O
Filme Quando Nietszche Chorou (2007), do diretor Pinchas Perry, considero um drama da vida real. As situações
vividas pelos personagens, mostram as crises existenciais pelas quais todos os
humanos acabam passando em seu percurso histórico. Paixões, desenganos, a
credulidade e incredulidade em Deus; o passado que as lembranças trazem em
forma de traumas, as escolhas que nem sempre fazemos corretamente, nossas
conquistas que no fundo, percebemos, não passam de um vazio; nossos
comportamentos desajustados em relação ao outro, os desejos como vontade e
objeto. O filme é incomum para os padrões que consideramos normais, isso na
perspectiva do espectador desavisado e desinformado sobre o contexto histórico
em que os eventos são relatados. Também a alternâncias de realidade entre
reminiscências e fantasias, dificultam em alguns casos a compreensão do
todo do enredo. Os eventos passam-se em Viena - Áustria; as margens do rio Danúbio, cidade
onde intelectuais (cientistas, filósofos, matemáticos, literatos e muitos
outros renomados personagens reuniam se em "clubes" e conferências
para discutirem os caminhos que a humanidade posteriormente tomaria),
principalmente alemães, e de outras nacionalidades, moravam, estudamos e
faziam suas pesquisa e investigações científicas. Esses acontecimentos deram-se na
segunda metade do século XIX e início do XX. De início podemos dizer que o
drama é formatado em um pessimismo realista, pois Nietszche incorporou muitos
dos conceitos de Arthur Schopenhauer (1788-1860), particularmente uma obra desse filósofo chamada O Mundo como Representação e Vontade, em sua filosofia estritamente
diferenciada até aquela época. As obras de Nietszche são famosas em todo o mundo,
pois trouxeram uma visão desmistificada do secularismo autoritário do estado
e da religião institucionalizada tanto católica quanto luterana. Ele percebia o desespero humano advindo de
uma mente doentia, fragilizada pelas superstições e crendices dentro de uma
cultura esclerosada pelo colonialismo e subordinação do outro. Combateu em sua
época os privilégios da religião organizada na Alemanha, o vazio de Deus, o desperdício de
dinheiro público em suntuosas construções de catedrais, a hipocrisia cristã e
manipulação da fé dos incautos para fins não condizentes com a fraternidade e
universalidade. O nacionalismo estereotipado alemão, que deu origem ao partido
nacional socialista, semente do nazismo nas primeiras décadas do século XX, também foi
criticado com fervor pelo filósofo, sendo esses costumes e tradições sociais
originários da mobilização civil que produziu o imperialismo alemão encarnado na figura do Fuhre, Adolf Hitler (1889-1945). Assim
falou Zaratrusta, O Anticristo, Crepúsculo dos Ídolos, Para Além do Bem e do
Mal, A Genealogia da Moral são escritos estudados (universidades) nas academias de
filosofia. Segundo especialistas Friedrich Nietszche (1844-1900) é considerado
o primeiro psicólogo moderno, pois grande parte dos seus escritos abarcam a
teorização do consciente e do inconsciente humano. Assim o filme parece que
deve ser entendido nesse panorama. Comecemos com os fatos. Nietszche num
auditório conferenciava para algumas pessoas, mas como questionava a existência
de Deus, dizendo: "Deus está morto, mas considerando o estado em que a espécie
humana se encontra, talvez ainda por um milênio existirão grutas em que se
encontrará a sua sombra". Os ouvinte acharam tão terrível aquelas palavras, que
a maioria acabou indo embora, sendo que, alguns praguejavam contra ele. Na
verdade a crítica era contra os clérigos e autoridades eclesiásticas superiores, que criaram um deus para
suas conveniências, enclausurando-o nas monumentais catedrais, isolando assim o
povo alemão de seu contato pessoal com Ele. Para Nietszche esse deus
aristocrático e faustoso não merecia crédito. A existência de Deus para
Nietszche era um axioma (evidencia cuja comprovação é dispensável por ser
óbvia), tanto que, seus biógrafos dizem que para onde ia levava seu exemplar da
sagrada escritura cristã, sendo um leitor assíduo. Nietszche conhece uma linda
jovem russa, Lou Andreas Salomé (1861-1927), e apaixonasse. Um romance difícil
e trabalhoso, pois Salomé considerava seu amante possuidor de distúrbios
psíquicos, mas ao mesmo tempo, também de uma inteligência extraordinária. Ele
escreve à ela muitas cartas declarando seu amor e desejando tê-la como
companheira, sem necessariamente haver relacionamento sexual; uma passionalidade platônica. Mas Salomé percebendo a suposta "loucura" de seu
pretendente resolve deixá-lo, sendo que, antes disso, consegue que um famoso psiquiatra
Josef Breuer (1842-1925), se interesse pelo seu caso. Assim nasce uma sincera
amizade entre ambos, pois Breuer também tinha suas situações traumáticas que
precisavam ser resolvidas. Casado, Breuer acabou apaixonando se por uma de suas
pacientes, Bertha Pappenheim (1856-1939), que sofria de histeria, marcada por
sintomas de depressão, nervosismo, tendência ao suicídio, paralisia,
perturbações visuais, contraturas musculares e outros, que a deixava
praticamente inválida. Esse fato criou sérias dificuldades no casamento de
Breuer, pois sua esposa naturalmente não aceitou essa condição de ter uma
concubina como concorrente. Breuer e Nietszche acertaram que ambos se
ajudariam, pois o primeiro descobriu conversando com seu amigo Sigmund Freud
(1856-1939), à inteligência psicológica que Nietszche possuía. Assim Breuer,
como médico, cuidaria de sua parte física e Nietszche, como psicólogo, trataria
com sua mente. Os dois conversam dentre outros assuntos sobre a paixão como
desejo e objeto. Segundo o psicólogo, como objeto a paixão tenderia a uma
obsessão incontrolável, que ao final consumiria o postulante matando-o. Assim,
mecanismo de retenção deveriam ser desenvolvidos na mente doentia, para que
esse propósito não fosse efetuado. Mas na "análise" Nietiana, outros
elementos foram revelados, por estarem ocultados no inconsciente de Breuer. Ele
percebeu, que tivera uma infância reprimida, baseada num padrão moral
religioso, enquadrado em conceito espirituais, concebendo um sentimento de
aprisionamento, pois suas conquistas e vitórias profissionais foram matizadas e
projetadas pelo seus pais. Desse modo, sentiu a necessidade de se libertar. A
cena em que Breuer se despede de sua família é forte, mostrando seu rompimento
com o passado, para depois, recomeçar novamente. Posteriormente ele volta para
a família, sendo recebido novamente pela esposa. Em sua saída reconheceu, que
Bertha, era apenas um objeto de desejo não manifestado em sua vontade coerente,
um engano do "coração". Outra situação que foi tratada com a análise
do psicólogo Nietszche, foi que Breuer até aquele momento não aceitara a morte
de sua mãe, quando ainda era criança. A visita ao túmulo de sua genitora com o quipar sobre a cabeça demonstra essa situação. Esse fato o reprimia, sendo visto nele
uma personalidade fraca, e desinteressada por experiência mais avançadas em sua
profissão. Breuer foi também ajudado por seu amigo Freud, que começava suas
postulações teóricas quanto a psicanálise. Assim usou com sucesso o processo de
regressão hipnótica em Breuer, onde pela fala seus traumas e transtornos
foram conhecidos em sua origem. Freud dizia que quando o paciente falava seu
problemas interiores estavam sendo indiretamente curado numa perspectiva da
terapia psicanalítica. É citado no filme a importância das confissões nas
igrejas cristãs, que têm o objetivo de "desentulhar" o inconsciente
da pessoas, retirando o peso da culpa e instalando alívio e conforto; isso quando revelado à um clérigo de confiança ou um amigo de igual modo. Salomé tenta
uma reaproximação com Nietszche, mas percebe que o filósofo vive situações
existenciais que vão além das suas, pois está preocupado com a angústia e
desespero do humano. O personagem messiânico de seu famoso livro Assim Falou
Zaratustra aparece numa cena pregando para seus discípulos e fieis. Zaratustra
foi inspirado na tradição budista, pois segundo consta Nietszche influenciado pela
filosofia oriental estudada por Schopenhauer, mesmo que, Zaratustra fosse uma evidencia mítica do
Zoroastrismo, religião fundada por Zoroastro no século VI AC; desse modo, esses antecedentes conceberam a figura mística de Zaratustra. Assim este famoso
personagem de Nietszche, era um profeta de uma divindade não teista, Um deus
dotado de uma consciência universal, sendo criador e criação, mas não adorado
pelos adeptos como personalidade eminentemente humana atuando na dimensão do
bem e do mal. Nietszche queria desconstruir com sua filosofia a perenidade de
uma religião monoteísta que confundia a humanidade com a divindade, desse modo,
não guardando limites do que era divino ou humano. É discutido também a questão
filosófica do vazio, um tema explorado na espiritualidade oriental e no
misticismo cristão. O vazio é um não lugar, uma esfera de conteúdo (paradoxo),
onde o caminhante desprovido de tudo e de todos, lançasse no espaço do não ser; encontrando o ambiente necessário para a compreensão de seu ego
interior. Buscando pela contemplação do nada a base para um fortalecimento
consciente e inconsciente. Outros dois temas são explorados pelo enredo.
Primeiro os sonhos que Breuer tivera; em um, ele caíra num buraco que ao fundo
tinha um túmulo vazio, e no outro ele havia morrido, mas tempos depois fora
resgatado pelo seu pai sendo levado de volta pra casa. Estes sonhos no filme
foram interpretados por Freud, talvez baseado em rascunhos de sua obra revolucionária que
falava do inconsciente humano chamada de A Interpretação dos Sonhos, publicada
primeiramente em 1900. Disse a Breuer que os sonhos tinham ligação com sua mãe
falecida. O segundo aspecto discutido é sobre a paixão humana. Quem nunca
se apaixonou por alguém; acho que todos nós, não importando se solteiro ou
casado. A paixão me parece ser mostrada no drama como algo instintivo ao ser
humano. Não escolhemos necessariamente por quem nos apaixonamos, esse sentimento
acaba brotando do desejo que é consumado pela vontade de ter o objeto. Na maioria das vezes um hedonismo, pois após a conquista desse objeto segue-se, um sentimento entediante, ofuscando o esforço despendido. Nietszche diz sabiamente, "Sonho com um amor em que duas pessoas compartilham uma paixão de buscar juntas uma verdade mais elevada. Talvez não devesse chamá-lo de amor. Talvez seu nome ideal seja amizade". Nessa
perspectiva filosófica esse assunto específico foi tratados, ficando bem claro
que esse sentimento em sua essência é transitório e temporário, em rasos casos
expressando o amor baseado em cumplicidade e companheirismo; numa troca
relacional singularizada em ganhos e perdas. Nesse aspecto não há o vínculo do
altruísmo, fraternidade e desapego para com o outro. Falo assim interpretando a
filmagem, pois nos dois casos exemplificados tanto Breuer como Nietszche queria
a posse do objeto, não lhes sendo permitido esse desejo. A paixão tem sempre um processo de "castração" acompanhando-a, isso sucede ora no início, meio ou final do relacionamento; expondo o magnetismo contrário ao amor compassivo e abnegado. Esses temas
também são discutidos em outra obra chamada A Genealogia da Moral, não sendo
foco de nossa análise nesse momento. Inferisse de seus escrito, que a
institucionalização religiosa trazia muito mais prejuízo material ao povo que
ganhos espirituais celestiais, pois impedia-se que desenvolvesse no fiel a consciência crítica, tão necessária à escolha e o discernimento do certo e errado numa perspectiva individual. O choro de Nietszche ao final da pelica, penso,
está relacionado ao seu anseio por mudanças na forma de pensar e praticar as
atitudes humanas, deixando a espirituosidade baseadas em credices e superstições.
Assumindo assim, por escolha e risco seu próprio destino, mas percebendo com
coerência e bom senso, cada movimento realizado no caminho pela elevação do
espírito. O filme termina mostrando o final da vida dos personagens. Bertha
tornou se uma filantropa trabalhando com assistência social direcionada aos
pobres e necessitados. Breuer, após reconciliar-se com sua esposa, concluiu
seus dias clinicando na medicina psiquiátrica, diminuindo o sofrimento físico humano e
salvando as vidas quando isso era possível. Salomé tornou-se amiga de Freud,
participando de seu círculo científico sendo uma renomada psicanalista na
Áustria. Freud foi o precursor da psicanálise, teorizando seus postulados e
convencionando métodos terapêuticos para tratamento dos pacientes com
patologias psíquicas, sem uso de medicamentos (sintéticos ou fitoterápicos). Fugiu da Alemanha nazista, perdendo nesse tempo quatro
irmãs, executadas nos campos de concentração nazista. Terminou seus dias em Londres,
amparado por amigos, acometido por uma doença na boca. Nietszche é visto na
filmagem pela última vez, embarcando de trem, para Basileia na Suíça. O
filósofo continuava seu inquietante destino de pensa sobre o ser humano, seus
mistérios revelados e ocultos. Beijos. Davi.
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