Judaísmo. No dia 25 de
setembro do ano de 2016, aos 72 anos, Rav Joseph Haim Sitruk zt”l (1944-2016),
Rabino Chefe da França durante duas décadas, deixou este mundo. Homem de
reflexão e ação, dedicou a vida a servir nosso povo, lutando para a difusão do
judaísmo e para que as especificidades do judaísmo fossem respeitadas pela
sociedade maior: “Exijo o direito de praticar a religião judaica no seio da
República Francesa!” Elegante e extremamente carismático, o Rabino Chefe
Sitruk zt’’l encantava os que o ouviam, conseguindo encontrar
as palavras certas para cada situação e para cada pessoa. Exímio orador, seu
senso de humor servia de contraponto ao seu imenso conhecimento e à sua
ortodoxia religiosa. As anedotas que pontuavam cada um de seus discursos, seus
cursos da Torá e as entrevistas eram ferramentas que ele utilizava para
capturar a atenção do público e melhor transmitir sua mensagem. Ele queria que
tanto judeus como não judeus apreendessem a “herança fabulosa e pouco conhecida
dos judeus”. Acreditava que “cada judeu tem uma obrigação: receber e transmitir
nossa herança espiritual”. Em 2001, aos 57 anos, sofreu um devastador Acidente
Vascular Cerebral (AVC). Sua fé, sua força espiritual e sua perseverança
permitiram que se recuperasse. Autodenominando-se um “sobrevivente da oração”,
voltou a lutar para a divulgação do judaísmo, contra a aculturação e a
assimilação dos judeus franceses. Seus pensamentos e ensinamentos, suas aulas
gravadas em fitas cassetes, circularam durante anos entre judeus que viviam na
França e os franco parlantes espalhados pelo mundo. “Sou um caminhante”,
costumava dizer, “um homem na estrada, na tensão entre dois mundos tão
diferentes. Do universo laico que era o meu, no início do caminho, passei para
o da prática religiosa”. E revelou a longa caminhada que o jovem judeu
tunisiano laico fez para chegar ao cargo de Rabino Chefe da França no
livro Chemin Faisant, Entretiens avec Claude Askolovitch (1962- )
et Bertrand Dicale Broché (1963- ) Ao longo do caminho, conversa
com Claude Askolovitch e Bertrand Dicale Broché). OS PRIMEIROS ANOS. “Jo”
Sitruk nasceu em 16 de outubro de 1944 na cidade de Túnis, capital da República
da Tunísia, na África do Norte. Tanto ele como seus 4 irmãos – dois meninos e
duas meninas, tiveram uma infância feliz. Sua mãe, uma típica mãe judia
tunisina era uma mulher otimista, cheia de vitalidade. Quando o pai a conheceu
ela era professora de ginástica, algo inusitado na época. O pai era um advogado
de renome, “um judeu temente a D’us, grande admirador da França e um excelente
orador”. Homem de vasta cultura, falava um francês perfeito e era apaixonado
pela História. Ele ensinara aos filhos que deviam procurar fazer tudo da melhor
forma possível. Seus pais não eram judeus praticantes, em casa falava-se apenas
o francês e mandaram os filhos estudar no Lycée Carnot, o liceu francês. Mas,
revelou Rav Sitruk em Chemin Faisant, que os pais “nos
transmitiram uma forte conexão com o judaísmo. A religião nos foi transmitida
como um ponto de referência, uma parte essencial de nossa vida, incontornável e
necessária de nossa identidade (...). Éramos judeus franceses da Tunísia,
franceses e judeus, sem que isso fosse algum problema ou nos trouxesse qualquer
contradição”. Na sexta-feira, faziam o Kidush, respeitavam as
festas. E sua avó paterna, mais religiosa, lhe “ensinou que D’us é parte da
vida, e podemos falar com Ele”. Esse ensinamento, escreve Rav Sitruk, “marcou
meu espírito para sempre”. Em 1958, dois anos após a Tunísia ter conseguido sua
independência da França, a família Sitruk decide deixar o país. Com o fim do
domínio francês, iniciado em 1881, e o crescimento do nacionalismo tunisino,
alastram-se os distúrbios contra os judeus. Há temores entre a população
judaica sobre seu futuro no país, pois, disfarçada sob o manto de uma
convivência pacífica, sempre existira uma latente intolerância em relação aos
judeus. Antes de partir, Rav Sitruk celebra apressadamente seu Bar
Mitzvá. Não podendo levar seus bens, o pai do futuro Rabino Chefe será
forçado a recomeçar do zero na França. A VIDA EM NICE – FRANÇA. Os Sitruk se
estabelecem em Nice. Assim como outros tunisinos, possuíam cidadania francesa.
É nessa cidade que a vida do jovem Sitruk mudaria, pois, como ele mesmo revela,
“lá conheci minha esposa, minha religião e minha comunidade”. Em fevereiro de
1959, entra na organização dos escoteiros judeus, os Éclaireurs
Israélites de France. Na época, ele era um “jovem interessado no futebol e
que tinha paixão por carros”. Suas atividades no grupo de escoteiros o ajudaram
a consolidar sua identidade judaica, pois, em suas palavras, “descobri uma nova
dimensão de meu judaísmo, que não tinha nada de religioso. Era minha identidade
como judeu. A reflexão veio apenas mais tarde”. Em pouco tempo ele se sobressai.
Um líder nato, carismático, realizava as tarefas rapidamente e com eficiência,
pois acreditava que a pessoa não podia descansar “até que o que está bom esteja
melhor, e o que está melhor, esteja melhor ainda”. Essa crença irá guiá-lo
durante toda a vida. Foi nomeado “chef de patrouille” (chefe de patrulha
dos escoteiros) e para ocupar esse posto decide ser imprescindível aprender a
ler e escrever o hebraico. A vida de Jo Sitruk deu uma reviravolta quando ele
conheceu e se apaixonou por uma jovem que também frequentava os Éclaireurs
Israélites, Danielle Azoulay. Ela seria sua esposa e mãe de seus 9 filhos,
a companheira fiel que o apoiaria e incentivaria suas escolhas e que o ajudou a
superar os momentos mais difíceis de sua vida. Com Danielle, que vinha de um
lar mais religioso, Jo Sitruk deu os primeiros passos que o levariam a ocupar o
posto de Rabino Chefe da França. “Ela própria me ensinou o alfabeto hebraico, e
a ler o hebraico e a descobrir a beleza dos textos das orações”. Em casa,
passou a rezar secretamente. “Tinha receio que minha família fosse rir de mim”.
“Juntos, frequentamos os cursos dados nos movimentos juvenis pelo Rabino Saül
Naouri”. Esses cursos lhe deram suas primeiras noções sobre filosofia e
história judaica. Apaixonou-se pelo estudo da Torá e, aos 17 anos, escreve
dirigindo-se a D’us: “Ajuda-me a ser digno de Ti. Gostaria de me elevar...
Ajuda-me a agir segundo a Tua Vontade (...)”. O Grão Rabino de Nice, Saül
Naouri, que percebera suas habilidades de liderança e seu interesse no judaísmo,
sugere-lhe estudar no Séminaire Israélite de France, dirigido então por seu
sogro, o rabino Henri Schilli. Mas, Jo Sitruk estava-se preparando para entrar
na Universidade e se tornar engenheiro. Nada acontece por acaso e seu caminho
será traçado quando, após passar no extremamente difícil exame de admissão para
o Institut National des Sciences Appliquées, não consegue ser aprovado no exame
de Baccalauréat, prova realizada ao final do Ensino Médio, da
primeira vez, sendo aprovado só na segunda tentativa. Na época, em suas
palavras, “Estava apaixonado pela Torá e o Talmud (...). A vontade de aprender
me consumia e eu sabia que se tratava do investimento de toda uma vida...”. Se
ele fosse cursar engenharia só poderia estudar Torá duas horas por dia. E isso
não daria para nada. Ele então decide ir para Paris e estudar no Séminaire
Israélite. Comunica ao pai que não seguiria a carreira de engenheiro, mas sim o
Rabinato, e, para sua surpresa, não encontrou oposição. O pai lhe diz: “O que
fizeres, tens que fazê-lo bem feito. Isto é o essencial”. Foi naquele momento
que Rav Sitruk fez a si mesmo uma promessa, que iria nortear o resto de sua
vida: fazer o possível e o impossível, com todos os meios que estavam a seu
alcance, para propagar a mensagem do Judaísmo. PARIS – FRANÇA. Em outubro de
1964 Rav Sitruk chega a Paris e entra para o Séminaire Israélite de France.
Único no gênero, o instituto não era uma ieshivá, tampouco uma
universidade, mas uma espécie de síntese das duas. “As aulas eram,
evidentemente, dedicadas na maioria aos assuntos judaicos, e eram de altíssimo
nível tanto no plano do Judaísmo quanto universitário. Estudávamos o Talmud,
Torá e Filosofia Judaica, mas tínhamos, também, cursos de francês, filosofia,
pedagogia”. No primeiro ano, estando as instalações do Seminário em reforma,
Rav Sitruk ficou alojado na École d’Orsay Gilbert Bloch. Criada após a guerra
por intelectuais judeus, era uma escola para alunos de nível universitário, que
não dominavam o hebraico. As aulas eram principalmente sobre filosofia e
pensamento judaico. Decidido a aprender tudo o que pudesse, o jovem Sitruk ia
de manhã para o seminário e à noite assistia as aulas em Orsay. Continuou a
atuar nos Escoteiros, pois assim que a liderança nacional soube que ele estava
em Paris, foi encarregado de treinar líderes em nível nacional. Em dezembro de
1965 ele se casa com Danielle. Para se sustentar, ele passa a dar aulas de
preparação de meninos para o Bar Mitzvá e Danielle, que
abandonara sua carreira de concertista, dava aulas de piano. Dois dos filhos
nasceram durante o período que ficou em Paris. Na época, a comunidade judaica
parisiense estava se reestruturando. A 2ª Guerra deixara duras marcas e
precisavam integrar um grande número de judeus do Norte da África. Ademais,
“Havia certa reserva em relação à prática religiosa; o judaísmo “consistorial”
(pregado pelo Consistoire – a Confederação Judaica da França)
era, em princípio, ortodoxo, mas era uma ortodoxia aberta, “à la française”.
Formado, em março de 1969, Rav Sitruk aceita o posto de rabino em Estrasburgo.
Mas pede à comunidade permissão de estudar por alguns meses em Israel. Rav
Sitruk e sua família vão para Israel. Foi em Bnei Brak que ele descobriu o
mundo das ieshivot lituanas. Ele passa a estudar na ieshivá Cheerit
Yossef, em Be’er Ya’akov, a uns 30 km de Bnei Brak. A ieshivá é
dirigida por Rav Nissim Toledano, que se torna seu mestre. Lá o futuro Rabino
Chefe da França vive em uma atmosfera de estudo 24h por dia. ESTRASBURGO –
FRANÇA. O Rabino Sitruk e sua família voltam à França em abril de 1970 e se
estabelecem em Estrasburgo, onde ele é encarregado de cuidar da juventude. Logo
a seguir se torna assistente do Grão Rabino da cidade, Max Warchawski. Rav
Sitruk, um rabino sefaradi, iria trabalhar em meio a uma importante comunidade
asquenazi. Nessa cidade ele vai aprender, na prática, qual o trabalho de um
rabino. “Em Paris, aprendi a teoria... Em Estrasburgo, estava, como se diz, ‘em
campo’ ”. Rav Sitruk acreditava que “se os homens ocupados não têm a
oportunidade de se aproximar da beleza dos Textos Sagrados, de se aproximar
sozinhos da Torá, então cabe a mim me tornar um dos mensageiros que permitirão
que a Torá chegue até eles. Esta crença será minha bússola”. Em Estrasburgo o
rabino prova ser um formidável catalisador da juventude judaica. Ademais, ele
institui o Yom Ha-Limud, um dia de estudos que cai no dia 7 do mês de Adar,
dia do aniversário de nascimento e morte de Moshé Rabeinu. No ano seguinte à
sua chegada, o Rabino Sitruk e sua esposa passam por uma tragédia pessoal: seu
filho, que nascera com uma malformação no coração, morre depois de alguns
meses. “Depois de ter vivido essa dolorosa experiência, eu compreendo melhor as
pessoas. A dor nos afasta e eu acredito que a melhor maneira de se aproximar
dos que sofrem é tendo empatia, dividindo a dor com eles”. Foi também em
Estrasburgo que o Rabino Sitruk testemunhou o ódio antissemita. Ele tinha ido
assistir, com um grupo de jovens da comunidade, a uma partida de futebol. Um
dos jogadores, judeu, perdeu um pênalti e, de repente, Rav Sitruk viu
“duzentas, trezentas pessoas que berravam de todos os lados, “morte aos
judeus”, “judeus nos fornos” e outras barbaridades e ninguém no estádio
conseguia fazê-las se calar. “E ali, de repente, eu entendi o que se esconde na
sombra, agachado como um animal que, de um instante para outro, pode
ressuscitar – é o ódio ao judeu, vítima expiatória que permite às vezes
cristalizarem-se sobre ela todas as frustrações ou os erros”. O GRÃO RABINO DE
MARSELHA. Em 1975, os líderes comunitários de Marselha queriam contratar um
rabino jovem, ativo, que pudesse dar um novo ânimo à comunidade. Convidaram Rav
Sitruk que decide assumir o desafio, contanto que levasse consigo outros dois
rabinos jovens. Era uma Kehilá desestruturada e nenhum rabino
queria ir para lá. Entre outros, a comunidade de Marselha precisava acomodar
judeus do Norte da África. Lembra o Rabino: “Era preciso começar do zero,
reunir todos os judeus da comunidade. A população judaica tinha-se multiplicado
por doze. Foi uma verdadeira epopeia”. Durante os 13 anos que ficou em
Marselha, Rav Sitruk e sua equipe do Rabinato reestruturam a comunidade e a
elevaram aos pontos mais altos da espiritualidade e de atividades comunitárias.
Foram abertas novas sinagogas e escolas judaicas. Cursos foram criados,
ampliando o estudo da Torá. Criaram-se inúmeras atividades para os jovens. “Na
sinagoga, uns 20 fieis vinham em Erev Shabat, apenas o dobro no
sábado pela manhã. Quando eu os deixei, eram praticamente 400”. Na década de
1980, a reputação do Rabino Jo Sitruk já se espalhara por toda a França, e a
escolha de seu nome para Rabino Chefe do país não surpreendeu. RABINO CHEFE DA
FRANÇA. Em 1987, Rav Sitruk (1944-2016) é eleito para o cargo de Rabino
Chefe. Foi reeleito por outros dois mandatos de 7 anos cada. Ele afirmava que
sua ambição era “rejudaizar os judeus”. Ele lembra em Chemin Faisant que
o “programa que expus ao me candidatar, em maio de 1987, não mudou.Tinha – e
continuo tendo – a vontade de desenvolver o estudo, a educação e a proximidade
com a Torá”. Sua primeira eleição ocorreu num contexto histórico específico. Os
judeus do Norte da África, que haviam revitalizado numericamente e
espiritualmente a comunidade judaica na França, sentiam-se afastados dos
grandes cargos comunitários de tomada de decisão. Surgem preocupações, em
alguns meios comunitários, com a ortodoxia do Rabino Jo Sitruk. É o presidente
do Consistório à época, Jean Paul Elkann (1921-1996), judeu secular, quem
responderá a esses temores: “Tendo o contexto religioso da França evoluído,
o Rabino Chefe deve seguir uma ortodoxia absoluta. Ele deve ser ortodoxo mas
aberto aos demais, sem ter uma atitude de exclusão dos judeus seculares (...).
Era necessário dar aos judeus da França outras razões, além do Caso Dreyfus, da
lembrança da Shoá ou da defesa de Israel, para serem judeus no
presente”. Rav Sitruk era a escolha certa. Ele vinha da vida laica. Apesar de
ter se tornado um rabino ortodoxo era ainda ligado às “trivialidades” da vida
secular – uma descoberta científica, o futebol, os automóveis. Ele não tinha
nada para “assustar” os judeus mais afastados – ele os seduzia, simplesmente.
Ao examinar seu papel de Rabino Chefe, Sitruk escreveu: “Tornar-me uma
personagem pública com tudo o que isso implica de impessoal. Reconheço que esse
é o lado mais ingrato do papel de Grão Rabino da França, e é contrário a meu
temperamento de homem de consenso”. Durante seu mandato, ele manteve um contato
ainda mais direto com os judeus da França. “Esforço-me de visitar o maior
número possível de comunidades, de participar de eventos familiares, de ensinar
o Talmud e o pensamento judaico. Em uma palavra, de continuar sendo
simplesmente um rabino”. Representante oficial dos judeus da França, ele
manteve boas relações com autoridades francesas e com os governantes do país,
de modo a solucionar as necessidades da comunidade judaico-francesa. Eram
principalmente estreitas com os presidentes François Mitterrand (1916-1996) e
Jacques Chirac (1932- ), sendo amigo pessoal de Valéry Giscard d’Estaing
(1926- ). Recebeu das mãos de Mitterand a comenda da Legião de Honra, em
dezembro de 1992. Em 2007, foi elevado ao grau de Comendador da Legião da
Honra. Suas relações com a Igreja Católica na França também foram boas.
Autoridades francesas seculares e religiosas lhe agradeceram por sua atuação no
ato de arrependimento realizado em Darcy, em 1997, quando os bispos franceses
leram uma declaração de arrependimento e pedido de desculpas por terem
permanecido em silêncio durante o Holocausto. Durante seu mandato, procurou
aproximar e unir os judeus da França. Seu principal objetivo sempre foi levar o
judaísmo aos judeus.“Somos os fiadores da mensagem da Torá”. Quando assumiu o
primeiro mandato como Rabino Chefe, a grande Sinagoga de la Victoire era
praticamente deserta. Ele lhe dará um novo élan quando decide
dar uma palestra, todas as segundas-feiras, à noite. Mais de 1.500 pessoas
compareciam. Essas palestras e outros cursos eram gravados em fitas cassetes.
Há mais de 150 temas gravados e 300 mil cópias foram distribuídas em todas as
comunidades judaicas de língua francesa. E nos últimos anos, eram gravadas em
vídeo e transmitidas pela televisão de Quebec e podiam ser assistidas no Youtube.
O Rabino Chefe era incansável. Deslocava-se a todos os lugares na França e até mesmo
no exterior para transmitir sua mensagem. Veio ao Brasil nos dias 7, 8 e 9 de
março de 1995. E também 18 e 19 de novembro de 1996. Dois anos após sua posse
organizou um dia dedicado à Torá, o Yom Hatorá, em Le Bourget no
Parque Floral de Paris, ao qual convidou toda a comunidade para um tipo de
“quermesse de fé”. Era uma das primeiras vezes que a comunidade judaica
francesa saía da discrição auto imposta que a caracterizava, após a 2ª Guerra,
para assumir abertamente seu judaísmo. Contrariamente às expectativas
pessimistas dos líderes comunitários, 35 mil pessoas compareceram ao evento.
Foi o primeiro de vários Yom HaTorá que se seguiriam nos anos
seguintes, com igual sucesso. A juventude logo se sentiu cativada por esse
rabino ortodoxo, um líder carismático que fala sua língua, entende seus
problemas e não hesita em pontuar seu ensinamento com humor. São eles que vão
alavancar o judaísmo francês. Em poucos anos Sitruk havia realmente
revolucionado o judaísmo da França. Ele não era contra os judeus seculares, mas
pedia que fossem respeitados os judeus praticantes. Para ele, “o secularismo
não é outra coisa senão o reconhecimento da liberdade cultural e religiosa das
diferentes comunidades”. Ele queria que a sociedade francesa reconhecesse e
respeitasse as especificidades do judaísmo, que fosse permitido aos judeus
respeitar seus feriados religiosos. Conseguiu que nas escolas não fossem
marcados exames no Shabat e nas festas religiosas. Com isto, permitiu que um
número muito grande de estudantes judeus respeitassem a Lei Judaica e suas
tradições. O Grão Rabino Sitruk amava Eretz Israel e nunca se
dissociava do Estado de Israel. Sobre as acusações de dupla lealdade, ele
considerava que os judeus franceses “não tinham nenhum problema na questão
França e Israel. Eles os amam como a um pai e uma mãe, como dois amores muito
diferentes e não contraditórios, desejando ainda que esses dois países se amem
muito (...)”. Ele não cansava de repetir que na França “a comunidade judia é
perfeitamente integrada; vive na França há mais de 2 mil anos, antes da época
galo-romana. Os judeus inspiraram os ideais dos direitos humanos da Revolução
Francesa. A religião judaica respeita o secularismo, que representa um grande
progresso para a sociedade”. UM SOBREVIVENTE DA ORAÇÃO. O Grão Rabino não se
poupou, indo de um canto a outro para dar palestras, cursos, procurando
resolver os problemas comunitários; era incansável. E essa atividade intensa
teria um preço doloroso. Em dezembro de 2001, com 57 anos, enquanto estava
celebrando em Sarcelles o casamento da filha de sua secretária, sofreu um
Acidente Vascular Cerebal (AVC) muito grave. A hemorragia cerebral foi muito
séria e o estado de saúde de Sitruk era gravíssimo. Os médicos alertaram a
família de que ele tinha apenas 1% de chance de sobreviver à primeira noite
após o ataque. O Grão Rabino conta em sua obra Rien ne vaut la
vie (Nada vale mais do que a vida) que “não é o homem quem cura, mas
D’us. O homem é apenas Seu emissário. E, sem prestar mais atenção às
recomendações dos médicos, minha esposa deu a palavra de ordem: orar”. Ela toma
a iniciativa e pede a toda a comunidade para rezar pela vida e saúde de Yossef
‘Haïm’ ben Emma Sim’ha. Segundo a tradição judaica, é permitido modificar o
nome de uma pessoa para afastar uma doença grave. Foi, portanto, adicionado o
nome Haim, que significa “vida” ao seu. Relata ainda o Grão Rabino que o grande
cabalista Rav Kadouri pediu, contrariamente ao procedimento comum, que o novo
prenome antecedesse o antigo, para que o novo nome – Yossef Haim – significasse
“que acrescenta vida”. Depois de 26 dias Rav Sitruk acorda. Pouco a pouco,
volta a si. Claro que estava fisicamente muito fraco, mas recupera a fala,
todas suas faculdades mentais, e credita esse milagre às milhares de orações
recitadas em prol de sua cura. Definindo-se como um “sobrevivente da oração”,
ele inicia uma segunda vida. O Grão Rabino da França volta às suas funções, mas
não é mais o mesmo homem. “Sem dúvida adquiri um sentido mais agudo deste dom
Divino que é a vida”. Em 2008, Joseph Haim Sitruk deixou o cargo de Rabino
Chefe, após perder uma eleição muito disputada para Gilles Bernheim
(1952- ). Ele volta a se dedicar ainda mais ao estudo, ao ensino e às
orações. Aproxima-se, agora, consideravelmente, da comunidade franco parlante
de Israel e passa mais tempo nesse país. Manteve-se sempre fiel ao que afirmou
em 1998 no programa de entrevistas “Face aos Cristãos”: “Para nós, ser judeu, é
crer em D’us, amar o homem e respeitar a Terra de Israel. Esconder qualquer um
destes aspectos é diminuir a mensagem judaica”. Face ao ressurgimento do
antissemitismo na França, o Rabino Sitruk multiplica seus apelos à Aliá.
Nos últimos anos, ele lutou bravamente contra a doença que afetou seu rosto.
Desde o anúncio de seu falecimento, as reações se multiplicaram. Com seu
prematuro desaparecimento, a comunidade judaica da França perdeu sua figura de
proa. Raramente um desaparecimento teria suscitado tanta emoção. “É como se
tivéssemos perdido um pai, um amigo, um confidente”. O ex-chefe de Estado francês,
Nicolas Sarkozy (1955- ), escreveu: “Com a morte do Grão Rabino da
França, Joseph Haim Sitruk, a República perde uma grande figura, que marcou
duradouramente o judaísmo francês”. Milhares de pessoas se reuniram em redor da
sinagoga Bet Halevi em Jerusalém para prestar sua última homenagem e despedidas
àquele que foi seu verdadeiro pastor espiritual, encaminhando ao seio da Torá
milhares e milhares de judeus. Que D’us possa consolar sua esposa, Rabanit Danielle
Sitruk, seus filhos, e toda a sua grande família, os judeus da França. E, que
sua alma descanse em paz. Amem.
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