Hinduísmo. Expectativa erradas, fantasias emocional, corrupção,
sentimentalismo, culto a personalidade. O Sri Hridayananda Dasa problematiza,
nessa dissertação a relação guru - discípulo, avaliando questões de ambos os
lados. Em todo relacionamento, as pessoas têm diferentes expectativas, e, se
essas expectativas são razoáveis e são atendidas, há um bom relacionamento.
Podemos ver claramente na vida de Srila Prabhupada, quando ele veio para o
Ocidente pela primeira vez, que ele tinha certas expectativas quanto a como um
discípulo deveria ser, mas, posteriormente, ele teve que mudar essas
expectativas. Srila Prabhupada esperava que, quando alguém fizesse votos, os
manteria, fossem votos de casamento, fossem votos de iniciação. Eu me lembro de
que Srila Prabhupada ficou bastante espantando no começo do Movimento quando
certas pessoas não apenas não mantiveram seus votos, mas mudaram drasticamente
toda a sua atitude. Um exemplo de Srila Prabhupada ajustando suas expectativas
como guru ou acharya - fundador
foi em relação a casamentos. No começo, Srila Prabhupada pessoalmente fazia
casamentos arranjados porque ele pensava: “Aqui está um rapaz que se diz
rendido a mim, e ali está uma moça que se diz rendida a mim. Ambos dizem que
tudo o que querem na vida é servir. Então, que sirvam um ao outro”. Aconteceu,
então, o que é previsto em termos sociológicos: quando pessoas têm experiências
de conversão muito fortes, elas, por algum tempo, podem ser muito zelosas e
idealistas, mas, em seguida, essa euforia e êxtase abrandam e seu lado humano
sobe novamente à superfície, com o qual terão que lidar. Muitos, então, fizeram
votos na euforia de sua nova experiência, o que não conseguiram manter – sejam
votos de casamento, votos de iniciação ou simplesmente votos de fazer um
serviço em particular. Então, do ponto de vista do guru,
ele está aprendendo a ter expectativas mais razoáveis, com base no estágio em
que as pessoas estão e em quem elas são. Igualmente, quais são as expectativas
razoáveis para um discípulo desejoso de ter um guru? O
que um discípulo deve pensar acerca da posição do guru? A
definição mais simples de guru é
que ele é o representante de Krishna. Não apenas de Krishna, mas também
representante dos grandes acharyas.
No sexto capítulo de O Néctar da Devoção,
Srila Prabhupada, traduzindo os ensinamentos de Srila Rupa Gosvami, diz que o
dever de um discípulo é seguir os passos dos grandes acharyas sob
a guia de um mestre espiritual fidedigno. Um mestre espiritual fidedigno não
cria uma nova maneira de se cultivar a consciência de Krishna – isso é feito
pelos grandes acharyas.
Existe Acharya,
com o “a” maiúsculo, e acharya,
com “a” minúsculo. Todos devemos ser acharyas,
exemplares, mas os grandes Acharyas são
aqueles que estão orientando todo o direcionamento da civilização védica. O Acharya é
aquele que estabelece como se serve Krishna em uma época em particular, em
circunstâncias particulares. Um guru fidedigno
está ajudando os discípulos a fazerem o que ele mesmo está fazendo: seguir o Acharya.
Então, todos estão seguindo os grandes Acharyas, e
aqueles que são mais experientes ajudam os menos experiente. Todos nós ajudamos
outros devotos, que podem não ser tão experientes quanto nós em certas áreas,
para entenderem melhor a consciência de Krishna. Então, todos estão agindo como gurus.
Srila Prabhupada citou cerca de 200 vezes o verso yare dekha, tare kaha ‘krishna-upadesha’: “A
quem quer que você encontre, fale sobre a instrução de Krishna e, por Minha
ordem, torne-se guru.” (Chaitanya-charitamrita, Madhya 7.128).
Srila Prabhupada realmente insistiu que todo homem e toda mulher – e até mesmo
crianças – fossem gurus.
Qual tipo de guru – siksha, diksha ou vartmapradarshan guru –
dependerá de sua situação e circunstâncias, mas todos devem se tornar gurus.
Srila Prabhupada considera egoísta quem não aceita ser guru.
Em outras palavras, ser guru não
é ganhar uma coroa, não é um símbolo de status. A
questão é desejar sacrificar um pouco do tempo que eu dedicaria a algo para mim
e, em vez de ser egoísta, ajudar outras pessoas. Trata-se, portanto, de um ato
de doação. Srila Prabhupada concluiu que, se você é uma pessoa boa, você deve
ajudar os outros. E se você faz isso, você é guru. Critérios Objetivos. Outro
ponto na relação guru/discípulo
é que o guru deve ser alguém que segue os princípios
de bhakti-yoga.
Se ele ou ela está fazendo isso, então essa pessoa é aceita como liberada, como
também explicado no Bhakti-rasamrita-sindhu,
mas mesmo almas liberadas podem ainda estar em aprimoramento. Srila Prabhupada
escreveu ao professor Staal, em 1970, dizendo: “Todos os meus discípulos são
devotos puros”. O que ele quis dizer com isso era que estavam dando sua vida e
seguindo todos os princípios. Nesse sentido, portanto, todas as atividades de
um sujeito são puras. Existe uma tendência entre certas pessoas, que não são as
mais sensatas – especialmente fora da ISKCON – de tentar estabelecer
qualificações espirituais com base em critérios esotéricos e não verificáveis.
Em outras palavras, “meu guru é o único devoto puro”. No momento
presente, acho que há cerca de 38 “únicos” devotos puros no planeta.
Entretanto, Srila Prabhupada nos deu uma ciência espiritual, e sempre dizemos:
“Somos uma religião não-sectária, trata-se de uma ciência espiritual”. Se você,
contudo, quer utilizar essa linguagem, você tem que estar pronto para aceitar
suas implicações. Em qualquer ciência, você só pode fazer alegações que possam
ser publicamente verificadas. Se eu digo: “Na noite passada, eu dancei com
Krishna”, meu ponto tem que ser: “Prove que eu não estava dançando com Krishna
ou deixe que eu tente provar que eu estava.” Como você não pode provar sua
dança e eu não posso desaprova-la, isso não serve de critério científico. Ainda
assim, não é difícil encontrar pessoas que bajulam um guru em uma espécie de culto. “Se eu digo
que sou um devoto puro e digo que estou vendo Krishna ou que Krishna me
abraçou, prove que não!” – não há absolutamente nada de científico nisso. Srila
Prabhupada, em seus livros, diz que um guru de primeira classe possui três
qualidades. Elas são verificáveis, não subjetivas. Essas qualidades, portanto,
podem ser parte de uma ciência espiritual. São elas: (1) o guru deve conhecer meticulosamente as
escrituras, realmente compreender; (2) deve seguir as escrituras e (3) deve
ensinar. Então, do ponto de vista de Srila Prabhupada, se um discípulo está
dedicado à missão, compreendeu de forma madura os livros de Srila Prabhupada e
está praticando, isso basta. O que mais você poderia exigir de alguém? Srila
Prabhupada pediu mais do que isso? Personalidades Compatíveis. Entre
aqueles que possuem essas qualificações, você obviamente tem que encontrar
alguém que combine com você no sentido de “acontecer uma química”. Um fator é
que trazemos muita bagagem de nossos relacionamentos. Eu me dedico ao serviço
de guru já há metade da minha vida, e muitas
pessoas se relacionam comigo nessa função. Se tinham uma relação ruim com o
pai, de repente seu guru se torna seu pai, e todo tipo de lixo é
colocado para fora. Algumas pessoas são muito carentes. As pessoas têm todo
tipo de condições psicológicas. Algumas pessoas ficam melhores quando
distantes, pois não caem na armadilha do “intimidade gera negligência”, e
porque precisam de mais independência e espaço. Esses indivíduos florescem em
uma situação em que podem simplesmente sair pelo mundo em aventuras em nome do guru e voltar com troféus. Outras pessoas
precisam de muito cuidado terno e amoroso, algumas pessoas precisam receber
muitos conselhos, algumas precisam de atenção. Nem todo guru é perfeito para todos. É uma relação.
Simplesmente alguém ser um bom devoto não significa que ele seja o marido ideal
para você, por exemplo. Você realmente tem que encontrar alguém com quem você
“se dê”. Lembro que, em Los Angeles, um devoto me buscou para falar sobre como
ele era aspirante a discípulo de um guru com um perfil peculiar. O devoto tinha
inclinação intelectual e queria estudar, e o guru tinha uma ideia antiga de que
faculdades são matadouros da alma – as faculdades de fato são, mas Srila
Prabhupada mesmo tinha ensino superior e constantemente usava o que aprendera
na faculdade em suas pregações, e ele pediu que eu continuasse na faculdade.
Essa foi a primeira instrução que ele me deu. E os gurus também têm diferentes expectativas.
Alguns gurus insistem em alguns padrões e querem
receber uma adoração bastante formal, enquanto outros esperam outras coisas.
Portanto, trata-se de um relacionamento que tem que funcionar para ambos os
lados. O
Perigo das Descrições Idealizadas. Espera-se que sejamos shastra-chakshu,
ou seja, que enxerguemos pelas escrituras. Contudo, há descrições nas
escrituras que são – eu não quero usar a palavra hiperbólicas. Há versos que
descrevem resultados, como “quem quer que leia esta história jamais será
derrotado em uma batalha.” E o que acontece se dois reis lerem a mesma história
antes de se enfrentarem? Há histórias de que, se alguém jejua em certa data,
por acidente, um aeroplano de flores leva essa pessoa para Vaikuntha, porque
era uma data especial. Os acharyas ensinam que isso não é verdade para
todos, mas pode ser verdade para alguns. Então, nas escrituras há certas
descrições idealizadas de guru e de discípulo, e há descrições
idealizadas de marido e mulher. E, como sabemos, no mundo real, não há muitas
mulheres e maridos perfeitos, mas, ainda assim, há bons casamentos, porque as
pessoas estão pelo menos buscando esses ideais e tendo-os como referência para
autoanálise. Assim, é possível ter relacionamentos conscientes de Krishna
bem-sucedidos. Um problema dessas descrições do guru ideal pode vir à tona caso o guru se veja através das escrituras em
termos dessas descrições elevadas: “Sim. Isso sou eu, e mesmo caso eu não
experimente todos esses sintomas o tempo todo”. Outro caminho muito
interessante pelo qual esse problema pode surgir é quando o guru decide que os discípulos mais
bajuladores e reverentes são os verdadeiros discípulos, aqueles que têm fé. E
eu, como guru,
posso começar a me ver através dos olhos dessas pessoas que são “mais
rendidas”, e filtro outras visões, independente de quão exatas possam ser.
Então, o cenário completo é que me rodeio dos discípulos bajuladores, leio
descrições das escrituras sobre o guru e tomo isso como elogios a mim – e é
assim que eu me identifico. E tudo que faço que não seja consistente com essas
descrições elevadas é apenas algum tipo de acontecimento transcendental. Como
você é um sujeito infalível, nenhum erro é realmente um erro. Sociedades
religiosas oferecem as possibilidades mais extraordinárias para hipocrisia
porque quanto mais altos os ideais, mais é provável que você não os alcançará,
apesar do que você pode se apegar aos ideais como autodescrições, já que são
muito bajuladores. Uma vez que você tenha experimentado o gosto nectáreo de ser
adorado e enaltecido, é difícil abandonar tal coisa. O poder corrompe, e o
poder absoluto corrompe absolutamente. Em nenhum outro lugar, o poder absoluto
está tão prontamente disponível como em sociedades religiosas, pois dizemos que
somos representantes de Deus, e Deus é a autoridade suprema.Conhecimento e
Ignorância. Uma das qualidades de um guru,
de um vaishnava, é
ser daksha,
perito. A partir da palavra daksha,
obtemos a palavra “destro”. E uma grande parte de ser perito, ou destro, é
saber o que você não sabe. Há um famoso diálogo escrito por Platão, chamado Apologia de Sócrates, o
qual descreve o julgamento de Sócrates, quando Sócrates (469 AC 399) estava fazendo seu
discurso de defesa. Ele sabe que foi dito que ele era o homem mais sábio de
Atenas. Então, Sócrates disse em seu julgamento: “Talvez o motivo de terem dito
que sou o mais sábio tenha sido o fato de que pelo menos eu sei o que eu não
sei, ao passo que a maioria das pessoas com quem me encontro pensam
pretensiosamente que sabem o que não sabem”. Gostaria de compartilhar um pouco
de minhas realizações. Na minha vida pessoal, tenho a confiança de que,
basicamente, estou cumprindo corretamente o meu dever. Estou apenas exercendo a
função de guru na ISKCON. Isso não significa,
necessariamente, que sou perito em todos os campos materiais. Isso não
significa que posso aconselhar peritamente em assuntos psicológicos e
financeiros, ou em termos de treinamento vocacional, ou dizer que você deve se
casar com certa pessoa. Se faço isso e, no fim, tudo acaba mal, o que será de
mim? O
Guru Não É Onisciente. Jayadvaita Maharaja, um discípulo de
Srila Prabhupada, estava caminhando com ele ao longo da praia e perguntou se o guru é onisciente. Srila Prabhupada ficou
surpreso diante da pergunta e disse: “O quê? Claro que não! Apenas Krishna é
onisciente! Quando no Srimad-Bhagavatam se diz que Srila Vyasadeva conhecia o
futuro, o que se quer dizer é que Srila Vyasadeva sabia que Kali-yuga estava
chegando. Srila Prabhupada nunca alegou ser possuidor do dom material de
conhecer o futuro. Seguidores de Srila Prabhupada podem pensar que quanto mais
glorifiquemos Srila Prabhupada, melhor, mas nossa glorificação a ele pode se
torna imprecisa. Srila Prabhupada tinha, sim, um potencial extraordinário para
conhecer a mentalidade das pessoas, mas isso não é o mesmo que ter o poder de
conhecer o futuro. Um pai que está criando seu filho, por exemplo, é capaz de
saber que, se o bebê seguir engatinhando em uma direção, ele acabará em
determinado lugar. Podemos ver também, por exemplo, que os Estados Unidos se
encaminha para um desastre econômico. Como dissemos ao começo, é fácil vermos
que Srila Prabhupada não tinha experiência quanto a como lidar com discípulos
ocidentais – e ele foi se ajustando a essa nova realidade conforme a
vivenciava. Isso é uma demonstração de que ele não era onisciente
materialmente, além de ele ter dito com todas as palavras que um devoto puro
não é materialmente onisciente. Ele nos deu um caminho perfeito e salvou nossa
alma – isso já é muitíssimo. Acho que o que acontece muitas vezes é que devotos
criam o Srila Prabhupada que eles precisam psicologicamente. E alguns devotos,
ao que parece, para se fixarem em sua fé, precisam de um super-herói material,
alguém que saiba tudo. Isso, porém, não está nas escrituras. Srila Prabhupada foi
alguém grandessíssimo, mas, em termos de sua personalidade, ele não foi alguma
espécie de homem místico. Ele foi alguém muito “pé no chão”, uma pessoa sem
pretensões, amável e inteligente. Jesus: De Homem Santo a Deus. Eu
estudei pessoalmente a história do cristianismo primitivo, a nível acadêmico, e
é possível ver e processo dramático de Jesus sendo continuamente “promovido”
nessa tradição. Tudo começou com um Jesus que era uma pessoa santa, e as
mudanças começaram com as mudanças demográficas do movimento de Jesus. Nas
primeiras gerações, os seguidores de Jesus eram judeus. E essa geração de
pessoas que viveu com ele jamais disse que ele era Deus. Quando aconteceu uma
grande mudança demográfica, ao se constatar que era muito difícil fazer
seguidores de Jesus entre os judeus por diferentes razões políticas, Paulo fez
uma revolução ao oferecer ao povo a oportunidade de se tornarem judeus sem
terem que seguir certas regras. Como resultado, de repente, em vez de terem um
movimento de Jesus liderado por judeus e constituído de judeus, ele se tornou
um momento de ex-pagãos, que agora regiam e povoavam o cristianismo. Então,
algo típico para os pagãos era que se sentiam muito confortáveis com o
politeísmo. E outra característica da religião pagã no tempo do império romano
era que se assemelhava muito ao movimento que temos hoje e chamamos de “New
Age”. Foi assim que, muito repentinamente, fomos de um Deus para três Deuses, e
Jesus já não era mais um profeta, mas um Deus. Perto do fim do primeiro século,
o movimento cristão se dividiu entre trinitários (que acreditavam que Jesus era
Deus) e arianos (que acreditavam que Jesus era o filho de Deus). Houve uma
guerra entre eles, e os trinitários saíram vitoriosos. Como resultado disso, no
fim do século 4, tornou-se um grande crime explicar Jesus citando as palavras
dele próprio registradas na Bíblia, onde Ele Se descreve como subordinado a
Deus. Relato isso para que nos preocupemos sobre possíveis compreensões
errôneas sobre a posição de Srila Prabhupada. Guru-shastra-sadhu. Em
movimentos religiosos por todo o mundo, vemos que seguidores reivindicam
autoridade absoluta exclusiva para o seu líder. Todavia, como um líder
espiritual iluminado, Prabhupada nunca fez isso, senão que sempre ensinou
fielmente o sistema tradicional de autoridade tripartite – guru, shastra e sadhu,
isto é: o próprio guru do indivíduo, textos revelados e
autoridades espirituais anteriores em nossa tradição. Ele insistiu que era
precisamente nosso sistema equilibrado de guru, shastra e sadhu que nos distinguia de outros
movimentos. É claro que, em alguns movimentos religiosos, os supostos líderes
abertamente reivindicam e exigem autoridade independente e exclusiva, uma
reivindicação que Prabhupada rejeitou. Em todo caso, como Prabhupada bem sabia,
a autoridade absoluta é tão poderosa quanto precária, pois, se uma pessoa ou
comunidade duvida da autoridade desse líder, pode rejeitar todos os seus
ensinamentos mais fácil e rapidamente do que uma sociedade rejeitará uma longa
tradição ou a lei estabelecida. Culto à Personalidade. É
comum as pessoas perguntarem se a adoração que fazemos a Srila Prabhupada,
mesmo quando nas devidas proporções, é culto à personalidade. O que explico é
que, antes de mais nada, a palavra puja não significa exatamente “adoração”, como
usado no sentido bíblico ou ocidental. Vemos que Srila Prabhupada
frequentemente traduziu puja como “honrar”. Na Índia, por exemplo,
se você quer dizer “honrar pai e mãe”, você usará a palavra puja.
Se olharmos para a história da tradição judaico-cristã, é fácil vermos que eles
lutam muito arduamente por isolar o divino. No judaísmo, dizer que algo é
divino é dizer que é tão bom quanto Deus, o que é inaceitável para a ontologia
muitíssimo dualista que eles defendem. Para eles, Deus é um tipo de ser muito
diferente. Em algumas tradições judaicas, você nem mesmo pode pronunciar o nome
de Deus, pois é considerado ofensivo que nós pronunciemos algo tão sagrado.
Contudo, no Movimento da Consciência de Krishna, temos a compreensão de que a
alma é qualitativamente não diferente de Deus. Isso é a ontologia
indo-europeia. Quando estudamos a cultura indo-europeia (a Índia e a Europa
pré-cristã), vemos que, na verdade, foi essa cultura que desenvolveu a
filosofia. O problema aqui, segundo entendo, é que a cultura do oriente médio
nunca desenvolveu uma tradição independente, sistemática e ampla de filosofia.
O oriente médio não foi uma parte filosófica do mundo. O cristianismo se tornou
filosófico e teológico na Europa, e não na Palestina, com os cobradores de
impostos e os pescadores. Mesmo Santo Agostinho (354-430), que foi uma figura
tão importante da Antiguidade Tardia à Idade Média, nasceu cristão (ele nasceu
no Cinturão Bíblico do império romano, no norte da África) e rejeitou o
cristianismo porque, no norte da África, era simplesmente uma religião
fanática, enquanto ele, pessoalmente, tinha uma postura filosófica. Ele
retornou ao cristianismo quando foi para a Itália e se encontrou com
platonistas cristãos (cristãos seguidores de Platão (428 AC 348). É interessante
como, hoje, temos novamente o reavivamento desta questão de “somente a
Bíblia!”, mas, naquele tempo, os líderes da Igreja na Itália eram seguidores de
Platão. E, mais tarde, na Alta Idade Média, temos Tomás de Aquino (1225-1274)
“batizando” Aristóteles (385 AC 323). E toda a doutrina na igreja cristã, depois
disso, veio de um Aristóteles cristianizado. Então, em termos práticos, eles
reconheceram a filosofia de Platão e Aristóteles como sabedoria espiritual e a
adotaram. Então, o Renascimento foi um renascimento da civilização
greco-romana, pois as pessoas passaram a acreditar que os gregos tinham uma
grande civilização. E, então, houve uma reação antagônica ao Renascimento por
parte da Europa Setentrional (a reforma protestante) – a típica animosidade entre
o Norte e o Sul. Um dos valores protestantes foi: “Não queremos Platão! Não
queremos Aristóteles! Não queremos nada de lógica! Queremos somente a Bíblia!”.
Então, a cultura indo-europeia foi a cultura que criou uma filosofia
sistemática. A atitude que eles têm no cristianismo contra a adoração à Deidade
veio da Europa Setentrional, como uma reação ao Renascimento no século XVI. E a
razão pela qual honramos Srila Prabhupada no altar é porque temos, como eu
disse, o entendimento filosófico de que a alma é qualitativamente não diferente
de Deus. E aqueles que não têm esse entendimento filosófico ficam muito
assombrados com essa adoração, ou oferta de honras. Quero dizer: pense bem no
que é o guru-puja.
Temos um incenso, uma lamparina, um pouquinho de água, um lencinho (…). Pelo amor
de Deus! É só um incenso! O que há de assombroso nisso? O que vivemos hoje é o
resultado da reforma protestante na Europa Setentrional. Eles tiveram isso que
se chamou de beeldenstorm,
ou “fúria iconoclasta”. Eles entravam em igrejas belíssimas e quebravam as
janelas, as estátuas de Jesus e Maria e queimavam vivas as pessoas que
discordassem disso. Foi algo que fugiu completamente de controle. Era
simplesmente insanidade. O que você acha que Deus diria sobre isso? Você acha
que Deus queimaria pessoas simplesmente por terem cometido um erro filosófico?
No que diz respeito a Srila Prabhupada, nós não o adoramos como adoramos Deus.
Nós o honramos. No Srimad-Bhagavatam,
se diz que devemos honrar todos os seres vivos. Srila Prabhupada ilustrava a
questão de ele ser honrado como Deus através da imagem do policial. Se um
policial para você, você não dirá: “Quem é você? Você não é o governador ou o
presidente!” Muito embora ele seja apenas um policial, o peso e o poder de todo
o governo está por trás dele, e, se você não cooperar com ele, o poder do
governo será empregado contra você, apesar de o policial ser apenas um homem
comum, com um salário médio. O que Srila Prabhupada queria dizer é que, se
alguém é um representante legítimo de uma autoridade, você tem que se submeter
quando solicitado a isso. Mesmo minha mãe me ensinou isso. Quando fui para a
escola, ela disse que eu deveria escutar a professora. Naquele tempo, não era
como hoje, quando os pais censuram um professor que discipline o seu filho. Se
eu chegasse em casa me queixando do professor, sem que o professor tivesse
saído dos limites razoáveis, minha mãe não me daria ouvidos. Isto é tudo o que
Srila Prabhupada fez: tentou nos ensinar um pouco de etiqueta. Ele não disse
que ele era Deus. O fato de que ele era um devoto puro não significa que ele
falava inglês com perfeição. Quando ele falava sobre as escrituras reveladas,
ele era uma autoridade absoluta. Porém, quando ele falava sobre algum tópico
mundano, como linguística, ele não estava atuando como uma autoridade absoluta.
Acho que simplesmente temos que ter a maturidade de aceitar que Srila
Prabhupada é um devoto puro que ensinou com perfeição a ciência de Krishna, que
nos salvou e que devemos servir, mas que, algumas vezes, agia como um ser
humano. Acho que Deus nos conferiu o direito de chegarmos a um entendimento
racional das coisas. Sadhana, Inspiração, Missão. Para
concluirmos, consideremos as relações guru-discípulo
nas escrituras. Narada Muni, por exemplo, inspirava alguém, tornava-se seu guru e lhe dava um programa geral. Há muitos
casos em que o guru fornece um determinado sadhana e, então, fornece ao discípulo uma
missão na vida. Pensemos na relação de Srila Prabhupada com Bhaktisiddhanta
Sarasvati. Quando Srila Prabhupada o aceitou, adotou o sadhana dos vaishnavas seguidores do Senhor Chaitanya, e
Bhaktisiddhanta Sarasvati o inspirou e lhe deu uma missão e uma visão: “Você
deve pregar em inglês, no Ocidente.” Isso inspirou muito Srila Prabhupada, e
ele fez disso a missão de sua vida, e foi muito bem-sucedido. Na primeira carta
que escrevi a Srila Prabhupada em 1969, quando me juntei ao templo de Berkely,
perguntei a ele se eu deveria permanecer na faculdade ou sair, e Srila
Prabhupada disse que eu deveria ficar. Ele disse: “Quero que você seja alguém
de boa instrução para que possa pregar para pessoas de instrução similar.”
Isso, então, se tornou minha missão de vida. O que há de bonito é que há muitos
de nós seguindo as instruções de Srila Prabhupada, e todo membro da ISKCON
carrega consigo uma compreensão única da consciência de Krishna, e serve
Krishna dessa maneira. www.voltaaosupremo.com.br.
Abraço. Davi
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