segunda-feira, 30 de janeiro de 2017

A BUSCA DO HOMEM.



Teosofia. Texto de Jiddu Krishnamurti (1895-1986). Capítulo I. A BUSCA DO HOMEM – A MENTE TORTURADA – O CAMINHO TRADICIONAL – A ARMADILHA DA RESPEITABILIDADE – O ENTE HUMANO E O INDIVÍDUO – A BATALHA DA EXISTÊNCIA – A NATUREZA BÁSICA DO HOMEM – A RESPONSABILIADE – A VERDADE – A DISSIPAÇÃO DE ENERGIA – A LIBERTAÇÃO DA AUTORIDADE. Ao longo das Eras, o homem vem buscando algo além de si próprio, além do bem-estar material – algo que ele pode chamar de verdade, de Deus ou realidade, de um estado atemporal – algo que não possa ser perturbado pelas circunstâncias, pelo pensamento ou pela corrupção humana. O homem sempre indagou: Qual a finalidade de tudo isto? Tem a vida alguma significação? Vendo a enorme confusão reinante na vida, as brutalidades, as revoltas, as guerras, as intermináveis divisões da religião, da ideologia, da nacionalidade, pergunta o homem, com um profundo sentimento de frustração, o que se deve fazer, o que é isso que se chama viver e se alguma coisa existe além de seus limites. E, sem conseguir encontrar essa coisa sem nome e de mil nomes que sempre buscou, o homem cultivou a fé – fé num salvador ou num ideal, a fé que invariavelmente gera a violência. Nesta batalha constante que chamamos “viver”, procuramos estabelecer um código de conduta, conforme a sociedade na qual somos criados, quer seja uma sociedade comunista ou uma supostamente livre; aceitamos um padrão de comportamento como parte de nossa tradição hinduísta, muçulmana, cristã, judaica ou outra. Esperamos que alguém nos diga o que é conduta justa ou injusta, pensamento correto ou incorreto e, ao seguir esse padrão, nossa conduta e nosso pensar se tornam mecânicos, nossas reações, automáticas. Pode-se observar isso muito facilmente em nós mesmos. Durante séculos fomos amparados por nossos instrutores, nossas autoridades, nossos livros, nossos santos. Pedimos: “Diga-me tudo; mostre-me o que existe além dos montes, das montanhas e da Terra” – e satisfazemo-nos com suas descrições, quer dizer, vivemos de palavras, e nossa vida é superficial e vazia. Não somos originais. Temos vivido das coisas que os outros nos dizem ou sendo guiados pelas nossas inclinações, pelas nossas tendências, ou impelidos a aceitar pelas circunstâncias e pelo ambiente. Somos o resultado de toda espécie de influência e em nós nada existe de novo, que tenha sido descoberto por nós mesmos, que seja original, inédito, claro. Em consonância com a história teológica, garantem-nos os guias religiosos que, se observarmos determinados rituais, recitarmos certas preces e versos sagrados, obedecermos a alguns padrões, refrearmos nossos desejos, controlarmos nossos pensamentos, sublimarmos nossas paixões, abstivermos dos prazeres sexuais, então, após torturar suficientemente o corpo e o espírito, encontraremos uma certa coisa além desta vida desprezível. É isso o que tem feito, no decurso das eras, milhões de indivíduos ditos religiosos, quer pelo isolamento nos desertos, nas montanhas, numa caverna, quer peregrinando de aldeia em aldeia, pedindo esmolas; quer em grupos, ingressando em mosteiros e forçando a mente a se ajustar a padrões estabelecidos. Mas a mente que foi torturada, subjugada, a mente que deseja fugir a toda agitação, que renunciou ao mundo exterior e se tornou embotada pela disciplina e pelo ajustamento – essa mente, não importa o quanto procure, só achará o que estiver em conformidade com sua própria deformação. Assim, para descobrir se de fato existe ou não alguma coisa além desta existência ansiosa, culpada, temerosa, competidora, parece-me necessário que tomemos um caminho completamente diferente. O caminho tradicional vai da periferia para o centro, com a finalidade de atingir gradativamente, através do tempo, da prática e da renúncia, aquela flor interior, aquela intima beleza e amor – enfim, tudo fazer para nos tornarmos tacanhos, vulgares e falsos, ir retirando as camadas uma a uma; precisar do tempo: amanhã ou na próxima vida chegaremos – e quando, afinal, atingimos o centro, não encontramos nada, porque nossa mente se tornou incapaz, embotada, insensível. Após observar esse processo, perguntamos a nós mesmos se não haverá outro caminho totalmente diferente, isto é, se não teremos possibilidade de “explodir” a partir do centro. O mundo aceita e segue o caminho tradicional. A causa primária da desordem que existe em nós é o fato de estarmos buscando a realidade prometida por outrem; seguimos mecanicamente todo aquele que nos garante uma vida espiritual confortável. É um fato verdadeiramente singular este, que, embora em maioria sejamos contrários à tirania política e à ditadura, interiormente aceitamos a autoridade, a tirania de outrem, permitindo-lhe deformar a nossa mente e a nossa vida. Assim, se de todo rejeitarmos, não intelectual, porém realmente, a autoridade dita espiritual, as cerimônias, rituais e dogmas, isso significará que ficaremos sozinhos, em conflito com a sociedade; deixaremos de ser entes humanos respeitáveis. Ora, um ente humano respeitável nenhuma possibilidade tem de se aproximar daquela infinita, imensurável realidade. Comece agora a rejeitar uma coisa que é totalmente falsa – o caminho tradicional – mas, se a rejeitar como reação, você terá criado outro padrão no qual se verá aprisionado como numa armadilha: se disser intelectualmente a si mesmo que essa rejeição é uma ideia importante, e nada fizer, você não irá muito longe. Se, entretanto, você a rejeitar por ter compreendido o quanto ela é estúpida e imatura, se a rejeitar por inteligência, porque você é livre e não tem medo, criará muita perturbação dentro e ao redor de si mesmo, mas se livrará da armadilha da respeitabilidade. Você verá, então, que parou de buscar. Quando busca, você age, com efeito, como se estivesse apenas olhando vitrines. A pergunta sobre se Deus, a verdade ou a realidade – chame como quiser – existem jamais será respondida pelos livros ou pelos sacerdotes, filósofos ou salvadores. Nada nem ninguém pode responder a essa pergunta, somente você mesmo, e essa é a razão por que você precisa se conhecer. Só é imaturo quem desconhece totalmente a si mesmo. A compreensão de si próprio é o começo da sabedoria. E o que é esse si mesmo, esse eu individual? Acho que existe uma diferença entre o ente humano e o indivíduo. O indivíduo é a entidade local, o habitante de qualquer país, pertencente a determinada cultura, uma dada sociedade, uma certa religião. O ente humano não é uma entidade local. Ele está em toda parte. Se o indivíduo só atua num certo ângulo, isolado do vasto campo da vida, sua ação está totalmente desligada do todo. Portanto, é  necessário ter em mente que estamos falando do todo e não da parte, porque no maior está contido o menor, mas o menor não contém o maior. O indivíduo é aquela insignificante entidade condicionada, aflita, frustrada, satisfeita com seus pequeninos deuses e tradições; já o ente humano está interessado no bem-estar geral, no sofrimento geral e na total confusão em que se encontra o mundo. Nós, entes humanos, somos os mesmos que éramos há milhões de anos – enormemente ávidos, invejosos, agressivos, ciumentos, ansiosos e desesperados, com ocasionais lampejos de alegria e afeição. Somos uma estranha mistura de ódio, medo e ternura; somos a um tempo a violência e a paz. Tem-se feito progresso, exteriormente, do carro de boi ao avião a jato, porém, psicologicamente, o indivíduo não mudou em nada, e a estrutura da sociedade, em todo o mundo, foi criada por indivíduos. A estrutura social, exterior, é o resultado da estrutura psicológica, interior, das relações humanas, pois o indivíduo é o resultado da experiência, dos conhecimentos e da conduta do homem, de modo global. Cada um de nós é o repositório de todo o passado. O indivíduo é o ente humano que representa toda a humanidade. Toda a história humana está escrita em nós. Observe o que realmente está ocorrendo dentro e fora de si mesmo, na cultura de competição em que você vive, com seu desejo de poder, posição, prestígio, nome, sucesso, etc.; observe as realizações de que tanto você se orgulha, todo esse campo que chama viver e no qual há conflito em todas as formas de relação, suscitando ódio, antagonismo, brutalidade e guerras intermináveis. Esse campo, essa vida, é tudo o que conhecemos, e como somos incapazes de compreender a enorme batalha da existência, naturalmente lhe temos medo e dela tentamos fugir pelas mais sutis e variadas maneiras. Temos também medo do desconhecido – medo da morte, do que reside além do amanhã. Assim, temos medo do conhecido e medo do desconhecido. Tal é a nossa vida diária: nela, não há esperança alguma e, por conseguinte, qualquer espécie de filosofia, qualquer espécie de teologia representa meramente uma fuga da realidade – do que existe. Todas as formas exteriores de mudanças, produzidas pelas guerras, revoluções, reformas; pelas leis e ideologia, falharam completamente, pois não mudaram a natureza básica do homem e, portanto, da sociedade. Como seres humanos, vivendo neste mundo monstruoso, perguntemos a nós mesmos: “Pode esta sociedade, baseada na competição, na brutalidade e no medo, ter um fim? Ter um fim, não como conceito intelectual, como esperança, mas como um fato real, de modo que a mente se torne vigorosa, nova, inocente, capaz de criar um mundo totalmente diferente?” Creio que isso só ocorrerá se cada um de nós reconhecer o fato central de que, como indivíduos, como entes humanos – seja qual for a parte do Universo em que vivamos, não importando a que cultura pertençamos – somos inteiramente responsáveis por toda a situação do mundo. Somos, cada um de nós, responsáveis por todas as guerras, geradas pela agressividade de nossa vida, pelo nosso nacionalismo, nosso egoísmo, nossos deuses, nossos preconceitos, nossos ideais – pois tudo isso está nos dividindo. E só quando percebermos, não intelectualmente, mas realmente – tão realmente como reconhecemos que estamos com fome ou que sentimos dor – bem como quando você e eu percebermos que somos os responsáveis por todo esse caos, por todas as aflições existentes no mundo inteiro, porque para isso contribuímos em nossa vida diária e porque fazemos parte desta monstruosa sociedade, com suas guerras, divisões, sua fealdade, brutalidade e avidez – só então poderemos agir. Mas o que pode fazer um ente humano, que pode fazer você e que posso fazer eu para criar uma sociedade completamente diferente? Estamos nos fazendo uma pergunta muito séria. É necessário fazer alguma coisa? Que podemos fazer? Alguém nos dará essa resposta? Muita gente a tem nos dado. Os chamados guias espirituais, que supõem compreender essas coisas melhor do que nós, já nos responderam, tentando modificar-nos e moldar-nos segundo novos padrões, e isso não nos levou muito longe: homens sofisticados e eruditos também nos responderam, e também eles não nos levaram mais longe. Disseram-nos que todos os caminhos levam à verdade, você tem o seu caminho, como hinduísta, outros o têm como cristãos, e outros judeus; ainda outros o têm como muçulmanos e budistas. Mas todos esses caminhos vão acabar diante da mesma porta. Isso, quando o consideramos bem, é um evidente absurdo. A verdade não tem caminho, e essa é sua beleza; ela é viva. Uma coisa morta tem um caminho que a ela conduz, porque ela é estática, mas quando você perceber que a verdade é algo que vive, que se movimenta, que não tem pouso, não tem templo, mesquita, igreja ou sinagoga, e que a ela nenhuma religião, nenhum instrutor, nenhum filósofo pode levar-nos – você verá, então, também, que essa coisa viva é o que você realmente é – a sua irascibilidade, a sua brutalidade, a sua violência, o seu desespero e a agonia e o sofrimento em que vive. Na compreensão de tudo isso se encontra a verdade. E você só compreenderá isso se souber como olhar tais coisas da sua vida. Mas não se pode olhá-las através de uma ideologia, de uma cortina de palavras, através de esperanças e temores. Como vê, você não pode depender de ninguém. Não existe nenhum guia, nenhum instrutor, nenhuma autoridade. Só existe você, as suas relações com os outros e com o mundo, e nada mais. Quando se percebe esse fato, ou ele produz um grande desespero, causador de pessimismo e amargura; ou, enfrentando o fato de que você e ninguém mais é o responsável pelo mundo e por si mesmo, pelo que pensa, pelo que sente, pela maneira como age, desaparece de todo a autocompaixão. Normalmente, gostamos de culpar os outros, o que é uma forma de autocompaixão. Poderemos, então, você e eu, promover em nós mesmos – sem dependermos de nenhuma influência exterior, de nenhuma persuasão, sem nenhum medo de punição – poderemos promover em nossa própria essência uma revolução total, uma mutação psicológica, para que não sejamos mais brutais, violentos, competidores, ansiosos, medrosos, ávidos (cobiça, egoísmo), invejosos – enfim, todas as manifestações da nossa natureza que formaram a sociedade corrompida em que vivemos nossa vida de cada dia? Importa compreender desde já que não estou formulando nenhuma filosofia ou estrutura de ideias ou conceitos teológicos. Todas as ideologias se me afiguram totalmente absurdas. O importante não é uma filosofia da vida, porém que observemos o que realmente está ocorrendo em nossa vida diária, interior e exteriormente. Se observar muito atentamente o que está se passando, se examinar bem, você verá que tudo se baseia num conceito intelectual. Mas o intelecto não constitui o campo total da existência; ele é um fragmento, e todo fragmento, por mais engenhosamente ajustado, por mais antigo e tradicional que seja, continua a ser uma parte insignificante da existência, e nós temos de nos interessar pela totalidade da vida. Quando consideramos o que está ocorrendo no mundo, começamos a compreender que não existe nem processo exterior nem processo interior; existe só um processo unitário, um movimento integral, total, sendo que o movimento interior se expressa exteriormente, e o movimento exterior, por sua vez, reage ao interior. Ser capaz de olhar esse fato – eis o que é necessário, só isso; porque, se sabemos olhar, tudo se torna claríssimo. O ato de olhar não requer nenhuma filosofia, nenhum instrutor. Ninguém precisa ensinar-nos como olhar. Olhe simplesmente. Assim, vendo todo esse quadro, vendo-o não verbalmente porém realmente, você pode transformar-se, de modo natural e espontâneo? Esse é o verdadeiro problema. Será possível promover uma revolução completa na psique? Eu gostaria de saber qual é a sua reação a uma pergunta dessas. Você dirá, porventura: “Não quero mudar”? E a maioria das pessoas não quer, principalmente aquelas que se acham em relativa segurança, social e economicamente, ou que conservam crenças dogmáticas e se satisfazem em aceitar a si próprias e as coisas tais como são ou em forma ligeiramente modificada. Tais pessoas não nos interessam. Ou talvez você diga, mais sutilmente: “Ora, isso é dificílimo, está fora do meu alcance”. Nesse caso, você Já fechou o caminho, já parou de investigar e será completamente inútil prosseguir. Ou, ainda, dirá: ”Percebo a necessidade de uma transformação interior fundamental, em mim mesmo, mas como empreende-la? Peço que me mostre o caminho, me ajude a alcança-la”. Se assim falar, então o que o interessa não é a transformação em si, você não está realmente interessado numa revolução fundamental: está, meramente, buscando um método, um sistema capaz de efetuar a mudança. Se fossemos tão sem juízo que lhe déssemos um sistema e você tão sem juízo que o seguisse, você estaria meramente a copiar, a imitar, a ajustar-se, a aceitar, e, fazendo tal coisa, teria estabelecido em si mesmo a autoridade de outrem, que resultaria em conflito entre você e essa autoridade. Você pensa que deve fazer tal e tal coisa porque mandaram que a fizesse e, no entanto, você é incapaz de fazê-la. Você tem suas inclinações, tendências e pressões peculiares, que colidem com o sistema que julga dever seguir e, por conseguinte, existe uma contradição. Você levará, assim, uma vida dupla, entre a ideologia do sistema e a realidade de sua existência diária. No esforço para ajustar-se a ideologia, recalca a si mesmo e, no entanto, o que é realmente verdadeiro não é a ideologia, porém aquilo que você é. Se tentar estudar-se de acordo com outrem, permanecerá sempre um ente humano sem originalidade. O homem que diz: “Quero mudar, diga-me como conseguir isso” – parece muito atento, muito sério, mas não o é. Ele quer uma autoridade que, assim espera, estabelecerá a ordem nele próprio. Mas, pode algum dia a autoridade promover a ordem interior? A ordem imposta de fora gera sempre, necessariamente, a desordem. Você pode perceber essa verdade intelectualmente, mas será capaz de aplica-la de maneira que a sua mente não mais projete nenhuma autoridade – a autoridade de um livro, de um instrutor, da esposa ou do marido, dos pais, de um amigo, ou da sociedade? Como sempre funcionamos segundo o padrão de uma fórmula, essa fórmula passa a ser ideologia e autoridade; mas assim que perceber realmente que a pergunta “como mudar?” cria uma nova autoridade, você terá acabado com a autoridade para sempre. Vamos repetir com clareza: Vejo que tenho de mudar completamente, desde as raízes do meu ser; não posso mais depender de nenhuma tradição, porque foi a tradição que criou essa colossal indolência, aceitação e obediência; não posso contar com os outros para me ajudar a mudar, com nenhum instrutor, nenhum deus, nenhuma crença, nenhum sistema, nenhuma pressão ou influência externa. Que sucede então? Em primeiro lugar, você pode rejeitar toda autoridade? Se pode, isso significa que já não tem medo. E então o que acontece? Quando rejeita algo falso que traz consigo há gerações, quando larga uma carga de qualquer espécie, o que acontece? Aumenta a sua energia, não? Você fica com mais capacidade, mais ímpeto, mais intensidade e vitalidade. Se não sente isso, nesse caso você não largou a carga, não se livrou do peso morto da autoridade. Mas, depois que tiver se livrado dessa carga e tiver essa energia em que não existe medo de espécie alguma – medo de errar, de agir incorretamente – essa própria energia não é então mutação? Necessitamos de grande abundância de energia, e a dissipamos com o medo; mas, quando existe a energia que vem depois de nos livrarmos de todas as formas do medo, essa própria energia produz a revolução interior, radical. Você nada tem que fazer nesse sentido. Você fica então a sós consigo mesmo, e esse é o estado real que convém ao homem que considera a sério essas coisas. E como já não conta com a ajuda de nenhuma pessoa ou coisa, você está livre para fazer descobertas. Quando há liberdade, há energia; quando há liberdade, ela não pode fazer nada errado. A liberdade difere inteiramente da revolta. Não existe agir correta ou incorretamente, quando há liberdade. Você é livre e, desse centre, age. Por conseguinte, não existe medo, e a mente sem medo é capaz de infinito amor. E o amor pode fazer o que quer. O que agora vamos fazer, portanto, é aprender a nos conhecer, não de acordo com um certo analista ou filósofo, porque, se fazemos isso de acordo com outras pessoas, aprendemos a conhecer essas pessoas e não a nós mesmos. Vamos aprender o que somos realmente. Tendo percebido que não podemos depender de nenhuma autoridade exterior para promover a revolução total na estrutura de nossa própria psique, apresenta-se a dificuldade infinitamente maior de rejeitarmos nossa própria autoridade interior, a autoridade de nossas próprias e insignificantes experiências e opiniões acumuladas, conhecimento, ideias e ideais. Digamos que você tivesse ontem uma experiência que lhe ensinou algo, e isso que ela ensinou se torna uma nova autoridade, e sua autoridade de ontem é tão destrutiva quanto a autoridade de um milhar de anos. A compreensão de nós mesmos não requer nenhuma autoridade, nem a do dia anterior nem a de há mil anos, porque somos entidades vivas, sempre em movimento, sempre a fluir e jamais se detendo. Se olharmos a nós mesmos com a autoridade morta de ontem, nunca compreenderemos o movimento vivo e a beleza e natureza desse movimento. Livrar-se de toda autoridade, seja própria, seja de outrem, é morrer para todas as coisas de ontem – para que a mente seja sempre fresca, sempre juvenil, inocente, cheia de vigor e de paixão. Só nesse estado é que se aprende e observa. Para tanto, requer-se grande capacidade de percebimento, de real percebimento do que se está passando no interior de si mesmo, sem corrigir o que vê, nem dizer o que deveria ou não deveria ser. Porque, tão logo corrige, você estabelece outra autoridade, um censor. Vamos, pois, investigar juntos a nós mesmos, ninguém ficará explicando enquanto você vai lendo, concordando ou discordando de quem explica, ao mesmo tempo que vai seguindo as palavras do texto. Porém, vamos fazer juntos uma viagem, uma viagem de exploração pelos mais secretos recessos de nossa mente. Para empreender essa viagem, precisamos estar livres, não podemos transportar uma carga de opiniões, preconceitos e conclusões – todos os trastes imprestáveis que juntamos no decurso dos últimos dois mil anos ou mais. Esqueça de tudo o que sabe a respeito de si mesmo. Esqueça de tudo o que sabe a respeito de si mesmo. Esqueça de tudo o que pensava a seu respeito; vamos iniciar a marcha como se nada soubéssemos. A noite passada choveu torrencialmente e agora o céu está começando a limpar-se; é um dia novo, fresco. Encontremo-nos com este novo dia como se fosse nosso único dia. Iniciemos juntos a jornada, deixando para trás as lembranças de ontem, e comecemos a compreender-nos pela primeira vez. Livro Liberte-se do Passado. Abraço. Davi.

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