinhava o elemento bizarro e os comportamentos que mais se distanciavam dos comportamentos europeus. Neste sentido, os termos mais utilizados para se referir a seus adeptos foram a palavra árabe faqsr e a persa dervish, que significam, ambas, pobre. Porém, a utilização destes termos também era marcada pelo exotismo. Para se abordar os dervishes por exemplo, ressaltavam-se os grupos urlantes, dançantes e rodopiantes. Quanto ao termo faqsr, a confusão era maior. Além de não se faer a diferenciação entre os ascetas não muçulmanos e os muçulmanos, o termo se assemelhava à palavra inglesa "faker", falsificador, o que deixava uma impressão de que os Sufis eram charlatães e impostores. Nesta ambiência de forte cunho político, surge o termo Sufismo, proveniente de "Sooffess", forma como os ingleses nomeavam os adeptos da "Tasawwuf", palavra pela qual estes grupos se autodenominavam em árabe "Safs e Safiyya". Diferentemente de "faqsr e dervish", embora se referisse a mesma realidade, este termo "Sooffess" era carregado de um sentido positivo. Eram admirados por sua pesia, música e danças. Além do mais, eram vistos como livres pensadores que tinham pouco a ver com a "rígida fé muçulmana". A palavra Sufismo, portanto, surge no fim do século XVIII como uma forma de apropriação de alguns aspectos que os europeus achavam atraentes na cultura oriental. Porém, seu conhecimento ainda era insuficiente. Não se percebia nitidamente sua relação como o Islã, além de se associá-lo, muitas vezes, ao Hinduísmo e cristianismo. O primeiro livro escrito sobre o Sufismo por um ocidental foi o tratado deo teólogo alemão Tholuck (1799-1877). Este livro, escrito em latim e publicado em 1821, reconhece o papel dos ingleses na "descoberta" do Sufismo e afirmava a relação débil entre este e o Islã. Citando um registro missionário de 1818, no qual se afirma a existência de um número ao redor de oitenta mil pessoas na Pérsia (atual Irã), chamados Sufi, que cerca de 10 ou 12 anos atrás, abertamente repudiou o maometismo, ainda retrata o desejo ocidental de separar sua realidade da religião islâmica. Segundo Carl W. Ernst (1950-    ), este desejo é presente também na leitura que Tholuck faz do mesmo, imprimindo-lhe conceitos bem ocidentais como Panteísmo e Teosofia. Embora Tholuck reconheça a eixtência junto a Muhammad (Maomé) de seguidores que cultivavam elementos do que mais tarde seria chamado de Sufismo, ele acredita que o mesmo havia se distanciado das propostas originárias do Profeta. O principal problema destas primeiras leituras é que, ao separar o "Tasawwuf" do Islã, não reconhecem o papel fundamental que tem o Corão ou Alcorão, o Profeta, a Sarsa e os ritos islâmico para sua espiritualidade mística. Porém, após estes estudos, a aproximação aos textos Sufis começa a crescer e um número maior deles passa a ser traduzido ou editado em suas línguas originais, seja em países muçulmanos ou ocidentais. Todavia, ainda é pequeno o conhecimento dos mesmos, principalmente se pensarmos que, segundo Carl Ernst, escrevendo em 1977, só se tem acesso a menos de dez por cento dos manuscritos árabes, sem falar nos manuscritos persas, turcos, swahili, urdus e em outras línguas utilizadas na região. Definição. Segundo Annemarie Schimmel (1922-2003) o Sufismo é a dimensão mística do Islã. Isto quer dizer que ele se centra no aspecto esotérico, interior da religião muçulmana, distinguindo-se de outros grupos que se centram mesmo sem perder sua dimensão de interioridade, no aspecto exotérico, exterior. É como a contemplação da realidade espiritual que se distingue da observância estrita da lei religiosa recebida por meio dos rituais, textos sagrados e autoridades religiosas. Como tradição mística do Islã, não é uma espiritualidade distinta e aparte dele, pois procura assumir os seus preceitos, suas leis e pilares, seu livro sagrado, enfatizando, no entanto, a perspectiva de interioridade que isto tudo propicia. Como nos afirma Roger Garaudy (1913-2012), o Sufismo é uma dimensão da fé muçulmana: sua dimensão de interioridade. Qualquer tentativa para fazer dele uma corrente autônoma, ou uma função separado, degrada-o inevitavelmente (...). Seria, portanto, falso identificar o Sufismo com a mística cristã ou com a meditação hindu. Sem dúvida, devido à própria expansão do Islã, houve contatos e trocas com os padres do deserto e sua mística cristã, como os gnósticos de Alexandria e os escritos de Plotino (204-270), com as sabedorias da Índia e a ascese budista. Essa fecundação recíproca pôde enriquecer a visão de cada um, mas as origens profundas do Sufismo continuam no Corão. Em árabe, o Sufismo é denominado "Tasawwuf" e deriva da palavra "sãf", que significa "lã" e se relaciona com a veste utilizada pelos primeiros Sufis, que era associada, segundo a tradição,à predileção da maioria dos profetas por tais tipos e vestimentas. Neste etimologia está a contestação do mundo, útil particularmente nos primeiros tempos islâmicos, quando as conquistas muçulmanas criaram um ambiente de fartura e de uma vida voltada aos prazeres e bens materiais. também se encontra nesta relação com a veste de lã o valor que os Sufis dão à pobreza e ao despojamento de tudo o que não é Deus. Por isso, são também chamados de "faqsr" ou "derivsh". Outras tentativas de explicação associam a origem de seu nome à pureza "safa" e a banco, "suffa". O primeiro significado corresponderia a busca de descrever o Sufismo como a "purificação dos corações", tasfiyat al qulub". Já a palavra "suffa" procura estabelecer uma correspondência entre os Sufis e o "Povo do Banco ou Povo do Caminho", um grupo de seguidores do Profeta Maomé que não possuía moradia e dormia em banco, criando uma comunidade que partilhava tudo entre si. Também houve a associação, por parte de al Biruni, de "Tasawwuf" à palavra grega "sophos" sabedoria, o que filologicamente não faz sentido. O termo "Tasawwuf" significa o processo de se tornar Sufi. É um termo dinâmico que permite a captação do assumir uma identidade religiosa. Por isso, a denominação de Sufi pode ser utilizada tanto para quem está percorrendo o caminho a tarsqa, quanto para quem já alcançou a haqsqa a doutrina proveniente da iluminação da Verdade. Portanto, os Sufis desenvolvem uma caminho e uma doutrina, nos quais porpõem um método de iniciação que prepara o fiel para o recebimento da bênção "baraka" e, ao mesmo tempo, um conhecimento esotérico. Porém, mesmo utilizando-se de uma única palavra, Sufismo, a realidade a qual ele se refere é multiforme. Ele adquiriu, ao longo de sua história, configurações variadas, a ponto de não existir uma única expressão Sufi, mas várias escolas e tradições, com variadas nuanças e especificidades. Fontes Principais do Sufismo. Fontes Principais do Sufismo. As fontes da linguagem mística Sufi assim como de sua experiência são variadas, sendo que as primordiais se referem ao mundo muçulmano. Neste sentido, sua fonte primordial é o Corão. Os Sufis se caracterizam por uma aproximação ao Corão baseada numa releitura frequente do mesmo e na sua recitação global, qira ah, cujas principais características são a recitação em comum e em voz alta, instituição de sessões regulares de recolhimento e sessões com temas corânicos para meditação. Estas sessões podem se desenvolver rumo a um tipo de concertos espirituais ou oratórios. Os muçulmanos devem meditar e recitar continuamente o Corão com a finalidade de adquirir a ciência da istinb, ou seja, a elucidação imediata do sentido profundo de cada versículo. Segundo Louis Massignon (1883-1962), os textos do Corão  são a base dos termos técnicos do Sufismo. Assim, são comuns em todo o Sufismo termos como recitação, segredo, mistério do coração, desvelamento, revelação, irradiação, manifestação. A paz divina que habita em um santuário ou no coração do crente, arrependimento. Abraço. Davi.

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