A definição de bodhichitta
é apresentada em Ornamento de Conscientização de
Maitreya, texto no qual ele afirma que o altruísmo possui dois aspectos: O
primeiro é a condição que produz a perspectiva altruísta, e essa envolve a
compaixão que uma pessoa precisa desenvolver por todos os seres sencientes (que
possui ou consegue receber impressões e sensações), bem como a aspiração que
ele ou ela deve cultivar de propiciar o bem estar à todos os seres sencientes.
Isso leva ao segundo aspecto, que é o desejo de alcançar a iluminação. É com a
intenção de beneficiar todos os seres que esse desejo deveria surgir em nós.
Poderíamos dizer que bodhichitta é o nível mais elevado do
altruísmo e a mais alta forma de coragem; e também poderíamos dizer que bodhichitta
é o resultado da mais alta atividade altruísta. Como o lama
Tsongkhapa (1357-1419) explica em sua Grande descrição do caminho à iluminação (Lam rím
cben mo), a natureza de bodhichitta é tal que, enquanto nos
dedicamos a realizar os desejos dos outros, a realização do nosso próprio
interesse ocorre como um sub produto. Maitreya personifica as virtudes do
bodhisattva, da bondade, compaixão destemida e virya ou vigor. O nome Maitreya
deriva-se da palavra sânscrita Maitri, que significa bondade, amor,
benevolência, amizade, afabilidade ou boa vontade. Segundo alguns estudiosos a
palavra Maitri vem de mitra, que significa amigo, e de matr, que significa Mãe.
Maitri é um dos Brahma Viharas, ou estados sublimes da consciência. Essa é uma
forma sábia de beneficiar tanto a si mesmo quanto os outros. Na realidade, na
minha opinião, bodhichitta é algo verdadeiramente maravilhoso. Quanto
mais penso em ajudar os outros, e quanto mais forte se torna minha vontade de
cuidar dos outros, maiores são os benefícios que me cabem. Isso é totalmente
extraordinário. Examinando um pouco mais as qualidades positivas de bodhichitta,
descobrimos que esse é um dos meios mais eficazes para acumular méritos e
aprimorar o nosso potencial espiritual. Além
disso, trata-se de um dos métodos mais poderosos para enfrentar tendências
negativas e impulsos destrutivos. Como a superação das tendências negativas e o
aprimoramento do potencial positivo são a própria essência do caminho
espiritual, a prática de desenvolver o altruísmo é realmente a prática maior,
mais eficaz e mais irresistível de todas. Maitreya também declara numa das suas
orações de enaltecimento que é essa mesma bodhichitta que pode nos
liberar da transmigração (renascimentos) para reinos inferiores da existência, que pode nos
levar a reencarnações superiores e mais felizes e que pode até nos levar ao
estado fora do alcance do envelhecimento e da morte. Maitreya está nesse texto
sugerindo algo muito especial. Em geral, de acordo com os ensinamentos
budistas, é a prática da moralidade e da conduta ética que nos protege da
reencarnação nos reinos inferiores da existência. O que Maitreya está dizendo é
que a prática de bodhichitta supera todas as práticas éticas e é, com
efeito, um caminho muito superior. Da mesma forma, ele afirma que bodhichitta
é um caminho superior quando se trata de plantar as sementes para
atingir formas superiores de reencarnação. Logo, em certo sentido, poderíamos
dizer que a prática de gerar e cultivar a intenção altruísta é tão abrangente
que contém os elementos essenciais de todas as outras práticas espirituais.
Considerada isoladamente, ela pode, portanto substituir a prática de muitas
técnicas diferentes, já que todos os outros métodos são destilados e se unem em
uma só abordagem. É por isso que consideramos que a prática de bodhichitta está
na raiz da felicidade tanto temporária quanto duradoura. Se examinarmos os
preceitos adotados por um praticante de bodhichitta, veremos a tremenda
coragem que sustenta essa prática. (...). A coragem de um raciocínio altruísta
tão vasto estende-se a todos os seres sem exceção, e não se confina a nenhuma
época específica. Ela é totalmente sem limites. Numa estrofe do seu Manual
para o estilo de vida do Bodhisattva (Bodhicaryavatara), Shantideva
também manifesta essa enorme coragem, que transcende todas as fronteiras de
espaço e tempo. Ele escreve: Enquanto perdurar o espaço. Enquanto
persistirem os seres sencientes. Que eu também possa permanecer.
Para dissipar as desgraças do mundo. Quando a intenção altruísta tem por
base a profunda percepção do vazio, e especialmente a conscientização direta do
vazio, diz-se que a pessoa alcançou as duas dimensões de bodhichitta que
são conhecidas como bodhichitta convencional e bodhichitta máxima.
Com essas duas práticas de compaixão e sabedoria, o praticante tem nas mãos o
método completo para atingir o mais alto objetivo espiritual. Essa pessoa é
verdadeiramente notável e digna de admiração. Se conseguirmos cultivar essas
qualidades espirituais dentro de nós mesmos, como Chandrakirti escreve em
termos muito poéticos em seu "Entrada para o Caminho do
Meio" (Madhyamakavatara), com uma asa de intenção altruísta e outra de
profunda percepção do vazio, poderemos cruzar todo o espaço e alçar voo para
além do estado da existência até as plagas (regiões) da natureza búdica de
plena iluminação. Embora eu tenha alguma experiência dessas duas dimensões de bodhichitta,
sinto que minha conscientização delas é muito baixa. Mesmo assim,
tenho verdadeiro desejo de praticar, e entusiasmo pela atividade, e só isso já
me dá uma inspiração imensa. Como mencionei em muitas ocasiões, acredito
que todos nós somos fundamentalmente iguais, e que temos o mesmo potencial
básico. Alguns de vocês, não tenho dúvida, têm um cérebro muito melhor do que o
meu. Deveriam, portanto, fazer um esforço para contemplar, estudar e meditar,
mas sem nenhuma expectativa míope. Deveriam ter a mesma atitude de Shantideva, de
que, enquanto o espaço existir, vocês permanecerão para dissipar o sofrimento
do mundo. Quando temos esse tipo de determinação, além de coragem para
desenvolver nossa capacidade, um século, uma era, um milhão de anos não são
nada. Além disso, vocês não irão considerar que os diferentes problemas humanos
que enfrentamos aqui e ali sejam de modo algum insuperáveis. Uma atitude e uma
visão dessas produzem algum tipo de verdadeira força interior. Talvez vocês
imaginem que seja uma ilusão pensar desse modo; mas mesmo que seja, não faz
diferença; considero essa atitude valiosa! Agora, a questão é como treinamos
para desenvolver bodhichitta. Os dois aspectos de bodhichitta de
que falamos anteriormente, a aspiração à sermos de ajuda aos outros e a aspiração à atingir por nós mesmos a iluminação, têm de ser cultivados separadamente por
meio de treinamentos distintos. A aspiração de sermos de ajuda aos outros deve ser
cultivada em primeiro lugar. O desejo de proporcionar bem estar aos outros pode
naturalmente, incluir a atividade de aliviar seus sofrimentos muito
óbvios e sua dor física; mas não é isso o que queremos dizer neste contexto.
Proporcionar o bem estar aos outros significa realmente ajudá-los a atingir a
libertação. Devemos, portanto, começar com uma compreensão do que queremos
dizer com "libertação". Isso remonta diretamente ao que descrevi
antes, ou seja, à compreensão do vazio, porque o nirvana, como definido pelos
ensinamentos budistas, tem de ser entendido em termos do vazio. Logo,
segundo o budismo, sem alguma compreensão do vazio não é realmente possível
compreender o que é a verdadeira libertação; e sem essa compreensão, uma forte
aspiração de atingir a libertação não surgirá. A segunda aspiração, a de
alcançar a plena iluminação, também está diretamente relacionada à nossa
compreensão do vazio. A palavra tibetana para iluminação é chang-chub; e
em sânscrito é bodhi. Um exame da etimologia das duas sílabas tibetanas
revela que chang significa "purificação" ou
"purificados", que se refere a uma qualidade do Buda de plena
iluminação, indicativa de que todas as características negativas e todos os
poluentes mentais foram superados. A segunda sílaba, chub, significa
literalmente "ter percebido", que se refere à qualidade do Bhudda de
ter consumado todo o conhecimento e toda a percepção. Portanto, a iluminação,
como é expressa no termo tibetano chang-chub, sugere tanto a superação
das nossas qualidades negativas quanto o aperfeiçoamento das nossas qualidades
positivas. Isso está diretamente associado à nossa compreensão do vazio, pois
ela pressupõe que percebamos ser possível eliminar os aspectos negativos da
mente, e admite algum nível de compreensão de como isso possa ser feito, bem
como de qual é a natureza da liberdade total. Palavras de Sua Santidade, o Dalai Lama, Tenzin
Gyatso (1935- ). Abraço. Davi.
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