SUFISMO.
Uma definição de SUFISMO, a partir de seu nome é algo difícil de ser feito,
visto haverem várias formas de interpretar a sua raiz arábica: SF. Uma das
interpretações mais em voga é a que o Sufi é aquele que faz uso do manto
rústico tecido de lã (sûf) enquanto que outra linha de interpretação faz
derivar o nome do sopro do conhecimento místico que nasce do coração (Sôf). Uma
terceira linha faz nascer o nome não de uma raiz árabe, mas sim grega, Sophos,
ou conhecimento. De qualquer maneira, a forma mais aceita de interpretar o
Sufi e o Sufismo é utilizando não a sua origem linguística, mas sim os seus
objetivos: em termos gerais, o Sufi é todo aquele indivíduo que acredita que é
possível ter uma experiência direta de Deus e que está preparado para sair de
sua vida rotineira para se colocar debaixo das condições e meios que lhe
permitam chegar a este objetivo. Neste contexto, o Sufi é considerado como o
protótipo de todo místico que busca a União. Um exemplo vívido nos é apresentado
por Djalalludin Rumi (1207-1273). O Sufismo é atualmente mais equacionado com
uma forma ISLÂMICA de misticismo, que tende a abraçar diferentes maneiras e
tipos de técnicas, mas todas voltadas a uma busca de uma comunhão direta entre
Deus e o homem. É uma esfera de experiência espiritual que corre em paralelo
com a prática do ISLÃ, que deriva da revelação profética e se desenvolve na
Shari’a e na teologia muçulmana. Como religião codificada, o islã não pode
admitir que a experiência mística possa ocorrer em paralelo e como experiência
pessoal única, o que gerou as tensões e questionamentos que o SUFISMO ISLÂMICO
sempre sofreu ao longo de sua trajetória. O objetivo tanto do Islã quanto do
Sufismo é conduzir o praticante em direção à Verdade ou Realidade. Dentro do Islã
como religiosa revelada, tal objetivo seria obtido através da prática dos
preceitos religiosos enquanto que no Sufismo, além destes preceitos, entrariam
também em jogo uma série de fatores intuitivos e emocionais que, segundo a
teoria do SUFISMO, estariam dormentes na maioria dos seres humanos e que, sob
uma supervisão correta, poderiam ser despertos e desenvolvidos. Este
desenvolvimento recebe o nome de Caminho e o viajante no caminho (salak
at-tariq) busca eliminar os véus que ocultam a sua experiência do Real e assim,
vir a transformar-se ou absorvido na Unidade indiferenciada. Embora não seja um
processo intelectual, o Sufismo acabou gerando uma série de formulações
teórico/práticas que constituíram verdadeiras linhas filosófico/místicas que
acabaram se constituindo em verdadeiras formas de reação contra um Islã cada
vez mais sistematizado em termos de leis e teologia sistemática, objetivando
uma liberdade espiritual através da qual os sentidos espirituais intrínsecos do
ser humano pudessem ser amplamente utilizados. Os vários caminhos (turuq,
tariqa no plural) estão preocupados com este objetivo e não na justificativa
religiosa ou não. O Sufismo inicial representava uma expressão natural da
religião pessoal em contraposição à expressão religiosa do grupo. Era a
afirmação do direito pessoal em seguir uma vida de contemplação e de busca de
contato com a fonte de ser. Os grupos sufis iniciais eram bastante frouxos
e mutáveis, com os discípulos viajando em busca de mestres, outros ganhando seu
sustento com trabalho e outros mendigando. Aos poucos vão se formando locais de
reunião para tais tipos de viajantes e cada um estava associado com algum tipo
de função: as hospedarias, em certas regiões da Arábia (ribats) tem esta
origem, no Korasan, estes locais estavam associados com casas de repouso,
hospitais e hospícios (khanaqah) enquanto que outros eram retiros (khalwa ou
zawya), geralmente sob a orientação de um diretor espiritual. Com o tempo,
todos estes termos passaram a representar um local de reunião sufi. Já no
século XI (1001-1100) encontramos estruturas Sufi, com locais de reunião,
exercícios espirituais, meditação e retiros bem organizados, embora o pessoal
que deles participava ainda era bastante infrequente e que migravam de mestre a
mestre. Com o passar do tempo começaram a dispor de um pessoal mais permanente
e finalmente, assumiram as características de verdadeiras linhagens
espirituais, abrindo o caminho para um processo de institucionalização. Assim
surgem as ordens Sufi, geralmente girando ao redor do místico fundador, e surge
o processo de admissão de um postulante à uma Silsila (cadeia contínua de
autoridade e de transmissão de conhecimento). Frequentemente uma Silsila, por
um processo de desdobramento ou de quebra, dá origem a outras linhagens que lhe
são parentes, criando uma infinidade de subordens que irão, por sua vez passar
pelo mesmo processo. Tal mecanismo está em franco desenvolvimento nos dias
atuais, principalmente devido ao fato do grande interesse dos Ocidentais por
estas Ordens, o que facilitou este processo de multiplicação. Em termos
esotéricos, o Sufismo não se diferencia da busca pela União que já é encontrada
nas propostas místicas anteriores ao Islã, a Cabala Judaica, as propostas
Platônicas e Neo Platônicas, o Gnosticismo e o Misticismo Cristão precederam e
deram um embasamento para o Sufismo Islâmico. Dentro deste contexto maior, o
Sufismo, assim como as formas que lhe precederam recebem o nome de Trabalho, ou
seja, o processo ativo de aperfeiçoamento do indivíduo para que este se torne
capaz de perseguir o fim último de seu ser: a União Mística com o Absoluto.
Nesta perspectiva não seria possível estabelecer-se qualquer diferencial entre
uma linha com outra, afora as diferenças exteriores de apresentação e contexto
cultural. Essa é uma das formas de entender o que é chamado de Tradição Perene,
ou Filosofia Perene, que representa a essência dos conhecimentos e práticas
capazes de conduzir o indivíduo a um desenvolvimento harmônico de suas
potencialidades. Assim cada uma destas linhas e escolas, que tentaram preservar
e desenvolver este conhecimento, são expressões desta Tradição Perene em
diferentes épocas e culturas. Cada uma delas assumiu uma forma especifica,
mística, religiosa, artística, filosófica ou científica, de acordo com o
momento em que surgiram e se desenvolveram. Assim o problema fundamental que se
apresenta ao postulante é o mais crucial de todos: o que ele realmente deseja;
a busca da União, com tudo que isto representa ou a busca de um apoio religioso
e institucional. Isto com frequência não é bem analisado pelo postulante que
acaba confundindo ambos os objetivos. O GRANDE SUFISMO. O Sufismo tem sido
reconhecido por muitos autores como um dos maiores representantes da
espiritualidade e importante fonte de conhecimentos e práticas do caminho
místico. Seu objetivo básico é o de prover ao ser humano, um caminho real
e bastante abrangente de crescimento e desenvolvimento de suas potencialidades,
buscando conduzir o ser humano de volta à sua dimensão de perfeição, fim último
de qualquer caminho místico verdadeiro. Muito da proeminência que o Sufismo
desfruta vem do fato dele conter elementos oriundos de outras tradições e de
ter dado continuidade a elas incorporando-as dentro de seu processo. Isto
acabou por conferir-lhe um caráter mais universal, mesmo estando inserido
dentro do contexto do mundo Islâmico. É possível perceber esta influência
especialmente durante a Idade Média e Renascença, que se estendeu aos Cristãos,
Judeus e outras escolas esotéricas. Também influenciou o desenvolvimento da
Filosofia, principalmente com a tradução e divulgação dos textos gregos,
Ciências como a medicina, a matemática, a astronomia e as Artes. Uma das
versões sobre o início do Sufismo remonta aos indivíduos que surgiram depois da
morte do profeta Maomé. Estes indivíduos se retiraram para o deserto ou áreas
de menor evidência quando se iniciaram as disputas pelas sucessões dos Califas.
Essa atitude buscava preservar e dar continuidade aos conhecimentos que eles
haviam recebido principalmente de Ali e de Abu Bakr, ambos companheiros mais
próximos do Profeta. Segundo a tradição, Maomé (Muhammad) teria confiado
principalmente a eles, os aspectos mais esotéricos do conhecimento que possuía,
ou seja, sua dimensão mística ou espiritual. Em contato também com outras
tradições, estes indivíduos foram os maiores responsáveis pelo desenvolvimento
da dimensão mística do Islã, e aos poucos foram formando escolas e ganhando
importância como representantes da espiritualidade. Eles e seus discípulos
começaram a ser conhecidos como Sufis, e a inserir suas escolas na comunidade,
resgatando e ensinando o caminho místico da Verdade e da Unidade Divina, a
exemplo do próprio Maomé. E isto não aconteceu através do ascetismo clássico de
abandono e negação, mas pela verdadeira pobreza espiritual. Nesta pobreza, o
coração imerso no Amor, abandona o seu apego ao mundo para unir-se a Deus. Isso
acontece sem que, necessariamente, deva-se abandonar o mundo, ou afastar-se da
sociedade. Afinal, não haveria sentido em ensinar a Unidade rejeitando uma
parte da expressão do Absoluto. Como bem resume um ditado: “O sufi é aquele que
está no mundo, mas não pertence a ele. ”Como seu maior propósito está na busca
pela Presença Divina, e também por ter incorporado elementos de outras
tradições, o Sufismo acabou por adquirir um caráter mais universal. E por isso
também, foi muitas vezes reconhecido como a essência das religiões e da
espiritualidade. Prova disso é que dentro de grupos sufis é comum encontrar-se
indivíduos de diversas religiões e tradições.
Esta irmandade
não tem nada a ver com ser elevado
ou baixo,
esperto ou ignorante.
Não existe uma assembleia
especial, nem um grande discurso,
nem se requer nenhum curso
anterior.
Esta irmandade se parece mais com
uma festa de bêbados
cheia de trapaceiros, tolos, charlatões e loucos.
cheia de trapaceiros, tolos, charlatões e loucos.
*
Não sou deste mundo e nem do
próximo;
Nem do céu, nem do inferno.
Não vim de Adão nem de Eva;
Não moro no Éden nem nos jardins
do paraíso;
Meu lugar é um não lugar, minhas
pegadas não deixam marca.
Nada é meu, nem corpo nem alma.
Tudo pertence ao coração do meu
Amado.
Eu desvesti todas as diferenças,
E agora vejo os dois mundos como
um.
O
Sufismo sempre se baseou em uma perspectiva perene e universal da
espiritualidade. Por seu caráter humanista e de busca pela transcendência, ele
é reconhecido como expressão e continuidade de uma tradição ainda mais antiga,
responsável pela preservação e transmissão dos conhecimentos e práticas que
visam o desenvolvimento do homem e da própria humanidade. Este é o
núcleo do Grande Trabalho, da tradição das Escolas de Sabedoria, que já foi
representado pela Escola de Sarmung, e que também é chamado de Grande Sufismo,
ou Sufismo Maior. Ele está no núcleo da própria espiritualidade, uma vez que
permanece livre de qualquer outro condicionante ou estrutura, seja ela,
religiosa, social ou cultural. Esta tradição foi também chamada por alguns
autores de Filosofia Perene. O Sufismo, assim como outras Escolas, recolhe
e preserva o conhecimento das diversas tradições esotéricas e das outras áreas
do conhecimento humano e produz um novo conhecimento, mais abrangente e
adequado ao contexto cultural. E é por isso que Sarmung, uma das
últimas Escolas a cumprir este papel, tinha como símbolo a abelha, que recolhe
o néctar de diversas flores, e que em sua colmeia produz o mel. E é esse mel
que, de tempos em tempos, é oferecido e reorienta a humanidade em seus caminhos
de desenvolvimento. Por toda esta liberdade e complexidade apresentadas
acima, o Sufismo foi muitas vezes atacado dentro do próprio mundo Islâmico como
sendo uma heresia. Talvez por isso, atualmente, o Sufismo venha perdendo
exatamente os elementos de liberdade e universalidade que tanto o
caracterizaram. Muitas vezes, acaba por restringir-se exclusivamente à
perspectiva Islâmica, que jamais negou ou deixou de proteger e reverenciar, mas
também à qual nunca havia se deixado aprisionar. Outro processo bastante
triste é a vulgarização do Sufismo através do oportunismo de certos indivíduos
sem conexão com o processo, que surgem em função do destaque que ele recebeu
nos últimos anos. Esse padrão infelizmente vem atingindo não apenas o
Sufismo. A degeneração e banalização da espiritualidade vêm se tornando um
problema sério. A grande quantidade de informação tem colocado as pessoas em um
grau acentuado de confusão. Por faltar referências no que diz respeito à
espiritualidade é difícil desenvolver a capacidade de discriminar o que útil do
que não é, e isso reduz em muito a chance de se fazer escolhas adequadas. O objetivo
não consiste em ter uma crença onde se apegar, mas sim, em procurar desenvolver
uma qualidade de viver e de ser. É fundamental compreender que um caminho de
desenvolvimento busca desvendar o maravilhoso mistério que se encontra em cada
pessoa e em toda criação. O conhecimento real não é simplesmente um conjunto de
crenças ou dogmas, mas sim, a busca pela essência daquilo que cada um é e do
significado da própria vida. Por esse motivo nossa relação com o Sufismo
não se deu através de uma dimensão religiosa, mas sim, por causa de sua
característica universal. Ele expressa aspectos de uma tradição que está além
de perspectivas limitantes e dogmáticas e por isso, tornou-se fundamental em
nossa trajetória. Esse processo, dentro do Sufismo, ocorreu gradualmente na
medida em que tais elementos foram sendo reconhecidos como um complemento
importante para outras propostas e escolas de sabedoria ocidentais. Porém,
tem sido através da perspectiva do Quarto Caminho, uma expressão contemporânea
da tradição perene, que temos buscado explorar e resgatar outras propostas e
tradições que igualmente expressaram esta mesma perspectiva em outros momentos.
Mas, como já foi apresentado por vários autores, até mesmo as formulações do
Quarto Caminho parecem ter sido influenciadas pelo Sufismo, através dos
contatos que Gurdjieff (1866-1949) estabeleceu com esta tradição. Por outro
lado, ao longo de nossa experiência, compreendemos que são necessárias outras
abordagens para que as experiências propostas pelo Sufismo sejam tornadas
permanentes. Por isso temos adotado ao longo do tempo, uma postura mais aberta
em relação a essas tradições em busca da essência destes conhecimentos e
práticas. Neste mesmo contexto, outros expoentes do Sufismo tornaram-se
fonte de estudo, inspiração e influenciaram igualmente nossa trajetória.
Indivíduos como Shihabuddin Surawardi (1154-1191), Muhidin Ibn Arabi
(1165-1240) e Jalaludin Rumi em suas buscas por revelar o mistério do homem e
da criação expressaram um conhecimento próprio, fruto da transformação pessoal
de cada um. Ao invés de aderirem a dogmas e repetirem comportamentos e
conhecimentos, eles se tornaram fonte de novas visões de mundo que renovaram
perspectivas e abriram as portas para outras dimensões e
possibilidades. Este é o valor fundamental do caminho espiritual -
possibilitar o desenvolvimento do individuo e a extraordinária descoberta que se
revela a cada um que busca apaixonadamente descobrir seu próprio mistério.
Eu desejo ir para longe,
Centenas de milhas da mente.
Desejo me libertar do bom e do
mal.
Quanta beleza por trás dessa
cortina!
*
Existe uma alma dentro de sua
alma.
Busque por ela.
Existe uma joia na montanha que é
seu corpo.
Olhe para a mina que contém essa
joia.
Ó sufi andarilho
Busque dentro de você e não fora.
www.universomistico.org.br.www.universomistico.org.br. Abraço.
Davi.
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