sexta-feira, 9 de setembro de 2016

ENCARNAÇÃO DOS ESPÍRITOS.



Espiritismo. Texto de Alan Kardec (1804-1869). Capítulo II. ENCARNAÇÃO DOS ESPÍRITOS. 1. Objetivo da Encarnação. 2. A Alma. 3. Materialismo. OBJETIVO DA ENCARNAÇÃO. Qual é o objetivo da encarnação dos Espíritos? “Deus impõe-lhes a encarnação com o objetivo de fazê-los chegar à perfeição: para uns, é uma expiação; para outros, é uma missão. Porém, para chegar a essa perfeição, devem suportar todas as vicissitudes da existência corporal: nisto é que está a expiação. A encarnação tem também um outro objetivo, que é o de colocar o espírito em condições de suportar sua parte na obra da criação; é para executá-la que, em cada mundo, ele toma um instrumento em harmonia com a matéria essencial desse mundo para aí executar, daquele ponto de vista, as ordens de Deus; de tal forma que, concorrendo para a obra geral, ele próprio se adianta.” A ação dos seres corporais é necessária à marcha do Universo; Deus, porém, na sua sabedoria, quis que, nessa mesma ação, eles encontrassem um meio de progredir e de se aproximar dele. É assim que, por uma admirável lei de sua providência, tudo se encadeia, tudo é solidário na Natureza. Os Espíritos que, desde o princípio, seguiram o caminho do bem, têm necessidade da encarnação? “Todos são criados simples e ignorantes; instruem-se nas lutas e nas tribulações da vida corporal. Deus, que é justo, não podia fazer alguns felizes, sem atribulação e sem trabalho e, por conseguinte, sem mérito.” Mas, então, de que serve aos Espíritos terem seguido o caminho do bem, se isto não os isenta das aflições da vida corporal? “Chegam mais rápido ao objetivo; e, além disso, as aflições da vida são, frequentemente, a consequência da imperfeição do Espírito; quanto menos imperfeições ele possui, menos tormentos; aquele que não é invejoso, nem ciumento, nem avarento, nem ambicioso, não terá os tormentos que decorrem desses defeitos.” A ALMA. Que é a alma? “Um Espírito encarnado”. Que era a alma antes de se unir ao corpo? “Espírito”. As almas e os espíritos são, portanto, identicamente, a mesma coisa? “Sim, as almas são apenas os Espíritos. Antes de se unir ao corpo, a alma é um dos seres inteligentes que povoam o mundo invisível e que revestem, temporariamente, um envoltório carnal, para se purificarem e se esclarecerem.” Há no homem outra coisa além da alma e do corpo? “Há o elo que une a alma e o corpo.” Qual a natureza desse elo? “Semi material, isto é, intermediária entre o Espírito e o corpo. E é preciso que assim seja, para que eles possam comunicar-se um com o outro. É através desse elo que o Espírito age sobre a matéria e reciprocamente”. O homem é, assim, formado de três partes essenciais: 1. O corpo, ou ser material, análogo ao dos animais e animado pelo mesmo princípio vital. 2. A alma, Espírito encarnado cujo corpo é a habitação. 3. O princípio intermediário, ou perispírito, substância semi material que serve de primeiro envoltório ao Espírito e une a alma ao corpo. Tais são, num fruto, o gérmen, o perisperma e a casca. A alma é independente do princípio vital? O corpo é apenas o envoltório, repetimo-lo incessantemente. O corpo pode existir sem a alma? “Sim, entretanto, desde que o corpo cesse de viver, a alma o abandona. Antes do nascimento, ainda não há união definitiva entre a alma e o corpo; enquanto que, depois que esta união foi estabelecida, a morte do corpo rompe os laços que o unem à alma e assim o deixa. A vida orgânica pode animar um corpo sem alma, mas a alma não pode habitar um corpo privado da vida orgânica. Que seria o nosso corpo, se não tivesse alma? “Uma massa de carne sem inteligência, tudo o que quiserdes, exceto um homem”. O mesmo Espírito pode encarnar em dois corpos diferentes, simultaneamente? “Não, o Espírito é indivisível e não pode animar, ao mesmo tempo, dois seres distintos”. (Ver em O Livro dos Médiuns, capítulo: Bi corporeidade e Transfiguração). O que se deve pensar da opinião daqueles que vêm a alma como o princípio da vida material? “É uma questão de palavras; não nos atemos a isso; começai por vos entenderdes a vós próprios”. Alguns Espíritos, e, antes deles, alguns filósofos definiram a alma como: Uma centelha anímica emanada do grande Todo; por que esta contradição? “Não há contradição; isso depende da acepção das palavras. Por que não tendes uma palavra para cada coisa?” A palavra alma é empregada para exprimir coisas muito diferentes. Uns a chamam, assim, o princípio da vida e, nessa acepção, é exato dizer, figuradamente, que: a alma é uma centelha anímica emanada do grande Todo. Estas últimas palavras indicam a fonte universal do princípio vital de que cada ser absorve uma porção que, após a morte, retorna à massa da qual saiu. Esta ideia não exclui, absolutamente, a de um ser moral, distinto, independente da matéria e que conserva sua individualidade. É a este ser que, igualmente, se chama alma e é nesta acepção que se pode dizer que a alma é um Espírito encarnado. Dando definições diferentes da alma, os Espíritos falaram de acordo com a aplicação que faziam da palavra e conforme as ideias terrestres das quais ainda estavam mais ou menos imbuídos. Isto se deve à insuficiência da linguagem humana, que não dispõe de uma palavra para cada ideia e daí a origem de uma enormidade de equívocos e de discussões: eis por que os Espíritos superiores nos dizem para nos entendermos, primeiro, com relação às palavras. Que se deve pensar da teoria da alma subdividida em tantas partes quantos são os músculos e presidindo, assim, a cada uma das funções do corpo? “Isto também depende do sentido que se atribua à palavra alma; têm razão, se a entendem como o fluido vital; se a entendem como Espírito encarnado, enganam-se. Já o dissemos, o Espírito é indivisível; ele transmite o movimento aos órgãos, através do fluido intermediário, sem que para isto se divida.” Todavia, há espíritos que deram esta definição. “Os espíritos ignorantes podem tomar o efeito pela causa.” A alma age por intermédio dos órgãos e os órgãos são animados pelo fluido vital, que se reparte entre eles e, mais abundantemente, naqueles que são os centros ou focos do movimento. Porém, esta explicação não pode convir à alma, considerada como sendo o espírito que habita o corpo durante a vida e o deixa por ocasião da morte. Há alguma coisa de verdadeiro na opinião daqueles que pensam que a alma é exterior ao corpo e o circunda? “A alma não se acha encerrada no corpo, como o pássaro numa gaiola; ela irradia e se manifesta exteriormente, como a luz através de um globo de vidro, ou, como o som, em torno de um centro sonoro; é assim que se pode dizer que ela é exterior, porém, nem por isso constitui o envoltório do corpo. A alma tem dois envoltórios: um, sutil e leve, é o primeiro: aquele que chamas de perispírito; o outro, grosseiro, material e pesado: é o corpo. A alma é o centro de todos estes envoltórios, como o gérmen da planta em um caroço, já dissemos.” Que dizer dessa outra teoria, segundo a qual a alma, na criança, completa-se, a cada período da vida? “O Espírito é único; está inteiro na criança, como no adulto; são os órgãos ou instrumentos das manifestações da alma que se desenvolvem e se completam. Ainda aí toma-se o efeito pela causa.” Por que nem todos os Espíritos definem a alma da mesma forma? “Nem todos os espíritos estão igualmente esclarecidos sobre estes assuntos; há Espíritos ainda limitados, que não compreendem as coisas abstratas; são como as crianças entre vós. Há também Espíritos pseudo sábios, que fazem ostentação de palavras para se impor: é assim como acontece entre vós. E depois, os próprios Espíritos esclarecidos podem se exprimir em termos diferentes, que, no fundo, têm o mesmo valor, sobretudo quando se trata de coisas que a vossa linguagem é impotente para traduzir com clareza; são necessárias figuras, comparações, que tomais como realidade.” Que se deve entender por alma do mundo? “É o princípio universal da vida e da inteligência, de onde nascem as individualidades. Mas, os que se servem destas palavras, frequentemente, não se compreendem entre si. A palavra alma é tão elástica que cada um a interpreta ao sabor de seus devaneios. Algumas vezes, tem-se atribuído à Terra uma alma; isto se deve entender como o conjunto dos Espíritos devotados, que dirigem vossas ações para o bom caminho, quando os escutais e que são, de certo modo, os adjuntos de Deus, junto ao vosso globo.” Como tantos filósofos antigos e modernos discutiram, durante tanto tempo, sobre a ciência psicológica, sem terem chegado à verdade? “Esses homens foram os precursores da eterna Doutrina Espírita; eles prepararam os caminhos. Eram homens, logo, podem ter se enganado, porque tomaram suas próprias ideias pela luz; porém, seus próprios erros servem para fazer realçar a verdade, mostrando o pró e o contra; aliás, entre estes erros encontram-se grandes verdades que um estudo comparativo vos faz compreender.” A alma tem, no corpo, uma sede determinada e circunscrita? “Não; porém, ela reside mais particularmente na cabeça, nos grandes gênios e em todos aqueles que pensam muito e, no coração, naqueles que sentem muito e cujas ações, todas, referem-se à Humanidade.” O que pensar da opinião daqueles que situam a alma num centro vital? “Quer dizer que o espírito habita de preferência essa parte do vosso organismo, visto que todas as sensações para ali convergem. Os que a situam naquilo que consideram como o centro da vitalidade, confundem-na com o fluido ou princípio vital. Todavia, pode-se dizer que a sede da alma está, mais particularmente, nos órgãos que servem às manifestações intelectuais e morais.” MATERIALISMO. Por que os anatomistas, os fisiologistas e, em geral, os que se aprofundam nas ciências da Natureza, são, com tanta frequência, levados ao materialismo? “O fisiologista refere tudo ao que ele vê. Orgulho dos homens que creem tudo saber e que não admitem que coisa alguma possa ultrapassar o seu entendimento. Sua própria ciência dá-lhes a presunção; pensam que a Natureza nada lhes pode ocultar.” Não é lamentável que o materialismo seja uma consequência de estudos que deveriam, ao contrário, mostrar ao homem a superioridade da inteligência que governa o mundo? Deve-se daí concluir que são perigosos? “Não é verdade que o materialismo seja uma consequência desses estudos; é o homem que deles tira uma falsa conclusão, pois de tudo ele pode abusar, mesmo das melhores coisas. O nada, aliás, os amedronta mais do que gostariam que parecesse, e os espíritos fortes são, frequentemente, mais fanfarrões do que bravos. A maioria só é materialista, porque nada possui para preencher esse vazio; diante desse abismo que se abre diante deles, mostrai-lhes uma tábua de salvação e a ela se agarrarão solicitamente.” Por uma aberração da inteligência, há pessoas que só vêm nos seres orgânicos a ação da matéria e a ela atribuem todos os nossos atos. No corpo humano, apenas viram a máquina elétrica; apenas pelo funcionamento dos órgãos, estudaram o mecanismo da vida; muitas vezes, viram-na extinguir-se pela ruptura de um fio e nada mais viram senão esse fio; procuraram saber se alguma coisa restava e, como só encontraram a matéria que se tornara inerte, como não viram a alma escapar e não puderam retê-la, daí concluíram que tudo estava nas propriedades da matéria e que, portanto, após a morte, apenas existe a aniquilação do pensamento; triste consequência, se assim fosse, pois, então, o bem e o mal não teriam objetivo; o homem teria razão em pensar só em si e em colocar acima de tudo a satisfação de seus prazeres materiais; os laços sociais seriam rompidos e as mais santas afeições desfeitas para sempre. Felizmente, essas ideias estão longe de ser gerais; pode-se até dizer que elas são muito circunscritas e constituem apenas opiniões individuais, pois em parte alguma elas foram erigidas como doutrina. Uma sociedade fundada sobre essas bases traria em si o gérmen de sua dissolução e seus membros se entredilacerariam, como animais ferozes. O homem tem, instintivamente, o pensamento de que nem tudo, para ele, termina com a vida; ele tem horror ao nada; inutilmente se obstina contra a ideia do futuro, pois, quando chega o momento supremo, poucos são os que não se perguntam o que vai ser deles; é que a ideia de deixar a vida para sempre tem algo de pungente. Quem poderia, efetivamente, encarar com indiferença uma separação absoluta, eterna, de tudo o que se amou? Quem poderia ver, sem terror, abrir-se diante de si o abismo imenso do nada, onde desaparecessem, para sempre, todas as suas faculdades, todas as suas esperanças, e dizer a si mesmo: O quê! Depois de mim, nada, nada mais do que o vácuo; tudo acabado para sempre; mais alguns dias e minha lembrança será apagada da memória daqueles que a min sobreviverem; logo, nenhum traço restará da minha passagem pela Terra; o próprio bem que fiz será esquecido pelos ingratos a quem beneficiei; e nada, para compensar tudo isto, nenhuma outra perspectiva, senão a de meu corpo roído pelos vermes! Este quadro não tem algo de horrendo, de glacial? A religião nos ensina que não pode ser assim e a razão nos confirma; porém, essa existência futura, vaga e indefinida, nada tem que satisfaça nosso amor pelo positivo; é o que, em muitos, engendra a dúvida. Possuímos uma alma, que seja; mas, o que é a nossa alma? Tem uma forma, uma aparência qualquer? É um ser limitado ou indefi nido? Uns dizem que é um sopro de Deus, outros, que é uma centelha, outros, uma parte do grande Todo, o princípio da vida e da inteligência; mas, o que tudo isto nos ensina? O que nos importa ter uma alma, se, depois de nós, ela se confunde na imensidão, como as gotas d’água no oceano! A perda de nossa individualidade não é, para nós, como se fosse o nada? Diz-se, ainda, que ela é imaterial; mas, uma coisa imaterial não poderia ter proporções definidas; para nós nada é. A religião também nos ensina que seremos felizes ou infelizes, conforme o bem ou o mal que tivermos feito; porém, que felicidade é essa que nos aguarda no seio de Deus? Será uma beatitude, uma contemplação eterna, sem outra ocupação senão a de cantar louvores ao Criador? As chamas do inferno são uma realidade ou uma figura? A própria Igreja o compreende nesta última acepção, mas que sofrimentos são esses? Onde se situa esse lugar de suplício? Numa palavra, o que se faz, o que se vê, nesse mundo que nos aguarda a todos? Dizem que ninguém voltou para nos explicar. É um erro e a missão do Espiritismo é, precisamente, a de nos esclarecer sobre esse futuro, em nos fazer, até um certo ponto, tocá-lo com o dedo e com o olhar, não mais pelo raciocínio, porém pelos fatos. Graças às comunicações espíritas, não se trata mais de uma presunção, uma probabilidade que cada um descreve à sua vontade; que os poetas embelezam com suas ficções ou enchem com imagens alegóricas que nos enganam. É a realidade que nos aparece, pois são os próprios seres de além-túmulo que vêm nos descrever sua situação, dizer-nos o que fazem, que nos permitem assistir, por assim dizer, a todas as peripécias de sua nova vida e, por esse meio, mostram-nos a sorte inevitável que nos está reservada, conforme os nossos méritos e nossos deméritos. Haverá nisto algo de anti religioso? Muito ao contrário, visto que os incrédulos aí encontram a fé e os mornos uma renovação de fervor e de confiança. O Espiritismo é, portanto, o mais poderoso auxiliar da religião. Visto que, se aí está, é porque Deus o permite, e o permite, para reanimar nossas esperanças vacilantes e nos reconduzir ao caminho do bem, pela perspectiva do futuro. CAPÍTULO III RETORNO DA VIDA CORPORAL À VIDA ESPIRITUAL 1. A Alma após a Morte; sua Individualidade. Vida Eterna. 2. Separação da Alma e do Corpo. 3. Perturbação Espiritual. A ALMA APÓS A MORTE. O que se torna a alma no instante da morte? “Volta a ser Espírito, isto é, volta ao mundo dos Espíritos que, momentaneamente, ela havia deixado.” A alma, após a morte, conserva sua individualidade? “Sim, jamais a perde. Que seria ela, se não a conservasse?” Como a alma constata sua individualidade, visto que não tem mais o seu corpo material? “Ela ainda possui um fluido que lhe é próprio, que haure na atmosfera de seu planeta e que representa a aparência de sua última encarnação: seu perispírito.” A alma nada leva consigo deste mundo? “Nada além da lembrança e o desejo de ir para um mundo melhor. Esta lembrança é cheia de doçura ou de amargor, conforme o uso que ela tenha feito da vida; quanto mais pura, mais ela compreende a futilidade do que deixa na Terra.” O que pensar da opinião de que, após a morte, a alma retorna ao todo universal? “O conjunto dos Espíritos não forma um todo? Não constitui um mundo? Quando estás numa assembleia, és parte integrante desta assembleia e, todavia, conservas sempre a tua individualidade.” Que prova podemos ter da individualidade da alma, após a morte? “Não tendes esta prova, através das comunicações que recebeis? Se não fôsseis cegos, veríeis; se não fôsseis surdos, ouviríeis; pois, com muita frequência, uma voz vos fala e vos revela a existência de um ser que está fora de vós.” Os que pensam que, com a morte, a alma volta para o todo universal estão errados, se com isso entendem que, semelhante a uma gota d’água que cai no oceano, ela aí perde sua individualidade; estão certos, se entendem por todo universal o conjunto dos seres incorpóreos do qual cada alma ou Espírito é um elemento. Se as almas fossem confundidas na massa, só teriam as qualidades do conjunto e nada as distinguiria umas das outras; não teriam inteligência, nem qualidades próprias; enquanto que, em todas as comunicações, acusam a consciência do eu e uma vontade própria: a diversidade infinita que apresentam, sob todos os aspectos, é a própria consequência das individualidades. Se, após a morte, só houvesse o que se chama de o grande Todo, absorvendo todas as individualidades, este Todo seria uniforme e, então, todas as comunicações que se recebessem do mundo invisível seriam idênticas. Visto que lá se encontram seres bons, outros maus, sábios e ignorantes, felizes e infelizes; que os há de todos os caracteres: alegres e tristes, levianos e profundos, etc., é, evidentemente, porque são seres distintos. A individualidade se torna mais evidente ainda, quando esses seres provam a sua identidade, através de sinais incontestáveis: das particularidades pessoais relativas à sua vida terrestre, que podem ser constatadas. Não pode ser posta em dúvida, quando eles se manifestam à visão, nas aparições. A individualidade da alma nos era ensinada em teoria, como um artigo de fé; o Espiritismo a torna patente e, de alguma forma, material. Em que sentido se deve entender a vida eterna? “É a vida do Espírito que é eterna; a do corpo é transitória e passageira. Quando o corpo morre, a alma retoma a vida eterna.” a) Não seria mais exato chamar de vida eterna a dos Espíritos puros, daqueles que, tendo atingido o grau de perfeição, não têm mais provas a experimentar? “Seria, antes, a felicidade eterna; mas, isto é uma questão de palavras; chamai as coisas como quiserdes, desde que vos entendais.” SEPARAÇÃO DA ALMA E DO CORPO. A separação da alma e do corpo é dolorosa? “Não; frequentemente, o corpo sofre mais durante a vida, do que no momento da morte: a alma disso não participa. Os sofrimentos que, algumas vezes, se experimentam no momento da morte, são um gozo para o espírito, que vê chegar o término do seu exílio.” Na morte natural, a que sobrevém pelo esgotamento dos órgãos, em consequência da idade, o homem deixa a vida sem disto se aperceber: é um lampião que se apaga, por falta de combustível. Como se opera a separação da alma e do corpo? “Sendo rompidos os elos que a retinham, ela se desprende.” A separação se opera instantaneamente e por uma brusca transição? Há uma linha de demarcação nitidamente traçada entre a vida e a morte? “Não; a alma se desprende gradualmente e não escapa, como um pássaro cativo, restituído, subitamente, à liberdade. Esses dois estados se tocam e se confundem; assim, o Espírito se desprende, pouco a pouco, de seus laços: eles se desatam, não se quebram.” Durante a vida, o Espírito se prende ao corpo por seu envoltório semi material ou perispírito; a morte é a destruição do corpo somente, e não a deste segundo envoltório, que se separa do corpo, quando nele cessa a vida orgânica. A observação prova que, no instante da morte, o desprendimento do perispírito não se completa subitamente; ele só gradualmente se opera e com uma lentidão muito variável, conforme os indivíduos; em uns ele é bastante rápido e pode-se dizer que o momento da morte é também o da libertação, diferindo em algumas horas; porém, em outros, sobretudo naqueles cuja vida foi toda material e sensual, o desprendimento é muito menos rápido e dura, algumas vezes, dias, semanas e até meses, o que não implica existir no corpo a menor vitalidade, nem a possibilidade de um retorno à vida, mas, uma simples afinidade entre o corpo e o Espírito, afinidade que está sempre em razão da preponderância que, durante a vida, o Espírito deu à matéria. Com efeito, é racional conceber que quanto mais o Espírito se haja identificado com a matéria, mais tenha difi culdade de se separar dela; enquanto que a atividade intelectual e moral, a elevação dos pensamentos operam um começo de desprendimento, mesmo durante a vida do corpo e, quando a morte chega, ele é quase instantâneo. Este é o resultado dos estudos feitos em todos os indivíduos observados, no momento da morte. Estas observações provam, ainda, que a afinidade que, em alguns indivíduos, persiste entre a alma e o corpo é, algumas vezes, muito penosa, pois o espírito pode experimentar o horror da decomposição. Este caso é excepcional e próprio a certos gêneros de vida e a certos gêneros de morte; ele se apresenta em alguns suicidas. A separação definitiva da alma e do corpo pode acontecer antes da cessação completa da vida orgânica? “Na agonia, a alma, algumas vezes, já deixou o corpo: nada mais há senão a vida orgânica. O homem não tem mais consciência de si mesmo e, todavia, resta-lhe ainda um sopro de vida. O corpo é uma máquina que o coração faz funcionar; ele existe, enquanto o coração faz circular o sangue nas veias, e para isso, não necessita da alma.” No momento da morte, a alma tem, algumas vezes, uma aspiração ou êxtase que lhe faz entrever o mundo para onde vai retornar? “Frequentemente, a alma sente quebrarem-se os elos que a prendem ao corpo; faz, então, todos os esforços para rompê-los inteiramente. Já em parte desprendida da matéria, vê o futuro desenrolar-se diante de si e goza, por antecipação, do estado de Espírito.” O exemplo da lagarta que, primeiramente, se arrasta pela terra, depois, encerra-se na sua crisálida sob uma morte aparente, para renascer com uma existência brilhante, pode dar-nos uma ideia da vida terrestre, depois do túmulo e, finalmente, de nossa nova existência? “Uma pequena ideia. A imagem é boa; no entanto, é preciso não a tomar ao pé da letra, como frequentemente vos acontece.” Que sensação experimenta a alma, no momento em que se reconhece no mundo dos espíritos? “Isso depende; se fizeste o mal com o desejo de praticá-lo, no primeiro momento, tu te sentirás envergonhado de tê-lo feito. Para o justo, é bem diferente: ela fica como que aliviada de um grande peso, pois não teme nenhum olhar perscrutador.” O Espírito reencontra, imediatamente, aqueles que conheceu na Terra e que morreram antes dele? “Sim, conforme a afeição que se dedicavam mutuamente; frequentemente, eles vêm recebê-lo, quando da sua entrada no mundo dos Espíritos e o ajudam a se desligar das faixas da matéria; como também há muitos que ele reencontra, depois de os haver perdido de vista, durante sua estada na Terra; vê os que estão na condição de errantes; os que estão encarnados e vai visitá-los.” Na morte violenta e acidental, quando os órgãos ainda não se enfraqueceram pela idade ou as doenças, a separação da alma e a cessação da vida acontecem simultaneamente? “Geralmente assim é, porém, em todos os casos, o instante que as separa é muito curto.” Após a decapitação, por exemplo, o homem conserva, durante alguns instantes, a consciência de si mesmo? “Muitas vezes ele a conserva durante alguns minutos, até que a vida orgânica esteja completamente extinta. Porém, frequentemente também, a apreensão da morte o faz perder essa consciência antes do instante do suplício.” Trata-se, aqui, apenas da consciência que o supliciado pode ter de si mesmo, como homem e por intermédio dos órgãos, e não como Espírito. Se não perdeu essa consciência antes do suplício, pode, então, conservá-la por alguns brevíssimos instantes. Ela cessa, necessariamente, com a vida orgânica do cérebro, o que não implica que o perispírito esteja inteiramente desligado do corpo; ao contrário, em todos os casos de morte violenta, quando ela não se deu pela extinção gradual das forças vitais, os elos que unem o corpo ao perispírito são mais tenazes e o desligamento completo é mais lento. Perturbação Espiritual. A alma, ao deixar o corpo, tem imediatamente consciência de si mesma? “Consciência imediata não é bem o termo; ela fica durante algum tempo em perturbação.” Todos os Espíritos experimentam, no mesmo grau e com a mesma duração, a perturbação que se segue à separação da alma e do corpo? “Não, isto depende da elevação deles. Aquele que já está purificado, se reconhece quase imediatamente, porque já se desligou da matéria durante a vida do corpo, enquanto que o homem carnal, aquele cuja consciência não está pura, conserva por muito mais tempo a impressão dessa matéria.” O conhecimento do Espiritismo exerce uma infl uência sobre a duração, mais ou menos longa, da perturbação? “Uma influência muito grande, visto que o Espírito compreendia, antecipadamente, a sua situação; porém, a prática do bem e a consciência pura são o que tem maior influência.” No momento da morte, tudo, a princípio, é confuso; a alma necessita de algum tempo para se reconhecer; ela se encontra como que aturdida e no estado de alguém que sai de um sono profundo e procura tomar consciência de sua situação. A lucidez das ideias e a memória do passado lhe voltam, à medida que a influência da matéria, da qual acaba de se desligar, se apaga e que a espécie de névoa que obscurece os seus pensamentos se dissipa. A duração da perturbação que se segue à morte é muito variável; pode ser de algumas horas, como de vários meses e, até, de vários anos. É menos longa naqueles que, identificaram-se com o seu estado futuro, porque, então, compreendem, imediatamente, sua posição. Essa perturbação apresenta circunstâncias particulares, conforme o caráter dos indivíduos e, principalmente, segundo o gênero de morte. Nas mortes violentas, por suicídio, suplício, acidente, apoplexia, ferimentos, etc., o Espírito fica surpreso, espantado e não acredita estar morto; sustenta-o com obstinação; entretanto, vê o seu corpo, sabe que aquele corpo é o seu e não compreende que esteja separado dele; vai para junto das pessoas que estima, fala-lhes e não compreende por que elas não o ouvem. Esta ilusão perdura até o completo desligamento do perispírito; somente, então, o Espírito se reconhece e compreende que não faz mais parte dos vivos. Este fenômeno se explica facilmente. Surpreendido de improviso pela morte, o Espírito fica atordoado com a brusca mudança que nele se operou; para ele, a morte ainda é sinônimo de destruição, de aniquilamento; ora, como ele pensa, vê, ouve, no seu entender, não está morto; o que aumenta sua ilusão é que se vê com um corpo semelhante ao precedente, quanto à forma, porém, cuja natureza etérea ainda não teve tempo de examinar; julga-o sólido e compacto como o primeiro e, quando chamam sua atenção para esse ponto, espanta-se de não poder apalpá-lo. Este fenômeno é análogo ao dos sonâmbulos novatos que não creem dormir. Para eles, o sono é sinônimo de suspensão das faculdades; ora, como pensam livremente e vêm, para eles, não dormem. Alguns Espíritos apresentam esta particularidade, embora a morte não lhes tenha ocorrido inopinadamente; ela, porém, é sempre mais comum naqueles que, embora doentes, não pensavam em morrer. Vê-se, então, o espetáculo singular de um Espírito que assiste ao próprio enterro, como se fosse o de um estranho e falando disso, como de algo que não lhe dissesse respeito, até o momento em que compreende a verdade. A perturbação que se segue à morte nada tem de penosa para o homem de bem; conserva-se calmo e semelhante em tudo àquele que experimenta um despertar tranquilo. Para aquele cuja consciência não está pura, ela é cheia de ansiedade e de angústias, que aumentam, à medida que ele se reconhece. Nos casos de morte coletiva, tem sido observado que todos aqueles que perecem ao mesmo tempo, nem sempre se reveem imediatamente. Na perturbação que se segue à morte, cada um vai para o seu lado, ou só se preocupa com aqueles que lhe interessam. CAPÍTULO IV PLURALIDADE DAS EXISTÊNCIAS 1. A Reencarnação. 2. Justiça da Reencarnação. 3. Encarnação nos Diferentes Mundos. 4. Transmigração Progressiva. 5. Sorte das Crianças após a Morte. 6. Sexos nos Espíritos. 7. Parentesco, Filiação. 8. Semelhanças Físicas e Morais. 9. Ideias Inatas. A REENCARNAÇÃO. Como a alma, que não atingiu a perfeição durante a vida corporal, pode terminar de depurar-se? “Experimentando a prova de uma nova existência.” Como a alma realiza essa nova existência? Será por sua transformação como espírito? “A alma, depurando-se, experimenta, certamente, uma transformação, mas, para isso, é-lhe necessária a prova da vida corporal.” Então, a alma tem várias existências corporais? “Sim, todos temos várias existências. Os que dizem o contrário querem vos manter na ignorância em que eles próprios se encontram; este é o desejo deles.” Parece resultar deste princípio que a alma, depois de ter deixado um corpo, toma um outro; ou, melhor dizendo, que ela reencarna num novo corpo; é assim que se deve entender? “É evidente.” Qual é o objetivo da reencarnação? “Expiação, melhoramento progressivo da Humanidade; sem isto, onde estaria a justiça?” PLURALIDADE DAS EXISTÊNCIAS. O número das existências corporais é limitado, ou o Espírito reencarna perpetuamente? “A cada nova existência, o Espírito dá um passo no caminho do progresso; quando se despoja de todas as suas impurezas, não tem mais necessidade das provas da vida corporal.” O número das encarnações é o mesmo para todos os Espíritos? “Não; o que caminha rápido, poupa-se das provas. Todavia, essas encarnações sucessivas são sempre muito numerosas, pois o progresso é quase infi nito.” O que se torna o Espírito depois de sua última encarnação? “Espírito bem-aventurado; ele é Espírito puro.” JUSTIÇA DA REENCARNAÇÃO. Em que está fundamentado o dogma da reencarnação? “Na justiça de Deus e na revelação, pois vos repetimos incessantemente: Um bom pai deixa sempre aos seus filhos uma porta aberta para o arrependimento. A razão não te diz que seria injustiça privar, para sempre, da felicidade eterna todos aqueles de quem não dependeu o melhorar-se? Não são filhos de Deus todos os homens? Só entre os homens egoístas encontram-se a iniquidade, o ódio implacável e os castigos sem remissão.” Todos os Espíritos tendem para a perfeição e Deus lhes fornece os meios, através das provas da vida corporal; porém, na sua justiça, concede-lhes efetuar, em novas existências, o que não puderam fazer ou concluir numa primeira prova.” Não seria conforme a equidade, nem conforme a bondade de Deus, castigar para sempre aqueles que encontraram obstáculos ao seu melhoramento, além de sua vontade e no próprio meio em que se achavam colocados. Se a sorte do homem fosse irrevogavelmente fixada, após sua morte, Deus não teria pesado as ações de todos na mesma balança e não os teria, absolutamente, tratado com imparcialidade. A doutrina da reencarnação, isto é, a que consiste em admitir para o homem várias existências sucessivas é a única que corresponde à ideia que fazemos da justiça de Deus para com os homens que se acham numa condição moral inferior, a única que pode nos explicar o futuro e embasar nossas esperanças, visto que nos oferece o meio de reparar os nossos erros, através de novas provas. A razão nos indica e os Espíritos a ensinam. O homem que tem a consciência de sua inferioridade haure, na doutrina da reencarnação, uma consoladora esperança. Se crê na justiça de Deus, não pode esperar estar, pela eternidade, em pé de igualdade com aqueles que fizeram melhor do que ele. O pensamento de que essa inferioridade não o deserda, para todo o sempre, do bem supremo e de que poderá conquistá-lo, através de novos esforços, sustenta-o e reanima sua coragem. Quem é que, ao final de sua carreira, não lamenta ter adquirido muito tarde uma experiência de que não pode mais tirar proveito? Esta experiência tardia não fica perdida; ele a aproveitará numa nova existência. ENCARNAÇÃO NOS DIFERENTE MUNDOS. Nossas diversas existências corporais efetuam-se todas na Terra? “Nem todas, mas em diversos mundos: a deste mundo não é a primeira, nem a última e é uma das mais materiais e das mais distantes da perfeição.” A alma, a cada nova existência corporal, passa de um mundo a outro, ou pode efetuar várias delas no mesmo globo? “Ela pode tornar a viver várias vezes no mesmo globo, se não se adiantou bastante para passar para um mundo superior.” Assim, podemos reaparecer várias vezes na Terra? “Certamente.” Podemos retornar a este, depois de ter vivido em outros mundos? “Sem dúvida; já pudestes viver algures e na Terra.” Será uma necessidade tornar a viver na Terra? “Não; mas, se não progredirdes, podereis ir para um outro mundo que não valha mais do que este e que pode ser pior.” Haverá uma vantagem em voltar a habitar a Terra? “Nenhuma vantagem particular, a menos que aí se esteja em missão; neste caso, progride-se, aí, como em qualquer outro lugar.” Não se seria mais feliz permanecendo como Espírito? “Não, não! Estacionar-se-ia e o que se quer é caminhar para Deus.” Os Espíritos, depois de terem encarnado em outros mundos, podem fazê-lo neste, sem que jamais tenham estado aqui? “Sim, como vós, em outros. Todos os mundos são solidários. O que não se faz num, faz-se noutro.” Assim, há homens que estão na Terra pela primeira vez? “Há muitos e em diversos graus de adiantamento.” Pode-se reconhecer, por um sinal qualquer, quando um Espírito está pela primeira vez na Terra? “Isso nenhuma utilidade teria.” Para chegar à perfeição e à felicidade suprema, que é o objetivo final de todos os homens, o Espírito deve passar pela fieira de todos os mundos existentes no Universo? “Não, pois há muitos mundos que estão no mesmo grau e onde o Espírito nada aprenderia de novo.” Como, então, explicar a pluralidade de suas existências no mesmo globo? “Ele pode aí se encontrar, a cada vez, em posições bem diferentes, que são, para ele, outras tantas ocasiões de adquirir experiência.” Os Espíritos podem tornar a viver, corporalmente, num mundo relativamente inferior àquele em que já viveram? “Sim, quando têm uma missão a cumprir, para auxiliar o progresso e, então, aceitam com alegria as tribulações desta existência, porque elas lhes proporcionam um meio de progredirem.” Isso também não pode acontecer por expiação e Deus enviar espíritos rebeldes para mundos inferiores? “Os Espíritos podem permanecer estacionários, porém, não retrogradam, então, a punição deles é não se adiantarem e recomeçar suas existências mal empregadas, no meio conveniente à sua natureza.” Quais são os que devem recomeçar a mesma existência? “Os que faliram em suas missões ou em suas provas.” Os seres que habitam cada mundo, chegaram, todos, ao mesmo grau de perfeição? “Não; dá-se como na Terra: há Espíritos mais, ou menos adiantados.” Passando deste mundo para um outro, o Espírito conserva a inteligência que neste possuía? “Sem dúvida, a inteligência não se perde. Porém, ele pode não possuir os mesmos meios de manifestá-la; isto depende de sua superioridade e do estado do corpo que tomar.” Os seres que habitam os diferentes mundos têm corpos semelhantes aos nossos? “Certamente, têm corpos, porque é necessário que o Espírito esteja revestido de matéria para agir sobre a matéria; esse envoltório, porém, é mais ou menos material, conforme o grau de pureza a que os Espíritos tenham chegado e é o que faz a diferença entre os mundos que devemos percorrer; pois há várias moradas na casa de nosso Pai, sendo estas, então, de vários graus. Uns sabem e têm consciência disso, na Terra; com outros, não se dá, absolutamente, o mesmo.” Podemos conhecer, exatamente, o estado físico dos diferentes mundos? “Nós, Espíritos, só podemos responder conforme o grau em que vos achais; quer dizer que não devemos revelar estas coisas a todos, porque nem todos se acham em condição de compreendê-las e isto os perturbaria.” À medida que o Espírito se purifica, o corpo que o reveste aproxima-se, igualmente, da natureza espírita. A matéria é menos densa, ele não rasteja penosamente na superfície do solo; as necessidades físicas são menos grosseiras, os seres vivos não têm mais necessidade de se destruírem entre si, para se nutrir. O Espírito é mais livre e tem, das coisas longínquas, percepções que nos são desconhecidas; vê com os olhos do corpo o que só pelo pensamento entrevemos. A depuração dos Espíritos conduz os seres, nos quais estão encarnados, ao aperfei- çoamento moral. As paixões animais se enfraquecem e o egoísmo dá lugar ao sentimento fraterno. É assim que, nos mundos superiores à Terra, as guerras são desconhecidas; lá, os ódios e as discórdias não têm sentido, porque ninguém pensa em prejudicar seu semelhante. A intuição que têm do futuro, a segurança que lhes advém de uma consciência isenta de remorsos, fazem com que a morte não lhes cause apreensão; eles a encaram sem temor e como uma simples transformação. A duração da vida, nos diferentes mundos, parece ser proporcional ao grau de superioridade física e moral destes mundos e isso é perfeitamente racional. Quanto menos material é o corpo, menos está sujeito às vicissitudes que o desorganizam; quanto mais puro é o Espírito, menos paixões tem ele a miná-lo. Ainda aí há um benefício da Providência que quer, deste modo, abreviar os sofrimentos. Passando de um mundo para o outro, o Espírito passa por uma nova infância? “A infância é, em toda parte, uma transição necessária, mas, não é, em toda parte, tão obtusa quanto no vosso mundo.” O Espírito pode escolher o novo mundo em que deve habitar? “Nem sempre; mas pode pedi-lo e pode obtê-lo, caso o mereça; pois os mundos apenas são acessíveis aos Espíritos, segundo o grau de elevação destes.” Se o Espírito nada pedir, o que determina o mundo em que reencarnará? “O grau de sua elevação.” O estado físico e moral dos seres vivos é perpetuamente o mesmo em cada mundo? “Não; os mundos também estão submetidos à lei do progresso. Todos começaram, como o vosso, por um estado inferior e a própria Terra experimentará uma transformação semelhante; ela se tornará um paraíso terrestre, quando os homens se tornarem bons.” É assim que as raças, que hoje povoam a Terra, desaparecerão um dia e serão substituídas por seres cada vez mais perfeitos; essas raças, transformadas, sucederão à raça atual, como esta sucedeu a outras mais grosseiras ainda. Haverá mundos em que o Espírito, deixando de habitar um corpo material, só tenha como envoltório o perispírito? “Sim; e até mesmo esse envoltório se torna tão etéreo, que para vós é como se ele não existisse; este é, então, o estado dos puros Espíritos.” Daí parece resultar que não há uma linha divisória nítida entre o estado das últimas encarnações e o do Espírito puro? “Esta demarcação não existe; apagando-se, pouco a pouco, a diferença torna-se imperceptível, como a noite que finda, às primeiras claridades do dia.” A substância do perispírito é a mesma em todos os mundos? “Não; ela é mais ou menos etérea. Passando de um mundo a outro, o Espírito se reveste da matéria própria de cada um; e essa mudança é tão rápida quanto o relâmpago.” Os Espíritos puros habitam mundos especiais ou fi cam no espaço universal, sem estarem ligados mais a um mundo do que a um outro? “Os Espíritos puros habitam certos mundos, mas a eles não ficam confinados, como os homens, à Terra; podem, melhor do que os outros, estar em toda parte.” Segundo os espíritos, de todos os globos que compõem nosso sistema planetário, a Terra é um daqueles cujos habitantes são menos adiantados física e moralmente; Marte seria ainda inferior a ela e Júpiter, muito superior, em todos os sentidos. O Sol não seria um mundo habitado por seres corporais, porém um lugar de encontro dos espíritos superiores, que, de lá, irradiam, através do pensamento, para os outros mundos que * Vide nota explicativa no final do livro (Nota do Editor, suas notas sequentes conterão apenas as iniciais N.E.) TRANSMIGRAÇÃO PROGRESSIVA. Desde o princípio de sua formação, o Espírito goza da plenitude de suas faculdades? “Não, pois o Espírito, como o homem, também tem sua infância. Em sua origem, os Espíritos apenas têm uma existência instintiva e mal têm consciência de si mesmos e de seus atos; só, pouco a pouco, é que a inteligência se desenvolve.” Qual o estado da alma na sua primeira encarnação? “O estado da infância na vida corporal; sua inteligência apenas eclode: ela se ensaia para a vida.” As almas de nossos primitivos ancestrais são almas no estado de infância? “Infância relativa; mas, são almas já desenvolvidas; eles possuem paixões.” As paixões são, pois, um sinal de desenvolvimento? “De desenvolvimento, sim; não, porém, de perfeição; elas são um sinal de atividade e da consciência do eu; enquanto que, na alma primitiva, a inteligência e a vida estão em estado de gérmen.” A vida do Espírito, no seu conjunto, percorre as mesmas fases que vemos na vida corporal; ele passa, gradualmente, do estado de embrião ao da infância, para chegar, através de uma sucessão de períodos, ao estado de adulto, que é o da perfeição, com a diferença de que, para o Espírito, não há declínio nem decrepitude, como na vida corporal; de que sua vida, que teve um início, não terá fim; de que é necessário um tempo imenso, do nosso ponto de vista, para passar da infância espiritual a um desenvolvimento completo, e de que seu progresso eles dirigem, pela mediação de espíritos menos elevados, aos quais transmitem, por intermédio do fluido universal. Quanto à constituição física, o Sol seria um foco de eletricidade e, ao que parece, todos os sóis estariam numa posição idêntica. O volume e o afastamento do Sol nenhuma relação necessária têm com o grau de adiantamento dos mundos, visto que Vênus seria mais adiantado que a Terra e Saturno, menos que Júpiter. Vários Espíritos, que animaram personalidades conhecidas na Terra, disseram estar reencarnados em Júpiter, um dos mundos mais próximos da perfeição, e tem causado espanto ver, nesse globo tão adiantado, homens que a opinião geral não colocava, aqui na Terra, no mesmo patamar. Nada de surpreendente há nisto, se considerarmos que certos Espíritos que habitam aquele planeta puderam ser enviados à Terra, para nela desempenhar uma missão que, aos nossos olhos, não os colocava em primeiro plano; em segundo lugar, que entre sua existência terrestre e a de Júpiter, eles puderam ter outras intermediárias, em que se melhoraram; em terceiro lugar, finalmente, que naquele mundo, como no nosso, há diferentes graus de adiantamento e que, entre esses graus, pode haver a distância que, em nosso mundo, separa o selvagem do homem civilizado. Assim, pelo fato de habitar em Júpiter, não quer dizer que se esteja no nível dos seres mais adiantados, do mesmo modo que não se está no nível de um sábio do Instituto, só porque se reside em Paris. As condições de longevidade também não são, em toda parte, as mesmas que Terra, e a idade não se pode comparar. Uma pessoa falecida há alguns anos, quando evocada, disse estar encarnada, há seis meses, num mundo cujo nome nos é desconhecido. Interrogada sobre a idade que tinha nesse mundo, ela respondeu: “Não posso avaliá-la, porque não contamos o tempo como vós; depois, o modo de existência não é mais o mesmo; lá, desenvolvemo-nos bem mais rapidamente; entretanto, embora haja apenas seis de vossos meses que eu aqui esteja, posso dizer que, quanto à inteligência, tenho o correspondente a trinta anos de idade na Terra.” Muitas respostas análogas foram dadas por outros espíritos, e isso nada tem de inverossímil. Não vemos, na Terra, uma imensidade de animais adquirir em alguns meses seu desenvolvimento normal? Por que não poderia acontecer o mesmo com o homem, em outras esferas? Notemos, além disso, que o desenvolvimento adquirido pelo homem, na Terra, com a idade de trinta anos, talvez não seja senão uma espécie de infância, comparado àquele que ele deve atingir. É ter bem curta a visão tomar-nos, em tudo, como modelos da criação, e rebaixar muito a Divindade, acreditar que, além de nós, nada lhe seja possível se realiza, não numa única esfera, mas passando por mundos diversos. A vida do Espírito se compõe, portanto, de uma série de existências corporais e cada uma delas representa para ele uma oportunidade de progresso, assim como cada existência corporal se compõe de uma série de dias, em cada um dos quais o homem adquire um acréscimo de experiência e de instrução. Porém, do mesmo modo que na vida do homem há dias que não produzem fruto algum, na do Espírito, há existências corporais que nenhum resultado produzem, porque ele não soube usá-las com proveito. Pode-se, desde esta vida, através de uma conduta perfeita, transpor todos os degraus e tornar-se Espírito puro, sem passar por outros intermediários? “Não, pois o que o homem julga perfeito está longe da perfeição; há qualidades que lhe são desconhecidas e que ele não pode compreender. Ele pode ser tão perfeito quanto o comporte sua natureza terrestre, mas isso não é a perfeição absoluta. Assim como uma criança, que por mais precoce que seja, deve passar pela juventude, antes de chegar à idade madura; assim, também como o enfermo, que passa pela convalescença, antes de recobrar toda a sua saúde. E, além disso, o Espírito deve progredir em ciência e em moralidade; se ele apenas progrediu num sentido, é preciso que progrida no outro, para atingir o topo da escala; porém, quanto mais o homem se adianta na sua vida presente, tanto menos longas e penosas são as provas seguintes.” O homem pode, pelo menos, garantir, desde esta vida, uma existência futura menos cheia de amarguras? “Sim; sem dúvida, ele pode abreviar a extensão e as dificuldades do caminho. Apenas o descuidado permanece sempre no mesmo ponto.” Pode um homem, nas suas novas existências, descer mais baixo do que estava? “Quanto à posição social, sim; como Espírito, não.” A alma de um homem de bem pode, numa nova encarnação, animar o corpo de um celerado? “Não, visto que não pode degenerar.” a) A alma de um homem perverso pode se tornar a de um homem de bem? “Sim, se ele se arrependeu e, então, isto é uma recompensa.” A marcha dos Espíritos é progressiva e jamais retrograda; eles se elevam, gradualmente, na hierarquia e não descem, absolutamente, do ponto a que chegaram. Nas suas diferentes existências corporais, eles podem descer como homens, mas, não, como espíritos. Assim, a alma de um poderoso da Terra pode, mais tarde, animar o mais humilde artesão e vice-versa; pois, entre os homens, as classes estão, frequentemente, na razão inversa da elevação dos sentimentos morais. Herodes era rei e Jesus, carpinteiro. A possibilidade de se melhorar numa outra existência não pode levar algumas pessoas a perseverarem num mau caminho, pelo pensamento de que elas poderão sempre corrigir-se mais tarde? “Aquele que assim pensa, em nada crê, e a ideia de um castigo eterno não o refreia mais, porque sua razão o repele e essa ideia conduz à incredulidade sobre todas as coisas. Se tivessem sido empregados apenas meios racionais, para conduzir os homens, não haveria tantos céticos. Um espírito imperfeito pode, de fato, pensar como tu o dizes, durante a sua vida corporal; porém, uma vez desligado da matéria, ele pensa de outra maneira, pois logo percebe que se equivocou e é, então, que traz um sentimento contrário numa nova existência. É assim que o progresso se efetua, e eis por que tendes, na Terra, alguns homens mais adiantados do que outros; uns já têm uma experiência que outros ainda não possuem, mas que adquirirão, pouco a pouco. Deles depende adiantar seu progresso ou retardá-lo, indefinidamente.” O homem que ocupa uma má posição, deseja trocá-la, o mais rápido possível. Aquele que se acha persuadido de que as tribulações desta vida são consequência de suas imperfeições, buscará assegurar para si uma nova existência menos penosa; e este pensamento o desviará muito mais do caminho do mal do que o do fogo eterno em que ele não acredita. Do fato de os Espíritos, não poderem melhorar-se, a não ser suportando as tribulações da vida corporal, deve-se concluir que a vida material seja uma espécie de filtro ou de depurador, por onde devem passar os seres do mundo espiritual, para chegar à perfeição? “Sim, é isto mesmo. Eles se melhoram nessas provas, evitando o mal e praticando o bem. Porém, só após várias encarnações ou depurações sucessivas é que eles atingem, num tempo mais ou menos longo, conforme os seus esforços, o objetivo para o qual tendem.” É o corpo que influi sobre o Espírito para melhorá-lo, ou é o Espírito que influi sobre o corpo? “Teu Espírito é tudo; teu corpo é uma vestimenta que apodrece: eis tudo.” Encontramos uma comparação material dos diferentes graus de depuração da alma no suco da videira. Ele contém o licor, chamado de espírito ou álcool, porém enfraquecido por uma grande quantidade de matérias estranhas que lhe alteram a essência; ele só atinge a pureza absoluta, após várias destilações, em cada uma das quais se despoja de alguma impureza. O alambique é o corpo no qual ele deve entrar para depurar-se; as matérias estranhas são como o perispírito que se depura, ele próprio, à medida que o Espírito se aproxima da perfeição. SORTE DAS CRIANÇAS APÓS A MORTE. O Espírito de uma criança que morreu em tenra idade é tão adiantado quanto o do adulto? “Algumas vezes, muito mais, pois pode ter vivido muito mais e ter mais experiência, sobretudo, se ele progrediu.” O Espírito de uma criança pode, assim, ser mais adiantado do que o de seu pai? “Isto é muito frequente; não o vedes, frequentemente, vós mesmos, na Terra?”. O Espírito da criança que morre pequenina, não tendo podido fazer o mal, pertence às classes superiores? “Se não fez o mal, tampouco fez o bem, e Deus não o isenta das provas que deva experimentar. Se for puro, não é porque fosse uma criança, mas por ser mais adiantado.” Por que a vida é, frequentemente, interrompida na infância? “A duração da vida da criança pode ser, para o Espírito que nela está encarnado, o complemento de uma existência interrompida, antes do termo desejado, e sua morte é, frequentemente, uma prova ou uma expiação para os pais.” O que ocorre ao Espírito de uma criança que morre em tenra idade? “Recomeça uma nova existência.” Se o homem tivesse uma única existência e se, após essa existência, sua sorte futura fosse fi xada pela eternidade, qual seria o mérito da metade da espécie humana que morre em tenra idade, para gozar, sem esforços, da felicidade eterna, e com que direito se acharia isenta das condições, frequentemente tão duras, impostas à outra metade? Tal ordem de coisas não estaria de acordo com a justiça de Deus. Pela reencarnação, a igualdade é para todos; o futuro pertence a todos, sem exceção e sem favoritismo para ninguém; os que chegam por último não podem queixar-se, senão de si mesmos. O homem deve ter o mérito de seus atos, como tem deles a responsabilidade. Aliás, não é racional considerar a infância como um estado normal de inocência. Não se vêm crianças dotadas dos piores instintos, numa idade em que a educação não pôde ainda exercer sua influência? E algumas delas que parecem trazer de berço a astúcia, a falsidade, a perfídia, o próprio instinto do roubo e do assassínio, e isto, não obstante os bons exemplos de que estão cercadas? A lei civil as absolve de seus crimes, porque diz que eles agiram sem discernimento; e tem razão, porque, com efeito, elas agem mais instintiva do que deliberadamente; porém, de onde provêm esses instintos tão diferentes em crianças da mesma idade, educadas nas mesmas condições e submetidas às mesmas influências? De onde vem essa perversidade precoce, senão da inferioridade do Espírito, visto que a educação não promoveu isto? Os que são viciosos, é porque seu espírito progrediu menos e, então, experimentam as consequências, não de seus atos infantis, mas dos de suas existências anteriores e, assim, a lei é a mesma para todos, e a justiça de Deus atinge todo o mundo. SEXOS NOS ESPÍRITOS. Os Espíritos têm sexos? “Não como o entendeis, pois os sexos dependem da organização. Há entre eles amor e simpatia, mas baseados na semelhança dos sentimentos.” O Espírito que animou o corpo de um homem pode, numa nova existência, animar o de uma mulher e reciprocamente? “Sim, são os mesmos Espíritos que animam os homens e as mulheres.” Quando se é um Espírito errante, prefere-se encarnar no corpo de um homem ou de uma mulher? “Isso pouco importa ao Espírito; dá-se em função das provas por que haja de passar.” Os Espíritos encarnam como homens ou como mulheres, porque não têm sexo; como devem progredir em tudo, cada sexo, assim como cada posição social, oferece-lhes provações e deveres especiais e a oportunidade de adquirir experiência. Aquele que fosse sempre homem, apenas saberia o que sabem os homens. PARENTESCO E FILIAÇÃO. Os pais transmite aos seus filhos uma porção de suas almas, ou apenas lhes dão a vida animal à qual, mais tarde, uma nova alma vem acrescentar a vida moral? “Somente a vida animal, pois a alma é indivisível. Um pai estúpido pode ter filhos inteligentes e vice-versa.” Visto que tivemos várias existências, a parentela ultrapassa a da nossa existência atual? “Isto não pode ser de outra maneira. A sucessão das existências corporais estabelece, entre os Espíritos, laços que remontam às vossas existências anteriores; daí, com frequência, as causas de simpatia entre vós e alguns Espíritos que vos parecem estranhos.” Aos olhos de algumas pessoas, a doutrina da reencarnação parece destruir os laços de família, fazendo-os anteriores à nossa existência atual. “Ela os distende, porém, não os destrói. Sendo a parentela baseada em afeições anteriores, os laços que unem os membros de uma mesma família são menos precários. Ela aumenta os deveres da fraternidade, visto que, no vosso vizinho, ou no vosso criado, pode encontrar-se um Espírito que tenha sido ligado a vós pelos laços do sangue.” Todavia, ela diminui a importância que alguns dão à sua filiação, já que se pode ter tido como pai um Espírito que tenha pertencido a uma outra raça,* ou vivido numa condição inteiramente diversa. “É verdade, mas esta importância está fundamentada no orgulho; o que a maioria honra, nos seus antepassados, são os títulos, a classe social, a fortuna. Alguém, que coraria de ter tido como ancestral um honesto sapateiro, gabar-se-ia de descender de um nobre debochado. Porém, apesar do que digam ou façam, não impedirão as coisas de serem como elas são, pois Deus não estabeleceu as leis da Natureza segundo a vaidade deles.” Do fato de não haver filiação entre os Espíritos dos descendentes de uma mesma família, resulta que o culto dos ancestrais seja uma coisa ridícula? “Certamente que não, pois devemos ser felizes por pertencer a uma família na qual Espíritos elevados encarnaram. Embora os Espíritos não procedam uns dos outros, não têm menos afeição por aqueles que estão ligados a eles pelos laços de família, pois estes Espíritos são, frequentemente, atraídos para tal ou qual família, por causa da simpatia, ou por laços anteriores; acreditai, porém, que os Espíritos de vossos ancestrais não ficam honrados com o culto que lhes prestais por orgulho; o mérito deles não se reflete sobre vós, senão quando vos esforçais para seguir os bons exemplos que eles vos têm dado e é somente, então, que vossa lembrança pode não apenas lhes ser agradável, mas até lhes ser útil.” * Vide nota explicativa no final do livro (N.E.)  SEMELHANÇAS FÍSICAS E MORAIS. Os pais transmitem, frequentemente, aos seus filhos uma semelhança física. Transmitem-lhes, também, uma semelhança moral? “Não, visto que eles possuem almas ou Espíritos diferentes. O corpo procede do corpo, o Espírito, porém, não procede do Espírito. Entre os descendentes das raças, apenas há consanguinidade.” De onde se originam as semelhanças morais que, algumas vezes, existem entre os pais e seus filhos? “São espíritos simpáticos, atraídos pela semelhança de seus pendores.” Nenhuma influência exerce o Espírito dos pais sobre o de seu filho, após seu nascimento? “Influência muito grande; como vos dissemos, os Espíritos devem colaborar para o progresso uns dos outros. Pois bem! O Espírito dos pais tem por missão desenvolver o de seus filhos pela educação; é para eles uma tarefa: serão culpados, se nisso falirem.” Por que de pais bons e virtuosos se originam filhos de natureza perversa? Ou melhor, por que as boas qualidades dos pais nem sempre atraem, por simpatia, um bom Espírito para lhes animar o filho? “Um mau Espírito pode pedir bons pais, na esperança de que seus conselhos o dirijam por um caminho melhor e Deus, frequentemente, o confia a eles.”. Os pais podem, pelos seus pensamentos e suas preces, atrair para o corpo da criança um bom Espírito de preferência a um inferior? “Não; podem, porém, melhorar o Espírito da criança a que deram origem e que lhes foi confiada: é o dever deles; maus filhos são uma provação para os pais.” De onde se origina a semelhança de caráter que existe, frequentemente, entre dois irmãos, principalmente entre os gêmeos? “Espíritos simpáticos que se aproximam por semelhança de seus sentimentos e que ficam felizes por estarem juntos.” Nas crianças cujos corpos são ligados e que têm alguns órgãos comuns, há dois Espíritos, ou melhor, duas almas? “Sim, mas a semelhança entre elas faz, com frequência, que pareça uma só aos vossos olhos.” Visto que os Espíritos encarnam nos gêmeos por simpatia, de onde se origina a aversão que, algumas vezes, vemos entre estes últimos? “Não é uma regra que entre os gêmeos haja apenas Espíritos simpáticos; maus Espíritos podem querer lutar juntos no palco da vida.” O que se deve pensar das histórias de crianças que lutam no seio da mãe? “Um símbolo! Para significar que o ódio deles era inveterado, fizeram-no remontar à época anterior ao nascimento destes. Geralmente, não levais muito em conta figuras poéticas.” De onde se origina o caráter distintivo que se nota em cada povo? “Os Espíritos também possuem famílias formadas pela semelhança de seus pendores mais ou menos depurados, segundo sua elevação. Pois bem! Um povo é uma grande família onde se reúnem Espíritos simpáticos. A tendência que os membros dessas famílias apresentam para se unirem, é a origem da semelhança que existe no caráter distintivo de cada povo. Acreditas que Espíritos bons e humanos procurem um povo rude e grosseiro? Não; os Espíritos simpatizam com as massas, como simpatizam com os indivíduos; lá, estão no meio que lhes é próprio.” O homem conserva, em suas novas existências, traços do caráter moral de suas existências anteriores? “Sim, isto pode acontecer; porém, melhorando-se, ele muda. Sua posição social pode também não ser mais a mesma; se de senhor, torna-se escravo, seus gostos serão inteiramente diferentes e tereis dificuldade para reconhecê-lo. Sendo o Espírito o mesmo nas diversas encarnações, suas manifestações podem ter, entre uma e outra, algumas analogias, modificadas, todavia, pelos hábitos de sua nova posição, até que um aperfeiçoamento notável tenha mudado completamente seu caráter, pois de orgulhoso e mau, pode tornar-se humilde e humano, se se arrependeu.” O homem conserva traços do caráter físico das existências anteriores, nas suas diferentes encarnações? “O corpo é destruído e o novo nenhuma relação tem com o antigo. No entanto, o Espírito se reflete no corpo; certamente, o corpo é apenas matéria; porém, apesar disso, ele é modelado conforme as capacidades do Espírito, que lhe imprime um certo caráter, principalmente no rosto, e é verdadeiro designarem-se os olhos como o espelho da alma; quer dizer que, o rosto, mais particularmente, reflete a alma; pois uma pessoa, excessivamente feia tem, entretanto, algo que agrada, quando é o envoltório de um Espírito bom, sábio, humano, enquanto há rostos muito belos que nenhuma impressão te causam, pelos quais sentes até repulsão. Poderias acreditar que apenas corpos bem feitos fossem o envoltório dos Espíritos mais perfeitos, ao passo que, todos os dias, encontras homens de bem, sob aparências disformes. Sem ter uma semelhança pronunciada, a similitude dos gostos e dos pendores pode dar, portanto, o que se chama um ar de família.” O corpo que reveste a alma numa nova encarnação, não possuindo nenhuma relação necessária com aquele que ela deixou, visto que eles podem ter origens absolutamente diferentes, seria absurdo concluir por uma sucessão de existências de uma semelhança que é apenas fortuita. Todavia, as qualidades do Espírito, frequentemente, modificam os órgãos que servem às suas manifestações e imprimem, no rosto e até no conjunto das maneiras, um cunho distintivo. É assim que, sob o envoltório mais humilde, pode-se encontrar a expressão da grandeza e da dignidade, enquanto que, sob a vestimenta do grande senhor, vê-se, algumas vezes, a da baixeza e da ignomínia. Algumas pessoas, saídas da posição mais ínfima, assumem sem esforços, os hábitos e as maneiras da alta sociedade; parece que elas aí reencontram o seu elemento, enquanto outros, apesar do seu nascimento e da sua educação, neste meio se encontram sempre deslocados. Como explicar este fato de uma outra maneira, a não ser como um reflexo daquilo que o Espírito foi antes? IDEIAS INATAS. O Espírito encarnado conserva algum traço das percepções que possuiu e conhecimentos que adquiriu nas suas existências anteriores? “Resta-lhe uma vaga lembrança que lhe dá o que se chama de ideias inatas.” A teoria das ideias inatas não é, pois, uma quimera (ilusão)? “Não; os conhecimentos adquiridos em cada existência não se perdem; o Espírito, desligado da matéria, sempre se lembra deles. Durante a encarnação, pode esquecê-los, em parte, momentaneamente, porém, a intuição que deles lhe resta, auxilia o seu adiantamento; sem isto, teria sempre que recomeçar. A cada nova existência o Espírito toma, como ponto de partida, aquele em que ficara, na precedente.” Deve haver, assim, uma grande conexão entre duas existências sucessivas? “Nem sempre tão grande quanto poderias supô-lo, pois as posições são, frequentemente, muito diferentes e, no intervalo entre elas, o Espírito pôde progredir.” Qual a origem das faculdades extraordinárias dos indivíduos que, sem estudo prévio, parecem ter a intuição de certos conhecimentos, como o das línguas, o do cálculo, etc.? “Lembrança do passado; progresso anterior da alma, mas do qual ela própria não tem consciência. De onde queres que venham? O corpo muda, o Espírito, porém, não muda, embora troque de vestimenta (corpo).” Mudando de corpo, pode-se perder algumas faculdades intelectuais, não ter mais, por exemplo, o gosto pelas artes? “Sim, se maculou essa inteligência, ou dela fez um mau uso. Uma faculdade pode, além disso, adormecer durante uma existência, caso o Espírito queira exercer uma outra, com a qual está não tenha relação; então, ela permanece em estado latente para reaparecer mais tarde". É a uma lembrança retrospectiva que o homem deve, mesmo no estado selvagem, o sentimento instintivo da existência de Deus e o pressentimento da vida futura? “É uma lembrança que ele conservou do que sabia como Espírito, antes de ter encarnado; mas, o orgulho abafa, com frequência, esse sentimento.” Será a essa mesma lembrança que se devem certas crenças relativas à Doutrina Espírita, que se encontram em todos os povos? “Esta doutrina é tão antiga quanto o mundo; é por isso que a encontramos por toda a parte, e aí está uma prova de que ela é verdadeira. O Espírito encarnado, conservando a intuição de seu estado de Espírito, tem a consciência instintiva do mundo invisível, porém, ela é, frequentemente, falseada pelos preconceitos e a ignorância a ela mistura à superstição”. O Livro dos Espíritos. Abraço. Davi.

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