Budismo. Texto de Alexander Benzin.
OITO DICAS PARA LIDAR COM A RAIVA. VIVEMOS UMA ÉPOCA em que nos dizem para
expressar a raiva, mas o Buda discordaria disso. Agir com raiva nos deixa mais
propensos a voltar a agir assim no futuro, iniciando um ciclo interminável de
episódios de raiva. O Buda nos aconselhou a não suprimir e nem extravasar
nossas emoções, mas analisá-las, e tentar compreender o pensamento equivocado
que está por trás da raiva. Os budistas podem falar muito sobre amor, compaixão
e tolerância, mas como até os grandes mestres, como o Dalai Lama, admitem que
às vezes ficam com raiva, será que podemos ter alguma esperança? A ciência diz
que sentir raiva é totalmente normal, psicólogos recomendam expressarmos nossa
raiva e algumas religiões dizem que está certo ter raiva, mas o budismo diz que
raiva é sempre ruim. Shantideva, um erudito budista do século VIII, descreveu a
raiva como a força negativa mais extrema, uma força que tem a capacidade de
destruir tudo de bom que trabalhamos tanto para conseguir. Pense nisso. Um
momento de raiva, combinado com o acesso a uma arma, pode mudar completamente o
futuro de uma pessoa, de uma vida livre para uma vida atrás das grades. Um
exemplo mais cotidiano seria que a raiva pode destruir a confiança e as
amizades que talvez tenhamos levado décadas para construir. Em última análise,
a raiva é mais perigosa do que todas as bombas e armas do mundo juntas. Sabemos
que a raiva não é um estado mental de felicidade, mas será que podemos fazer
alguma coisa? O budismo oferece uma variedade de métodos simples para nos
ajudar a transformar a mente. Mas não existem milagres! Aqui estão nossas
principais dicas para lidar com a raiva: 1. A Vida é Assim Mesmo: Samsara. O PRIMEIRO ENSINAMENTO DO BUDA, há 2.500 anos, vai
direto ao ponto: a vida é insatisfatória. E adivinha?! Ela nunca será
satisfatória. Se nascemos, morreremos. Entre esses dois eventos, haverá épocas
boas, épocas ruins e épocas em que provavelmente serão mais neutras. Esse ciclo
interminável, [de altos e baixos], é o que o budismo chama de “samsara”.Quando
viemos ao mundo, ninguém nos disse que a vida seria fácil, um eterno
divertimento, e que as coisas seriam sempre do jeito que gostaríamos que
fossem. Quando compreendemos nossa própria situação no samsara, fica mais fácil
compreendermos a situação dos outros também. Estamos todos juntos nisso. Ficar
irritado com as situações, com os outros, ou conosco não ajuda em nada. Outras
pessoas fazem e dizem coisas que não gostamos porque suas vidas também são
complicadas. Este tipo de pensamento pode transformar radicalmente nossa
perspectiva. Mesmo que cada um de nós pareça ser o centro de seu próprio
universo, isso não significa que tudo tem que acontecer exatamente da maneira
que queremos. 2. Seja um Herói: Paciência. EMOÇÕES
PERTURBADORAS SÃO mais bem superadas quando usamos aquilo que é diametralmente
oposto a elas, afinal, combater fogo com fogo não dá certo. Por que usar a
emoção oposta? Porque é impossível para nossa mente manter duas emoções opostas
ao mesmo tempo. Não dá pra gritar com alguém e ser paciente ao mesmo tempo,
simplesmente não funciona. A paciência é muitas vezes vista como um sinal de
fraqueza, de deixar que os outros se aproveitem de você sem que sofram as
consequências. Mas, na realidade, isso não poderia estar mais errado. Quando estamos
frustrados, é muito fácil simplesmente gritar. E como é difícil permanecermos
calmos e controlar nossas emoções! Seguir nossos sentimentos para onde quer que
nos conduzam não nos faz heróis, pelo contrário, nos enfraquece. Então, da
próxima vez que estiver a ponto de perder a cabeça e gritar, puxe a sua espada
da paciência e corte a cabeça de sua própria raiva. Como? Podemos tentar
respirar profundamente se notarmos que estamos ficando tensos e frustrados,
isso é um antídoto direto às respirações curtas e fortes da raiva. Podemos
contar lentamente até 100 para evitarmos dizer coisas que definitivamente
lamentaremos mais tarde. Ou, se estivermos em um confronto direto, talvez
queiramos sair da situação antes que ela piore. Cada situação é diferente, portanto,
você precisará analisar e ver o que funciona melhor para o seu caso. 3. Seja Realista: Analise a Situação. QUANDO
ESTAMOS COM RAIVA, nossa ira parece surgir como um protetor, como nosso melhor
amigo, que está cuidando dos nossos interesses, ajudando-nos na batalha. Essa
ilusão nos permite pensar que irritar-se é justificável. Mas, se olharmos bem,
veremos que a raiva não é nossa amiga, ela é nossa inimiga. A raiva causa
stress, angústia, perda de sono e de apetite. Se ficarmos continuamente com raiva,
criaremos uma impressão negativa nos outros. Vamos encarar os fatos: quem gosta
de estar ao lado de uma pessoa com raiva? Quando alguém nos acusa e sentimos
aquele nó começando a apertar nosso estômago, temos que parar e pensar
racionalmente. Só existem duas possibilidades: ou a acusação é verdadeira, ou é
falsa. Se for verdadeira, por que ficar com raiva? Se quisermos ser adultos
maduros, temos que admitir, aprender com isso e seguir com nossas vidas. Se for
falsa, por que ficar com raiva? A pessoa errou. Será que nunca erramos? 4. Olhe para a Sua Mente: Meditação. AS
PRÁTICAS DE MEDITAÇÃO e de mindfulness (atenção plena) podem ser extremamente
benéficas no combate à raiva. Muitas pessoas acham que meditação é perda de
tempo: Por que perder 20 minutos numa almofada quando você pode fazer algo
melhor com o seu dia? Outros acham que meditação é uma agradável fuga da vida
real, onde podemos passar um tempo longe das crianças/e-mails/marido/ esposa.
Mas a meditação é muito mais que isso - meditação é uma preparação para
a vida real. Não iria adiantar nada se meditássemos sobre compaixão todos os
dias pela manhã e assim que chegássemos ao trabalho começássemos a gritar com
nossos funcionários e reclamar dos colegas. A meditação é uma ferramenta que
familiariza nossa mente com pensamentos positivos - paciência, amor, compaixão
- e é algo que podemos fazer a qualquer hora e em qualquer lugar. Se passamos
meia hora todas as manhãs escutando música a caminho do trabalho, o mínimo que
poderíamos fazer seria passar dez minutos desse tempo gerando pensamentos de
bondade amorosa pelos outros - que é bom para reduzir a raiva e para nos
tornarmos pessoas mais agradáveis. 5. Sujeite-se: Aprenda com seu
Inimigo. EM GERAL, O BUDISMO NOS ENSINA a
fazer exatamente o contrário do que faríamos normalmente.
Quando ficamos com raiva de alguém, nosso impulso é de nos vingar. O resultado?
Terminamos tão mal ou pior do que antes. Pode parecer contraintuitivo, mas, na
realidade, fazer o contrário do que costumamos fazer dá o resultado oposto: o
caminho da felicidade. Parece loucura, mas pense que a pessoa de quem tem raiva
é como se fosse um professor para você. Se quisermos ser pessoas melhores, ou
seja, mais pacientes, amáveis, simpáticas e felizes, precisamos praticar.
Sabemos que leva tempo e esforço para se tornar um jogador de futebol ou um
violinista de fama mundial; então por que seria diferente com nossos exercícios
mentais? Se estivermos sempre cercados de pessoas que fazem e concordam com
tudo que queremos, nunca teremos nenhum desafio. Assim, a pessoa que nos dá
raiva é extremamente preciosa, pois nos dá a oportunidade de realmente praticar
paciência. Isso diminui imediatamente o surgimento de sentimentos de raiva,
porque muda nossa perspectiva, passando do que nos fizeram ao que estão fazendo
por nós. 6. Lembre-se da Morte: Impermanência. VOCÊ
VAI MORRER. Eu vou morrer. Todos morreremos. Então, quando aquela pessoa que
não suportamos fizer algo que nos deixe com raiva, devemos parar e pensar:
“Quando estiver em meu leito de morte, será que vou me importar com isso?” A
resposta, a menos que você saiba que a pessoa está realmente determinada a
invadir e destruir o mundo, será provavelmente um sonoro “não”. Essa pequena
dica é muito simples, contudo, ajuda a aliviar muitos dos pequenos
aborrecimentos da vida. Todos sabemos que vamos morrer, mas obviamente não é
algo que realmente saibamos. Achamos que a morte é um conceito
distante e abstrato que só acontece com os outros - o velho, o doente, os
envolvidos em acidentes terríveis. Mas a realidade não é assim. Jovens podem
morrer antes dos mais velhos, pessoas saudáveis podem morrer antes das doentes,
isso acontece todos os dias. Quando focamos em nossa morte (amanhã? Em um ano?
Em 50 anos?), muitas das coisas que nos tiram, literalmente, do sério, perdem
totalmente a importância. Não é que elas não nos irritem mais, mas reconhecemos
que não faz sentido algum desperdiçarmos nosso precioso tempo, respiração e
energia com elas. 7. Aqui se faz: Karma. AS
PESSOAS COSTUMAM DIZER: “aqui se faz, aqui se paga”, ou: “É seu karma, ele
merece o que está acontecendo,” querendo dizer que as pessoas colhem o que
plantam. Esta não é bem a compreensão budista de karma, que é muito mais
complexa e sutil. Mesmo assim, enquanto as pessoas parecem bastante convencidas
de que o sofrimento dos outros vem do seu próprio karma, a maioria reluta em
ver que quando está em uma situação difícil essa situação também surgiu de seu
próprio karma. Tudo que experimentamos, dos momentos incrivelmente felizes aos
de profundo desespero, surge de causas. Essas causas não vê1m de lugar nenhum e
simplesmente caem no nosso colo, essas causas são criadas por nós mesmos.
Assim, quando estivermos experimentando alguma situação ruim, ao invés de
deixar a raiva tomar conta, podemos parar e pensar: De onde vem isso, será que
quero que continue assim? O karma tem a ver com nosso comportamento compulsivo,
com a forma como reagimos às coisas da mesma velha maneira de sempre. Se
compreendermos como o karma funciona, veremos que temos a capacidade de mudar
nossas experiências futuras através daquilo que fazemos agora - e, aqui, isso
significa praticar paciência quando a raiva beliscar. 8. Não é Real: Vacuidade.
ENQUANTO A PACIÊNCIA é o antídoto direto da raiva, a vacuidade é o antídoto
mais forte, e não apenas para a raiva, mas para todos os nossos problemas e
dificuldades. Não importa o quão pacientes sejamos, se não tivermos
compreendido a vacuidade, os problemas continuarão a chover, como as chuvas das
monções na Índia. Se tirarmos um momento para analisar nossa mente quando
estivermos com raiva, perceberemos um forte sentimento de “mim” ou “eu”: “Eu estou
muito bravo com o que você disse para mim. Eu não
posso acreditar no que ele fez ao meu amigo! Eu definitivamente
estou certo sobre isto e ela está definitivamente errada!” Eu,
eu, eu. Quando estamos com raiva, temos a oportunidade perfeita para analisar
esse “eu” que parece assim tão concreto. Ele não existe! Não estou dizendo que
não existimos, ou que nada importa; mas que quando tentamos encontrar esse “eu”
— será que ele está em minha mente? no corpo? em ambos? — não há como dizer que
sim, “sim, aí está ele!” As pessoas têm dificuldade em compreender isso, mas o
fato é que quando começamos a analisar a realidade, nossa perspectiva muda radicalmente.
Vemos que nunca houve nada que pudéssemos realmente apontar como sendo o objeto
da nossa raiva. Resumo. NÃO IMPORTA QUANTAS vezes tenhamos que
repetir: “Eu não ficarei irritado”; sem nos esforçarmos, nunca conseguiremos a
paz de espírito que tanto desejamos. Esses itens não são para serem vistos
apenas como uma bela lista — são ferramentas que podemos usar para nos livrar
da frustração, da raiva e da tristeza. Com a prática, qualquer um de nós é
capaz! www.studybuddhism.com.br.
Abraço. Davi
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