Espiritismo. Texto de Alan Kardec (1804-1869). Capítulo V.
CONSIDERAÇÕES SOBRE A PLURALIDADE DA EXISTÊNCIA. O dogma da reencarnação, dizem
algumas pessoas, não é novo; foi ressuscitado de Pitágoras (570 AC 495). Nunca
dissemos ser a Doutrina Espírita uma invenção moderna; sendo o Espiritismo uma
lei da Natureza, deve ter existido, desde a origem dos tempos e sempre nos
esforçamos para provar que se encontram vestígios dele, na mais remota
antiguidade. Pitágoras, como se sabe, não foi o autor do sistema da metempsicose;
ele o extraiu dos filósofos indianos e dos egípcios, para os quais ela existia
desde tempos imemoriais. A ideia da transmigração das almas era, portanto, uma
crença comum, admitida pelos homens mais eminentes. Como é que ela chegou até
eles? Pela revelação ou pela intuição? Não o sabemos; porém, seja como for, uma
ideia não atravessa as idades e não é aceita pelas inteligências da elite, sem
possuir um lado sério. A antiguidade desta doutrina seria, portanto, muito mais
uma prova do que uma objeção. Todavia, como igualmente se sabe, há, entre a
metempsicose dos antigos e a doutrina moderna da reencarnação, a grande
diferença de que os Espíritos rejeitam, da maneira mais absoluta, a
transmigração do homem para os animais e reciprocamente. Os Espíritos, ao
ensinarem o dogma da pluralidade das existências corporais, renovam, portanto,
uma doutrina que nasceu nas primeiras idades do mundo e que se conservou, até
os nossos dias, no pensamento íntimo de muitas pessoas; eles apenas a
apresentam sob um ponto de vista mais racional, mais conforme às leis
progressivas da Natureza e mais em harmonia com a sabedoria do Criador,
despojando-a de todos os acessórios da superstição. Uma circunstância digna de
nota é que não é unicamente neste livro que eles a têm ensinado, nestes últimos
tempos: desde antes de sua publicação, numerosas comunicações da mesma natureza
foram obtidas, em diversas regiões e depois, multiplicaram-se,
consideravelmente. Talvez fosse aqui o caso de examinar por que os Espíritos
não parecem estar todos de acordo sobre este ponto; a isto retornaremos, mais
tarde. Examinemos a coisa, sob um outro ponto de vista, abstraindo de qualquer
intervenção dos Espíritos; deixemo-los de lado, por um instante; suponhamos que
esta teoria nada tenha a ver com eles; suponhamos, até, que nunca se tenha
cogitado de Espíritos. Coloquemo-nos, portanto, momentaneamente, num terreno
neutro, admitindo no mesmo grau de probabilidade uma e outra hipótese, a saber:
a pluralidade e a unidade das existências corporais e vejamos para que lado nos
conduzirão a razão e nosso próprio interesse. Algumas pessoas rejeitam a ideia
da reencarnação, só pelo motivo de ela não lhes convir, dizendo que já estão
bem fartas de uma existência e que não desejariam recomeçar uma outra semelhante;
conhecemos algumas que, à simples ideia de reaparecer, na Terra, explodem de
fúria. Temos apenas uma coisa a lhes perguntar: se elas pensam que Deus deveria
ter pedido sua opinião e consultado seus gostos para regular o Universo. Ora,
de duas uma: ou a reencarnação existe, ou não existe; se existe, não adianta
serem contrárias a ela, ser-lhes-á preciso se lhe submeterem; Deus não lhes
pedirá a permissão para isso. Parece-nos ouvir um doente dizer: Sofri bastante
hoje, não quero mais sofrer amanhã. Apesar do seu mau-humor, não poderá sofrer
menos no dia seguinte, nem nos dias subsequentes, até que esteja curado;
portanto, se eles devem reviver corporalmente, reviverão; eles reencarnarão;
não adiantará se revoltarem, como uma criança que não quer ir à escola, ou um
condenado, para a prisão; será preciso passarem por isso. Semelhantes objeções
são muito pueris para merecer um exame mais sério. Todavia, nós lhes diremos,
para tranquilizá-los, que a Doutrina Espírita, no tocante à reencarnação, não é
tão terrível como eles o acreditam e que, se a tivessem estudado a fundo, não
estariam tão apavorados; saberiam que a condição dessa nova existência depende
deles: ela será feliz ou infeliz, conforme o que tiverem feito neste mundo, e
eles podem, desde esta vida, elevar-se tão alto, que não terão mais que temer
cair, novamente, no lodaçal. Supomos que nos dirigimos a pessoas que acreditam
num futuro qualquer, depois da morte, e não àqueles que se dão como perspectiva
o nada, ou que desejam afogar sua alma num todo universal, sem individualidade,
como as gotas de chuva no oceano, o que dá quase no mesmo. Se, portanto,
acreditais num futuro qualquer, não admitis, certamente, que ele seja o mesmo
para todos, de outro modo, onde estaria a utilidade do bem? Por que constranger-se?
Por que não satisfazer todas as suas paixões, todos os seus desejos, mesmo que
fosse às custas de outrem, visto que não ficaria melhor nem pior por isso?
Credes que esse futuro será mais ou menos feliz ou desgraçado, conforme o que
tivermos feito durante a vida; e então, tendes o desejo de aí serdes tão feliz
quanto possível, visto que isto deve ser pela eternidade? Teríeis, por acaso, a
pretensão de ser um dos homens mais perfeitos que tenham existido na Terra e de
ter, assim, de repente, direito à felicidade suprema dos eleitos? Não. Admitis,
então, que há homens que valem mais do que vós e que têm direito a um lugar
melhor, sem que por isso estejais entre os excluídos. Pois bem! Colocai-vos um
instante, pelo pensamento, nessa situação intermediária que será a vossa, como
acabais de convir e suponhais que alguém venha vos dizer: Sofreis, não sois tão
felizes quanto poderíeis ser, ao passo que tendes diante de vós seres que gozam
de uma felicidade sem mescla; quereis trocar vossa posição com a deles? — Sem
dúvida, diríeis; o que é preciso fazer? — Quase nada; recomeçar o que fizeste
mal feito e tentar fazer melhor. — Hesitaríeis em aceitar, mesmo que fosse ao
preço de várias existências de provação? Façamos uma comparação mais prosaica.
Se, a um homem que, sem estar na extrema miséria, experimenta, entretanto,
privações, em consequência da escassez de recursos, viessem dizer: Eis aqui uma
imensa fortuna, podeis dela gozar, é preciso, para isso, trabalhar, arduamente,
durante um minuto. Mesmo que fosse o mais preguiçoso da Terra, diria sem
hesitar: Trabalhemos um minuto, dois minutos, uma hora, um dia, se for preciso;
que importância tem isso, se eu terminar minha vida na abundância? Ora, o que é
a duração da vida corporal, com relação à eternidade? Menos que um minuto,
menos que um segundo. Temos deparado com este raciocínio: Deus, que é
soberanamente bom, não pode impor ao homem recomeçar uma série de misérias e de
tribulações. Achariam, por acaso, que haveria mais bondade em condenar o homem
a um sofrimento perpétuo por alguns momentos de erro, do que em dar-lhe os
meios de reparar suas faltas? “Dois industriais tinham, cada um, um operário
que podia aspirar a se tornar sócio do chefe. Ora, aconteceu que esses dois
operários empregaram, uma vez, muito mal o seu dia e mereceram ser despedidos.
Um dos dois industriais demitiu o seu operário, apesar de suas súplicas e este,
não tendo encontrado trabalho, morreu na miséria. O outro disse ao seu:
Perdestes um dia; deveis-me, por isso, a reparação; permito-vos recomeçá-lo;
tentai fazê-lo bem e eu vos conservarei e podereis continuar a aspirar à
posição superior que vos prometi.” É necessário perguntar qual dos dois
industriais foi o mais humano? Deus, que é a própria clemência, seria mais
inexorável do que um homem? A ideia de que nossa sorte está fixada para sempre,
por alguns anos de provação, ainda que nem sempre tenha dependido de nós
atingir a perfeição na Terra, tem qualquer coisa de pungente, enquanto que a
ideia contrária é eminentemente consoladora: ela nos deixa a esperança. Assim,
sem nos pronunciar a favor ou contra a pluralidade das existências, sem admitir
mais uma hipótese do que a outra, dizemos que, se tivéssemos escolha, ninguém
preferiria um julgamento sem apelação. Um filósofo disse que, se Deus não
existisse, seria preciso inventá-lo, para a felicidade do gênero humano;
poder-se-ia dizer o mesmo da pluralidade das existências. Mas, como já
dissemos, Deus não pede nossa permissão; não consulta nossos gostos: ou é, ou
não é. Vejamos de que lado estão as probabilidades e consideremos o assunto de
um outro ponto de vista, abstração sempre feita do ensino dos Espíritos:
unicamente como estudo filosófico. Se não há reencarnação, só há,
evidentemente, uma existência corporal; se nossa existência corporal atual é a
única, a alma de cada homem é criada no seu nascimento, a menos que se admita a
anterioridade da alma; nesse caso, perguntar-se-ia o que era a alma antes do
nascimento e se esse estado não constituiria uma existência sob uma forma qualquer.
Não há meio termo: ou a alma existia, ou não, antes do corpo; se ela existia,
qual era a sua situação? Possuía, ou não, consciência de si mesma; se não tinha
consciência, é quase como se ela não existisse. Se tinha sua individualidade,
era progressiva, ou estacionária; num e noutro caso, em que grau ela chegou ao
corpo? Admitindo, conforme a crença vulgar, que a alma nasce com o corpo, ou, o
que dá no mesmo, que, anteriormente à sua encarnação, ela só possui faculdades
negativas, fazemos as seguintes perguntas: 1) Por que a alma mostra aptidões
tão diversas e independentes das ideias adquiridas com a
educação? 2) De onde vem a aptidão extranormal de certas crianças em
tenra idade, para essa arte, ou aquela ciência, enquanto outras permanecem
inferiores ou medíocres, durante toda a sua vida? 3) De onde vêm, em
alguns, as ideias inatas ou intuitivas que não existem em outros? 4) De onde
vêm, em algumas crianças, esses instintos precoces de vícios ou de virtudes,
esses sentimentos inatos de dignidade ou de baixeza, que contrastam com o meio
em que nasceram? 5) Por que uns homens, abstração feita da educação, são mais
adiantados do que outros? 6) Por que há ignorantes e homens civilizados? Se
tomardes uma criança hotentote recém-nascida, e se a educardes nos nossos
colégios mais renomados, fareis dela, um dia, um Laplace ou um Newton?
Perguntamos: que filosofia ou teosofia pode resolver estes problemas? Ou as
almas são iguais ao nascerem ou são desiguais, não há dúvida. Se são iguais,
por que essas aptidões tão diversas? Pode-se dizer que isso depende do
organismo? Mas, então, esta é a doutrina mais monstruosa e mais imoral. O homem
é apenas uma máquina, o joguete da matéria; ele não tem mais a responsabilidade
por seus atos; ele pode tudo atribuir às suas imperfeições físicas. Se elas são
desiguais, é que Deus as criou assim; mas, então, por que essa superioridade
inata concedida a algumas? Essa parcialidade corresponde à sua justiça e ao
amor que ele consagra a todas as suas criaturas igualmente? Admitamos, ao
contrário, uma sucessão de existências progressivas anteriores e tudo é
explicado. Os homens trazem, ao nascer, a intuição daquilo que adquiriram; são
mais ou menos adiantados, conforme o número de existências que percorreram,
conforme estejam mais ou menos afastados do ponto de partida: exatamente como
numa reunião de indivíduos de todas as idades, cada um terá um desenvolvimento
proporcional ao número de anos que tiver vivido; as existências sucessivas
serão, para a vida da alma, o que os anos são para a vida do corpo. Reuni, um
dia, mil indivíduos, de um até oitenta anos; imaginai que um véu fosse lançado
sobre todos os dias precedentes e que, na vossa ignorância, acreditásseis,
assim, que todos tivessem nascido no mesmo dia: naturalmente, perguntaríeis a
vós mesmos como é que uns são grandes e outros pequenos, uns velhos e outros
jovens, uns instruídos e outros ainda ignorantes; porém, se a nuvem que vos
esconde o passado viesse a se dissipar, ao saberdes que todos viveram mais ou
menos tempo, tudo vos seria explicado. Deus, na sua justiça, não pode ter
criado almas mais ou menos perfeitas; porém, com a pluralidade das existências,
a desigualdade que vemos nada mais tem que se oponha à equidade mais rigorosa:
é que vemos, unicamente, o presente e, não, o passado. Este raciocínio se
baseia num sistema, numa suposição gratuita? Não; partimos de um fato patente,
incontestável: a desigualdade das aptidões e do desenvolvimento intelectual e
moral e encontramos este fato não explicado por nenhuma das teorias correntes;
ao passo que sua explicação é simples, natural, lógica, através de uma outra
teoria. Será racional preferir a que não explica àquela que explica? Com
relação à sexta pergunta, pode-se dizer, certamente, que o hotentote (povos da
África, rio Orange na África do Sul) é uma raça inferior: perguntaremos, então,
se o hotentote é ou não um homem. Se é um homem, por que Deus deserdou a ele e
sua raça dos privilégios concedidos à raça caucásica (raça "branca")?
Se não é um homem, por que tentar torná-lo cristão? A Doutrina Espírita é mais
ampla do que tudo isso; para ela, não há várias espécies de homens, há somente
homens, cujos espíritos são mais ou menos atrasados, porém, suscetíveis de
progredir: isto não está mais de acordo com a justiça de Deus? Acabamos de ver
a alma no seu passado e no seu presente; se a considerarmos no seu futuro,
encontraremos as mesmas dificuldades. 1) Se apenas nossa existência atual deve
decidir nossa sorte futura, qual será, na vida futura, a posição respectiva do
ignorante e do homem civilizado? Estarão no mesmo nível, ou distanciados na
soma da felicidade eterna? 2) O homem que trabalhou toda a sua vida para
melhorar-se estará na mesma classe daquele que permaneceu inferior, não por sua
culpa, mas porque não teve nem o tempo, nem a possibilidade de tornar-se
melhor? 3) O homem que faz o mal, porque não pôde esclarecer-se, será passível
de um estado de coisas que dele não dependeu? 4) Trabalha-se para esclarecer os
homens, para moralizá-los, para civiliza-los; porém, para cada um que se
esclarece, há milhões que morrem, todos os dias, antes que a luz lhes tenha
chegado; qual a sorte destes? Serão tratados como réprobos (perverso, malvado)?
Em caso contrário, que fizeram para merecer estar na mesma classe em que os
outros? 5) Qual a sorte das crianças que morrem em tenra idade, antes de ter
podido fazer o bem, ou o mal? Se ficarem entre os eleitos, por que esse favor,
sem nada terem feito para merecê-lo? Através de que privilégio, estarão
liberadas das tribulações da vida? Haverá uma doutrina que possa resolver estas
questões? Admiti as existências sucessivas, e tudo se explica segundo a justiça
de Deus. O que não se pôde fazer numa existência, faz-se em outra; é assim que
ninguém escapa à lei do progresso, que cada um será recompensado segundo seu
mérito real, e que ninguém está excluído da felicidade suprema, à qual ele pode
aspirar, quaisquer que sejam os obstáculos que possa encontrar no seu caminho.
Estas questões poderiam ser multiplicadas ao infinito, pois os problemas psicológicos
e morais, que só encontram solução na pluralidade das existências, são
inumeráveis; nós nos limitamos aos mais gerais. Seja como for, talvez se diga
que a doutrina da reencarnação não é admitida pela Igreja; isto seria, então, o
desmoronamento da religião. Nosso objetivo não é tratar desta questão neste
momento; basta-nos ter demonstrado que ela é eminentemente moral e racional.
Ora, o que é moral e racional não pode ser contrário a uma religião que
proclama Deus como a bondade e a razão por excelência. Que teria sido da
religião, se, contra a opinião universal e o testemunho da Ciência, ela tivesse
resistido à evidência e tivesse expulsado de seu seio quem quer que não tivesse
acreditado no movimento do Sol, ou nos seis dias da criação? Que crédito teria
merecido e que autoridade teria tido, entre os povos esclarecidos, uma religião
fundada em erros manifestos impostos como artigos de fé? Quando a evidência foi
demonstrada, a Igreja, sabiamente, colocou-se do lado da evidência. Se está
provado que existem umas coisas que são impossíveis sem a reencarnação, se
alguns pontos do dogma não podem ser explicados, senão através deste meio, será
preciso admiti-lo e reconhecer que o antagonismo entre esta doutrina e aqueles
dogmas é apenas aparente. Mais tarde, mostraremos que a religião talvez esteja
menos afastada dela do que se pensa, e que não sofreria, por esse motivo, mais
do que sofreu com a descoberta do movimento da Terra e dos períodos geológicos
que, à primeira vista, pareceram representar um desmentido aos textos sagrados.
O princípio da reencarnação ressalta, aliás, de várias passagens das Escrituras
e encontra-se formulado, de uma forma explícita, particularmente, no Evangelho:
“Enquanto desciam da montanha (após a transfiguração), Jesus fez esta advertência,
dizendo-lhes: Não faleis a ninguém daquilo que acabastes de ver, até que o
filho do homem tenha ressuscitado, dentre os mortos. Seus discípulos, então, o
interrogaram: Por que, então, os escribas dizem que é preciso que Elias venha
antes? Jesus, porém, lhes respondeu: É verdade que Elias deve vir e que
restabelecerá todas as coisas. Entretanto, eu vos declaro que Elias já veio e
eles não o reconheceram, mas fizeram-no sofrer como quiseram. É assim que farão
morrer o filho do homem. Então, seus discípulos compreenderam que era de João
Batista que ele lhes falara.” (São Mateus, capítulo 17) Visto que João Batista
era Elias, houve, portanto, a reencarnação do Espírito ou da alma de Elias no
corpo de João Batista. Todavia, qualquer que seja a opinião que se tenha sobre
a reencarnação, quer seja aceita, quer não, nem por isso deixar-se-á de
experimentá-la, já que ela existe, apesar de qualquer crença contrária; o ponto
essencial, é que o ensino dos Espíritos é eminentemente cristão; apoia-se na
imortalidade da alma, nas penas e recompensas futuras, na justiça de Deus, no
livre-arbítrio do homem, na moral do Cristo; portanto, não é antirreligioso.
Raciocinamos, como o dissemos, abstraindo de qualquer ensino espírita que, para
algumas pessoas, carece de autoridade. Se nós e tantos outros adotamos a
opinião da pluralidade das existências, não é apenas porque veio dos Espíritos,
é porque ela nos pareceu a mais lógica e porque só ela resolve questões, até
então, insolúveis. Tivesse ela vindo de um simples mortal e nós a teríamos
adotado, da mesma forma, e não teríamos hesitado mais tempo em renunciar às
nossas próprias ideias; desde o momento em que um erro é demonstrado, o
amor-próprio tem mais a perder do que a ganhar, obstinando-se numa ideia falsa.
Assim também nós a teríamos rejeitado, embora tivesse vindo dos Espíritos, se
ela nos tivesse parecido contrária à razão, como rejeitamos muitas outras; pois
sabemos, pela experiência, que não se deve aceitar, cegamente, tudo o que vem
da parte deles, não mais do que o que vem da parte dos homens. Seu primeiro
mérito, a nosso ver, é, portanto, o de ser lógica; ela possui um outro: o de
ser confirmada pelos fatos, fatos positivos e, por assim dizer, materiais, que
um estudo atento e racional pode revelar a quem quer que se dê ao trabalho de
observar, com paciência e perseverança, e, na presença dos quais, a dúvida não
tem mais cabimento. Quando esses fatos forem popularizados, como os da formação
e do movimento da Terra, será preciso render-se à evidência e os opositores
nada terão obtido com seus esforços em contrário. Em resumo, reconheçamos,
portanto, que só a doutrina da pluralidade das existências explica o que, sem
ela, é inexplicável; que ela é eminentemente consoladora e conforme à justiça
mais rigorosa e que ela é, para o homem, a tábua de salvação que Deus lhe deu,
por sua misericórdia. As próprias palavras de Jesus não podem deixar dúvida a
esse respeito. Eis o que se lê, no Evangelho, segundo o evangelho de São João,
capítulo 3: 3. Jesus, respondendo a Nicodemos, diz: Em verdade, em verdade, te
digo que, se um homem não nascer de novo, não poderá ver o reino de Deus. 4.
Nicodemos lhe diz: Como um homem pode nascer, quando está velho? Pode ele
voltar ao ventre de sua mãe e nascer, uma segunda vez? 5. Jesus respondeu: Em
verdade, em verdade, te digo que, se um homem não nascer da água e do espírito,
não poderá entrar no Reino de Deus. O que nasceu da carne é carne e o que
nasceu do espírito é espírito. Não te espantes com o que te disse: é preciso
que nasçais de novo. (Ver, adiante, o artigo Ressurreição da Carne). 1.
Espíritos Errantes. 2. Mundos Transitórios. 3. Percepções, Sensações e
Sofrimentos dos Espíritos. 4. Ensaio Teórico sobre a Sensação nos Espíritos. 5.
Escolha das Provas. 6. Relações de Além túmulo. 7. Relações Simpáticas e
Antipáticas entre os Espíritos. 8. Recordação da Existência Corporal. 9.
Comemoração dos Mortos. Funerais. ESPÍRITOS ERRANTES. A alma reencarna,
imediatamente, após sua separação do corpo? “Algumas vezes, imediatamente,
porém, geralmente, só após intervalos mais ou menos longos. Nos mundos
superiores, a reencarnação é quase sempre imediata; sendo menos grosseira a
matéria corporal, o Espírito encarnado, aí, goza de quase todas as suas
faculdades de Espírito; seu estado normal é o de vossos sonâmbulos lúcidos.” O
que se torna a alma no intervalo das encarnações? “Espírito errante, que
aspira, a seu novo destino; ele aguarda.” Qual pode ser a duração desses
intervalos? “De algumas horas a alguns milhares de séculos. Aliás, não existe,
propriamente falando, limite extremo determinado para o estado errante, que
pode prolongar-se por muito tempo, mas que nunca é perpétuo; o Espírito
encontra sempre, cedo ou tarde, um meio de recomeçar uma existência que serve
para a purificação de suas existências precedentes.” Essa duração está
subordinada à vontade do espírito, ou pode ser imposta como expiação? “É uma
consequência do livre-arbítrio; os Espíritos sabem perfeitamente o que fazem,
mas há também aqueles para quem é uma punição infligida por Deus; outros pedem
que ela seja prolongada, para continuar estudos que só podem ser feitos, com
proveito, no estado de Espírito.” A erraticidade é, por si mesma, um sinal de
inferioridade dos Espíritos? “Não, pois há espíritos errantes de todos os graus.
A encarnação é um estado transitório, nós o dissemos: no seu estado normal, o
Espírito está desligado da matéria.” Pode-se dizer que todos os Espíritos que
não estão encarnados são errantes? “Os que devem encarnar, sim; porém, os
Espíritos puros, que chegaram à perfeição, não são errantes: o estado deles é
definitivo.” Sob o aspecto das qualidades íntimas, os Espíritos são de
diferentes ordens e classes, que eles percorrem sucessivamente, à medida que se
depuram. Relativamente ao seu estado, podem ser: encarnados, isto é, unidos a
um corpo; errantes, isto é, desligados do corpo material e aguardando uma nova
encarnação para se melhorarem; Espíritos puros, isto é, perfeitos, não tendo
mais necessidade de encarnar. De que maneira os Espíritos errantes se instruem?
Eles, certamente, não o fazem da mesma maneira que nós? “Eles estudam o próprio
passado e procuram os meios de se elevar. Veem, observam o que acontece nos
locais que percorrem; escutam as palestras dos homens esclarecidos e as
opiniões dos Espíritos mais elevados que eles, e isto lhes traz ideias que não
possuíam.” Os Espíritos conservam algumas das paixões humanas? “Os Espíritos
elevados, ao perderem seu envoltório, deixam as más paixões e só guardam a do
bem; os Espíritos inferiores, porém, as conservam; do contrário, eles seriam da
primeira ordem.” Por que os Espíritos, ao deixarem a Terra, não abandonam,
nela, todas as suas más paixões, já que veem-lhes os inconvenientes? “Há, nesse
mundo, pessoas que são excessivamente ciumentas; acreditas que perdem este
defeito, logo ao abandoná-lo? Sobretudo naqueles que tiveram paixões bem
marcantes, permanece, após sua partida daqui, uma espécie de atmosfera que os
envolve, deixando-lhes todas essas coisas ruins, pois o Espírito não está
inteiramente desligado da matéria; só por momentos entreve a verdade, como para
lhe mostrar o bom caminho.” O Espírito progride no estado errante? “Pode
melhorar-se muito, sempre conforme sua vontade e seu desejo; porém, é na
existência corporal que ele coloca em prática as novas ideias que adquiriu.” Os
Espíritos errantes são felizes ou infelizes? “Mais ou menos, conforme seu
mérito. Sofrem por efeito das paixões cujo princípio conservaram, ou são
felizes, conforme estejam mais ou menos desmaterializados. No estado errante, o
Espírito entreve o que lhe falta para ser mais feliz; é, então, que procura os
meios de alcançá-lo; mas, nem sempre lhe é permitido reencarnar, conforme o seu
desejo, sendo-lhe isto uma punição.” No estado errante, podem os Espíritos ir a
todos os mundos? “Depende das circunstâncias; tendo o Espírito deixado o corpo,
ele não está, por este motivo, completamente desligado da matéria e ainda
pertence ao mundo onde viveu; ou a um mundo do mesmo grau, a menos que, durante
sua vida, ele se tenha elevado e aí está o objetivo para o qual deve tender,
pois, sem isto, jamais se aperfeiçoaria. Ele pode, todavia, ir a alguns mundos
superiores, mas, então, ele aí estará na condição de estrangeiro; por assim
dizer, ele apenas, os entreve e é o que lhe provoca o desejo de melhorar-se,
para ser digno da felicidade de que aí se goza e poder habitá-los, mais tarde.”
Os Espíritos já depurados vão aos mundos inferiores? “Eles o fazem
frequentemente, a fim de ajudá-los a progredir, sem isto, esses mundos estariam
entregues a si mesmos, sem guias para dirigi-los.” MUNDOS TRANSITÓRIOS. Há,
como foi dito, mundos que servem de estações e de pontos de repouso aos
Espíritos errantes? “Sim, há mundos particularmente designados aos seres
errantes, mundos nos quais eles podem habitar, temporariamente; espécies de
acampamentos, de campos para se repousarem de uma erraticidade (estado dos
espíritos não encarnados, isto é, durante os intervalos das encarnações) muito
longa, estado que é sempre um pouco penoso. São, entre os outros mundos, posições
intermediárias, graduadas, segundo a natureza dos Espíritos, que podem aí
chegar e, aí, gozar de maior ou menor bem-estar.” Os Espíritos que habitam
esses mundos podem deixá-los à vontade? “Sim, os Espíritos que se encontram
nesses mundos podem deles se desligar, para ir onde devam ir. Imaginai-os como
bandos de pássaros pousando numa ilha, aguardando o retomar das forças, para
seguirem seu destino.” Os Espíritos progridem, durante suas permanências nos
mundos transitórios? “Certamente; os que assim se reúnem, o fazem com o
objetivo de se instruir e de poder, mais facilmente, obter a permissão para ir
a lugares melhores e chegar à posição que os eleitos atingem.” Pela sua
natureza especial, os mundos transitórios estão perpetuamente destinados aos Espíritos
errantes? “Não, a posição deles é apenas temporária.” São eles, ao mesmo tempo,
habitados por seres corpóreos? “Não, a superfície deles é estéril. Aqueles que
os habitam de nada precisam.” Essa esterilidade é permanente e se deve à sua
natureza especial? “Não; eles são, transitoriamente, estéreis.” Esses mundos
devem, então, ser desprovidos de belezas naturais? “A Natureza se traduz pelas
belezas da imensidão, que não são menos admiráveis do que o que chamais de
belezas naturais.” Visto que o estado desses mundos é transitório, nossa Terra
será, algum dia, um deles? “Ela já foi.” Em que época? “Durante a sua
formação.” Nada é inútil na Natureza; cada coisa tem sua finalidade, sua
destinação; nada está vazio, tudo é habitado, a vida está por toda a parte.
Assim, durante a longa série dos séculos que se passaram, antes da aparição do
homem na Terra, no decorrer dos lentos períodos de transição atestados pelas
camadas geológicas, antes mesmo da formação dos primeiros seres orgânicos,
sobre aquela massa informe, naquele árido caos onde os elementos estavam
confundidos, não havia ausência de vida; seres que não tinham nem as nossas
necessidades, nem as nossas sensações físicas, aí encontravam refúgio. Deus
quis que, mesmo naquele estado imperfeito, ela servisse para alguma coisa.
Quem, portanto, ousaria dizer que, dentre esses milhares de mundos que circulam
na imensidão, um único, um dos menores, perdido na multidão, tivesse o
privilégio exclusivo de ser povoado? Qual seria, então, a utilidade dos outros?
Deus tê-los-ia feito visando apenas recrear nossa vista? Suposição absurda,
incompatível com a sabedoria que ressalta de todas as suas obras e
inadmissível, quando se pensa em todos aqueles que não podemos perceber.
Ninguém contestará que há, nesta referência dos mundos ainda impróprios para a
vida material, e todavia, povoados de seres vivos apropriados a esse meio, algo
de grande e de sublime, onde, talvez, se encontre a solução de mais de um
problema. PERCEPÇÕES, SENSAÇÕES E SOFRIMENTOS DOS ESPÍRITOS. Uma vez
no mundo dos Espíritos, a alma tem ainda as percepções que possuía enquanto
viva? “Sim, e ainda outras que não possuía, porque seu corpo era como um véu
que as obscurecia. A inteligência é um atributo do Espírito, mas ela mais
livremente se manifesta, quando não tem entraves.” As percepções e os
conhecimentos dos Espíritos são ilimitados? Numa palavra: eles sabem tudo?
“Quanto mais se aproximam da perfeição, mais sabem; se são superiores, sabem
muito; os Espíritos inferiores são mais ou menos ignorantes acerca de todas as
coisas.” Os Espíritos conhecem o princípio das coisas? “De acordo com sua
elevação e sua pureza; os Espíritos inferiores não sabem, sobre isto, mais do
que os homens.” Os espíritos compreendem a duração do tempo como nós? “Não, e é
o que faz com que nem sempre nos compreendais, quando se trata de fixar datas
ou épocas.” Os Espíritos vivem fora do tempo, tal como o compreendemos; o
transcurso do tempo, para eles, anula-se, por assim dizer, e os séculos, tão
longos para nós, são-lhes apenas instantes que se apagam na eternidade, do
mesmo modo que as desigualdades do solo se apagam e desaparecem, para aquele
que se eleva no espaço. Têm os Espíritos uma ideia do presente mais precisa e
mais exata do que nós? “Quase como aquele que enxerga bem, possui uma ideia
mais exata das coisas do que o cego. Os Espíritos vêm o que não vedes; julgam,
portanto, diferentemente de vós; mas, uma vez ainda, isto depende da elevação
deles.” Como os Espíritos têm o conhecimento do passado? E esse conhecimento para
eles não tem limite? “O passado, quando dele nos ocupamos, é presente;
exatamente como te lembras de uma coisa que te impressionou no decorrer do teu
exílio. Simplesmente, como não temos mais o véu material que obscurece tua
inteligência, nós nos lembramos de coisas que se te apagaram da memória; mas,
nem tudo é conhecido pelos Espíritos: a começar pela sua própria criação.” Os
Espíritos conhecem o futuro? “Isto depende, ainda, do aperfeiçoamento deles;
frequentemente, eles apenas o entreveem, porém nem sempre lhes é permitido
revelá-lo; quando o vêm, parece-lhes presente. O Espírito vê o futuro mais
claramente, à medida que se aproxima de Deus. Depois da morte, a alma vê e
abarca, num piscar de olhos, suas migrações passadas, mas não pode ver o que Deus
lhe prepara; para isso, é preciso que ela esteja inteiramente integrada a ele,
após muitas existências.” Os Espíritos que chegaram à perfeição absoluta têm um
conhecimento completo do futuro? “Completo não é a palavra, pois só Deus é o
soberano Senhor e ninguém pode igualar-se a ele.” Os Espíritos vêm Deus?
“Apenas os Espíritos superiores o vêm e o compreendem; os Espíritos inferiores
o sentem e o adivinham.” Quando um Espírito inferior diz que Deus lhe proíbe ou
lhe permite algo, como sabe que isto vem dele? “Ele não vê Deus, mas sente sua
soberania e, quando uma coisa não deve ser feita, ou dita uma palavra, ele
percebe, como uma intuição, uma advertência invisível que o proíbe de fazê-lo.
Vós mesmos não tendes pressentimentos que são para vós como advertências
secretas para fazer, ou não, esta ou aquela coisa? Acontece o mesmo conosco,
apenas num grau mais elevado, pois tu compreendes que, sendo a essência dos
espíritos mais sutil que a vossa, eles podem captar melhor as advertências
divinas.” A ordem lhe é transmitida diretamente por Deus, ou por intermédio de
outros Espíritos? “Ela não lhe vem diretamente de Deus; para comunicar-se com
ele, é necessário ser digno disto. Deus lhe transmite suas ordens através de
Espíritos que se acham mais elevados em perfeição e em instrução.” A visão, nos
Espíritos, é circunscrita, como nos seres corporais? “Não, ela reside neles.”
Os Espíritos têm necessidade da luz para ver? “Eles vêm por si mesmos e não têm
necessidade da luz exterior; para eles não há trevas, com exceção daquelas em
que podem achar-se por expiação.” Os Espíritos necessitam transportar-se para
ver em dois pontos diferentes? Podem, por exemplo, ver, simultaneamente, nos
dois hemisférios do globo? “Como o Espírito se transporta com a rapidez do
pensamento, pode-se dizer que vê, ao mesmo tempo, em toda a parte; seu
pensamento pode irradiar e se dirigir, ao mesmo tempo, para vários pontos
diferentes; esta faculdade, porém, depende de sua pureza: quanto menos
depurado, tanto mais limitada é sua visão; apenas os Espíritos superiores podem
abarcar um conjunto.” A faculdade de ver, nos Espíritos, é uma propriedade
inerente à sua natureza e que reside em todo o seu ser, como a luz reside em
todas as partes de um corpo luminoso; é uma espécie de lucidez universal que se
estende a tudo, abarca, de uma só vez, o espaço, os tempos e as coisas e para a
qual não há trevas, nem obstáculos materiais. Compreende-se que deva ser assim;
no homem, a visão opera-se pelo funcionamento de um órgão impressionado pela
luz; sem luz, ele está na obscuridade. No Espírito, sendo a faculdade de ver um
atributo dele próprio, abstração feita de qualquer agente exterior, a visão é
independente da luz.” (Ver Ubiquidade, nos capítulos posteriores). O Espírito
vê as coisas tão distintamente quanto nós? “Mais distintamente, pois sua visão
penetra onde não podeis penetrar; nada a obscurece.” O Espírito percebe os
sons? “Sim; percebe até sons que vossos sentidos obtusos não podem perceber.” A
faculdade de ouvir está em todo o seu ser, como a de ver? “Todas as percepções
são atributos do Espírito e fazem parte de seu ser; quando está revestido de um
corpo material, elas só lhe chegam através do canal dos órgãos; porém, no
estado de liberdade, elas não estão mais localizadas.” Sendo as percepções atributos
do próprio Espírito, é-lhe possível subtrair-se a elas? “O Espírito apenas vê e
ouve o que quer. Diz-se isto, de maneira geral e, sobretudo, com relação aos
Espíritos elevados, pois os que são imperfeitos, estes, ouvem e vêm,
frequentemente, contra a sua vontade, o que pode ser útil para seu
melhoramento.” Os Espíritos são sensíveis à música? “Queres falar da música
terrena? O que é ela comparada à música celeste? A essa harmonia da qual nada
na Terra pode dar-vos uma ideia? Uma está para a outra, assim como o canto do
ignorante, para uma suave melodia. Todavia, Espíritos vulgares podem
experimentar um certo prazer em ouvir vossa música, porque ainda não lhe é dado
compreender uma outra mais sublime. A música possui encantos infinitos para os
Espíritos, em razão de suas qualidades sensitivas muito desenvolvidas;
refiro-me à música celeste, que é tudo o que a imaginação espiritual pode
conceber de mais belo e mais suave.” Os Espíritos são sensíveis às belezas da
Natureza? “As belezas naturais dos mundos são tão diferentes, que estamos longe
de conhecê-las. Sim, são-lhes sensíveis, conforme sua aptidão para apreciá-las
e compreendê-las; para os Espíritos elevados, há belezas de conjunto, diante
das quais se apagam, por assim dizer, as belezas de detalhe.” Os Espíritos
experimentam nossas necessidades e nossos sofrimentos físicos? “Eles os
conhecem, porque os sofreram, mas não os experimentam materialmente, como vós:
são Espíritos.” Os Espíritos experimentam a fadiga e a necessidade do repouso?
“Eles não podem sentir a fadiga, assim como a entendeis e, por conseguinte, não
têm necessidade do vosso repouso corporal, visto que não possuem órgãos cujas
forças devam ser reparadas; o Espírito, porém, repousa, no sentido de que não
está em atividade constante; ele não age materialmente; sua ação é toda
intelectual e seu repouso inteiramente moral; quer dizer que há momentos em que
seu pensamento deixa de ser tão ativo e não se fixa num objeto determinado; é
um verdadeiro repouso, mas, não é comparável ao do corpo. A espécie de fadiga
que os Espíritos podem experimentar é consequência da inferioridade deles,
pois, quanto mais elevados são, menos repouso lhes é necessário.” Quando um
Espírito diz que sofre, experimenta que tipo de sofrimento? “Angústias morais,
que o torturam mais dolorosamente que os sofrimentos físicos.” Como, então, há
Espíritos que se têm queixado de sofrer frio ou calor? “Lembrança do que haviam
padecido durante a vida, algumas vezes tão penosa quanto a realidade; é,
frequentemente, uma comparação através da qual, por falta de outra melhor,
exprimem a situação deles. Quando se lembram de seu corpo, experimentam uma
espécie de impressão, tal como quando se tira um casaco e se acredita ainda
usá-lo, algum tempo depois.” ENSAIO TEÓRICO SOBRE A SENSAÇÃO NOS ESPÍRITOS. O
corpo é o instrumento da dor; se não é a causa primeira, é, pelo menos, a causa
imediata. A alma tem a percepção dessa dor: esta percepção é o efeito. A
lembrança que dela conserva pode ser muito penosa, mas não pode ter ação
física. Com efeito, nem o frio, nem o calor podem desorganizar os tecidos da
alma; a alma não pode enregelar-se, (fazer com que fique frio) nem queimar-se.
Não vemos, todos os dias, a recordação ou a apreensão de um mal físico
produzirem o efeito real? Ocasionar até a morte? Todo mundo sabe que as pessoas
amputadas sentem dor no membro que não existe mais. Certamente, não está, nesse
membro, a sede, nem mesmo o ponto de partida da dor; foi o cérebro que
conservou lhe a impressão, apenas isto. Pode-se, portanto, admitir que haja
alguma coisa análoga nos sofrimentos do Espírito, após a morte. Um estudo mais
aprofundado do perispírito, que desempenha um papel tão importante em todos os
fenômenos espíritas: nas aparições vaporosas ou tangíveis, no estado do
Espírito, no momento da morte; na ideia tão frequente de que ainda está vivo; o
quadro tão comovente dos suicidas, dos supliciados, das pessoas que se deixaram
absorver pelos gozos materiais e tantos outros fatos, que vieram lançar a luz
sobre esta questão e proporcionaram explicações que resumimos aqui. O
perispírito é o elo que une o Espírito à matéria do corpo; ele é haurido do
meio ambiente, do fluido universal; participa, ao mesmo tempo, da eletricidade,
do fluido magnético e, até um certo ponto, da matéria inerte. Poder-se-ia dizer
que é a quintessência da matéria; é o princípio da vida orgânica, mas não o é
da vida intelectual: a vida intelectual está no Espírito. É, além disso, o
agente das sensações exteriores. No corpo, a recepção destas sensações
localiza-se nos órgãos que lhes servem de canais. Destruído o corpo, as
sensações tornam-se gerais. Eis por que o Espírito não diz que sofre mais da
cabeça do que dos pés. É preciso, ainda, evitar confundir as sensações do
perispírito, que se tornou independente, com as do corpo: só podemos tomar
estas últimas como termo de comparação e, não, como analogia. Liberto do corpo,
o Espírito pode sofrer; este sofrimento, porém, não é o do corpo. Não é,
entretanto, um sofrimento exclusivamente moral, como o remorso, já que se queixa
do frio e do calor; ele não sofre mais no inverno do que no verão: temo-los
visto passar através das chamas, sem nada experimentar de penoso; a temperatura
não lhes causa, portanto, impressão alguma. A dor que sentem não é, pois,
propriamente, uma dor física: é um vago sentimento íntimo, do qual o próprio
Espírito nem sempre se apercebe com clareza, precisamente porque a dor não é
localizada e porque não é produzida por agentes exteriores: é muito mais uma
recordação do que uma realidade, uma reminiscência, igualmente, muito penosa.
Todavia, algumas vezes, há mais do que uma lembrança, como vamos ver. A
experiência nos ensina que, no momento da morte, o perispírito se desliga, mais
ou menos lentamente, do corpo; durante os primeiros instantes, o Espírito não
encontra explicação para a sua situação; não acredita estar morto; sente-se
vivo; vê seu corpo ao lado, sabe que lhe pertence e não compreende que dele
esteja separado; este estado dura, enquanto houver um elo entre o corpo e o
perispírito. Um suicida nos dizia: “Não, não estou morto”. E acrescentava:
“entretanto, sinto os vermes a me roerem.” Ora, certamente, os vermes não roíam
o perispírito e, menos ainda, o Espírito; roíam apenas o corpo. Mas, como a
separação do corpo e do perispírito não era completa, daí resultava uma espécie
de repercussão moral, que lhe transmitia a sensação daquilo que se passava com
o corpo. Repercussão, talvez não seja a palavra certa, porque poderia levar a
acreditar num efeito muito material; era muito mais a visão do que se passava
com o seu corpo, ao qual seu perispírito o prendia, que nele produzia uma
ilusão, que ele tomava por realidade. Desse modo, não era uma reminiscência, já
que, durante sua vida, ele não tinha sido roído pelos vermes: era o sentimento
de um fato atual. Vê-se, desta forma, as deduções que podemos fazer dos fatos,
quando atentamente observados. Durante a vida, o corpo recebe as impressões
exteriores e as transmite ao Espírito por intermédio do perispírito, que
constitui, provavelmente, o que se chama de fluido nervoso. Estando morto o
corpo, nada mais sente, porque nele não há mais Espírito, nem perispírito. O
perispírito, liberto do corpo, experimenta a sensação; porém, como ela não lhe
chega mais através de um canal limitado, torna-se geral. Ora, como o
perispírito é apenas um agente de transmissão, visto que é o Espírito que
possui a consciência, daí resulta que, se pudesse existir um perispírito sem
Espírito, ele não sentiria mais do que o corpo quando está morto; da mesma
forma que, se o Espírito não tivesse perispírito, seria inacessível a qualquer
sensação penosa; é o que acontece com os Espíritos completamente purificados.
Sabemos que, quanto mais eles se depuram, mais etérea se torna a essência do
perispírito; donde se conclui que a influência material diminui, à medida que o
Espírito progride, isto é, à medida que o próprio perispírito se torna menos
grosseiro. Mas, pode-se dizer, as sensações agradáveis são transmitidas ao
Espírito através do perispírito, assim como as sensações desagradáveis; ora, se
o Espírito puro é inacessível a umas, deve sê-lo, igualmente, às outras. Sim,
sem dúvida, relativamente àquelas que provêm unicamente da influência da
matéria que conhecemos; o som dos nossos instrumentos, o perfume das nossas
flores não lhe causam impressão alguma e, todavia, há nele sensações íntimas,
de um encanto indefinível de que não podemos fazer a menor ideia, porque somos,
a esse respeito, como cegos de nascença, diante da luz; sabemos que isso
existe, mas através de que meio? Aí cessa nossa ciência. Sabemos que possui
percepção, sensação, audição, visão; que estas faculdades são atributos de todo
ser e, não, como no homem, de uma parte do ser; mas, ainda uma vez, através de
que intermediário? É o que não sabemos. Os próprios Espíritos não podem nos
explicar, porque nossa linguagem não é feita para exprimir ideias que não
possuímos, precisamente como a linguagem dos selvagens não possui termos para
exprimir nossas artes e nossas doutrinas filosóficas. Ao dizer que os Espíritos
são inacessíveis às impressões da nossa matéria, queremos falar dos Espíritos
muito elevados, cujo envoltório etéreo não tem analogia neste mundo. O mesmo
não se dá com aqueles cujo perispírito é mais denso; estes percebem nossos sons
e odores, não, porém, através de uma parte limitada de sua individualidade,
como quando estavam vivos. Poder-se-ia dizer que as vibrações moleculares se
fazem sentir em todo o seu ser e lhes chegam, assim, ao que é o próprio
Espírito, embora de uma maneira diferente e, talvez, também com uma impressão
diferente, o que produz uma modificação na percepção. Eles ouvem o som da nossa
voz e, todavia, nos compreendem sem o auxílio da palavra, somente pela
transmissão do pensamento; e, o que vem apoiar o que dizemos, é que essa
penetração é tanto mais fácil, quanto mais desmaterializado é o Espírito.
Quanto à visão, ela independe de luz, como a nossa. A faculdade de ver é um
atributo essencial da alma: não há obscuridade para ela; porém é mais extensa,
mais penetrante naqueles que são mais purificados. A alma, ou Espírito, possui,
portanto, em si mesma, a faculdade de todas as percepções; na vida corporal,
elas são obliteradas pela grosseria dos nossos órgãos; na vida extracorpórea,
elas o são cada vez menos, à medida que se sutiliza o envoltório semi material.
Esse envoltório, haurido no meio ambiente, varia, conforme a natureza dos
mundos. Passando de um mundo ao outro, os Espíritos mudam de envoltório como
mudamos de roupa, ao passar do inverno para o verão, ou do polo ao Equador. Os
Espíritos mais elevados, quando vêm nos visitar, revestem, portanto, o
perispírito terrestre e, então, suas percepções se produzem como nos nossos
Espíritos comuns; todos, porém, inferiores e superiores, só ouvem e sentem o
que querem ouvir e sentir. Sem possuir órgãos sensitivos, podem, à vontade,
tornar suas percepções ativas ou nulas; apenas uma coisa são forçados a ouvir:
são os conselhos dos bons Espíritos. A visão é sempre ativa, mas eles podem,
reciprocamente, tornar-se invisíveis uns aos outros. Conforme a categoria que
ocupem, podem ocultar-se daqueles que lhes são inferiores, mas não daqueles que
lhes são superiores. Nos primeiros momentos que se seguem à morte, a visão do
Espírito é sempre turvada e confusa; clareia-se, à medida que ele se liberta, e
pode adquirir a mesma nitidez que possuía durante a vida, independentemente de
sua penetra- ção através dos corpos que, para nós, são opacos. Quanto à sua
extensão através do espaço indefinido, no futuro e no passado, ela depende do
grau de pureza e de elevação do espírito. Toda essa teoria, pode-se dizer, não
é tranquilizadora. Pensávamos que, uma vez desligados do nosso grosseiro
envoltório, instrumento de nossas dores, não sofreríamos mais e eis que nos
informais que ainda sofremos; de uma forma ou de outra, o sofrimento continua.
Ai de nós! Sim, podemos sofrer ainda, muito e durante longo tempo, mas podemos
também não sofrer mais, desde o instante mesmo em que deixamos a vida corporal.
Os sofrimentos deste mundo independem, algumas vezes, de nós; muitos, porém, são
consequências da nossa vontade. Que se remonte à fonte e ver-se-á que o maior
número deles é o efeito de causas que teríamos podido evitar. Quantos males,
quantas enfermidades, o homem não deve aos seus excessos, à sua ambição, numa
palavra: às suas paixões? O homem que sempre tivesse vivido sobriamente, que de
nada tivesse abusado, que sempre tivesse sido simples nos seus gostos, modesto
nos seus desejos, evitaria muitas tribulações. Senso communis expressão latina
que significa: senso comum, se dá com o Espírito; os sofrimentos que suporta
são sempre a consequência da maneira como viveu na Terra; certamente, não
sofrerá mais de gota, nem de reumatismos, mas terá outros sofrimentos
equivalentes. Vimos que seus sofrimentos são o resultado dos elos que ainda
existem entre ele e a matéria; que quanto mais liberto da influência da
matéria, ou melhor, quando mais desmaterializado, menos sensações penosas
experimentará; ora, depende dele o libertar-se dessa influência, desde esta
vida; ele tem seu livre-arbítrio e, por conseguinte, a escolha entre fazer e
não fazer; que ele dome suas paixões animais, que não tenha ódio, nem inveja,
nem ciúme, nem orgulho; que não seja dominado pelo egoísmo; que purifique sua
alma, através dos bons sentimentos; que faça o bem; que não dê às coisas deste
mundo senão a importância que merecem; então, embora sob o envoltório corporal,
já se encontrará depurado, já se achará desligado da matéria e, quando deixar
esse envoltório, não lhe experimentará mais a influência; os sofrimentos
físicos que suportou nenhuma recordação dolorosa lhe deixam; nenhuma impressão
desagradável lhe resta, porque apenas afetaram o corpo e, não, o espírito; ele
fica feliz por ter-se libertado deles e a paz de sua consciência o liberará de
qualquer sofrimento moral. Interrogamos, aos milhares, Espíritos que
pertenceram a todas as classes da sociedade, a todas as posições sociais; nós
os estudamos em todos os períodos de sua vida espiritual, desde o instante em
que deixaram seus corpos; nós os seguimos, passo a passo, nessa vida de
além-túmulo, para observar as mudanças que neles se operavam, nas suas ideias,
nas suas sensações e, sob esse aspecto, os homens mais comuns não foram os que
nos forneceram os temas de estudo menos preciosos. Ora, sempre vimos que os
sofrimentos estão relacionados com a conduta cujas consequências eles
experimentam, e que essa nova existência é a fonte de uma felicidade inefável
para aqueles que seguiram o bom caminho; donde se conclui que aqueles que
sofrem, assim o quiseram, logo só devem culpar a si mesmos, tanto no outro
mundo, quanto neste. ESCOLHA DAS PROVAS. No estado errante e antes de retomar
uma nova existência corporal, o Espírito tem a consciência e a previsão das
coisas que lhe acontecerão durante a vida? “Ele próprio escolhe o gênero de
provas que quer experimentar e é nisso que consiste o seu livre-arbítrio.”
Então, não é Deus, quem lhe impõe as tribulações da vida, como castigo? “Nada
acontece sem a permissão de Deus, pois foi ele quem estabeleceu todas as leis
que regem o Universo. Perguntai, então, por que ele fez esta lei e não aquela!
Dando ao Espírito a liberdade da escolha, deixa-lhe toda a responsabilidade de
seus atos e de suas consequências; nada entrava o seu futuro; o caminho do bem
se lhe abre, assim como o do mal. Se ele sucumbe, porém, resta-lhe uma
consolação: é que nem tudo acabou para ele e que Deus, em sua bondade, deixa-o
livre para recomeçar o que foi mal feito. Aliás, é preciso distinguir o que é a
obra da vontade de Deus e o que é da do homem. Se um perigo vos ameaça, não
fostes vós que criastes esse perigo, foi Deus; tivestes, entretanto, a vontade
de a ele vos expordes, porque vistes nisso uma possibilidade de adiantamento, e
Deus o permitiu.” Se o Espírito escolhe o gênero de prova a que deve se submeter,
daí se segue que todas as tribulações que experimentamos na vida foram
previstas e escolhidas por nós? “Todas, não é bem a palavra, pois não quer
dizer que escolhestes e previstes tudo o que vos acontece no mundo, até as
mínimas coisas; escolhestes o gênero de prova, os detalhes são consequência da
posição e, frequentemente, de vossas próprias ações. Se o Espírito quis nascer
entre malfeitores, por exemplo, sabia a que arrastamentos se expunha, mas, não,
cada um dos atos que viria a praticar; esses atos são o efeito de sua vontade,
ou de seu livre-arbítrio. O Espírito sabe que escolhendo tal caminho, terá tal
gênero de luta a suportar; sabe, portanto, a natureza das vicissitudes que
encontrará, mas não sabe se ocorrerá este ou aquele acontecimento. As
particularidades se originam das circunstâncias e da força das coisas. Apenas
os grandes acontecimentos, os que influem no destino, estão previstos. Se tomas
um caminho cheio de sulcos, sabes que terás que tomar grandes precauções,
porque tens probabilidade de cair, mas não sabes em que lugar cairás e pode
acontecer que não caias, se fores bastante prudente. Se, ao passares por uma
rua, uma telha te cair na cabeça, não creias que estava escrito, como
vulgarmente se diz.” Como o Espírito pode querer nascer entre gente de má vida?
“É preciso que ele seja enviado a um meio em que possa experimentar a prova que
pediu. Pois bem! É preciso, portanto, que haja analogia; para lutar contra o
instinto do roubo, é necessário que ele se ache entre gente dessa espécie.” Se
não houvesse, na Terra, gente de má vida, o Espírito não poderia, então, nela
encontrar o meio necessário a certas provas? “E isto seria de se lastimar? É o
que acontece nos mundos superiores, aos quais o mal não tem acesso; é por isso
que, nesses mundos, só há Espíritos bons. Fazei com que logo se dê o mesmo na
vossa Terra.” O Espírito, nas provas a que deva se submeter para chegar à
perfeição, deve experimentar todos os gêneros de tentações? Deve passar por
todas as circunstâncias que possam excitar nele o orgulho, o ciúme, a avareza,
a sensualidade, etc.? “Certamente, não, visto que sabeis que existem aqueles
que, desde o início, tomam um caminho que os livra de muitas provas; aquele,
porém, que se deixa arrastar para um mau caminho, corre todos os perigos desta
estrada. Por exemplo, um Espírito pode pedir a riqueza e está pode ser-lhe
concedida; então, conforme seu caráter, poderá tornar-se avarento ou pródigo,
egoísta ou generoso, ou, então, entregar-se a todos os gozos da sensualidade;
isto, porém, não quer dizer que deverá, forçosamente, vivenciar todas essas
tendências.” Como o Espírito que, em sua origem, é simples, ignorante e sem
experiência, pode escolher uma existência com conhecimento de causa e ser
responsável por essa escolha? “Deus lhe supre a inexperiência, traçando lhe o
caminho que deve seguir, como fazes com uma criança, desde o berço; mas ele o
deixa, pouco a pouco, senhor de proceder à escolha, à medida que seu
livre-arbítrio se desenvolve e é, então, que, muitas vezes, extravia-se, tomando
o mau caminho, porque não escuta os conselhos dos bons Espíritos; aí está o que
se pode chamar a queda do homem.” Quando o Espírito goza de seu livre-arbítrio,
a escolha da existência corporal depende sempre, exclusivamente, de sua
vontade, ou essa existência pode lhe ser imposta pela vontade de Deus, como
expiação? “Deus sabe esperar: não apressa a expiação; todavia, Deus pode impor
uma existência a um Espírito, quando este, pela sua inferioridade ou sua má
vontade, não está apto a compreender o que poderia ser-lhe mais salutar e
quando vê que essa existência pode servir para sua purificação e seu
adiantamento, ao mesmo tempo que ele aí encontra uma expiação.” O Espírito faz
sua escolha imediatamente após a morte? “Não, muitos acreditam na eternidade
das penas; já vos dissemos: é um castigo.” O que dirige o Espírito na escolha
das provas que ele queira experimentar? “Ele escolhe as que podem ser para ele
uma expiação, pela natureza de suas faltas, e para fazê-lo progredir mais
depressa. Uns podem, portanto, impor-se uma vida de miséria e de privações para
tentar suportá-la com coragem; outros podem querer experimentar as tentações da
fortuna e do poder, muito mais perigosas, pelos abusos e mau uso que deles se
pode fazer e pelas más paixões que desenvolvem; outros, finalmente, querem se
experimentar, através das lutas que têm que sustentar no contato com o vício.”
Se alguns Espíritos escolhem o contato com o vício como prova, haverá outros
que o escolham por simpatia e pelo desejo de viver num meio conforme aos seus
gostos, ou para poderem entregar-se, materialmente, a pendores materiais?
“Certamente os há, mas apenas entre aqueles cujo senso moral ainda está pouco
desenvolvido; a prova vem por si mesma e eles a suportam mais demoradamente.
Cedo ou tarde, compreendem que a satisfação plena das paixões brutais
acarreta-lhes consequências deploráveis, que sofrerão durante um tempo que lhes
parecerá eterno; e Deus poderá deixá-los neste estado, até que tenham
compreendido suas faltas e que eles mesmos peçam para repará-las, através de
proveitosas provações.” Não parece natural escolher as provas menos penosas?
“Para vós, sim; para o Espírito, não; quando desligado da matéria, a ilusão
cessa e ele pensa de uma outra maneira.” O homem, na Terra e sob a influência
das ideias carnais, só vê o lado penoso dessas provas; é por isso que lhe
parece natural escolher as que, do seu ponto de vista, podem aliar-se aos gozos
materiais; mas, na vida espiritual, ele compara esses gozos fugidios e
grosseiros com a felicidade inalterável que entreve e, assim sendo, o que lhe
poderiam causar alguns sofrimentos passageiros? O Espírito pode, portanto,
escolher a prova mais rude e, por conseguinte, a existência mais penosa, na
esperança de alcançar mais depressa um estado melhor, como o enfermo escolhe,
frequentemente, o remédio mais desagradável para se curar mais rápido. Aquele
que quer ter seu nome ligado à descoberta de um país desconhecido não escolhe
uma estrada florida; sabe dos perigos que corre, mas sabe, também, da glória que
o aguarda, se tiver êxito. A doutrina da liberdade na escolha de nossas
existências e das provas que devemos suportar deixa de parecer extraordinária,
se considerarmos que os espíritos, desligados da matéria, apreciam as coisas de
uma maneira diferente daquela segundo a qual nós próprios apreciamos. Percebem
o objetivo, objetivo muito mais sério para eles do que os gozos fugidios do
mundo; depois de cada existência, vêm o passo que deram e compreendem o que
ainda lhes falta em pureza para atingi-lo: eis por que submetem-se,
voluntariamente, a todas as vicissitudes da vida corporal, pedindo, eles
próprios, as que podem fazer com que alcancem mais depressa. É, portanto, sem
motivo que se espantam de não ver o espírito dar preferência à existência mais
suave. Dessa vida isenta de amargura, ele não pode desfrutar, no seu estado de
imperfeição; ele a entreve e, para atingi-la, é que procura se melhorar. Aliás,
não deparamos todos os dias com o exemplo de coisas semelhantes? O homem que
trabalha uma parte de sua vida, sem trégua nem descanso, para acumular haveres
que lhe assegurem o bem-estar, o que faz, senão executar uma tarefa que impõe a
si mesmo, tendo em vista um futuro melhor? O militar que se oferece para uma
missão perigosa, o viajor que desafia não menores perigos, no interesse da
Ciência ou de sua fortuna, o que fazem também, senão enfrentar provas
voluntárias que devem proporcionar-lhes honra e proveito, se as superarem? A
que o homem não se submete e não se expõe pelo seu interesse ou pela sua glória?
Todos os concursos não são também provas voluntárias a que nos submetemos,
tendo em vista nos elevar na carreira que escolhemos? Não se ascende a qualquer
posição superior nas Ciências, nas artes, na indústria, senão passando pela
escala das posições inferiores que são outras tantas provas. A vida humana é,
assim, a cópia da vida espiritual; nela encontramos, em ponto pequeno, todas as
mesmas peripécias. Se, portanto, na vida, escolhemos, frequentemente, as provas
mais rudes, em vista de um objetivo mais elevado, por que o Espírito, que
enxerga mais distante do que o corpo e para quem a vida do corpo é somente um
incidente fugidio, não faria a escolha de uma existência penosa e laboriosa, se
ela o conduzisse a uma felicidade eterna? Os que dizem que, já que é o homem
quem escolhe sua existência, pedirão para ser príncipes ou milionários, são
como míopes que só vêm aquilo que tocam, ou, como essas crianças gulosas, a
quem se pergunta o que desejam ser e que respondem: confeiteiro ou doceiro.
Assim é o viajante que, no fundo do vale escurecido pelo nevoeiro, não enxerga
a extensão, nem os pontos extremos de sua estrada; tendo chegado ao cume da
montanha, abarca o caminho percorrido e o que lhe resta a percorrer; vê seu
objetivo, os obstáculos que ainda terá que transpor e pode, então, organizar
com mais segurança os meios de chegar. O Espírito encarnado é como o viajante
no sopé da montanha; desligado dos liames terrestres, ele vê mais longe como
aquele que se encontra no topo do monte. Para o viajante, a meta é o repouso,
após a fadiga; para o Espírito, é a felicidade suprema, após as tribulações e
as provas. Todos os Espíritos dizem que, no estado errante, eles pesquisam,
estudam, observam, para fazer a sua escolha. Não temos um exemplo deste fato na
vida corporal? Não buscamos, frequentemente durante anos, a carreira na qual
fixamos, livremente, nossa escolha, porque a acreditamos mais apropriada para
realizar nosso caminho? Se fracassamos numa, procuramos uma outra. Cada
carreira que abraçamos é uma fase, um período da vida. Cada dia não é empregado
em imaginar o que faremos no dia seguinte? Ora, o que são as diferentes
existências corporais para o Espírito, senão fases, períodos, dias para sua
vida espiritual, que é, como o sabemos, sua vida normal, sendo a vida corporal
apenas transitória e passageira? O Espírito poderia fazer sua escolha, enquanto
encarnado? “Seu desejo pode influir sobre a escolha; isso depende da intenção;
porém, como Espírito, vê, frequentemente, as coisas de modo muito diferente. O
Espírito faz, por si só, essa escolha; mas, ainda uma vez, ele pode fazê-la
nessa vida material, pois o Espírito tem sempre aqueles momentos em que se
torna independente da matéria onde habita.” Muitas pessoas desejam as grandezas
e as riquezas e, certamente, não seria como expiação nem como prova? “Sem
dúvida; é a matéria que deseja essa grandeza, para gozá-la, e é o Espírito que
a deseja, para conhecer-lhe as vicissitudes.” Até que atinja o estado de pureza
perfeita, o Espírito tem, constantemente, que experimentar provas? “Sim, mas
elas não são como o entendeis; chamais provas as tribulações materiais; ora, o
Espírito que chegou a um certo grau, embora não seja perfeito, não necessita
mais suportá-las; tem sempre, porém, deveres que o ajudam a aperfeiçoar-se e
nada têm de penosos para ele, mesmo que seja apenas o de auxiliar os outros a
se aperfeiçoarem.” O Espírito pode se enganar sobre a eficácia da prova que
escolheu? “Pode escolher uma que esteja acima de suas forças e, então, sucumbe;
pode, também, escolher uma da qual nada aproveite, como acontecerá, se buscar
um gênero de vida ociosa e inútil; mas, então, retornando ao mundo dos
Espíritos, percebe que nada ganhou e pede para reparar o tempo perdido.” A que
se devem atribuir as vocações de certas pessoas e sua vontade de seguir uma
carreira de preferência a outra? “Parece-me que podeis vós mesmos responder a
esta pergunta. Não será a consequência de tudo o que dissemos sobre a escolha
das provas e sobre o progresso efetuado numa existência anterior?” No estado
errante, estudando o Espírito as diversas condições em que poderá progredir,
como pensa poder fazê-lo, nascendo, por exemplo, entre os povos canibais? “Não
são os Espíritos já adiantados que nascem entre os canibais, mas Espíritos da
mesma natureza dos canibais ou que lhes são inferiores.” Vide nota explicativa
no final do livro (N.E.) Sabemos que nossos antropófagos não estão no último
grau da escala e que há mundos onde o embrutecimento e a ferocidade não têm
analogia na Terra. Esses Espíritos são, portanto, ainda inferiores aos mais
inferiores do nosso mundo e, vir entre os nossos selvagens, representa para
eles um progresso, como o seria, para nossos antropófagos, exercer entre nós
uma profissão que os obrigasse a derramar sangue. Se não visam maior elevação,
é porque sua inferioridade moral não lhes permite compreender um progresso mais
completo. O Espírito só pode progredir gradualmente; ele não pode transpor, de
um salto, a distância que separa a barbárie da civilização e é nisso que vemos
uma das necessidades da reencarnação, que corresponde, verdadeiramente, à
justiça de Deus; de outro modo, que seria desses milhões de seres que morrem
todos os dias no último estágio da degradação, se não tivessem os meios de
alcançar a superioridade? Por que Deus os deserdaria dos favores concedidos aos
outros homens? Poderiam nascer entre nossos povos civilizados, Espíritos vindos
de um mundo inferior à Terra ou de um povo muito atrasado, como os canibais,
por exemplo? “Sim; há os que se extraviam, por quererem subir muito alto; mas,
então, ficam deslocados entre vós, porque possuem costumes e instintos que não
combinam com os vossos.” Estes seres nos oferecem o triste espetáculo da
ferocidade na civilização; retornarem ao meio dos canibais, não será um rebaixamento;
eles apenas retomarão o lugar que lhes é próprio e talvez ainda ganhem com
isso. Um homem pertencente a uma "raça civilizada" poderia, por
expiação, reencarnar numa raça de selvagens? “Sim, mas isto depende do gênero
de expiação; um senhor que tenha sido rude com seus escravos, poderá tornar-se
escravo, por sua vez, e sofrer os maus tratos que tenha feito os outros
suportarem. Aquele que, numa determinada época, tenha comandado, pode, numa
nova existência, obedecer àqueles mesmos que se curvavam à sua vontade. É uma
expiação, se tiver abusado de seu poder e Deus pode impor-lhe isto. Um bom
espírito pode, também, escolher uma existência influente entre esses povos,
para fazê-los progredir e, neste caso, trata-se de uma missão.” RELAÇÕES DE
ALÉM – TÚMULO. As diferentes ordens de Espíritos estabelecem entre estes uma
hierarquia de poderes; há entre eles subordinação e autoridade? “Sim, muito
grande; os Espíritos têm uns sobre os outros uma autoridade relativa à sua
superioridade, que eles exercem por um ascendente moral irresistível.” Os
Espíritos inferiores podem subtrair-se à autoridade daqueles que lhes são
superiores? “Eu disse: irresistível.” O poder e a consideração de que um homem
desfrutou na Terra lhe dão uma supremacia no mundo dos Espíritos? * Vide nota
explicativa no final do livro (N.E.) “Não, pois, lá, os pequenos serão elevados
e os grandes rebaixados. Lê os salmos.” Como devemos entender essa elevação e
esse rebaixamento? “Não sabes que os Espíritos são de diferentes ordens,
conforme seu mérito? Pois bem! O maior da Terra pode pertencer à última
categoria entre os Espíritos, enquanto seu servidor poderá pertencer à
primeira. Compreendes isto? Não disse Jesus: quem se humilhar será elevado e
quem se elevar será rebaixado?” Aquele que foi grande na Terra e que se
encontra entre os Espíritos numa ordem inferior, experimenta com isso
humilhação? “Frequentemente, humilhação bem grande, principalmente, se era
orgulhoso e invejoso.” O soldado que, após a batalha, reencontra, no mundo dos
Espíritos, o seu general, ainda o reconhece como seu superior? “O título é
nada, a superioridade real é tudo.” Os Espíritos das diferentes ordens se acham
misturados? “Sim e não; quer dizer, eles se vêm, mas se distinguem uns dos
outros. Evitam-se ou se aproximam, conforme a analogia ou a antipatia de seus
sentimentos, como acontece entre vós. Constituem um mundo do qual o vosso é
pálido reflexo. Os da mesma categoria se reúnem, por uma espécie de afinidade,
e formam grupos ou famílias de Espíritos, unidos pela simpatia e pelo objetivo
a que se propõem: os bons, pelo desejo de fazer o bem; os maus, pelo desejo de
fazer o mal, pela vergonha de seus erros e pela necessidade de se acharem entre
seres semelhantes a eles.” Assim como uma grande cidade em que os homens de todas
as categorias e de todas as condições se vêm e se encontram, sem se
confundirem; onde as sociedades se formam pela analogia dos gostos; onde o
vício e a virtude se acotovelam, sem nada se dizerem. Todos os Espíritos têm,
reciprocamente, acesso uns aos outros? “Os bons vão a toda a parte e é preciso
que seja assim, para que possam exercer sua influência sobre os maus; porém, as
regiões habitadas pelos bons são interditadas aos Espíritos imperfeitos, afim
de que estes não possam levar a elas a perturbação das más paixões.” Qual a
natureza das relações entre os bons e os maus Espíritos? “Os bons tentam
combater os maus pendores dos outros, afim de ajudá-los a subir; é uma missão.”
Por que os Espíritos inferiores se comprazem em nos induzir ao mal? “Por inveja
de não terem merecido estar entre os bons. O desejo deles é o de impedir, tanto
quanto possam, os Espíritos ainda inexperientes de alcançarem o bem supremo;
querem fazer com que os outros experimentem o que eles próprios experimentam.
Não vedes isto também entre vós?” Como os Espíritos se comunicam entre si?
“Eles se vêm e se compreendem; a palavra é material: é o reflexo do Espírito. O
fluido universal estabelece entre eles uma comunicação constante; é o veículo
da transmissão do pensamento, como o ar é para vós o veículo da transmissão do
som; é uma espécie de telégrafo universal, que liga todos os mundos e permite
que os Espíritos se correspondam de um mundo a outro.” Os Espíritos podem,
reciprocamente, dissimular seus pensamentos? Podem ocultar-se uns dos outros?
“Não; para eles tudo está a descoberto, sobretudo quando são perfeitos. Eles
podem se afastar, mas sempre se vêm. Isto, todavia, não constitui uma regra
absoluta, pois certos Espíritos podem muito bem tornar-se invisíveis a outros
Espíritos, se julgarem útil fazê-lo.” Como os Espíritos, que não possuem mais
corpo, podem constatar sua individualidade e se distinguir dos outros seres
espirituais que os rodeiam? “Constatam suas individualidades através do
perispírito, que deles faz seres distintos uns dos outros, como o corpo faz,
entre os homens.” Os Espíritos se reconhecem por terem coabitado a Terra? O
filho reconhece seu pai, o amigo reconhece o seu amigo? “Sim; e, assim, de
geração em geração.” Como os homens que se conheceram, na Terra, se reconhecem,
no mundo dos Espíritos? “Vemos nossa vida passada e nela lemos como num livro;
vendo o passado de nossos amigos e de nossos inimigos, vemos a passagem deles
da vida à morte.” A alma, ao deixar seu despojo mortal, vê, imediatamente, seus
parentes e seus amigos que a precederam no mundo dos Espíritos? “Imediatamente,
não é bem a palavra; pois, como já dissemos, é-lhe necessário algum tempo para
se reconhecer e se libertar do véu material.” Como a alma é acolhida no seu
retorno ao mundo dos Espíritos? “A do justo, como um irmão bem-amado, desde
muito tempo esperado; a do mau, como um ser a quem se despreza.” Que sentimento
experimentam os Espíritos impuros, à visão de um outro Espírito mau que chega?
“Os maus ficam satisfeitos ao verem seres semelhantes e privados, como eles, da
felicidade infinita, como, na Terra, um vigarista entre seus iguais.” Nossos
parentes e nossos amigos vão, algumas vezes, ao nosso encontro, quando deixamos
a Terra? “Sim, eles vão ao encontro da alma a quem são afeiçoados; felicitam-na
como se regressasse de uma viagem, como se tivesse escapado dos perigos da
estrada, e a auxiliam a se liberar dos liames corporais. É uma graça para os
bons Espíritos quando aqueles que os amaram vão ao seu encontro, enquanto
aquele que se acha maculado, permanece no isolamento, ou só é cercado por
Espíritos que lhe são semelhantes: é uma punição.” Os parentes e os amigos
sempre se reúnem, depois da morte? “Isto depende da elevação deles e do caminho
que percorrem para o seu adiantamento. Se um deles está mais adiantado e
caminha mais rápido que o outro, não poderão permanecer juntos; poderão ver-se,
algumas vezes, mas só estarão reunidos para sempre, quando puderem caminhar
lado a lado, ou quando tiverem chegado à igualdade em aperfeiçoamento. E, além
disso, a privação de ver seus parentes e seus amigos é, algumas vezes, uma
punição.” Relações Simpáticas e Antipáticas entre os Espíritos. Metades
Eternas. Além da simpatia geral, por semelhança, têm os Espíritos, entre eles,
afeições particulares? “Sim, como os homens; mas o elo que une os Espíritos é
mais forte, quando o corpo está ausente, porque não se encontra mais exposto às
vicissitudes das paixões.” Os Espíritos nutrem ódio, entre si? “Só há ódios,
entre os Espíritos impuros e são eles que insuflam, entre vós, as inimizades e
as dissensões.” Dois seres que tiverem sido inimigos na Terra, conservarão
ressentimento um do outro, no mundo dos Espíritos? “Não, eles compreenderão que
seu ódio era estúpido e o motivo, pueril. Apenas os Espíritos imperfeitos
conservam uma espécie de animosidade, até que se tenham depurado. Se foi
somente um interesse material o que os separou, não pensarão mais nisso, por
menos desmaterializados que estejam. Se não há antipatia entre eles, não
existindo mais o motivo da discussão, podem se rever com prazer.” Exatamente
como dois colegiais que, chegando à idade da razão, reconhecem a puerilidade
das controvérsias que tiveram na infância e reconciliam-se. A lembrança das más
ações que dois homens tenham cometido um contra o outro constitui um obstáculo,
para que haja simpatia entre eles? “Sim, ela os leva a se afastarem um do
outro.” Que sentimento experimentam, depois da morte, aqueles a quem fizemos
mal neste mundo? “Se são bons, perdoarão, conforme o vosso arrependimento. Se
são maus, podem conservar ressentimento e, algumas vezes, vos perseguirem até
numa outra existência. Deus pode permiti-lo, como castigo.” As afeições
individuais dos Espíritos são suscetíveis de se alterar? “Não, pois eles não
podem se enganar; não possuem mais a máscara sob a qual se escondem os
hipócritas; é por isso que, sendo puros, suas afeições são inalteráveis. O amor
que os une é para eles a fonte de uma suprema felicidade.” A afeição que dois
seres se consagram, na Terra, continua sempre a existir, no mundos dos
Espíritos? “Sim, sem dúvida, se estiver baseada numa simpatia verdadeira; mas,
se as causas físicas aí tiveram maior importância do que a simpatia, ela cessa
com a causa. As afeições entre os Espíritos são mais sólidas e duráveis do que
na Terra, porque não estão subordinadas ao capricho dos interesses materiais e
do amor-próprio.” As almas que devem se unir estão predestinadas a essa união
desde sua origem e cada um de nós tem, em alguma parte do Universo, sua metade
a que, fatalmente, um dia, se reunirá? “Não; não existe união particular e
fatal entre duas almas. A união existe entre todos os espíritos, mas em graus
diferentes, conforme a categoria que ocupam, isto é, segundo a perfeição que
tenham adquirido: quanto mais perfeitos, mais unidos. Da discórdia nascem todos
os males dos humanos; da concórdia resulta a completa felicidade.” Em que
sentido se deve entender a palavra metade, de que alguns Espíritos se servem,
para designar os Espíritos simpáticos? “A expressão é inexata; se um Espírito
fosse a metade de outro, separado deste, estaria incompleto.” Dois Espíritos
perfeitamente simpáticos, uma vez reunidos, permanecerão assim, pela
eternidade, ou podem, então, separar-se e unir-se a outros Espíritos? “Todos os
Espíritos estão, reciprocamente, unidos; falo daqueles que chegaram à
perfeição. Nas esferas inferiores, quando um Espírito se eleva, não sente mais
a mesma simpatia por aqueles que deixou.” Dois Espíritos simpáticos são o
complemento um do outro, ou essa simpatia é o resultado de uma identidade
perfeita? “A simpatia que atrai um Espírito para o outro é o resultado da
perfeita concordância de seus pendores, de seus instintos; se um devesse
completar o outro, perderia sua individualidade.” A identidade necessária à
simpatia perfeita consiste apenas na semelhança de pensamentos e de
sentimentos, ou também, na uniformidade dos conhecimentos adquiridos? “Na
igualdade dos graus de elevação.” Os Espíritos que presentemente não são
simpáticos podem tornar-se simpáticos mais tarde? “Sim, todos o serão. Assim, o
Espírito que hoje se encontra numa esfera inferior, aperfeiçoando-se, ascenderá
à esfera onde tal outro reside. O encontro deles se dará mais prontamente, se o
Espírito mais elevado, ao suportar mal as provas a que se acha submetido, permanecer
no mesmo estado.” Dois Espíritos simpáticos podem deixar de sê-lo? “Certamente,
se um for preguiçoso.” A teoria das metades eternas é uma figura que representa
a união de dois Espíritos simpáticos: é uma expressão utilizada até na
linguagem comum e que não se deve tomar ao pé da letra; os espíritos que dela
se serviram, com certeza não pertencem à ordem mais elevada; a esfera de suas
ideias é, necessariamente, limitada e exprimiram seu pensamento, através de
termos que teriam usado, durante a vida corporal. Deve-se, portanto, rejeitar
esta idéia de que dois Espíritos, criados um para o outro, tenham que,
fatalmente, um dia se reunir na eternidade, depois de ter estado separados,
durante um lapso de tempo mais ou menos longo. RECORDAÇÃO DA EXISTÊNCIA
CORPORAL. Espírito se recorda de sua existência corporal? “Sim; quer dizer,
tendo vivido várias vezes como homem, lembra-se do que foi e eu te asseguro
que, às vezes, ri, com pena de si mesmo.” Como o homem que chegou à idade da
razão ri das loucuras de sua juventude, ou das puerilidades de sua infância. A
lembrança da existência corporal se apresenta ao Espírito de maneira completa e
inesperada, depois da morte? “Não; ela lhe retorna, pouco a pouco, como alguma
coisa que surge do nevoeiro, à medida que nela fixa sua atenção.” 306. O
Espírito se lembra, com detalhes, de todos os acontecimentos de sua vida?
Abarca-lhes o conjunto, com uma olhadela retrospectiva? “Lembra-se das coisas,
em razão das consequências que elas têm sobre seu estado como Espírito; porém,
compreendes que haja circunstâncias de sua vida às quais não dá importância
alguma e das quais nem sequer procura recordar-se.” Se o quisesse, poderia
recordar-se delas? “Pode lembrar-se dos detalhes e dos incidentes mais
minuciosos, quer sejam de acontecimentos, quer sejam até de seus próprios
pensamentos; porém, quando isto não tem utilidade, ele não o faz.” Ele entreve
o objetivo da vida terrestre com relação à vida futura? “Certamente, ele o vê e
o compreende bem melhor do que quando, em vida, no corpo; compreende a
necessidade de purifi cação para chegar ao infinito e sabe que, em cada
existência deixa algumas impurezas.” Como a vida passada se desenha na memória
do Espírito? Será por um esforço de sua imaginação, ou como um quadro que tem
diante dos olhos? “Um e outro; todos os atos cuja lembrança lhe interessa são,
para ele, como que presentes; os outros permanecem mais ou menos vagos no
pensamento, ou completamente esquecidos. Quanto mais desmaterializado, menos
importância dá às coisas materiais. Evocas, com frequência, um Espírito errante
que acaba de deixar a Terra e que não se lembra dos nomes das pessoas que ele
amava, nem de muitos detalhes que te parecem importantes; como se preocupa
pouco com estas coisas, logo caem no esquecimento. O de que se lembra muito bem
são os fatos principais, que o ajudam a se melhorar.” O Espírito se lembra de
todas as existências que precederam a que acaba de deixar? “Todo o seu passado
se desenrola diante dele, como as etapas percorridas pelo viajante; porém, nós
o dissemos, ele não se lembra, de uma forma absoluta, de todos os seus atos;
lembra-se deles em razão da influência que exerceram sobre seu estado atual.
Quanto às primeiras existências, aquelas que podem ser consideradas como a
infância do Espírito, elas se perdem no vago e desaparecem na noite do
esquecimento.” Como o Espírito considera o corpo que acaba de deixar? “Como uma
roupa imprestável que o embaraçava e fi ca feliz por livrar-se dela.” Que
sentimento a visão de seu corpo em decomposição lhe causa? “Quase sempre o de
indiferença, como por uma coisa que não lhe interessa mais.” Ao final de certo
tempo, o Espírito reconhece os ossos ou outros objetos que lhe tenham
pertencido? “Algumas vezes; isto depende do ponto de vista mais ou menos
elevado, sob o qual ele considere as coisas terrestres.” O respeito que se
tenha pelas coisas materiais que foram do Espírito atrai sua atenção para esses
mesmos objetos e ele vê com prazer esse respeito? “O Espírito fica sempre feliz
com a lembrança que dele se tenha; os objetos dele que se conservam trazem-no à
memória, mas é o pensamento que o atrai para vós e, não, aqueles objetos.” Os
Espíritos conservam a lembrança dos sofrimentos que suportaram, durante sua
última existência corporal? “Frequentemente eles a conservam, e esta lembrança
os faz melhor apreciar o valor da felicidade de que podem gozar como
Espíritos.” O homem que foi feliz neste mundo lamenta deixar seus prazeres, ao
partir da Terra? “Só os Espíritos inferiores podem lamentar a perda de alegrias
que se afinam com a impureza de sua natureza, que eles expiam, pelos seus
sofrimentos. Para os Espíritos elevados, a felicidade eterna é mil vezes
preferível aos prazeres efêmeros da Terra.” Assim como o homem adulto, que
despreza o que constituía as delícias de sua infância. Aquele que iniciou
grandes trabalhos com um fim útil e os vê interrompidos pela morte, lamenta, no
outro mundo, tê-los deixado inacabados? “Não, porque vê que outros estão
destinados a concluí-los. Tenta, ao contrário, influenciar outros Espíritos
humanos a continuá-los. Seu objetivo, na Terra, era o bem da Humanidade; este
objetivo permanece o mesmo no mundo dos Espíritos.” Aquele que deixou trabalhos
de arte ou de literatura conserva pelas suas obras o amor que tinha, quando
vivo? “Conforme sua elevação, ele os aprecia sob um outro ponto de vista e
condena, com frequência, o que mais admirava.” O Espírito ainda se interessa
pelos trabalhos que se realizam, na Terra, pelo progresso das artes e das
ciências? “Isto depende de sua elevação ou da missão que pode ter que
desempenhar. O que vos parece magnífico representa, frequentemente, bem pouca
coisa para certos Espíritos; eles o admiram, como o sábio admira a obra de um
estudante. Ele examina o que pode provar a elevação dos Espíritos encarnados e
seus progressos.” Os Espíritos conservam, depois da morte, o amor pela pátria?
“O princípio é sempre o mesmo: para os Espíritos elevados, a pátria é o
Universo; na Terra, ela está onde houver mais pessoas que lhes sejam
simpáticas.” A situação dos Espíritos e sua maneira de ver as coisas variam ao
infinito, em razão do seu de desenvolvimento moral e intelectual. Os Espíritos
de uma ordem elevada, geralmente, fazem na Terra, apenas estadas de curta
duração; tudo o que nela se faz é tão mesquinho, em comparação com as grandezas
do infinito, as coisas às quais os homens atribuem mais importância são tão
pueris, aos seus olhos, que eles aqui encontram poucos atrativos, a menos que
para cá sejam chamados, tendo em vista concorrer para o progresso da Humanidade.
Os Espíritos de uma ordem mediana aqui permanecem mais frequentemente, embora
considerem as coisas de um ponto de vista mais elevado do que quando
encarnados. Os Espíritos comuns aqui estão, de certa forma, sedentários e
constituem a massa da população ambiente do mundo invisível; eles conservaram
quase as mesmas ideias, os mesmos gostos e os mesmos pendores que possuíam,
quando estavam sob seu envoltório corporal; eles se imiscuem em nossas
reuniões, em nossos negócios, em nossos divertimentos, nos quais tomam parte
mais ou menos ativa, conforme seu caráter. Como não podem satisfazer suas
paixões, saciam-se junto àqueles que a elas se entregam e os excitam para
mantê-las. Entre eles, há outros mais sérios, que vêm e observam para se
instruir e se aperfeiçoar. As ideias dos Espíritos se modificam, no estado de
espírito? “Muito; elas sofrem modificações muito grandes, à medida que o
Espírito se desmaterializa; ele pode, algumas vezes, permanecer durante longo
tempo com as mesmas ideias, mas, pouco a pouco, a influência da matéria diminui
e ele vê as coisas mais claramente; é, então, que procura os meios de se
melhorar.” Visto que o Espírito já viveu a vida espiritual, antes de sua
encarnação, a que se deve seu espanto, ao reingressar no mundo dos Espíritos?
“Isto é apenas o efeito do primeiro momento e da perturbação que se segue ao
despertar; mais tarde, ele se reconhece perfeitamente, à proporção que a
lembrança do passado lhe volta e que a impressão da vida terrestre se apaga.”
COMEMORAÇÃO DOS MORTOS. FUNERAIS. Os Espíritos são sensíveis à lembrança
daqueles que amaram na Terra? “Muito mais do que podeis supor; se são felizes,
essa lembrança lhes aumenta a felicidade; se são infelizes, representa, para
eles, um alívio.” O dia da comemoração dos mortos tem, para os Espíritos, algo
de mais solene? Preparam-se para ir visitar aqueles que vão orar sobre seus
despojos? “Os Espíritos atendem ao chamado do pensamento, nesse dia, como nos
outros.” Esse é, para eles, um dia de encontro, junto de suas sepulturas?
“Nesse dia, eles lá estão em maior número, porque há mais pessoas que os
chamam; porém, cada um deles só comparece ali pelos seus amigos e, não, pela
multidão dos indiferentes.” Sob que forma ali comparecem e como os veríamos, se
pudessem tornar-se visíveis? “Aquela sob a qual os conhecemos, quando
encarnados.” Os Espíritos esquecidos, cujos túmulos ninguém vai visitar, ali
comparecem apesar disso, e experimentam um pesar por verem que nenhum amigo
deles se lembra? “O que representa a Terra para eles? A ela só nos prendemos
pelo coração. Se não há amor, nada mais liga o Espírito a ela: ele tem para si
todo o Universo.” A visita ao túmulo proporciona mais satisfação ao Espírito do
que uma prece feita em casa? “A visita ao túmulo é uma forma de manifestar que
se pensa no Espírito ausente: é uma imagem. Já vos disse: é a prece que
santifica o ato da recordação; pouco importa o lugar, se ela é dita com o
coração.” Os Espíritos das pessoas a quem se erigem estátuas ou monumentos
assistem a essas espécies de inaugurações e as vêm com prazer? “Muitos aí
comparecem, quando o podem, porém, são menos sensíveis às honras que lhes
prestam do que à lembrança.” Qual a origem do desejo de certas pessoas de serem
enterradas num lugar de preferência a um outro? Elas aí retornam com mais boa
vontade, após sua morte? E essa importância atribuída a uma coisa material é um
sinal de inferioridade do Espírito? “Afeição do Espírito por alguns lugares;
inferioridade moral. O que representa um canto de terra mais do que outro, para
o Espírito elevado? Ele não sabe que sua alma se reunirá àqueles que ama, mesmo
que seus ossos estejam separados?” A reunião dos despojos mortais de todos os
membros de uma mesma família deve ser considerada como uma coisa fútil? “Não; é
um piedoso costume e um testemunho de simpatia pelos amados; se essa reunião
não importa muito para os Espíritos, ela é útil aos homens: as lembranças ficam
mais concentradas.” A alma, ao retornar à vida espiritual, é sensível às honras
prestadas ao seu despojo mortal? “Quando o Espírito já chegou a um certo grau
de perfeição, não tem mais vaidade terrestre e compreende a futilidade de todas
essas coisas; porém, fica sabendo que, frequentemente, há espíritos que, nos
primeiros momentos de sua morte material, experimentam um grande prazer com as
honras que lhes prestam, ou um aborrecimento, com o pouco caso pelo seu
envoltório, pois ainda conservam alguns dos preconceitos desse mundo.” O
Espírito assiste ao seu enterro? “Muito frequentemente assiste, mas, algumas
vezes, não percebe o que se passa, por ainda estar em perturbação.” Fica
lisonjeado com a afluência dos assistentes ao seu enterro? “Mais ou menos,
conforme o sentimento que os conduz.” O Espírito daquele que acaba de morrer
assiste às reuniões de seus herdeiros? “Quase sempre; Deus assim o quer, para
sua própria instrução e castigo dos culpados; é este o momento em que ele
avalia a justeza dos protestos daqueles; para ele, todos os sentimentos estão a
descoberto e a decepção que experimenta, vendo a capacidade daqueles que
partilham entre si os seus bens, esclarece-o sobre os sentimentos deles; mas a
vez destes chegará.” O respeito instintivo que o homem, em todos os tempos e
entre todos os povos, demonstra pelos mortos, será um efeito da intuição que
ele tem da existência futura? “É a consequência natural dela; sem isto, esse
respeito não teria razão de ser. O Livro dos Espíritos. Mosaico. Aos leitores,
como esclarecimento, o referido
livro foi escrito em 1857, ano em que ainda, a religião (especialmente o cristianismo
católico romano), absurdamente mantinha
resquícios xenofóbicos em relação
ao negro se era efetivamente
humano. Esse foi um dos motivos da escravidão desses povos. Assim foram discriminados como raça inferior (hotentotes), mas sabiamente Alan Kardec não endossa
esse argumento, mostrando que todos os humanos, independentemente de raças, etnias ou cor são produtos da evolução, e as
encarnações e renascimentos que estão sujeitos em sua (alma) existência, são
para purifica-lo fazendo-os alcançar a plenitude divina como espírito puro. Abraços. Davi.
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