Espiritismo. Texto de Alan
Kardec (1804-1869). Capítulo II. ENCARNAÇÃO DOS ESPÍRITOS. 1. Objetivo da
Encarnação. 2. A Alma. 3. Materialismo. OBJETIVO DA ENCARNAÇÃO. Qual é o
objetivo da encarnação dos Espíritos? “Deus impõe-lhes a encarnação com o
objetivo de fazê-los chegar à perfeição: para uns, é uma expiação; para outros,
é uma missão. Porém, para chegar a essa perfeição, devem suportar todas as
vicissitudes da existência corporal: nisto é que está a expiação. A encarnação
tem também um outro objetivo, que é o de colocar o espírito em condições de
suportar sua parte na obra da criação; é para executá-la que, em cada mundo,
ele toma um instrumento em harmonia com a matéria essencial desse mundo para aí
executar, daquele ponto de vista, as ordens de Deus; de tal forma que,
concorrendo para a obra geral, ele próprio se adianta.” A ação dos seres
corporais é necessária à marcha do Universo; Deus, porém, na sua sabedoria,
quis que, nessa mesma ação, eles encontrassem um meio de progredir e de se
aproximar dele. É assim que, por uma admirável lei de sua providência, tudo se
encadeia, tudo é solidário na Natureza. Os Espíritos que, desde o princípio,
seguiram o caminho do bem, têm necessidade da encarnação? “Todos são criados
simples e ignorantes; instruem-se nas lutas e nas tribulações da vida corporal.
Deus, que é justo, não podia fazer alguns felizes, sem atribulação e sem
trabalho e, por conseguinte, sem mérito.” Mas, então, de que serve aos
Espíritos terem seguido o caminho do bem, se isto não os isenta das aflições da
vida corporal? “Chegam mais rápido ao objetivo; e, além disso, as aflições da
vida são, frequentemente, a consequência da imperfeição do Espírito; quanto
menos imperfeições ele possui, menos tormentos; aquele que não é invejoso, nem
ciumento, nem avarento, nem ambicioso, não terá os tormentos que decorrem
desses defeitos.” A ALMA. Que é a alma? “Um Espírito encarnado”. Que era a alma
antes de se unir ao corpo? “Espírito”. As almas e os espíritos são, portanto,
identicamente, a mesma coisa? “Sim, as almas são apenas os Espíritos. Antes de
se unir ao corpo, a alma é um dos seres inteligentes que povoam o mundo
invisível e que revestem, temporariamente, um envoltório carnal, para se
purificarem e se esclarecerem.” Há no homem outra coisa além da alma e do
corpo? “Há o elo que une a alma e o corpo.” Qual a natureza desse elo? “Semi
material, isto é, intermediária entre o Espírito e o corpo. E é preciso que
assim seja, para que eles possam comunicar-se um com o outro. É através desse
elo que o Espírito age sobre a matéria e reciprocamente”. O homem é, assim,
formado de três partes essenciais: 1. O corpo, ou ser material, análogo ao dos
animais e animado pelo mesmo princípio vital. 2. A alma, Espírito encarnado
cujo corpo é a habitação. 3. O princípio intermediário, ou perispírito,
substância semi material que serve de primeiro envoltório ao Espírito e une a
alma ao corpo. Tais são, num fruto, o gérmen, o perisperma e a casca. A alma é
independente do princípio vital? O corpo é apenas o envoltório, repetimo-lo
incessantemente. O corpo pode existir sem a alma? “Sim, entretanto, desde que o
corpo cesse de viver, a alma o abandona. Antes do nascimento, ainda não há
união definitiva entre a alma e o corpo; enquanto que, depois que esta união
foi estabelecida, a morte do corpo rompe os laços que o unem à alma e assim o
deixa. A vida orgânica pode animar um corpo sem alma, mas a alma não pode
habitar um corpo privado da vida orgânica. Que seria o nosso corpo, se não
tivesse alma? “Uma massa de carne sem inteligência, tudo o que quiserdes,
exceto um homem”. O mesmo Espírito pode encarnar em dois corpos diferentes,
simultaneamente? “Não, o Espírito é indivisível e não pode animar, ao mesmo
tempo, dois seres distintos”. (Ver em O Livro dos Médiuns, capítulo: Bi
corporeidade e Transfiguração). O que se deve pensar da opinião daqueles que
vêm a alma como o princípio da vida material? “É uma questão de palavras; não
nos atemos a isso; começai por vos entenderdes a vós próprios”. Alguns
Espíritos, e, antes deles, alguns filósofos definiram a alma como: Uma centelha
anímica emanada do grande Todo; por que esta contradição? “Não há contradição;
isso depende da acepção das palavras. Por que não tendes uma palavra para cada
coisa?” A palavra alma é empregada para exprimir coisas muito diferentes. Uns a
chamam, assim, o princípio da vida e, nessa acepção, é exato dizer,
figuradamente, que: a alma é uma centelha anímica emanada do grande Todo. Estas
últimas palavras indicam a fonte universal do princípio vital de que cada ser
absorve uma porção que, após a morte, retorna à massa da qual saiu. Esta ideia
não exclui, absolutamente, a de um ser moral, distinto, independente da matéria
e que conserva sua individualidade. É a este ser que, igualmente, se chama alma
e é nesta acepção que se pode dizer que a alma é um Espírito encarnado. Dando
definições diferentes da alma, os Espíritos falaram de acordo com a aplicação
que faziam da palavra e conforme as ideias terrestres das quais ainda estavam
mais ou menos imbuídos. Isto se deve à insuficiência da linguagem humana, que
não dispõe de uma palavra para cada ideia e daí a origem de uma enormidade de
equívocos e de discussões: eis por que os Espíritos superiores nos dizem para
nos entendermos, primeiro, com relação às palavras. Que se deve pensar da
teoria da alma subdividida em tantas partes quantos são os músculos e
presidindo, assim, a cada uma das funções do corpo? “Isto também depende do
sentido que se atribua à palavra alma; têm razão, se a entendem como o fluido
vital; se a entendem como Espírito encarnado, enganam-se. Já o dissemos, o
Espírito é indivisível; ele transmite o movimento aos órgãos, através do fluido
intermediário, sem que para isto se divida.” Todavia, há espíritos que deram
esta definição. “Os espíritos ignorantes podem tomar o efeito pela causa.” A
alma age por intermédio dos órgãos e os órgãos são animados pelo fluido vital,
que se reparte entre eles e, mais abundantemente, naqueles que são os centros
ou focos do movimento. Porém, esta explicação não pode convir à alma,
considerada como sendo o espírito que habita o corpo durante a vida e o deixa
por ocasião da morte. Há alguma coisa de verdadeiro na opinião daqueles que
pensam que a alma é exterior ao corpo e o circunda? “A alma não se acha
encerrada no corpo, como o pássaro numa gaiola; ela irradia e se manifesta
exteriormente, como a luz através de um globo de vidro, ou, como o som, em
torno de um centro sonoro; é assim que se pode dizer que ela é exterior, porém,
nem por isso constitui o envoltório do corpo. A alma tem dois envoltórios: um,
sutil e leve, é o primeiro: aquele que chamas de perispírito; o outro,
grosseiro, material e pesado: é o corpo. A alma é o centro de todos estes
envoltórios, como o gérmen da planta em um caroço, já dissemos.” Que dizer
dessa outra teoria, segundo a qual a alma, na criança, completa-se, a cada
período da vida? “O Espírito é único; está inteiro na criança, como no adulto;
são os órgãos ou instrumentos das manifestações da alma que se desenvolvem e se
completam. Ainda aí toma-se o efeito pela causa.” Por que nem todos os
Espíritos definem a alma da mesma forma? “Nem todos os espíritos estão
igualmente esclarecidos sobre estes assuntos; há Espíritos ainda limitados, que
não compreendem as coisas abstratas; são como as crianças entre vós. Há também
Espíritos pseudo sábios, que fazem ostentação de palavras para se impor: é
assim como acontece entre vós. E depois, os próprios Espíritos esclarecidos
podem se exprimir em termos diferentes, que, no fundo, têm o mesmo valor,
sobretudo quando se trata de coisas que a vossa linguagem é impotente para
traduzir com clareza; são necessárias figuras, comparações, que tomais como realidade.”
Que se deve entender por alma do mundo? “É o princípio universal da vida e da
inteligência, de onde nascem as individualidades. Mas, os que se servem destas
palavras, frequentemente, não se compreendem entre si. A palavra alma é tão
elástica que cada um a interpreta ao sabor de seus devaneios. Algumas vezes,
tem-se atribuído à Terra uma alma; isto se deve entender como o conjunto dos
Espíritos devotados, que dirigem vossas ações para o bom caminho, quando os
escutais e que são, de certo modo, os adjuntos de Deus, junto ao vosso globo.”
Como tantos filósofos antigos e modernos discutiram, durante tanto tempo, sobre
a ciência psicológica, sem terem chegado à verdade? “Esses homens foram os
precursores da eterna Doutrina Espírita; eles prepararam os caminhos. Eram
homens, logo, podem ter se enganado, porque tomaram suas próprias ideias pela
luz; porém, seus próprios erros servem para fazer realçar a verdade, mostrando
o pró e o contra; aliás, entre estes erros encontram-se grandes verdades que um
estudo comparativo vos faz compreender.” A alma tem, no corpo, uma sede
determinada e circunscrita? “Não; porém, ela reside mais particularmente na
cabeça, nos grandes gênios e em todos aqueles que pensam muito e, no coração,
naqueles que sentem muito e cujas ações, todas, referem-se à Humanidade.” O que
pensar da opinião daqueles que situam a alma num centro vital? “Quer dizer que
o espírito habita de preferência essa parte do vosso organismo, visto que todas
as sensações para ali convergem. Os que a situam naquilo que consideram como o
centro da vitalidade, confundem-na com o fluido ou princípio vital. Todavia,
pode-se dizer que a sede da alma está, mais particularmente, nos órgãos que
servem às manifestações intelectuais e morais.” MATERIALISMO. Por que os anatomistas,
os fisiologistas e, em geral, os que se aprofundam nas ciências da Natureza,
são, com tanta frequência, levados ao materialismo? “O fisiologista refere tudo
ao que ele vê. Orgulho dos homens que creem tudo saber e que não admitem que
coisa alguma possa ultrapassar o seu entendimento. Sua própria ciência dá-lhes
a presunção; pensam que a Natureza nada lhes pode ocultar.” Não é lamentável
que o materialismo seja uma consequência de estudos que deveriam, ao contrário,
mostrar ao homem a superioridade da inteligência que governa o mundo? Deve-se
daí concluir que são perigosos? “Não é verdade que o materialismo seja uma
consequência desses estudos; é o homem que deles tira uma falsa conclusão, pois
de tudo ele pode abusar, mesmo das melhores coisas. O nada, aliás, os amedronta
mais do que gostariam que parecesse, e os espíritos fortes são, frequentemente,
mais fanfarrões do que bravos. A maioria só é materialista, porque nada possui
para preencher esse vazio; diante desse abismo que se abre diante deles,
mostrai-lhes uma tábua de salvação e a ela se agarrarão solicitamente.” Por uma
aberração da inteligência, há pessoas que só vêm nos seres orgânicos a ação da
matéria e a ela atribuem todos os nossos atos. No corpo humano, apenas viram a
máquina elétrica; apenas pelo funcionamento dos órgãos, estudaram o mecanismo
da vida; muitas vezes, viram-na extinguir-se pela ruptura de um fio e nada mais
viram senão esse fio; procuraram saber se alguma coisa restava e, como só
encontraram a matéria que se tornara inerte, como não viram a alma escapar e
não puderam retê-la, daí concluíram que tudo estava nas propriedades da matéria
e que, portanto, após a morte, apenas existe a aniquilação do pensamento;
triste consequência, se assim fosse, pois, então, o bem e o mal não teriam
objetivo; o homem teria razão em pensar só em si e em colocar acima de tudo a
satisfação de seus prazeres materiais; os laços sociais seriam rompidos e as
mais santas afeições desfeitas para sempre. Felizmente, essas ideias estão
longe de ser gerais; pode-se até dizer que elas são muito circunscritas e
constituem apenas opiniões individuais, pois em parte alguma elas foram
erigidas como doutrina. Uma sociedade fundada sobre essas bases traria em si o
gérmen de sua dissolução e seus membros se entredilacerariam, como animais
ferozes. O homem tem, instintivamente, o pensamento de que nem tudo, para ele,
termina com a vida; ele tem horror ao nada; inutilmente se obstina contra a
ideia do futuro, pois, quando chega o momento supremo, poucos são os que não se
perguntam o que vai ser deles; é que a ideia de deixar a vida para sempre tem
algo de pungente. Quem poderia, efetivamente, encarar com indiferença uma
separação absoluta, eterna, de tudo o que se amou? Quem poderia ver, sem
terror, abrir-se diante de si o abismo imenso do nada, onde desaparecessem,
para sempre, todas as suas faculdades, todas as suas esperanças, e dizer a si
mesmo: O quê! Depois de mim, nada, nada mais do que o vácuo; tudo acabado para
sempre; mais alguns dias e minha lembrança será apagada da memória daqueles que
a min sobreviverem; logo, nenhum traço restará da minha passagem pela Terra; o
próprio bem que fiz será esquecido pelos ingratos a quem beneficiei; e nada,
para compensar tudo isto, nenhuma outra perspectiva, senão a de meu corpo roído
pelos vermes! Este quadro não tem algo de horrendo, de glacial? A religião nos
ensina que não pode ser assim e a razão nos confirma; porém, essa existência
futura, vaga e indefinida, nada tem que satisfaça nosso amor pelo positivo; é o
que, em muitos, engendra a dúvida. Possuímos uma alma, que seja; mas, o que é a
nossa alma? Tem uma forma, uma aparência qualquer? É um ser limitado ou indefi
nido? Uns dizem que é um sopro de Deus, outros, que é uma centelha, outros, uma
parte do grande Todo, o princípio da vida e da inteligência; mas, o que tudo
isto nos ensina? O que nos importa ter uma alma, se, depois de nós, ela se
confunde na imensidão, como as gotas d’água no oceano! A perda de nossa
individualidade não é, para nós, como se fosse o nada? Diz-se, ainda, que ela é
imaterial; mas, uma coisa imaterial não poderia ter proporções definidas; para
nós nada é. A religião também nos ensina que seremos felizes ou infelizes,
conforme o bem ou o mal que tivermos feito; porém, que felicidade é essa que nos
aguarda no seio de Deus? Será uma beatitude, uma contemplação eterna, sem outra
ocupação senão a de cantar louvores ao Criador? As chamas do inferno são uma
realidade ou uma figura? A própria Igreja o compreende nesta última acepção,
mas que sofrimentos são esses? Onde se situa esse lugar de suplício? Numa
palavra, o que se faz, o que se vê, nesse mundo que nos aguarda a todos? Dizem
que ninguém voltou para nos explicar. É um erro e a missão do Espiritismo é,
precisamente, a de nos esclarecer sobre esse futuro, em nos fazer, até um certo
ponto, tocá-lo com o dedo e com o olhar, não mais pelo raciocínio, porém pelos
fatos. Graças às comunicações espíritas, não se trata mais de uma presunção,
uma probabilidade que cada um descreve à sua vontade; que os poetas embelezam
com suas ficções ou enchem com imagens alegóricas que nos enganam. É a
realidade que nos aparece, pois são os próprios seres de além-túmulo que vêm
nos descrever sua situação, dizer-nos o que fazem, que nos permitem assistir,
por assim dizer, a todas as peripécias de sua nova vida e, por esse meio,
mostram-nos a sorte inevitável que nos está reservada, conforme os nossos
méritos e nossos deméritos. Haverá nisto algo de anti religioso? Muito ao
contrário, visto que os incrédulos aí encontram a fé e os mornos uma renovação
de fervor e de confiança. O Espiritismo é, portanto, o mais poderoso auxiliar
da religião. Visto que, se aí está, é porque Deus o permite, e o permite, para
reanimar nossas esperanças vacilantes e nos reconduzir ao caminho do bem, pela
perspectiva do futuro. CAPÍTULO III RETORNO DA VIDA CORPORAL À VIDA ESPIRITUAL
1. A Alma após a Morte; sua Individualidade. Vida Eterna. 2. Separação da Alma
e do Corpo. 3. Perturbação Espiritual. A ALMA APÓS A MORTE. O que se torna a
alma no instante da morte? “Volta a ser Espírito, isto é, volta ao mundo dos
Espíritos que, momentaneamente, ela havia deixado.” A alma, após a morte,
conserva sua individualidade? “Sim, jamais a perde. Que seria ela, se não a
conservasse?” Como a alma constata sua individualidade, visto que não tem mais
o seu corpo material? “Ela ainda possui um fluido que lhe é próprio, que haure
na atmosfera de seu planeta e que representa a aparência de sua última
encarnação: seu perispírito.” A alma nada leva consigo deste mundo? “Nada além
da lembrança e o desejo de ir para um mundo melhor. Esta lembrança é cheia de
doçura ou de amargor, conforme o uso que ela tenha feito da vida; quanto mais
pura, mais ela compreende a futilidade do que deixa na Terra.” O que pensar da
opinião de que, após a morte, a alma retorna ao todo universal? “O conjunto dos
Espíritos não forma um todo? Não constitui um mundo? Quando estás numa
assembleia, és parte integrante desta assembleia e, todavia, conservas sempre a
tua individualidade.” Que prova podemos ter da individualidade da alma, após a
morte? “Não tendes esta prova, através das comunicações que recebeis? Se não
fôsseis cegos, veríeis; se não fôsseis surdos, ouviríeis; pois, com muita
frequência, uma voz vos fala e vos revela a existência de um ser que está fora
de vós.” Os que pensam que, com a morte, a alma volta para o todo universal
estão errados, se com isso entendem que, semelhante a uma gota d’água que cai
no oceano, ela aí perde sua individualidade; estão certos, se entendem por todo
universal o conjunto dos seres incorpóreos do qual cada alma ou Espírito é um
elemento. Se as almas fossem confundidas na massa, só teriam as qualidades do
conjunto e nada as distinguiria umas das outras; não teriam inteligência, nem
qualidades próprias; enquanto que, em todas as comunicações, acusam a
consciência do eu e uma vontade própria: a diversidade infinita que apresentam,
sob todos os aspectos, é a própria consequência das individualidades. Se, após
a morte, só houvesse o que se chama de o grande Todo, absorvendo todas as
individualidades, este Todo seria uniforme e, então, todas as comunicações que
se recebessem do mundo invisível seriam idênticas. Visto que lá se encontram
seres bons, outros maus, sábios e ignorantes, felizes e infelizes; que os há de
todos os caracteres: alegres e tristes, levianos e profundos, etc., é,
evidentemente, porque são seres distintos. A individualidade se torna mais
evidente ainda, quando esses seres provam a sua identidade, através de sinais
incontestáveis: das particularidades pessoais relativas à sua vida terrestre,
que podem ser constatadas. Não pode ser posta em dúvida, quando eles se
manifestam à visão, nas aparições. A individualidade da alma nos era ensinada
em teoria, como um artigo de fé; o Espiritismo a torna patente e, de alguma
forma, material. Em que sentido se deve entender a vida eterna? “É a vida do
Espírito que é eterna; a do corpo é transitória e passageira. Quando o corpo
morre, a alma retoma a vida eterna.” a) Não seria mais exato chamar de vida
eterna a dos Espíritos puros, daqueles que, tendo atingido o grau de perfeição,
não têm mais provas a experimentar? “Seria, antes, a felicidade eterna; mas,
isto é uma questão de palavras; chamai as coisas como quiserdes, desde que vos
entendais.” SEPARAÇÃO DA ALMA E DO CORPO. A separação da alma e do corpo é
dolorosa? “Não; frequentemente, o corpo sofre mais durante a vida, do que no
momento da morte: a alma disso não participa. Os sofrimentos que, algumas
vezes, se experimentam no momento da morte, são um gozo para o espírito, que vê
chegar o término do seu exílio.” Na morte natural, a que sobrevém pelo
esgotamento dos órgãos, em consequência da idade, o homem deixa a vida sem
disto se aperceber: é um lampião que se apaga, por falta de combustível. Como
se opera a separação da alma e do corpo? “Sendo rompidos os elos que a
retinham, ela se desprende.” A separação se opera instantaneamente e por uma
brusca transição? Há uma linha de demarcação nitidamente traçada entre a vida e
a morte? “Não; a alma se desprende gradualmente e não escapa, como um pássaro
cativo, restituído, subitamente, à liberdade. Esses dois estados se tocam e se
confundem; assim, o Espírito se desprende, pouco a pouco, de seus laços: eles
se desatam, não se quebram.” Durante a vida, o Espírito se prende ao corpo por
seu envoltório semi material ou perispírito; a morte é a destruição do corpo
somente, e não a deste segundo envoltório, que se separa do corpo, quando nele
cessa a vida orgânica. A observação prova que, no instante da morte, o
desprendimento do perispírito não se completa subitamente; ele só gradualmente
se opera e com uma lentidão muito variável, conforme os indivíduos; em uns ele
é bastante rápido e pode-se dizer que o momento da morte é também o da
libertação, diferindo em algumas horas; porém, em outros, sobretudo naqueles
cuja vida foi toda material e sensual, o desprendimento é muito menos rápido e
dura, algumas vezes, dias, semanas e até meses, o que não implica existir no
corpo a menor vitalidade, nem a possibilidade de um retorno à vida, mas, uma
simples afinidade entre o corpo e o Espírito, afinidade que está sempre em
razão da preponderância que, durante a vida, o Espírito deu à matéria. Com
efeito, é racional conceber que quanto mais o Espírito se haja identificado com
a matéria, mais tenha difi culdade de se separar dela; enquanto que a atividade
intelectual e moral, a elevação dos pensamentos operam um começo de
desprendimento, mesmo durante a vida do corpo e, quando a morte chega, ele é
quase instantâneo. Este é o resultado dos estudos feitos em todos os indivíduos
observados, no momento da morte. Estas observações provam, ainda, que a
afinidade que, em alguns indivíduos, persiste entre a alma e o corpo é, algumas
vezes, muito penosa, pois o espírito pode experimentar o horror da
decomposição. Este caso é excepcional e próprio a certos gêneros de vida e a
certos gêneros de morte; ele se apresenta em alguns suicidas. A separação
definitiva da alma e do corpo pode acontecer antes da cessação completa da vida
orgânica? “Na agonia, a alma, algumas vezes, já deixou o corpo: nada mais há
senão a vida orgânica. O homem não tem mais consciência de si mesmo e, todavia,
resta-lhe ainda um sopro de vida. O corpo é uma máquina que o coração faz
funcionar; ele existe, enquanto o coração faz circular o sangue nas veias, e
para isso, não necessita da alma.” No momento da morte, a alma tem, algumas
vezes, uma aspiração ou êxtase que lhe faz entrever o mundo para onde vai
retornar? “Frequentemente, a alma sente quebrarem-se os elos que a prendem ao
corpo; faz, então, todos os esforços para rompê-los inteiramente. Já em parte
desprendida da matéria, vê o futuro desenrolar-se diante de si e goza, por
antecipação, do estado de Espírito.” O exemplo da lagarta que, primeiramente,
se arrasta pela terra, depois, encerra-se na sua crisálida sob uma morte
aparente, para renascer com uma existência brilhante, pode dar-nos uma ideia da
vida terrestre, depois do túmulo e, finalmente, de nossa nova existência? “Uma
pequena ideia. A imagem é boa; no entanto, é preciso não a tomar ao pé da
letra, como frequentemente vos acontece.” Que sensação experimenta a alma, no
momento em que se reconhece no mundo dos espíritos? “Isso depende; se fizeste o
mal com o desejo de praticá-lo, no primeiro momento, tu te sentirás envergonhado
de tê-lo feito. Para o justo, é bem diferente: ela fica como que aliviada de um
grande peso, pois não teme nenhum olhar perscrutador.” O Espírito reencontra,
imediatamente, aqueles que conheceu na Terra e que morreram antes dele? “Sim,
conforme a afeição que se dedicavam mutuamente; frequentemente, eles vêm
recebê-lo, quando da sua entrada no mundo dos Espíritos e o ajudam a se
desligar das faixas da matéria; como também há muitos que ele reencontra,
depois de os haver perdido de vista, durante sua estada na Terra; vê os que
estão na condição de errantes; os que estão encarnados e vai visitá-los.” Na
morte violenta e acidental, quando os órgãos ainda não se enfraqueceram pela
idade ou as doenças, a separação da alma e a cessação da vida acontecem simultaneamente?
“Geralmente assim é, porém, em todos os casos, o instante que as separa é muito
curto.” Após a decapitação, por exemplo, o homem conserva, durante alguns
instantes, a consciência de si mesmo? “Muitas vezes ele a conserva durante
alguns minutos, até que a vida orgânica esteja completamente extinta. Porém,
frequentemente também, a apreensão da morte o faz perder essa consciência antes
do instante do suplício.” Trata-se, aqui, apenas da consciência que o
supliciado pode ter de si mesmo, como homem e por intermédio dos órgãos, e não
como Espírito. Se não perdeu essa consciência antes do suplício, pode, então,
conservá-la por alguns brevíssimos instantes. Ela cessa, necessariamente, com a
vida orgânica do cérebro, o que não implica que o perispírito esteja
inteiramente desligado do corpo; ao contrário, em todos os casos de morte
violenta, quando ela não se deu pela extinção gradual das forças vitais, os
elos que unem o corpo ao perispírito são mais tenazes e o desligamento completo
é mais lento. Perturbação Espiritual. A alma, ao deixar o corpo, tem
imediatamente consciência de si mesma? “Consciência imediata não é bem o termo;
ela fica durante algum tempo em perturbação.” Todos os Espíritos experimentam,
no mesmo grau e com a mesma duração, a perturbação que se segue à separação da
alma e do corpo? “Não, isto depende da elevação deles. Aquele que já está
purificado, se reconhece quase imediatamente, porque já se desligou da matéria
durante a vida do corpo, enquanto que o homem carnal, aquele cuja consciência
não está pura, conserva por muito mais tempo a impressão dessa matéria.” O
conhecimento do Espiritismo exerce uma infl uência sobre a duração, mais ou
menos longa, da perturbação? “Uma influência muito grande, visto que o Espírito
compreendia, antecipadamente, a sua situação; porém, a prática do bem e a
consciência pura são o que tem maior influência.” No momento da morte, tudo, a
princípio, é confuso; a alma necessita de algum tempo para se reconhecer; ela
se encontra como que aturdida e no estado de alguém que sai de um sono profundo
e procura tomar consciência de sua situação. A lucidez das ideias e a memória
do passado lhe voltam, à medida que a influência da matéria, da qual acaba de
se desligar, se apaga e que a espécie de névoa que obscurece os seus
pensamentos se dissipa. A duração da perturbação que se segue à morte é muito
variável; pode ser de algumas horas, como de vários meses e, até, de vários
anos. É menos longa naqueles que, identificaram-se com o seu estado futuro,
porque, então, compreendem, imediatamente, sua posição. Essa perturbação
apresenta circunstâncias particulares, conforme o caráter dos indivíduos e,
principalmente, segundo o gênero de morte. Nas mortes violentas, por suicídio,
suplício, acidente, apoplexia, ferimentos, etc., o Espírito fica surpreso,
espantado e não acredita estar morto; sustenta-o com obstinação; entretanto, vê
o seu corpo, sabe que aquele corpo é o seu e não compreende que esteja separado
dele; vai para junto das pessoas que estima, fala-lhes e não compreende por que
elas não o ouvem. Esta ilusão perdura até o completo desligamento do
perispírito; somente, então, o Espírito se reconhece e compreende que não faz
mais parte dos vivos. Este fenômeno se explica facilmente. Surpreendido de
improviso pela morte, o Espírito fica atordoado com a brusca mudança que nele
se operou; para ele, a morte ainda é sinônimo de destruição, de aniquilamento;
ora, como ele pensa, vê, ouve, no seu entender, não está morto; o que aumenta
sua ilusão é que se vê com um corpo semelhante ao precedente, quanto à forma,
porém, cuja natureza etérea ainda não teve tempo de examinar; julga-o sólido e
compacto como o primeiro e, quando chamam sua atenção para esse ponto,
espanta-se de não poder apalpá-lo. Este fenômeno é análogo ao dos sonâmbulos
novatos que não creem dormir. Para eles, o sono é sinônimo de suspensão das
faculdades; ora, como pensam livremente e vêm, para eles, não dormem. Alguns
Espíritos apresentam esta particularidade, embora a morte não lhes tenha
ocorrido inopinadamente; ela, porém, é sempre mais comum naqueles que, embora
doentes, não pensavam em morrer. Vê-se, então, o espetáculo singular de um
Espírito que assiste ao próprio enterro, como se fosse o de um estranho e
falando disso, como de algo que não lhe dissesse respeito, até o momento em que
compreende a verdade. A perturbação que se segue à morte nada tem de penosa
para o homem de bem; conserva-se calmo e semelhante em tudo àquele que
experimenta um despertar tranquilo. Para aquele cuja consciência não está pura,
ela é cheia de ansiedade e de angústias, que aumentam, à medida que ele se
reconhece. Nos casos de morte coletiva, tem sido observado que todos aqueles
que perecem ao mesmo tempo, nem sempre se reveem imediatamente. Na perturbação
que se segue à morte, cada um vai para o seu lado, ou só se preocupa com
aqueles que lhe interessam. CAPÍTULO IV PLURALIDADE DAS EXISTÊNCIAS 1. A
Reencarnação. 2. Justiça da Reencarnação. 3. Encarnação nos Diferentes Mundos.
4. Transmigração Progressiva. 5. Sorte das Crianças após a Morte. 6. Sexos nos
Espíritos. 7. Parentesco, Filiação. 8. Semelhanças Físicas e Morais. 9. Ideias
Inatas. A REENCARNAÇÃO. Como a alma, que não atingiu a perfeição durante a vida
corporal, pode terminar de depurar-se? “Experimentando a prova de uma nova existência.”
Como a alma realiza essa nova existência? Será por sua transformação como
espírito? “A alma, depurando-se, experimenta, certamente, uma transformação,
mas, para isso, é-lhe necessária a prova da vida corporal.” Então, a alma tem
várias existências corporais? “Sim, todos temos várias existências. Os que
dizem o contrário querem vos manter na ignorância em que eles próprios se
encontram; este é o desejo deles.” Parece resultar deste princípio que a alma,
depois de ter deixado um corpo, toma um outro; ou, melhor dizendo, que ela
reencarna num novo corpo; é assim que se deve entender? “É evidente.” Qual é o
objetivo da reencarnação? “Expiação, melhoramento progressivo da Humanidade;
sem isto, onde estaria a justiça?” PLURALIDADE DAS EXISTÊNCIAS. O número das
existências corporais é limitado, ou o Espírito reencarna perpetuamente? “A
cada nova existência, o Espírito dá um passo no caminho do progresso; quando se
despoja de todas as suas impurezas, não tem mais necessidade das provas da vida
corporal.” O número das encarnações é o mesmo para todos os Espíritos? “Não; o
que caminha rápido, poupa-se das provas. Todavia, essas encarnações sucessivas
são sempre muito numerosas, pois o progresso é quase infi nito.” O que se torna
o Espírito depois de sua última encarnação? “Espírito bem-aventurado; ele é
Espírito puro.” JUSTIÇA DA REENCARNAÇÃO. Em que está fundamentado o dogma da
reencarnação? “Na justiça de Deus e na revelação, pois vos repetimos
incessantemente: Um bom pai deixa sempre aos seus filhos uma porta aberta para
o arrependimento. A razão não te diz que seria injustiça privar, para sempre,
da felicidade eterna todos aqueles de quem não dependeu o melhorar-se? Não são
filhos de Deus todos os homens? Só entre os homens egoístas encontram-se a
iniquidade, o ódio implacável e os castigos sem remissão.” Todos os Espíritos
tendem para a perfeição e Deus lhes fornece os meios, através das provas da
vida corporal; porém, na sua justiça, concede-lhes efetuar, em novas
existências, o que não puderam fazer ou concluir numa primeira prova.” Não
seria conforme a equidade, nem conforme a bondade de Deus, castigar para sempre
aqueles que encontraram obstáculos ao seu melhoramento, além de sua vontade e
no próprio meio em que se achavam colocados. Se a sorte do homem fosse
irrevogavelmente fixada, após sua morte, Deus não teria pesado as ações de
todos na mesma balança e não os teria, absolutamente, tratado com
imparcialidade. A doutrina da reencarnação, isto é, a que consiste em admitir
para o homem várias existências sucessivas é a única que corresponde à ideia
que fazemos da justiça de Deus para com os homens que se acham numa condição
moral inferior, a única que pode nos explicar o futuro e embasar nossas
esperanças, visto que nos oferece o meio de reparar os nossos erros, através de
novas provas. A razão nos indica e os Espíritos a ensinam. O homem que tem a
consciência de sua inferioridade haure, na doutrina da reencarnação, uma
consoladora esperança. Se crê na justiça de Deus, não pode esperar estar, pela
eternidade, em pé de igualdade com aqueles que fizeram melhor do que ele. O
pensamento de que essa inferioridade não o deserda, para todo o sempre, do bem
supremo e de que poderá conquistá-lo, através de novos esforços, sustenta-o e
reanima sua coragem. Quem é que, ao final de sua carreira, não lamenta ter
adquirido muito tarde uma experiência de que não pode mais tirar proveito? Esta
experiência tardia não fica perdida; ele a aproveitará numa nova existência.
ENCARNAÇÃO NOS DIFERENTE MUNDOS. Nossas diversas existências corporais
efetuam-se todas na Terra? “Nem todas, mas em diversos mundos: a deste mundo
não é a primeira, nem a última e é uma das mais materiais e das mais distantes
da perfeição.” A alma, a cada nova existência corporal, passa de um mundo a
outro, ou pode efetuar várias delas no mesmo globo? “Ela pode tornar a viver
várias vezes no mesmo globo, se não se adiantou bastante para passar para um
mundo superior.” Assim, podemos reaparecer várias vezes na Terra? “Certamente.”
Podemos retornar a este, depois de ter vivido em outros mundos? “Sem dúvida; já
pudestes viver algures e na Terra.” Será uma necessidade tornar a viver na
Terra? “Não; mas, se não progredirdes, podereis ir para um outro mundo que não
valha mais do que este e que pode ser pior.” Haverá uma vantagem em voltar a
habitar a Terra? “Nenhuma vantagem particular, a menos que aí se esteja em
missão; neste caso, progride-se, aí, como em qualquer outro lugar.” Não se
seria mais feliz permanecendo como Espírito? “Não, não! Estacionar-se-ia e o que
se quer é caminhar para Deus.” Os Espíritos, depois de terem encarnado em
outros mundos, podem fazê-lo neste, sem que jamais tenham estado aqui? “Sim,
como vós, em outros. Todos os mundos são solidários. O que não se faz num,
faz-se noutro.” Assim, há homens que estão na Terra pela primeira vez? “Há
muitos e em diversos graus de adiantamento.” Pode-se reconhecer, por um sinal
qualquer, quando um Espírito está pela primeira vez na Terra? “Isso nenhuma
utilidade teria.” Para chegar à perfeição e à felicidade suprema, que é o
objetivo final de todos os homens, o Espírito deve passar pela fieira de todos
os mundos existentes no Universo? “Não, pois há muitos mundos que estão no
mesmo grau e onde o Espírito nada aprenderia de novo.” Como, então, explicar a
pluralidade de suas existências no mesmo globo? “Ele pode aí se encontrar, a
cada vez, em posições bem diferentes, que são, para ele, outras tantas ocasiões
de adquirir experiência.” Os Espíritos podem tornar a viver, corporalmente, num
mundo relativamente inferior àquele em que já viveram? “Sim, quando têm uma
missão a cumprir, para auxiliar o progresso e, então, aceitam com alegria as
tribulações desta existência, porque elas lhes proporcionam um meio de
progredirem.” Isso também não pode acontecer por expiação e Deus enviar
espíritos rebeldes para mundos inferiores? “Os Espíritos podem permanecer
estacionários, porém, não retrogradam, então, a punição deles é não se
adiantarem e recomeçar suas existências mal empregadas, no meio conveniente à
sua natureza.” Quais são os que devem recomeçar a mesma existência? “Os que
faliram em suas missões ou em suas provas.” Os seres que habitam cada mundo,
chegaram, todos, ao mesmo grau de perfeição? “Não; dá-se como na Terra: há
Espíritos mais, ou menos adiantados.” Passando deste mundo para um outro, o
Espírito conserva a inteligência que neste possuía? “Sem dúvida, a inteligência
não se perde. Porém, ele pode não possuir os mesmos meios de manifestá-la; isto
depende de sua superioridade e do estado do corpo que tomar.” Os seres que
habitam os diferentes mundos têm corpos semelhantes aos nossos? “Certamente,
têm corpos, porque é necessário que o Espírito esteja revestido de matéria para
agir sobre a matéria; esse envoltório, porém, é mais ou menos material,
conforme o grau de pureza a que os Espíritos tenham chegado e é o que faz a
diferença entre os mundos que devemos percorrer; pois há várias moradas na casa
de nosso Pai, sendo estas, então, de vários graus. Uns sabem e têm consciência
disso, na Terra; com outros, não se dá, absolutamente, o mesmo.” Podemos
conhecer, exatamente, o estado físico dos diferentes mundos? “Nós, Espíritos,
só podemos responder conforme o grau em que vos achais; quer dizer que não
devemos revelar estas coisas a todos, porque nem todos se acham em condição de
compreendê-las e isto os perturbaria.” À medida que o Espírito se purifica, o
corpo que o reveste aproxima-se, igualmente, da natureza espírita. A matéria é
menos densa, ele não rasteja penosamente na superfície do solo; as necessidades
físicas são menos grosseiras, os seres vivos não têm mais necessidade de se
destruírem entre si, para se nutrir. O Espírito é mais livre e tem, das coisas
longínquas, percepções que nos são desconhecidas; vê com os olhos do corpo o
que só pelo pensamento entrevemos. A depuração dos Espíritos conduz os seres,
nos quais estão encarnados, ao aperfei- çoamento moral. As paixões animais se
enfraquecem e o egoísmo dá lugar ao sentimento fraterno. É assim que, nos
mundos superiores à Terra, as guerras são desconhecidas; lá, os ódios e as
discórdias não têm sentido, porque ninguém pensa em prejudicar seu semelhante.
A intuição que têm do futuro, a segurança que lhes advém de uma consciência
isenta de remorsos, fazem com que a morte não lhes cause apreensão; eles a
encaram sem temor e como uma simples transformação. A duração da vida, nos
diferentes mundos, parece ser proporcional ao grau de superioridade física e
moral destes mundos e isso é perfeitamente racional. Quanto menos material é o
corpo, menos está sujeito às vicissitudes que o desorganizam; quanto mais puro
é o Espírito, menos paixões tem ele a miná-lo. Ainda aí há um benefício da
Providência que quer, deste modo, abreviar os sofrimentos. Passando de um mundo
para o outro, o Espírito passa por uma nova infância? “A infância é, em toda
parte, uma transição necessária, mas, não é, em toda parte, tão obtusa quanto
no vosso mundo.” O Espírito pode escolher o novo mundo em que deve habitar?
“Nem sempre; mas pode pedi-lo e pode obtê-lo, caso o mereça; pois os mundos apenas
são acessíveis aos Espíritos, segundo o grau de elevação destes.” Se o Espírito
nada pedir, o que determina o mundo em que reencarnará? “O grau de sua
elevação.” O estado físico e moral dos seres vivos é perpetuamente o mesmo em
cada mundo? “Não; os mundos também estão submetidos à lei do progresso. Todos
começaram, como o vosso, por um estado inferior e a própria Terra experimentará
uma transformação semelhante; ela se tornará um paraíso terrestre, quando os
homens se tornarem bons.” É assim que as raças, que hoje povoam a Terra,
desaparecerão um dia e serão substituídas por seres cada vez mais perfeitos;
essas raças, transformadas, sucederão à raça atual, como esta sucedeu a outras
mais grosseiras ainda. Haverá mundos em que o Espírito, deixando de habitar um
corpo material, só tenha como envoltório o perispírito? “Sim; e até mesmo esse
envoltório se torna tão etéreo, que para vós é como se ele não existisse; este
é, então, o estado dos puros Espíritos.” Daí parece resultar que não há uma
linha divisória nítida entre o estado das últimas encarnações e o do Espírito
puro? “Esta demarcação não existe; apagando-se, pouco a pouco, a diferença
torna-se imperceptível, como a noite que finda, às primeiras claridades do
dia.” A substância do perispírito é a mesma em todos os mundos? “Não; ela é
mais ou menos etérea. Passando de um mundo a outro, o Espírito se reveste da
matéria própria de cada um; e essa mudança é tão rápida quanto o relâmpago.” Os
Espíritos puros habitam mundos especiais ou fi cam no espaço universal, sem
estarem ligados mais a um mundo do que a um outro? “Os Espíritos puros habitam
certos mundos, mas a eles não ficam confinados, como os homens, à Terra; podem,
melhor do que os outros, estar em toda parte.” Segundo os espíritos, de todos
os globos que compõem nosso sistema planetário, a Terra é um daqueles cujos
habitantes são menos adiantados física e moralmente; Marte seria ainda inferior
a ela e Júpiter, muito superior, em todos os sentidos. O Sol não seria um mundo
habitado por seres corporais, porém um lugar de encontro dos espíritos
superiores, que, de lá, irradiam, através do pensamento, para os outros mundos
que * Vide nota explicativa no final do livro (Nota do Editor, suas notas
sequentes conterão apenas as iniciais N.E.) TRANSMIGRAÇÃO PROGRESSIVA. Desde o
princípio de sua formação, o Espírito goza da plenitude de suas faculdades?
“Não, pois o Espírito, como o homem, também tem sua infância. Em sua origem, os
Espíritos apenas têm uma existência instintiva e mal têm consciência de si
mesmos e de seus atos; só, pouco a pouco, é que a inteligência se desenvolve.”
Qual o estado da alma na sua primeira encarnação? “O estado da infância na vida
corporal; sua inteligência apenas eclode: ela se ensaia para a vida.” As almas
de nossos primitivos ancestrais são almas no estado de infância? “Infância
relativa; mas, são almas já desenvolvidas; eles possuem paixões.” As paixões
são, pois, um sinal de desenvolvimento? “De desenvolvimento, sim; não, porém,
de perfeição; elas são um sinal de atividade e da consciência do eu; enquanto
que, na alma primitiva, a inteligência e a vida estão em estado de gérmen.” A
vida do Espírito, no seu conjunto, percorre as mesmas fases que vemos na vida
corporal; ele passa, gradualmente, do estado de embrião ao da infância, para
chegar, através de uma sucessão de períodos, ao estado de adulto, que é o da
perfeição, com a diferença de que, para o Espírito, não há declínio nem
decrepitude, como na vida corporal; de que sua vida, que teve um início, não
terá fim; de que é necessário um tempo imenso, do nosso ponto de vista, para
passar da infância espiritual a um desenvolvimento completo, e de que seu
progresso eles dirigem, pela mediação de espíritos menos elevados, aos quais
transmitem, por intermédio do fluido universal. Quanto à constituição física, o
Sol seria um foco de eletricidade e, ao que parece, todos os sóis estariam numa
posição idêntica. O volume e o afastamento do Sol nenhuma relação necessária
têm com o grau de adiantamento dos mundos, visto que Vênus seria mais adiantado
que a Terra e Saturno, menos que Júpiter. Vários Espíritos, que animaram
personalidades conhecidas na Terra, disseram estar reencarnados em Júpiter, um
dos mundos mais próximos da perfeição, e tem causado espanto ver, nesse globo
tão adiantado, homens que a opinião geral não colocava, aqui na Terra, no mesmo
patamar. Nada de surpreendente há nisto, se considerarmos que certos Espíritos
que habitam aquele planeta puderam ser enviados à Terra, para nela desempenhar
uma missão que, aos nossos olhos, não os colocava em primeiro plano; em segundo
lugar, que entre sua existência terrestre e a de Júpiter, eles puderam ter
outras intermediárias, em que se melhoraram; em terceiro lugar, finalmente, que
naquele mundo, como no nosso, há diferentes graus de adiantamento e que, entre
esses graus, pode haver a distância que, em nosso mundo, separa o selvagem do
homem civilizado. Assim, pelo fato de habitar em Júpiter, não quer dizer que se
esteja no nível dos seres mais adiantados, do mesmo modo que não se está no nível
de um sábio do Instituto, só porque se reside em Paris. As condições de
longevidade também não são, em toda parte, as mesmas que Terra, e a idade não
se pode comparar. Uma pessoa falecida há alguns anos, quando evocada, disse
estar encarnada, há seis meses, num mundo cujo nome nos é desconhecido.
Interrogada sobre a idade que tinha nesse mundo, ela respondeu: “Não posso
avaliá-la, porque não contamos o tempo como vós; depois, o modo de existência
não é mais o mesmo; lá, desenvolvemo-nos bem mais rapidamente; entretanto,
embora haja apenas seis de vossos meses que eu aqui esteja, posso dizer que,
quanto à inteligência, tenho o correspondente a trinta anos de idade na Terra.”
Muitas respostas análogas foram dadas por outros espíritos, e isso nada tem de
inverossímil. Não vemos, na Terra, uma imensidade de animais adquirir em alguns
meses seu desenvolvimento normal? Por que não poderia acontecer o mesmo com o
homem, em outras esferas? Notemos, além disso, que o desenvolvimento adquirido
pelo homem, na Terra, com a idade de trinta anos, talvez não seja senão uma
espécie de infância, comparado àquele que ele deve atingir. É ter bem curta a
visão tomar-nos, em tudo, como modelos da criação, e rebaixar muito a
Divindade, acreditar que, além de nós, nada lhe seja possível se realiza, não
numa única esfera, mas passando por mundos diversos. A vida do Espírito se
compõe, portanto, de uma série de existências corporais e cada uma delas
representa para ele uma oportunidade de progresso, assim como cada existência
corporal se compõe de uma série de dias, em cada um dos quais o homem adquire
um acréscimo de experiência e de instrução. Porém, do mesmo modo que na vida do
homem há dias que não produzem fruto algum, na do Espírito, há existências
corporais que nenhum resultado produzem, porque ele não soube usá-las com
proveito. Pode-se, desde esta vida, através de uma conduta perfeita, transpor
todos os degraus e tornar-se Espírito puro, sem passar por outros
intermediários? “Não, pois o que o homem julga perfeito está longe da
perfeição; há qualidades que lhe são desconhecidas e que ele não pode
compreender. Ele pode ser tão perfeito quanto o comporte sua natureza
terrestre, mas isso não é a perfeição absoluta. Assim como uma criança, que por
mais precoce que seja, deve passar pela juventude, antes de chegar à idade
madura; assim, também como o enfermo, que passa pela convalescença, antes de
recobrar toda a sua saúde. E, além disso, o Espírito deve progredir em ciência
e em moralidade; se ele apenas progrediu num sentido, é preciso que progrida no
outro, para atingir o topo da escala; porém, quanto mais o homem se adianta na
sua vida presente, tanto menos longas e penosas são as provas seguintes.” O
homem pode, pelo menos, garantir, desde esta vida, uma existência futura menos
cheia de amarguras? “Sim; sem dúvida, ele pode abreviar a extensão e as
dificuldades do caminho. Apenas o descuidado permanece sempre no mesmo ponto.”
Pode um homem, nas suas novas existências, descer mais baixo do que estava?
“Quanto à posição social, sim; como Espírito, não.” A alma de um homem de bem
pode, numa nova encarnação, animar o corpo de um celerado? “Não, visto que não
pode degenerar.” a) A alma de um homem perverso pode se tornar a de um homem de
bem? “Sim, se ele se arrependeu e, então, isto é uma recompensa.” A marcha dos
Espíritos é progressiva e jamais retrograda; eles se elevam, gradualmente, na
hierarquia e não descem, absolutamente, do ponto a que chegaram. Nas suas
diferentes existências corporais, eles podem descer como homens, mas, não, como
espíritos. Assim, a alma de um poderoso da Terra pode, mais tarde, animar o
mais humilde artesão e vice-versa; pois, entre os homens, as classes estão,
frequentemente, na razão inversa da elevação dos sentimentos morais. Herodes
era rei e Jesus, carpinteiro. A possibilidade de se melhorar numa outra
existência não pode levar algumas pessoas a perseverarem num mau caminho, pelo
pensamento de que elas poderão sempre corrigir-se mais tarde? “Aquele que assim
pensa, em nada crê, e a ideia de um castigo eterno não o refreia mais, porque
sua razão o repele e essa ideia conduz à incredulidade sobre todas as coisas.
Se tivessem sido empregados apenas meios racionais, para conduzir os homens,
não haveria tantos céticos. Um espírito imperfeito pode, de fato, pensar como
tu o dizes, durante a sua vida corporal; porém, uma vez desligado da matéria,
ele pensa de outra maneira, pois logo percebe que se equivocou e é, então, que
traz um sentimento contrário numa nova existência. É assim que o progresso se
efetua, e eis por que tendes, na Terra, alguns homens mais adiantados do que
outros; uns já têm uma experiência que outros ainda não possuem, mas que
adquirirão, pouco a pouco. Deles depende adiantar seu progresso ou retardá-lo,
indefinidamente.” O homem que ocupa uma má posição, deseja trocá-la, o mais
rápido possível. Aquele que se acha persuadido de que as tribulações desta vida
são consequência de suas imperfeições, buscará assegurar para si uma nova
existência menos penosa; e este pensamento o desviará muito mais do caminho do
mal do que o do fogo eterno em que ele não acredita. Do fato de os Espíritos,
não poderem melhorar-se, a não ser suportando as tribulações da vida corporal,
deve-se concluir que a vida material seja uma espécie de filtro ou de
depurador, por onde devem passar os seres do mundo espiritual, para chegar à
perfeição? “Sim, é isto mesmo. Eles se melhoram nessas provas, evitando o mal e
praticando o bem. Porém, só após várias encarnações ou depurações sucessivas é
que eles atingem, num tempo mais ou menos longo, conforme os seus esforços, o
objetivo para o qual tendem.” É o corpo que influi sobre o Espírito para
melhorá-lo, ou é o Espírito que influi sobre o corpo? “Teu Espírito é tudo; teu
corpo é uma vestimenta que apodrece: eis tudo.” Encontramos uma comparação
material dos diferentes graus de depuração da alma no suco da videira. Ele
contém o licor, chamado de espírito ou álcool, porém enfraquecido por uma
grande quantidade de matérias estranhas que lhe alteram a essência; ele só
atinge a pureza absoluta, após várias destilações, em cada uma das quais se
despoja de alguma impureza. O alambique é o corpo no qual ele deve entrar para
depurar-se; as matérias estranhas são como o perispírito que se depura, ele
próprio, à medida que o Espírito se aproxima da perfeição. SORTE DAS CRIANÇAS
APÓS A MORTE. O Espírito de uma criança que morreu em tenra idade é tão
adiantado quanto o do adulto? “Algumas vezes, muito mais, pois pode ter vivido
muito mais e ter mais experiência, sobretudo, se ele progrediu.” O Espírito de
uma criança pode, assim, ser mais adiantado do que o de seu pai? “Isto é muito
frequente; não o vedes, frequentemente, vós mesmos, na Terra?”. O Espírito da
criança que morre pequenina, não tendo podido fazer o mal, pertence às classes
superiores? “Se não fez o mal, tampouco fez o bem, e Deus não o isenta das
provas que deva experimentar. Se for puro, não é porque fosse uma criança, mas
por ser mais adiantado.” Por que a vida é, frequentemente, interrompida na
infância? “A duração da vida da criança pode ser, para o Espírito que nela está
encarnado, o complemento de uma existência interrompida, antes do termo
desejado, e sua morte é, frequentemente, uma prova ou uma expiação para os
pais.” O que ocorre ao Espírito de uma criança que morre em tenra idade?
“Recomeça uma nova existência.” Se o homem tivesse uma única existência e se,
após essa existência, sua sorte futura fosse fi xada pela eternidade, qual
seria o mérito da metade da espécie humana que morre em tenra idade, para
gozar, sem esforços, da felicidade eterna, e com que direito se acharia isenta
das condições, frequentemente tão duras, impostas à outra metade? Tal ordem de
coisas não estaria de acordo com a justiça de Deus. Pela reencarnação, a
igualdade é para todos; o futuro pertence a todos, sem exceção e sem
favoritismo para ninguém; os que chegam por último não podem queixar-se, senão
de si mesmos. O homem deve ter o mérito de seus atos, como tem deles a
responsabilidade. Aliás, não é racional considerar a infância como um estado normal
de inocência. Não se vêm crianças dotadas dos piores instintos, numa idade em
que a educação não pôde ainda exercer sua influência? E algumas delas que
parecem trazer de berço a astúcia, a falsidade, a perfídia, o próprio instinto
do roubo e do assassínio, e isto, não obstante os bons exemplos de que estão
cercadas? A lei civil as absolve de seus crimes, porque diz que eles agiram sem
discernimento; e tem razão, porque, com efeito, elas agem mais instintiva do
que deliberadamente; porém, de onde provêm esses instintos tão diferentes em
crianças da mesma idade, educadas nas mesmas condições e submetidas às mesmas
influências? De onde vem essa perversidade precoce, senão da inferioridade do
Espírito, visto que a educação não promoveu isto? Os que são viciosos, é porque
seu espírito progrediu menos e, então, experimentam as consequências, não de
seus atos infantis, mas dos de suas existências anteriores e, assim, a lei é a
mesma para todos, e a justiça de Deus atinge todo o mundo. SEXOS NOS ESPÍRITOS.
Os Espíritos têm sexos? “Não como o entendeis, pois os sexos dependem da
organização. Há entre eles amor e simpatia, mas baseados na semelhança dos
sentimentos.” O Espírito que animou o corpo de um homem pode, numa nova
existência, animar o de uma mulher e reciprocamente? “Sim, são os mesmos
Espíritos que animam os homens e as mulheres.” Quando se é um Espírito errante,
prefere-se encarnar no corpo de um homem ou de uma mulher? “Isso pouco importa
ao Espírito; dá-se em função das provas por que haja de passar.” Os Espíritos
encarnam como homens ou como mulheres, porque não têm sexo; como devem
progredir em tudo, cada sexo, assim como cada posição social, oferece-lhes
provações e deveres especiais e a oportunidade de adquirir experiência. Aquele
que fosse sempre homem, apenas saberia o que sabem os homens. PARENTESCO E
FILIAÇÃO. Os pais transmite aos seus filhos uma porção de suas almas, ou apenas
lhes dão a vida animal à qual, mais tarde, uma nova alma vem acrescentar a vida
moral? “Somente a vida animal, pois a alma é indivisível. Um pai estúpido pode
ter filhos inteligentes e vice-versa.” Visto que tivemos várias existências, a
parentela ultrapassa a da nossa existência atual? “Isto não pode ser de outra
maneira. A sucessão das existências corporais estabelece, entre os Espíritos,
laços que remontam às vossas existências anteriores; daí, com frequência, as
causas de simpatia entre vós e alguns Espíritos que vos parecem estranhos.” Aos
olhos de algumas pessoas, a doutrina da reencarnação parece destruir os laços
de família, fazendo-os anteriores à nossa existência atual. “Ela os distende,
porém, não os destrói. Sendo a parentela baseada em afeições anteriores, os
laços que unem os membros de uma mesma família são menos precários. Ela aumenta
os deveres da fraternidade, visto que, no vosso vizinho, ou no vosso criado,
pode encontrar-se um Espírito que tenha sido ligado a vós pelos laços do
sangue.” Todavia, ela diminui a importância que alguns dão à sua filiação, já
que se pode ter tido como pai um Espírito que tenha pertencido a uma outra
raça,* ou vivido numa condição inteiramente diversa. “É verdade, mas esta
importância está fundamentada no orgulho; o que a maioria honra, nos seus
antepassados, são os títulos, a classe social, a fortuna. Alguém, que coraria
de ter tido como ancestral um honesto sapateiro, gabar-se-ia de descender de um
nobre debochado. Porém, apesar do que digam ou façam, não impedirão as coisas
de serem como elas são, pois Deus não estabeleceu as leis da Natureza segundo a
vaidade deles.” Do fato de não haver filiação entre os Espíritos dos
descendentes de uma mesma família, resulta que o culto dos ancestrais seja uma
coisa ridícula? “Certamente que não, pois devemos ser felizes por pertencer a
uma família na qual Espíritos elevados encarnaram. Embora os Espíritos não
procedam uns dos outros, não têm menos afeição por aqueles que estão ligados a
eles pelos laços de família, pois estes Espíritos são, frequentemente, atraídos
para tal ou qual família, por causa da simpatia, ou por laços anteriores; acreditai,
porém, que os Espíritos de vossos ancestrais não ficam honrados com o culto que
lhes prestais por orgulho; o mérito deles não se reflete sobre vós, senão
quando vos esforçais para seguir os bons exemplos que eles vos têm dado e é
somente, então, que vossa lembrança pode não apenas lhes ser agradável, mas até
lhes ser útil.” * Vide nota explicativa no final do livro (N.E.) SEMELHANÇAS FÍSICAS E MORAIS. Os pais
transmitem, frequentemente, aos seus filhos uma semelhança física.
Transmitem-lhes, também, uma semelhança moral? “Não, visto que eles possuem
almas ou Espíritos diferentes. O corpo procede do corpo, o Espírito, porém, não
procede do Espírito. Entre os descendentes das raças, apenas há
consanguinidade.” De onde se originam as semelhanças morais que, algumas vezes,
existem entre os pais e seus filhos? “São espíritos simpáticos, atraídos pela
semelhança de seus pendores.” Nenhuma influência exerce o Espírito dos pais
sobre o de seu filho, após seu nascimento? “Influência muito grande; como vos
dissemos, os Espíritos devem colaborar para o progresso uns dos outros. Pois
bem! O Espírito dos pais tem por missão desenvolver o de seus filhos pela
educação; é para eles uma tarefa: serão culpados, se nisso falirem.” Por que de
pais bons e virtuosos se originam filhos de natureza perversa? Ou melhor, por
que as boas qualidades dos pais nem sempre atraem, por simpatia, um bom
Espírito para lhes animar o filho? “Um mau Espírito pode pedir bons pais, na
esperança de que seus conselhos o dirijam por um caminho melhor e Deus,
frequentemente, o confia a eles.”. Os pais podem, pelos seus pensamentos e suas
preces, atrair para o corpo da criança um bom Espírito de preferência a um
inferior? “Não; podem, porém, melhorar o Espírito da criança a que deram origem
e que lhes foi confiada: é o dever deles; maus filhos são uma provação para os
pais.” De onde se origina a semelhança de caráter que existe, frequentemente,
entre dois irmãos, principalmente entre os gêmeos? “Espíritos simpáticos que se
aproximam por semelhança de seus sentimentos e que ficam felizes por estarem
juntos.” Nas crianças cujos corpos são ligados e que têm alguns órgãos comuns,
há dois Espíritos, ou melhor, duas almas? “Sim, mas a semelhança entre elas
faz, com frequência, que pareça uma só aos vossos olhos.” Visto que os
Espíritos encarnam nos gêmeos por simpatia, de onde se origina a aversão que,
algumas vezes, vemos entre estes últimos? “Não é uma regra que entre os gêmeos
haja apenas Espíritos simpáticos; maus Espíritos podem querer lutar juntos no palco
da vida.” O que se deve pensar das histórias de crianças que lutam no seio da
mãe? “Um símbolo! Para significar que o ódio deles era inveterado, fizeram-no
remontar à época anterior ao nascimento destes. Geralmente, não levais muito em
conta figuras poéticas.” De onde se origina o caráter distintivo que se nota em
cada povo? “Os Espíritos também possuem famílias formadas pela semelhança de
seus pendores mais ou menos depurados, segundo sua elevação. Pois bem! Um povo
é uma grande família onde se reúnem Espíritos simpáticos. A tendência que os
membros dessas famílias apresentam para se unirem, é a origem da semelhança que
existe no caráter distintivo de cada povo. Acreditas que Espíritos bons e
humanos procurem um povo rude e grosseiro? Não; os Espíritos simpatizam com as
massas, como simpatizam com os indivíduos; lá, estão no meio que lhes é
próprio.” O homem conserva, em suas novas existências, traços do caráter moral
de suas existências anteriores? “Sim, isto pode acontecer; porém,
melhorando-se, ele muda. Sua posição social pode também não ser mais a mesma;
se de senhor, torna-se escravo, seus gostos serão inteiramente diferentes e
tereis dificuldade para reconhecê-lo. Sendo o Espírito o mesmo nas diversas
encarnações, suas manifestações podem ter, entre uma e outra, algumas
analogias, modificadas, todavia, pelos hábitos de sua nova posição, até que um
aperfeiçoamento notável tenha mudado completamente seu caráter, pois de
orgulhoso e mau, pode tornar-se humilde e humano, se se arrependeu.” O homem conserva
traços do caráter físico das existências anteriores, nas suas diferentes
encarnações? “O corpo é destruído e o novo nenhuma relação tem com o antigo. No
entanto, o Espírito se reflete no corpo; certamente, o corpo é apenas matéria;
porém, apesar disso, ele é modelado conforme as capacidades do Espírito, que
lhe imprime um certo caráter, principalmente no rosto, e é verdadeiro
designarem-se os olhos como o espelho da alma; quer dizer que, o rosto, mais
particularmente, reflete a alma; pois uma pessoa, excessivamente feia tem,
entretanto, algo que agrada, quando é o envoltório de um Espírito bom, sábio,
humano, enquanto há rostos muito belos que nenhuma impressão te causam, pelos
quais sentes até repulsão. Poderias acreditar que apenas corpos bem feitos fossem
o envoltório dos Espíritos mais perfeitos, ao passo que, todos os dias,
encontras homens de bem, sob aparências disformes. Sem ter uma semelhança
pronunciada, a similitude dos gostos e dos pendores pode dar, portanto, o que
se chama um ar de família.” O corpo que reveste a alma numa nova encarnação,
não possuindo nenhuma relação necessária com aquele que ela deixou, visto que
eles podem ter origens absolutamente diferentes, seria absurdo concluir por uma
sucessão de existências de uma semelhança que é apenas fortuita. Todavia, as
qualidades do Espírito, frequentemente, modificam os órgãos que servem às suas
manifestações e imprimem, no rosto e até no conjunto das maneiras, um cunho
distintivo. É assim que, sob o envoltório mais humilde, pode-se encontrar a
expressão da grandeza e da dignidade, enquanto que, sob a vestimenta do grande
senhor, vê-se, algumas vezes, a da baixeza e da ignomínia. Algumas pessoas,
saídas da posição mais ínfima, assumem sem esforços, os hábitos e as maneiras
da alta sociedade; parece que elas aí reencontram o seu elemento, enquanto
outros, apesar do seu nascimento e da sua educação, neste meio se encontram
sempre deslocados. Como explicar este fato de uma outra maneira, a não ser como
um reflexo daquilo que o Espírito foi antes? IDEIAS INATAS. O Espírito
encarnado conserva algum traço das percepções que possuiu e conhecimentos que
adquiriu nas suas existências anteriores? “Resta-lhe uma vaga lembrança que lhe
dá o que se chama de ideias inatas.” A teoria das ideias inatas não é, pois,
uma quimera (ilusão)? “Não; os conhecimentos adquiridos em cada existência não
se perdem; o Espírito, desligado da matéria, sempre se lembra deles. Durante a
encarnação, pode esquecê-los, em parte, momentaneamente, porém, a intuição que
deles lhe resta, auxilia o seu adiantamento; sem isto, teria sempre que
recomeçar. A cada nova existência o Espírito toma, como ponto de partida,
aquele em que ficara, na precedente.” Deve haver, assim, uma grande conexão
entre duas existências sucessivas? “Nem sempre tão grande quanto poderias
supô-lo, pois as posições são, frequentemente, muito diferentes e, no intervalo
entre elas, o Espírito pôde progredir.” Qual a origem das faculdades
extraordinárias dos indivíduos que, sem estudo prévio, parecem ter a intuição de
certos conhecimentos, como o das línguas, o do cálculo, etc.? “Lembrança do
passado; progresso anterior da alma, mas do qual ela própria não tem
consciência. De onde queres que venham? O corpo muda, o Espírito, porém, não
muda, embora troque de vestimenta (corpo).” Mudando de corpo, pode-se perder
algumas faculdades intelectuais, não ter mais, por exemplo, o gosto pelas
artes? “Sim, se maculou essa inteligência, ou dela fez um mau uso. Uma
faculdade pode, além disso, adormecer durante uma existência, caso o Espírito
queira exercer uma outra, com a qual está não tenha relação; então, ela
permanece em estado latente para reaparecer mais tarde". É a uma lembrança
retrospectiva que o homem deve, mesmo no estado selvagem, o sentimento
instintivo da existência de Deus e o pressentimento da vida futura? “É uma
lembrança que ele conservou do que sabia como Espírito, antes de ter encarnado;
mas, o orgulho abafa, com frequência, esse sentimento.” Será a essa mesma
lembrança que se devem certas crenças relativas à Doutrina Espírita, que se
encontram em todos os povos? “Esta doutrina é tão antiga quanto o mundo; é por
isso que a encontramos por toda a parte, e aí está uma prova de que ela é
verdadeira. O Espírito encarnado, conservando a intuição de seu estado de Espírito,
tem a consciência instintiva do mundo invisível, porém, ela é, frequentemente,
falseada pelos preconceitos e a ignorância a ela mistura à superstição”. O
Livro dos Espíritos. Abraço. Davi.
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