segunda-feira, 26 de setembro de 2016

RETORNO A VIDA CORPORAL.



Espiritismo. Texto de Alan Kardec (1804-1869). O RETORNO DA VIDA CORPORAL. Capítulo VII.  1. Prelúdio do retorno. 2. União da Alma e do Corpo. Aborto. 3. Faculdades Morais e Intelectuais do Homem. 4. Influência do Organismo. 5. Idiotia, Loucura. 6. A Infância. 7. Simpatias e Antipatias Terrenas. 8. Esquecimento do Passado. PRELÚDIO DO RETORNO. Os Espíritos sabem em que época reencarnarão? “Eles a pressentem, como o cego percebe o fogo do qual se aproxima. Eles sabem que devem retomar um corpo, como sabeis que deveis morrer um dia, mas sem poder precisar quando isso ocorrerá.” A reencarnação é, então, uma necessidade da vida espiritual, como a morte é uma necessidade da vida corporal? “Certamente; é assim mesmo.” Todos os Espíritos se preocupam com a sua reencarnação? “Há os que de modo algum pensam nisso, que nem mesmo a compreendem; isso depende de sua natureza mais ou menos adiantada. Para alguns, a incerteza em que se encontram, sobre o seu futuro, constitui uma punição.” O Espírito pode apressar ou retardar o momento de sua reencarnação? “Pode apressá-lo, atraindo-o com um intenso desejo; pode ainda afastá-lo, se recuar diante da prova, pois, entre os Espíritos, há também covardes e indiferentes. Mas não o faz impunemente; sofre por isso, como aquele que não aceita um remédio salutar que pode curá-lo.” Se um Espírito, se considerasse bastante feliz, em uma condição mediana, entre os Espíritos errantes e não tivesse a ambição de se elevar, poderia prolongar esse estado indefinidamente? “Indefinidamente, não; o progresso é uma necessidade que o Espírito, cedo ou tarde, experimenta; todos devem elevar-se, esse é o destino de todos.” A união da alma a este ou àquele corpo está predestinada, ou só no último momento é que a escolha é feita? “O Espírito é sempre designado com antecedência. Escolhendo a prova que quer experimentar, pede para reencarnar; ora, Deus, que tudo sabe e tudo vê, soube e viu, antecipadamente, que tal alma se uniria a tal corpo.” Cabe ao Espírito a escolha do corpo no qual deva encarnar, ou somente a do gênero de vida que deva servir-lhe de prova? “Ele pode também escolher o corpo, pois as imperfeições deste corpo são, para ele, provas que auxiliarão no seu progresso, se ele vencer os obstáculos que, então, encontre; a escolha, porém, não depende sempre dele; ele pode pedir.” O Espírito poderia, no último momento, recusar-se a assumir o corpo escolhido por ele? “Se recusasse, sofreria, em consequência, muito mais do que aquele que não tivesse tentado prova alguma.” Poderia acontecer que uma criança que tivesse que nascer, não encontrasse Espírito que nela quisesse encarnar? “Deus a isso proviria. A criança, quando deve nascer viável, está sempre predestinada a ter uma alma; nada foi criado sem um desígnio.” A união do Espírito com determinado corpo pode ser imposta por Deus? “Ela pode ser imposta, assim como as diferentes provas, principalmente, quando o Espírito ainda não está apto a fazer uma escolha com conhecimento de causa. Como expiação, o Espírito pode ser constrangido a se unir ao corpo de tal criança que, pelo seu nascimento e a posição que ocupará no mundo, poderá tornar-se, para ele, um motivo de castigo.” Se acontecesse de vários Espíritos se apresentarem para um mesmo corpo que devesse nascer, o que é que decidiria entre eles? “Vários Espíritos podem pedi-lo; é Deus quem julga, em semelhante caso, aquele que é mais capaz de desempenhar a missão que à criança está destinada; porém, como já disse, o Espírito é designado, antes do instante em que deva unir-se ao corpo.” O momento da encarnação é acompanhado de uma perturbação semelhante àquela que se dá, quando da desencarnação? “Muito maior e, sobretudo, mais longa. Com a morte, o Espírito sai da escravidão; com o nascimento, entra para ela.” O instante em que um Espírito deve encarnar é, para ele, um instante solene? Executa esse ato como uma coisa grave e importante para ele? “Ele é como um viajante que embarca para uma travessia perigosa e não sabe se encontrará a morte, nas ondas que afronta.” O viajante que embarca, sabe a que perigos se expõe, mas não sabe se naufragará; acontece o mesmo com o Espírito: ele conhece o gênero das provas às quais se submete, mas não sabe se sucumbirá. Assim como a morte do corpo é uma espécie de renascimento para o Espírito, a reencarnação é, para este, uma espécie de morte, ou melhor, de exílio e de clausura. Ele deixa o mundo dos Espíritos pelo mundo corporal, como o homem deixa o mundo corporal pelo mundo dos Espíritos. O Espírito sabe que reencarnará, como o homem sabe que morrerá; porém, como este, disso só tem consciência no último momento, quando chega o tempo apropriado; então, nesse instante supremo, a perturbação se apodera dele, como no homem que está em agonia, e essa perturbação persiste até que a nova existência esteja nitidamente constituída. A proximidade da reencarnação representa uma espécie de agonia, para o Espírito. A incerteza em que o Espírito se encontra, quanto à eventualidade do êxito nas provas que vai suportar na vida, é, para ele, uma causa de ansiedade antes da sua encarnação? “Uma ansiedade bem grande, visto que as provas de sua existência o retardarão ou o farão progredir, conforme ele as tiver bem ou mal suportado.” No momento de sua reencarnação, o Espírito é acompanhado por outros Espíritos seus amigos, que vão assistir à sua partida do mundo espiritual, como vão recebê-lo, quando para lá retorna? “Isto depende da esfera em que o Espírito habita. Se está nas esferas onde reina a afeição, os Espíritos que o amam acompanham-no, até o último momento, encorajando-o e, frequentemente, até o seguem durante a vida.” Os Espíritos amigos que nos seguem durante a vida seriam aqueles que vemos em sonho, que nos demonstram afeição e que a nós se apresentam, sob traços desconhecidos? “Muito frequentemente são eles que vêm visitar-vos, como ides ver um prisioneiro encarcerado.” UNIÃO DA ALMA E DO CORPO. Em que momento a alma se une ao corpo? “A união começa na concepção, mas só é completa no momento do nascimento. Desde o instante da concepção, o Espírito designado para habitar tal corpo a este se liga por um laço fluídico, que vai se apertando cada vez mais, até o instante em que a criança vem à luz. O grito que, então, a criança solta, anuncia que ela faz parte do número dos vivos e servidores de Deus.” A união entre o Espírito e o corpo é definitiva, desde o momento da concepção? Durante este primeiro período, o Espírito poderia renunciar a habitar o corpo designado? “A união é definitiva, no sentido de que um outro Espírito não poderia substituir o que está designado para aquele corpo; porém, como os laços que a ele o prendem são muito fracos, facilmente se rompem e podem romper-se pela vontade do Espírito, que recua diante da prova que escolheu; neste caso, porém, a criança não sobrevive.” O que acontece com o Espírito, se o corpo que escolheu morre antes de nascer? “Ele escolhe um outro.” Qual pode ser a utilidade dessas mortes prematuras? “São as imperfeições da matéria que, mais frequentemente, ocasionam essas mortes.” Que utilidade pode ter, para um Espírito, sua encarnação num corpo que morre poucos dias depois do seu nascimento? “O ser não tem a consciência de sua existência bastante desenvolvida. A importância da morte é quase nula; é, frequentemente, como o dissemos, uma prova para os pais.” O Espírito sabe, antecipadamente, que o corpo que escolheu não tem possibilidade de viver? “Algumas vezes ele o sabe; porém, se ele o escolhe por este motivo, significa que está recuando diante da prova.” Quando uma encarnação está perdida para o Espírito, por uma razão qualquer, ela é suprida, imediatamente, por uma outra existência? “Nem sempre, imediatamente; o Espírito precisa de tempo para escolher novamente, a menos que a reencarnação imediata provenha de uma determinação anterior.” O Espírito, uma vez unido ao corpo da criança e quando não há mais como voltar atrás, lamenta, algumas vezes, a escolha que fez? “Queres perguntar se, como homem, ele se lamenta da vida que tem? Se a desejaria de outra maneira? Sim. Se ele lamenta a escolha que fez? Não; ele não sabe que a escolheu. O Espírito, uma vez encarnado, não pode lastimar uma escolha de que não tem consciência; porém, ele pode achar a carga muito pesada e considerá-la acima de suas forças, é, então, que recorre ao suicídio.” No intervalo entre a concepção e o nascimento, o Espírito goza de todas as suas faculdades? “Mais ou menos, conforme a época, pois ele ainda não está encarnado, porém, ligado. Desde o instante da concepção, a perturbação começa a tomar conta do Espírito, advertido por ela, de que chegou o momento de iniciar uma nova existência; essa perturbação vai aumentando até o nascimento; nesse intervalo, seu estado é quase o de um Espírito encarnado, durante o sono do corpo; à medida que o momento do nascimento se aproxima, suas ideias se apagam, assim como a lembrança do passado, do qual não tem mais consciência, como homem, uma vez que entra na vida; essa lembrança, porém, retorna-lhe, pouco a pouco, à memória, no seu estado de Espírito.” No momento do nascimento, o Espírito recobra, imediatamente, a plenitude de suas faculdades? “Não, elas se desenvolvem, gradualmente, com os órgãos. É uma nova existência para ele; é preciso que aprenda a se servir dos seus instrumentos; as ideias lhe voltam, pouco a pouco, como no homem que desperta do sono, e se encontra numa posição diferente da que ocupava na véspera.” A união do Espírito ao corpo, não estando completa e defi nitivamente consumada senão após o nascimento, pode-se considerar que o feto tenha uma alma? “O Espírito que deve animá-lo existe, de certa forma, fora dele; ele não tem, portanto, propriamente falando, uma alma, visto que a encarnação está apenas em via de operar-se; acha-se, porém, ligado àquela que ele deve possuir.” 354. Como explicar a vida intrauterina? “É a da planta que vegeta. A criança vive vida animal. O homem possui em si a vida animal e a vida vegetal, que ele completa, pelo nascimento, com a vida espiritual.” Há, como o indica a Ciência, crianças que, desde o seio materno, não são viáveis; com que objetivo isto acontece? “Isto se dá frequentemente; Deus o permite como prova, quer para os pais, quer para o Espírito designado para assumir o seu lugar.” Há natimortos que não tenham sido destinados à encarnação de um Espírito? “Sim, há aqueles que nunca tiveram um Espírito destinado para seus corpos: para eles, nada devia se cumprir. É, então, apenas pelos pais que essa criança veio.” Um ser dessa natureza pode vir a nascer? “Sim, algumas vezes; mas, então, não vive.” Toda criança que sobrevive após o seu nascimento tem, portanto, necessariamente, um Espírito nela encarnado? “O que seria, sem isso? Não seria um ser humano.” Quais são, para o Espírito, as consequências do aborto? “É uma existência nula que terá que recomeçar.” Constitui um crime o aborto voluntário, qualquer que seja a época da concepção? “Há sempre crime, quando transgredis a lei de Deus. A mãe, ou qualquer outra pessoa, cometerá sempre um crime, tirando a vida de uma criança antes do seu nascimento, pois impede a alma de experimentar as provas de que o corpo devia ser o instrumento.” No caso em que a vida da mãe estivesse em perigo, por causa do nascimento da criança, haveria crime em sacrificar a criança para salvar a mãe? “É preferível sacrificar o ser que não existe ao ser que existe.” Será racional ter para com o feto as mesmas atenções que se dispensam ao corpo de uma criança que tivesse vivido? “Em tudo isto, vede a vontade de Deus e sua obra; não trateis, portanto, levianamente, coisas que deveis respeitar. Por que não respeitar as obras da criação, que estão incompletas, algumas vezes, pela vontade do Criador? Isto faz parte dos seus desígnios que a ninguém cabe julgar.” FACULDADES MORAIS E INTELECTUAIS DO HOMEM. Qual a origem, no homem, de suas qualidades morais, boas ou más? “São as do Espírito que nele está encarnado; quanto mais puro é esse Espírito, mais propenso ao bem é o homem.” Parece daí resultar que o homem de bem é a encarnação de um bom Espírito e o homem vicioso, a de um Espírito mau? “Sim; mas diz, de preferência, que é um Espírito imperfeito, do contrário, poder-se-ia acreditar na existência de Espíritos sempre maus, a que chamais demônios.” Qual o caráter dos indivíduos nos quais encarnam Espíritos travessos e levianos? “São estabanados, espertos e, algumas vezes, seres maléficos.” Os Espíritos possuem paixões que não pertencem à Humanidade? “Não; do contrário, eles há teriam comunicado.” É o mesmo Espírito que dá ao homem as qualidades morais e as da inteligência? “Certamente, é o mesmo, e isso em razão do grau de adiantamento a que chegou. O homem não tem em si dois Espíritos.” Por que homens muito inteligentes, o que denota neles um Espírito superior, são, algumas vezes, ao mesmo tempo, profundamente viciosos? “É que o Espírito encarnado não é bastante puro e o homem cede à infl uência de outros Espíritos piores. O Espírito progride, através de uma insensível marcha ascendente, mas o progresso não se efetua, simultaneamente, em todos os sentidos; num período, ele pode progredir em ciência, num outro, em moralidade.” O que se deve pensar da opinião, segundo a qual as diferentes faculdades intelectuais e morais do homem corresponderiam à quantidade de Espíritos diferentes, nele encarnados, e possuindo, cada um, uma aptidão especial? “Refletindo, reconhece-se que ela é absurda. O Espírito deve possuir todas as aptidões; para poder progredir, é lhe necessária uma vontade única; se o homem fosse um amálgama (mistura, fusão) de Espíritos, essa vontade não existiria e não haveria, para ele, a individualidade, visto que, com a sua morte, todos aqueles Espíritos seriam como um bando de pássaros que escapassem da gaiola. O homem, frequentemente, se queixa de não compreender certas coisas e é curioso ver como ele multiplica as dificuldades, quando tem ao seu alcance uma explicação absolutamente simples e natural. Ainda, aqui, se toma o efeito pela causa; faz-se com o homem o que os pagãos faziam com Deus. Acreditavam em tantos deuses quantos eram os fenômenos no Universo; entre eles, porém, pessoas sensatas viam, nesses fenômenos, apenas efeitos que tinham como causa um Deus único.” O mundo físico e o mundo moral nos oferecem, sobre esse tema, numerosos pontos de comparação. Acreditaram na existência múltipla da matéria, enquanto se detiveram na aparência dos fenômenos; atualmente, compreende-se que esses fenômenos, tão variados, podem muito bem ser apenas modificações de uma matéria elementar única. As diferentes faculdades são manifestações de uma mesma causa, que é a alma, ou do Espírito encarnado, e não de várias almas, assim como os diferentes sons do órgão são o produto de uma mesma espécie de ar e, não, de tantas espécies de ar quantos sons existam. Resultaria desse sistema que, quando um homem perdesse ou adquirisse algumas aptidões, alguns pendores, seria o caso da ida e vinda de tantos Espíritos, o que dele faria um ser múltiplo, sem individualidade e, por conseguinte, sem responsabilidade. Além disso, ele é contestado pelos exemplos tão numerosos de manifestações, através das quais os Espíritos provam sua personalidade e sua identidade. INFLUÊNCIA DO ORGANISMO. O Espírito, unindo-se ao corpo, identifica-se com a matéria? “A matéria é apenas o envoltório do Espírito, como a roupa é o envoltório do corpo. O Espírito, unindo-se ao corpo, conserva os atributos da natureza espiritual.” Após sua união com o corpo, as faculdades do Espírito são exercidas com toda a liberdade? “O exercício das faculdades depende dos órgãos que lhes servem de instrumento; elas são enfraquecidas pela grosseria da matéria.” Assim sendo, o envoltório material seria um obstáculo à livre manifestação das faculdades do Espírito, como um vidro opaco se opõe à livre emissão da luz? “Sim, e muito opaco.” Pode-se ainda comparar a ação da matéria grosseira do corpo sobre o Espírito de um lodaçal, que tira a liberdade dos movimentos do corpo que nele se encontra mergulhado. O livre exercício das faculdades da alma está subordinado ao desenvolvimento dos órgãos? “Os órgãos são os instrumentos da manifestação das faculdades da alma; esta manifestação está subordinada ao desenvolvimento e ao grau de perfeição desses mesmos órgãos, como a excelência de um trabalho, à excelência da ferramenta.” Da influência dos órgãos pode-se deduzir que haja uma relação entre o desenvolvimento dos órgãos cerebrais e o das faculdades morais e intelectuais? “Não confundais o efeito com a causa. O Espírito sempre dispõe de faculdades que lhe são próprias; ora, não são os órgãos que dão as faculdades, mas as faculdades que impulsionam o desenvolvimento dos órgãos.” Assim sendo, a diversidade das aptidões, no homem, deve-se unicamente ao estado do Espírito? “Unicamente não é exatamente o termo; aí está o princípio, nas qualidades do Espírito, que pode ser mais ou menos adiantado; porém, é preciso levar em conta a influência da matéria que entrava, mais ou menos, o exercício de suas faculdades.” O Espírito, encarnando, traz certas predisposições e, se se admite, para cada uma dessas aptidões, um órgão correspondente no cérebro, o desenvolvimento desses órgãos será um efeito e não uma causa. Se as faculdades tivessem seu princípio nos órgãos, o homem seria uma máquina sem livre-arbítrio e sem responsabilidade pelos seus atos. Seria preciso admitir que os maiores gênios, sábios, poetas, artistas, só fossem assim, porque o acaso lhes tivesse dado órgãos especiais. Donde se conclui que, sem esses órgãos, não teriam sido gênios e que o último dos imbecis poderia ter sido um Isaac Newton (1643-1727), um Públio Virgílio (70 AC 19) ou um Rafael Sanzio (1483-1520), se tivesse sido provido de certos órgãos; suposição mais absurda ainda, quando a aplicamos às qualidades morais. Assim, segundo este sistema, São Vicente de Paulo, dotado pela Natureza desse ou daquele órgão, teria podido ser um celerado, e ao maior celerado bastaria apenas um órgão para ser um Vicente de Paulo. Admiti, ao contrário, que os órgãos especiais, se é que existem, são consecutivos, que se desenvolvem pelo exercício da faculdade, como os músculos pelo movimento, e nada tereis de irracional. Façamos uma comparação trivial, à força de ser verdadeira. Por alguns sinais fi sionômicos, reconheceis um homem dado à bebida; serão esses sinais que o tornam bêbedo, ou a embriaguez é que dá origem a esses sinais? Pode-se dizer que os órgãos recebem a marca das faculdades. IDIOTI, LOUCURA. A opinião, segundo a qual os cretinos e os idiotas teriam uma alma de natureza inferior, tem fundamento? “Não, eles têm uma alma humana, frequentemente, mais inteligente do que imaginais, que sofre pela insuficiência dos meios de que dispõe para se comunicar, como o mudo sofre, por não poder falar.” Qual é o objetivo da Providência criando seres desgraçados, como os cretinos e os idiotas? “São Espíritos em punição os que habitam corpos de idiotas. Esses Espíritos sofrem pelo constrangimento que experimentam e pela impotência em que se encontram, para se manifestar através de órgãos não desenvolvidos ou destrambelhados.” Então, não é exato dizer que os órgãos não têm influência sobre as faculdades? “Nunca dissemos que os órgãos não têm influência; eles têm uma muito grande sobre a manifestação das faculdades, mas não dão as faculdades; aí está a diferença. Um bom músico, com um instrumento ruim, não produzirá boa música, e isso não o impedirá de continuar sendo um bom músico.” É preciso distinguir o estado normal do estado patológico. No estado normal, o moral supera o obstáculo que a matéria lhe impõe; mas há casos em que a matéria oferece uma resistência tal, que as manifestações são entravadas ou desnaturadas, como na idiotia e na loucura; são casos patológicos e, nesse estado em que a alma não goza de toda a liberdade, a própria lei humana a isenta da responsabilidade de seus atos. Qual poderia ser o mérito da existência para os seres que, como os idiotas e os cretinos, não podendo fazer o bem nem o mal, acham-se impedidos de progredir? “É uma expiação imposta pelo abuso que fizeram de certas faculdades; é uma parada temporária.” a) Um corpo de idiota pode, então, conter um Espírito que tenha animado um homem de gênio, numa precedente existência? “Sim; o gênio se torna, às vezes, um flagelo quando dele se abusa.” A superioridade moral nem sempre é proporcional à superioridade intelectual e os maiores gênios podem ter muito que expiar; daí, frequentemente, lhes resulta uma existência inferior à que já tiveram e uma causa de sofrimentos; as dificuldades que o Espírito experimenta nas suas manifestações são, para ele, como as correntes que comprimem os movimentos de um homem vigoroso. Pode-se dizer que o cretino e o idiota são estropiados do cérebro, como o manco o é das pernas e o cego, dos olhos. O idiota, no estado de Espírito, tem consciência de seu estado mental? “Sim, muito frequentemente; ele compreende que as correntes que dificultam seu voo são uma prova e uma expiação.” Qual é a situação do Espírito, na loucura? “O Espírito, no estado de liberdade, recebe diretamente suas impressões e exerce, diretamente, sua ação sobre a matéria; encarnado, porém, ele se encontra em condições inteiramente diferentes e na obrigação de só fazê-lo com o auxílio de órgãos especiais. Se uma parte ou o conjunto desses órgãos fosse alterado, sua ação ou suas impressões, no que concerne a esses órgãos, seriam interrompidas. Se perde os olhos, torna-se cego; se é a audição, torna-se surdo, etc. Imagina, agora, que o órgão que preside aos efeitos da inteligência e da vontade esteja parcial ou inteiramente atacado ou modificado e será fácil compreenderes que o Espírito, só tendo a seu serviço órgãos incompletos ou deformados, deve experimentar uma perturbação de que ele, por si mesmo e no seu foro íntimo, tem perfeita consciência, mas não é capaz de deter-lhe o curso.” Então, é sempre o corpo e não o Espírito que está desorganizado? “Sim; mas é preciso não perder de vista que, assim como o Espírito age sobre a matéria, esta reage sobre ele, numa certa medida, e que o Espírito pode se encontrar, momentaneamente, impressionado pela alteração dos órgãos através dos quais ele se manifesta e recebe suas impressões. Pode acontecer que com o tempo, caso se prolongue a loucura, a repetição dos mesmos atos acabe por ter, sobre o Espírito, uma influência de que ele só se libertará, após sua completa liberação de qualquer impressão material.” Donde se origina a ideia de que a loucura leva, algumas vezes, ao suicídio? “O Espírito sofre pelo constrangimento que experimenta e pela impotência em que está de manifestar-se livremente, é por isso que procura, na morte, um meio de quebrar seus elos.” O Espírito do alienado se ressente, após a morte, da desorganização de suas faculdades? “Pode ressentir-se, durante algum tempo, após a morte, até que esteja completamente desligado da matéria, como o homem que desperta se ressente, por algum tempo, da perturbação em que o sono o mergulhou.” Como a alteração do cérebro pode reagir sobre o Espírito, depois da morte? “É uma recordação; um peso oprime o Espírito e, como ele não teve a compreensão de tudo o que se passou durante a sua loucura, sempre lhe é necessário um certo tempo, para pôr-se a par de tudo; é por isso que, quanto mais durar a loucura durante a vida, mais tempo durará a dificuldade, o constrangimento, após a morte. O Espírito liberto do corpo se ressente, por algum tempo, da impressão dos seus vínculos.” A INFÂNCIA. O Espírito que anima o corpo de uma criança é tão desenvolvido quanto o de um adulto? “Pode sê-lo mais ainda, se mais tiver progredido; são somente os órgãos imperfeitos que o impedem de se manifestar. Ele age de acordo com o instrumento com o auxílio do qual pode manifestar-se.” Na criança pequenina, excetuando o obstáculo que a imperfeição dos órgãos opõe à sua livre manifestação, o Espírito pensa como uma criança ou como um adulto? “Quando ele é criança, é natural que os órgãos da inteligência, não estando desenvolvidos, não lhe possam dar toda a intuição de um adulto; ele tem, efetivamente, a inteligência muito limitada, aguardando que a idade amadureça sua razão. A perturbação que acompanha a encarnação não cessa subitamente, no momento do nascimento; ela só gradualmente se dissipa, com o desenvolvimento dos órgãos.” Uma observação vem apoiar esta resposta: é a de que os sonhos, na criança, não têm o mesmo caráter dos de um adulto; o objeto deles é, quase sempre, pueril, o que é um indício da natureza das preocupações do Espírito. Com a morte da criança, o Espírito retoma imediatamente seu vigor anterior? “Ele deve fazê-lo, já que está desembaraçado de seu envoltório carnal; todavia, só retoma sua lucidez anterior, quando a separação se completa, isto é, quando não mais existe elo algum, entre o Espírito e o corpo.” O Espírito encarnado sofre, durante a infância, pelo constrangimento que lhe impõe a imperfeição de seus órgãos? “Não; esse estado é uma necessidade; ele está na Natureza e de acordo com os objetivos da Providência; é um tempo de repouso para o Espírito.” Qual é, para o Espírito, a utilidade de passar pelo estado de infância? “O Espírito, encarnando para se aperfeiçoar, é mais sensível, durante esse tempo, às impressões que recebe e que podem ajudar no seu aperfeiçoamento, para o qual devem contribuir aqueles que estão encarregados de sua educação.” Por que a primeira manifestação da criança é o choro? “Para despertar o interesse da mãe e suscitar os cuidados que lhe são necessários. Não compreendes que, se ela só tivesse manifestações de alegria, enquanto ainda não soubesse falar, pouco se inquietariam com o de que ela necessitasse? Admirai, em tudo, a sabedoria da Providência.” De onde se origina a mudança que se opera no caráter, numa certa idade e, particularmente, ao sair da adolescência? É o Espírito que se modifica? “É o Espírito que retoma sua natureza e se mostra como era. Não conheceis o segredo que escondem as crianças na sua inocência; não sabeis o que são, nem o que foram, nem o que serão; e, no entanto, vós as amais, vós as acariciais como se fossem parte de vós mesmos, de tal forma que o amor de uma mãe pelos seus filhos é considerado como o maior amor que um ser possa ter por um outro ser. De onde se origina essa meiga afeição, essa terna benevolência que os próprios estranhos sentem por uma criança? Vós o sabeis? Não; é isto que vou vos explicar. As crianças são os seres que Deus envia a novas existências; e para que não possam acusá-lo de uma severidade muito grande, ele lhes dá todas as aparências da inocência; mesmo que se trate de uma criança de natureza má, cobrem-se suas más ações com a inconsciência de seus atos. Essa inocência não representa uma superioridade real sobre o que eram antes; não, é a imagem do que deveriam ser e, se não o são, é apenas sobre elas que recai o tormento. Mas não foi apenas por elas que Deus lhes deu esse aspecto; foi também e, sobretudo, pelos seus pais, de cujo amor a fraqueza delas necessita. Esse amor seria singularmente enfraquecido, diante de um caráter áspero e intratável, ao passo que, julgando seus filhos bons e dóceis, eles lhes dão toda a sua afeição e os cercam dos mais delicados cuidados. Porém, quando os filhos não têm mais necessidade dessa proteção, dessa assistência que lhes foi dada durante quinze a vinte anos, seu caráter real e individual reaparece em toda sua nudez: permanece bom, se era fundamentalmente bom; mas, matiza-se, sempre, com as nuanças que estavam escondidas pela primeira infância. Vedes que os caminhos de Deus são sempre os melhores e, quando se tem o coração puro, é fácil apreender a explicação. Com efeito, pensai que o Espírito das crianças que nascem entre vós pode vir de um mundo onde tenha adquirido hábitos inteiramente diferentes; como quereríeis que fosse, no vosso meio, esse novo ser que vem com paixões bem diversas das que possuís, com inclinações e gostos inteiramente opostos aos vossos; como quereríeis que ele se incorporasse às vossas fileiras senão como Deus o quis, isto é, pela peneira da infância? Nela vêm confundir-se todos os pensamentos, todos os caracteres, todas as variedades de seres gerados por essa infinidade de mundos, nos quais se desenvolvem as criaturas. E vós mesmos, ao morrerdes, vos encontrareis numa espécie de infância, entre novos irmãos; e, na vossa nova existência extraterrena, ignorareis os hábitos, os costumes, as relações desse mundo novo para vós; manejareis com dificuldade uma língua que não estareis habituados a falar e mais viva do que, hoje, é o vosso pensamento. A infância tem ainda outra utilidade: os Espíritos só entram na vida corporal para se aperfeiçoar, para se melhorar; a fraqueza da pouca idade os torna flexíveis, acessíveis aos conselhos da experiência e dos que devem fazê-los progredir; é, então, que se pode reformar lhes o caráter e reprimir seus maus pendores; esse é o dever que Deus confiou aos seus pais, missão sagrada pela qual terão que responder. É assim que a infância é não apenas útil, necessária, indispensável, mas também a consequência natural das leis que Deus estabeleceu e que regem o Universo.” SIMPATIAS E ANTIPATIAS TERRENAS. Dois seres que se conheceram e se amaram podem se reencontrar numa outra existência corporal e se reconhecer? “Reconhecer-se, não; mas, serem atraídos um para o outro, sim; e, frequentemente, ligações íntimas, fundadas numa afeição sincera, não possuem outra causa. Dois seres se aproximam um do outro, por circunstâncias aparentemente fortuitas, mas que decorrem da atração de dois Espíritos que se buscam, em meio à multidão.” Não lhes seria mais agradável reconhecerem-se? “Nem sempre; a lembrança das existências passadas teria inconvenientes maiores do que imaginais. Depois da morte, eles se reconhecerão, terão consciência do tempo que passaram juntos.” A simpatia tem sempre por princípio um conhecimento anterior? “Não; dois Espíritos que se agradam mutuamente, naturalmente se procuram, sem que se tenham conhecido como homens.” Os encontros de certas pessoas, que algumas vezes ocorrem e se atribuem ao acaso, não seriam o efeito de uma espécie de relações simpáticas? “Há, entre os seres pensantes, ligações que não conheceis ainda. O magnetismo é o piloto desta Ciência que, mais tarde, compreendereis melhor.” De onde se origina a repulsão instintiva que se experimenta por algumas pessoas, à primeira vista? “Espíritos antipáticos que se adivinham e se reconhecem, sem se falarem.” A antipatia instintiva é sempre um sinal de natureza má? “Dois Espíritos não são necessariamente maus, por não serem simpáticos; a antipatia pode nascer de uma divergência de ideias; porém, à medida que se elevam, as diferenças se apagam e a antipatia desaparece.” A antipatia entre duas pessoas nasce, primeiramente, naquela em que o Espírito é pior ou melhor? “Numa e noutra; as causas e os efeitos, porém, são diferentes. Um Espírito mal tem antipatia contra quem quer que possa julgá-lo e desmascará-lo; vendo uma pessoa pela primeira vez, sabe que vai ser criticado; seu afastamento se 154 Capítulo VII transforma em ódio, em inveja e lhe inspira o desejo de praticar o mal. O bom Espírito sente repulsão pelo mau, porque sabe que não será compreendido e que eles não comungam os mesmos sentimentos; mas, seguro de sua superioridade, não tem contra o outro nem ódio, nem inveja: contenta-se em evitá-lo e compadecer-se dele.” ESQUECIMENTO DO PASSADO. Por que o Espírito encarnado perde a lembrança de seu passado? “O homem não pode, nem deve, saber tudo; Deus, na sua sabedoria, assim o quer. Sem o véu que lhe oculta certas coisas, o homem ficaria ofuscado, como aquele que passa, sem transição, da escuridão para a luz. Com o esquecimento do passado, ele se sente mais senhor de si.” Como o homem pode ser responsável por atos e resgatar faltas de que não se lembra? Como pode aproveitar da experiência adquirida em outras existências caídas no esquecimento? Conceberíamos que as tribulações da vida fossem uma lição para ele, se se recordasse do que as tivesse ocasionado; porém, desde o momento em que disso não se recorda, cada existência é para ele como se fosse a primeira e, assim, está sempre a recomeçar. Como conciliar isto com a justiça de Deus? “A cada nova existência, o homem dispõe de mais inteligência e pode melhor distinguir o bem do mal. Onde estaria o seu mérito, se ele se lembrasse de todo o passado? Quando o Espírito retorna para sua vida primitiva (a vida espiritual), toda sua vida passada desenrola-se diante dele; ele vê as faltas que cometeu e que são a causa de seu sofrimento, e o que teria podido impedi-lo de cometê-las; compreende que a posição que lhe é dada é justa e busca, então, a existência que possa reparar a que acaba de transcorrer. Procura provas análogas àquelas pelas quais passou, ou as lutas que acredite apropriadas ao seu adiantamento e pede aos Espíritos que lhe são superiores para ajudá-lo nessa nova tarefa que empreende, pois sabe que o Espírito que lhe será dado como guia, nessa nova existência, procurará fazê-lo reparar suas faltas, dando-lhe uma espécie de intuição das que cometeu. Esta intuição é o pensamento, o desejo criminoso que, frequentemente vos assalta, e ao qual resistis, instintivamente, atribuindo, a maior parte do tempo, vossa resistência aos princípios que recebestes de vossos pais, quando é a voz da consciência que vos fala; essa voz é a recordação do passado, voz que vos adverte para não cairdes novamente nas faltas que já cometestes. Tendo entrado nessa nova existência, se o Espírito passa por essas provas com coragem e resiste, eleva-se e sobe na hierarquia dos Espíritos, quando retorna para o meio deles.” Se não temos, durante a vida corporal, uma lembrança precisa do que fomos e do que fizemos de bem ou de mal, nas nossas existências anteriores, temos disto a intuição, e nossas tendências instintivas são uma reminiscência de nosso passado, às quais nossa consciência, que é o desejo que experimentamos de não mais cometer as mesmas faltas, nos adverte para resistir. Nos mundos mais adiantados que o nosso, onde não se acham premidos por todas as nossas necessidades físicas, nossas enfermidades, os homens compreendem que são mais felizes do que nós? A felicidade, em geral, é relativa; sentimo-la por comparação com um estado menos feliz. Como alguns desses mundos, embora melhores do que o nosso, não se encontram no estado de perfeição, os homens que os habitam devem ter, a seu modo, motivos de desgostos. Entre nós, o rico, mesmo que não sinta as angústias das necessidades materiais, como o pobre, nem por isso tem menos tribulações, que tornam sua vida amarga. Ora, pergunto se, na posição em que se encontram, os habitantes desses mundos não se consideram tão infelizes quanto nós e não se lamentam de sua sorte, já que não possuem a lembrança de uma existência inferior como termo de comparação? “A isto, é preciso dar duas respostas distintas. Há mundos, entre os de que falas, cujos habitantes possuem uma lembrança muito clara e muito precisa de suas existências anteriores; esses, compreendes, podem e sabem apreciar a felicidade que Deus lhes permite fruir; há outros, porém, cujos habitantes, colocados, como o dizes, em melhores condições do que vós, não deixam de enfrentar grandes desgostos e até desgraças; estes não apreciam sua felicidade, pelo motivo mesmo de não se recordarem de um estado ainda mais infeliz. Se não a apreciam como homens, apreciam-na como Espíritos.” Não há, no esquecimento dessas existências passadas, sobretudo quando tenham sido penosas, algo de providencial, onde se revela a sabedoria divina? É nos mundos superiores, quando a recordação das existências infelizes não constituir mais que um pesadelo, que elas se apresentam à memória. Nos mundos inferiores, as desgraças presentes não seriam agravadas pela recordação de todas aquelas que já tenham sido suportadas? Concluamos daí, pois, que tudo o que Deus fez está bem feito e que não nos cabe criticar suas obras, nem dizer como ele deveria ter regulado o Universo. A lembrança de nossas individualidades anteriores teria inconvenientes muito graves; ela poderia, em alguns casos, nos humilhar singularmente; em outros, exaltar nosso orgulho e, por isso mesmo, entravar nosso livre-arbítrio. Para nos melhorarmos, Deus nos deu apenas o que nos é necessário e sufi ciente: a voz da consciência e nossas tendências instintivas; ele nos retira o que poderia nos prejudicar. Acrescentemos, ainda, que, se tivéssemos a lembrança de nossos atos pessoais anteriores, teríamos, igualmente, a dos atos de outrem e que esse conhecimento poderia ter os efeitos lamentáveis, sobre as relações sociais; nem sempre podendo nos dignificar do nosso passado, é melhor que, prontamente, um véu seja lançado sobre ele. Isto está perfeitamente de acordo com a doutrina dos Espíritos, acerca dos mundos superiores ao nosso. Nesses mundos, onde só reina o bem, a lembrança do passado nada tem de penosa; eis por que lembrar-se de sua existência anterior é como lembrar-se do que se fez na véspera. Quanto à estada em mundos inferiores, não passa, como já o dissemos, de um sonho ruim. 395. Podemos ter algumas revelações sobre nossas existências anteriores? “Nem sempre. Todavia, muitos sabem o que foram e o que faziam; se lhes fosse permitido dizê-lo, abertamente, fariam singulares revelações sobre o passado.” 396. Algumas pessoas julgam ter uma vaga lembrança de um passado desconhecido, que a elas se apresenta, como a imagem fugidia de um sonho que, em vão, tentam reter. Não será apenas uma ilusão? “É, algumas vezes, real; mas, frequentemente, também é uma ilusão, contra a qual é preciso se resguardar, pois pode ser o efeito de uma imaginação superexcitada”. Nas existências corporais de uma natureza mais elevada do que a nossa, a lembrança das existências anteriores é mais precisa? “Sim, à medida que o corpo se torna menos material, lembramo-nos melhor. A lembrança do passado é mais nítida, para aqueles que habitam os mundos de uma ordem superior.” Sendo as tendências instintivas do homem uma reminiscência de seu passado, segue-se que, pelo estudo dessas tendências, ele possa conhecer as faltas que cometeu? “Até um certo ponto, sim; mas, é preciso levar em conta a melhora que pôde operar-se no Espírito e as resoluções que tomou no estado errante; a existência atual pode ser muito melhor do que a precedente.” a) Poderá ser pior, isto é, o homem pode cometer, numa existência, faltas que não cometeu na existência precedente? “Isto depende do seu adiantamento; se não souber resistir às provações, pode ser arrastado a novas faltas, que são a consequência da posição que escolheu; geralmente, porém, estas faltas denotam muito mais um estado estacionário do que um estado retrógrado, pois o Espírito pode se adiantar ou estacionar, mas não retrocede.” As vicissitudes da vida corporal sendo, ao mesmo tempo, uma expiação das faltas passadas e provas futuras, segue-se que, pela natureza dessas vicissitudes, se possa deduzir o gênero da existência anterior? “Muito frequentemente, visto que cada um é punido por aquilo em que pecou; todavia, não se deve fazer disto uma regra absoluta; as tendências instintivas são um indício mais seguro, pois as provações que o Espírito experimenta referem-se tanto ao futuro, quanto ao passado.” Ao chegar ao termo marcado pela Providência para sua vida errante, o Espírito escolhe, ele próprio, as provas a que quer se submeter para apressar seu adiantamento, isto é, o gênero de existência que julga o mais apropriado para lhe fornecer os meios, e essas provas estão sempre relacionadas com as faltas que ele deve expiar. Se delas triunfa, eleva-se; se sucumbe, tem que recomeçar. O Espírito goza sempre de seu livre-arbítrio; é em virtude dessa liberdade que, no estado de Espírito, ele escolhe as provas da vida corporal e que, no estado de encarnado, ele delibera se fará ou não, e escolhe entre o bem e o mal. Negar ao homem o livre-arbítrio, seria reduzi-lo à condição de máquina. Tendo retornado à vida corporal, o Espírito perde, momentaneamente, a lembrança de suas existências anteriores, como se um véu as ocultasse; todavia, algumas vezes, delas possui uma vaga consciência, e estas podem até ser-lhe reveladas, em certas circunstâncias; mas, então, isto só se dá pela vontade dos Espíritos superiores, que o fazem espontaneamente, com um fim útil, nunca para satisfazer uma vã curiosidade. As existências futuras, em nenhum caso, podem ser reveladas pelo fato de dependerem da maneira segundo a qual efetua-se a existência presente e da escolha ulterior do Espírito. O esquecimento das faltas cometidas não constitui um obstáculo à melhoria do Espírito, pois, se não tem uma lembrança precisa delas, o conhecimento que delas possuía no estado errante e o desejo que experimentou de repará-las, guiam-no, através da intuição, e dão-lhe a ideia de resistir ao mal; essa ideia é a voz da consciência, na qual é secundado pelos Espíritos que o assistem, se ele escuta as boas inspirações que lhe sugerem. Se o homem não conhece os próprios atos que cometeu nas suas existências anteriores, pode sempre saber de que gênero de faltas ele se tornou culpado e qual era seu caráter dominante. Basta-lhe estudar a si mesmo, e pode julgar o que foi, não pelo que ele é, mas pelas suas tendências. As vicissitudes da vida corporal são, ao mesmo tempo, uma expiação, com relação às faltas passadas, e provas, para o futuro. Elas nos depuram e nos elevam, conforme as suportamos, com resignação e sem reclamação. A natureza das vicissitudes e das provas que experimentamos pode também nos esclarecer sobre o que fomos e sobre o que fizemos, assim como julgamos, neste mundo, os atos de um culpado pelo castigo que a lei lhe inflige. Assim, este será castigado, no seu orgulho, pela humilhação de uma existência subalterna; o mau rico e o avarento, pela miséria; o que foi cruel para os outros, pelas crueldades que sofrerá; o tirano, pela escravidão; o mau filho, pela ingratidão de seus filhos; o preguiçoso, por um trabalho forçado, etc. O Livro dos Espíritos. Abraço. Davi.

Nenhum comentário:

Postar um comentário