Pema Chödrön é
uma monja buddhista norte-americana, nascida em New York no ano de 1936; sendo
uma das estudantes mais brilhantes de Chögyam Trungpa Rinpoche (1939-1987),
famoso mestre de meditação. Ela é autora das obras The Wisdom of No Escape e Start Where You Are,
e também professora em Gambo Abbey (Nova Scotia, Canadá), o primeiro monastério
tibetano na América do Norte estabelecido para ocidentais. Segundo
Chödrön, a felicidade está ao nosso alcance, e no entanto tantas vezes a
perdemos de vista, ironicamente na tentativa de evitar dor e sofrimento. O
texto radical e compassivo de Pema Chödrön vem de encontro às nossas
expectativas e hábitos de conduta Quando Tudo Se Desfaz (Editora
Gryphus, aqui no Brasil), e nos confronta com a sabedoria buddhista. Existe
somente uma atitude em relação ao sofrimento, ensina Chödrön, e essa atitude é
a que caminha na direção das situações difíceis com afabilidade e curiosidade,
se deixando levar pela insegurança da situação. É ali, no meio do caos, que
descobrimos a verdade e o amor indestrutíveis. Para sentir compaixão por
outras pessoas, precisamos sentir compaixão por nós mesmos. Precisamos nos
preocupar, principalmente, com as pessoas que sentem medo, raiva, inveja, que
são dominadas por todo tipo de vício, que são arrogantes, orgulhosas,
mesquinhas, egoístas, mas você pode escolher. Ter compaixão e carinho por elas
significa não fugir da dor de encontrar essas características em si mesmo. De
fato, toda a nossa atitude diante da dor pode mudar. Em vez de rechaçá-la e de
nos escondermos dela, é possível abrir nosso coração e nos permitirmos sentir
essa dor, senti-la como algo que nos abranda, purifica e nos torna muito mais
amorosos e bondosos. A prática de tonglen é um método para nos
conectarmos com o nosso próprio sofrimento, e o que nos rodeia onde quer que
possamos ir. É um método que nos leva a superar nosso medo da dor e a dissolver
a dureza de nosso coração. Acima de tudo, faz despertar a compaixão que é
inerente a todos nós, não importa quanto possamos parecer cruéis ou frios.
Iniciamos essa prática recebendo em nós mesmos a dor de alguém que sabemos
estar em sofrimento e desejamos ajudar. Se soubermos que uma criança está
sofrendo, por exemplo, inspiramos essa dor, desejando que ela se liberte
totalmente do pesar e do medo. Quando expiramos, enviamos felicidade, alegria,
ou o que lhe traga alívio. Esta é a essência da prática: inspiramos a dor do
outro, para que ele possa sentir-se bem e ter mais espaço para relaxar e abrir,
e expiramos, transmitindo relaxamento ou aquilo que sentimos que pode trazer
alívio e felicidade. Frequentemente, entretanto, não conseguimos realizar essa
prática porque nos vemos frente a frente com nosso próprio medo, nossa
resistência, raiva ou qualquer outro sofrimento pessoal que esteja presente.
Nesse momento, podemos mudar o foco e começar a praticar tonglen por
aquilo que estamos sentindo e por milhares de pessoas que, como nós, naquele
exato momento, sentem precisamente a mesma impotência e angústia. Talvez
sejamos capazes de dar um nome à nossa dor. Reconhecemos claramente o terror,
repulsa, raiva ou desejo e vingança. Então, inspiramos por aqueles que estão
dominados pelas mesmas emoções e irradiamos alívio ou qualquer outra sensação
que proporcione espaço para nós mesmos e para essas incontáveis pessoas. Às
vezes, não conseguimos dar um nome ao que estamos sentindo. Mesmo assim,
podemos perceber sua presença, um aperto no estômago, uma certa opressão ou o
que quer que seja. Simplesmente entramos em contato com o que estamos sentindo
e inspiramos, trazendo-o para dentro de nós e fazendo isso por todos.
Então, enviamos para fora alívio para todos. Diz-se, frequentemente, que
essa prática contraria o padrão costumeiro que usamos para não desmoronar. Na
verdade, a prática de tonglen realmente se opõe à nossa tendência
habitual de querer tudo ao nosso próprio modo, de desejar que tudo dê certo
para nós, independente do que aconteça aos outros. Ela desfaz os muros que
construímos ao redor de nosso coração, as camadas de auto proteção que lutamos
tanto para criar. Usando uma linguagem buddhista, podemos dizer que dissolve
a fixação e o apego do ego. A prática de tonglen reverte a lógica
habitual de evitar o sofrimento e buscar o prazer. Nesse processo, nós nos
libertamos de padrões muito antigos de egoísmo. Começamos a sentir amor, tanto
por nós mesmos quanto pelos demais; passamos a cuidar de nós mesmos e dos
outros. Tonglen desperta nossa compaixão e nos faz conhecer uma visão
muito mais ampla da realidade. Ele nos apresenta a amplidão ilimitada de shunyata.
Quando o praticamos, começamos a nos conectar com a vasta dimensão de nosso
ser. Inicialmente, deixamos de dar tanta importância a tudo e nossa experiência
passa a ser menos sólida do que parecia. A prática de tonglen pode ser
feita para os que estão doentes, para os que estão morrendo ou já morreram,
para todos aqueles que, de alguma forma, estão sofrendo. Tonglen pode
ser praticado como uma meditação formal, ou em qualquer lugar e a qualquer
momento. Estamos passando e vemos alguém em sofrimento, ali mesmo, começamos a
inspirar essa dor e a exalar alívio. Ou então, ao ver alguém sofrendo, podemos
desviar o olhar. Esse sofrimento desperta nosso medo ou raiva, nossa
resistência e confusão. Portanto, naquele exato momento, podemos praticar tonglen
por todas as pessoas que, assim como nós, desejam ser corajosas, mas são
covardes. Em vez de nos punirmos, podermos usar nossos próprios entraves como o
primeiro degrau para compreender o que outras pessoas, no mundo inteiro, estão
enfrentando. Inspirar por todos nós e expirar por todos nós. Usar o que parece
veneno como remédio. Podemos usar nosso sofrimento pessoal como um caminho em
direção à compaixão por todos os seres. Quando praticamos tonglen no
momento em que nos deparamos com o sofrimento, apenas inspiramos e expiramos,
inspiramos a dor, exalamos a amplidão à alívio. Quando praticamos tonglen como
uma meditação formal, devemos seguir quatro passos: 1. Em primeiro lugar,
descanse sua mente por alguns segundos em um estado de abertura ou quietude.
Esse estágio é tradicionalmente chamado de lampejo do bodhichitta absoluto,
ou de súbita abertura à amplidão e clareza fundamentais. 2. Em seguida,
trabalhe com a textura. Inspire o calor, a escuridão e o peso, a sensação de
claustrofobia (medo mórbido, doentio, dos espaços pequenos e fechados), e
expire serenidade, claridade e leveza, a sensação de frescor. Inspire
profundamente, por todos os poros, e expire, irradie completamente, usando
todos os poros de seu corpo. Faça isso até que essas sensações estejam
sincronizadas com sua inspiração e expiração. 3. No passo seguinte, trabalhe
uma situação pessoal, qualquer situação dolorosa que seja real para você.
Tradicionalmente, começa-se praticando tonglen por alguém com quem nos
preocupamos e que queremos ajudar. Entretanto, como já mencionei, quando seus
próprios problemas o impedem de prosseguir, você pode realizar a prática pela
dor que está sentindo e, simultaneamente, por todos aqueles que, como você,
passam pelo mesmo tipo de sofrimento. Por exemplo, se está se sentindo incapaz,
inspire essa sensação, por si mesmo e pelos outros que estão no mesmo barco, e
exale confiança, sentimento de ser capaz ou de alívio, da forma que desejar. 4.
Finalmente, torne esse processo mais abrangente. Se você está praticando tonglen
por alguém que ama, estenda a prática a todos aqueles por quem nutre o mesmo
sentimento. Se está praticando por alguém que viu na televisão ou na rua, faça
o mesmo por todos os que estão em situação semelhante. Não se limite a uma
única pessoa. Talvez já seja suficiente praticar por todos aqueles que, como
você, estão dominados pela raiva, medo, ou por qualquer outro sentimento que
também o aprisione. Entretanto, em todos esses casos, você pode ir além. Você
pode praticar tonglen por aqueles que considera inimigos, aqueles que o
ferem ou ferem alguém. Faça tonglen por eles, pense neles como dominados
pela mesma confusão e impotência que vê em si mesmo e naqueles que ama. Inspire
a dor deles, expire alívio. A prática de tonglen pode ser infinitamente
ampliada. À medida que pratica, gradualmente e ao longo do tempo, verá que sua
compaixão naturalmente se expande e o mesmo acontece, com a percepção de que as
coisas não são tão sólidas quanto você pensava. À medida que pratica,
gradualmente e em seu próprio ritmo, ficará surpreso ao perceber-se cada vez
mais capaz de ajudar os outros, mesmo em situações que pareciam insolúveis. Por
Karma Tenpa Darghye. Abraço. Davi.
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