Segundo
o Budismo, para sermos felizes, temos de desenvolver um genuíno
sentimento de amor pelos outros: temos de ser capazes de amá-los. Aquilo que
faz com que tenhamos amor pelos outros nos vem dos deuses, e nos transforma em
deuses. Este pensamento, este sentimento, o de amor pelos outros, é a porta
que abre as práticas Mahayanas. Todo sofrimento que experimentamos tem
uma causa: e esta causa reside no pensamento egoísta, no pensamento de se
preservar a si mesmo, de só pensar em si mesmo, de tirar vantagem para si, proveito
para si mesmo em tudo e com tudo. Ou seja, só pensar em si mesmo, o tempo todo.
O nosso real inimigo é esse tipo de carinho por si mesmo, de cuidado de si, de
auto compaixão. Ou seja, o pensamento que diz sempre: eu podia ter
conseguido isso para mim, isso me aconteceu, fizeram
isso comigo, o que há de errado comigo? Por que isso
só acontece comigo? Esse é o tipo de pensamento que gera a infelicidade:
o de pensar em si mesmo. Devemos desprezar o pensamento que pensa em si mesmo,
abandonar esse tipo de pensamento, desprezar a ideia de cuidar de si e nos
dedicar inteiramente em pensar nos outros. Não se trata de desprezar-nos a nós
mesmos, julgando-nos inferior: muito ao contrário, devemos desenvolver uma
imensa autoconfiança na nossa capacidade de ir em socorro dos outros, de ser
deles a salvação e o amparo. Temos de realizar um treinamento constante para
reverter nossa tendência atual e nos dedicarmos a pensar exclusivamente nos
outros, esquecendo-nos de nós mesmos. Podemos começar pelas pequenas coisas,
como anular nossas reações de resposta às agressividades do outro para conosco,
quando o outro se encontra sob o poder dominador das aflições mentais. Em vez
de reagir, em vez de gerar ódio e negatividade, quando atacados, devemos tentar
anular-nos como pessoas, tornar-nos "vazios", como sujeito zero, de
tal forma que não haverá "alguém" ali para ser ofendido ou atacado,
ou não haverá ninguém. Isto a princípio parecerá muito difícil, como tudo que a
princípio aprendemos, mas depois poderá nos parecer familiar. Podemos até
sentir ódio, mas não demonstramos, mas anulamos imediatamente este
ódio resposta, de forma que aos pouco vamos nos tornando mestres de nós mesmos
e de nossas reações. Todos os nossos problemas derivam de nós nos prezarmos demais,
de pensarmos muito em nós mesmos, de estimarmo-nos demais a nós mesmos.
Alimentamos este pensamento há muito tempo, há muitas vidas, que é o pensamento
instintivo de preservação. Todos os Buddhas praticaram este treinamento
de trocar o "eu" pelos outros. Todos os Bodisattvas também
realizaram isso. Eles continuam fazendo isto: o cuidado para com os outros.
Incontáveis vidas o Bodisattva praticou assim, antes de se tornar um Buddha.
E é muito importante ver e entusiasmar-se com os exemplos dos grandes Mestres
que praticaram antes de nós: ou seja, não se importar com o que acontece ou
acontecerá conosco mesmos, e sim com os demais. Não se dar muito valor... e ao
mesmo tempo se considerar com a responsabilidade universal de assegurar o
bem-estar do mundo. Este pensamento nos transforma num deus, nos transformará
num Buddha. Só depois de aumentarmos e fortalecermos o pensamento de
preocupação com os outros e despreocupação conosco mesmo é que começamos a nos
trocar pelos outros. Por exemplo, se dermos toda a nossa comida para os outros,
sem nos importarmos conosco mesmo. Devemos começar pelas coisas mais simples,
como ceder a vez numa fila, ou dar o seu lugar no ônibus. Devemos aprender a
nos dedicar aos outros nos mínimos gestos, por exemplo, distribuindo sorriso e
afeto genuíno. Mesmos os animais sentem quando nos aproximamos deles com afeto,
com amor, com alegria de vê-lo, de encontrá-lo. Agradar os outros acumula muito
mérito e nos leva à Iluminação. Agradar aos outros acumula tudo que é
positividade, acumula amigos e riqueza, felicidade e segurança. Agradar aos
outros com genuíno amor nos leva a galgar os mais altos degraus da posição
social. É pela análise, é pela observação racional e minuciosa que podemos nos
convencer das imensas vantagens que afinal colhemos pela prática de anularmos
os nossos interesses e dedicarmo-nos ao amor genuíno e verdadeiro aos demais.
São imensos os frutos, espirituais e materiais. O egoísmo, tentando engrandecer
o "eu", contraditoriamente é o principal inimigo do "eu".
Quem se sente só, quem se sente isolado, é devido ao egoísmo que se sente só e
isolado. Quem se dedica aos demais, quem se dá aos demais, tem muitos amigos,
atrai muitos amigos. Esta pessoa passa a ser respeitada e amada por todos,
pelos homens e deuses. Até pelos animais. A bondade é algo que se irradia e
atinge os outros, e é algo que faz bem aos outros, que os outros sentem. É por
esta prática que se começa a desenvolver a chamada bodhicitta, ou mente
de iluminação. A bodhicitta é o desejo de atingir o estado de Buddha
pelo bem de todos os seres. A bodhicitta é amor e compaixão. Amor se
define pelo desejo de que o outro seja feliz. Compaixão se define pelo desejo
de que o outro se liberte do sofrimento. Algumas pessoas têm muito valor, muito
saber, mas não são reconhecidas porque não desenvolveram a bodhicitta.
Porque são egoístas. E como são egoístas, acumulam negatividades, geram
negatividades e atraem negatividades para si. As pessoas egoístas não têm
muitos amigos. Ao contrário, têm inimigos. Assim, o egoísta não consegue ajuda
e socorro quando precisa, quando encontram problemas. A nossa sociedade moderna
se fundamenta no contrário, se baseia no egoísmo, no narcisismo. Por isso há
muito sofrimento. O egoísmo gera ódio, o ódio é a raiz da guerra. Ao contrário,
a nossa mente deve voltar-se para a maioria, para fora. Pensar na maioria nos
faz crescer, como heróis. Por isso os bodisattvas são conhecidos como
heróis. Pensar no mundo, na humanidade, sem ilusões, sem fantasia, mas
começando pelos mais próximos, isto nos faz crescer, aumenta a nossa
capacidade de amar e de nos libertar a nós mesmos e aos outros. Por isso
devemos nos concentrar em pensar constantemente nos outros e não no nosso
egoístico eu. Um dos modos de treinamento é o esforço por desenvolver a equanimidade.
Com equanimidade nós não fazemos diferença entre eu e você, entre amigos e
inimigos, entre familiares e estranhos. Assim vemos que todos, como nós, querem
a felicidade. E como nós também os outros buscam isso de diferentes maneiras.
Nós também desenvolvemos a troca do eu pelos outros pelo raciocínio. Como nós,
os outros também não querem o sofrimento, mas querem a felicidade. É quando
pensamos muito pouco em nós mesmos, e o tempo todo nos outros, que
desenvolvemos a troca pelos outros, o trocar-se pelos outros. O forte
pensamento, o forte sentimento de beneficiar os outros, de que os outros
estejam bem, é isso que se chama trocar a si pelos outros. É fazer surgir esse
tipo de mente búdica, de mente de bodhicitta. Se o nosso
trabalho, se a nossa mente for toda dirigida para o benefício dos outros nós
seremos os principais benfeitores de nós mesmos e dos outros. Nós seremos
incluídos. Aquilo que plantamos, colhemos. Quando plantamos para os outros, a
riqueza vem abundante, automaticamente. Quando só pensamos nisto, minuto a
minuto, nós nos trocamos pelos outros. É esse treinamento da mente a prática
mais sagrada. Quando dominamos essa técnica conseguimos gerar compaixão
espontânea, amor espontâneo. A partir daí passamos a dar a nossa felicidade, e
assumir o sofrimento dos outros. A compaixão é o insuportável sentimento de dor
pelo sofrimento do outro. Os Budhas são feitos da matéria da compaixão.
Lentamente progredimos da pequena para a grande compaixão. Praticando
diariamente. Como o nosso tempo é da era degenerada, só investe nesta prática
os heróis, ou seja, temos de ter coragem e constância. O esforço é necessário
para atingir a experiência. Fazemos a seguinte promessa: Eu tomo a
responsabilidade de liberar a todos esses seres do sofrimento. Anotações de
uma palestra. Goeshe Lobsang Tenpa. Abraço. Davi.
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