No Budismo da
Tradição Theravada existem dois tipos fundamentais de meditação. Um
deles, Samatha, visa ao desenvolvimento da tranquilidade através de
estados de absorções meditativas (jhana) e o outro tipo, Vipassana,
visa conseguir a visão interna da verdadeira natureza das coisas. Essas duas
formas de meditação de modo algum se excluem mutuamente; no entanto, a
Meditação Vipássana (meditação da introspecção, da percepção) sempre foi
tradicionalmente considerada como a mais elevada das duas. A meditação da
introspecção resume-se na frase Seja atento! Isto é, vigie a sua mente. Essa
definição contém dois decisivos pressupostos: o de que a verdadeira percepção
ou plena atenção, levará à iluminação ou ao conhecimento das coisas como
realmente são. e o de que a condição pessoal ou estado de ser depende da mente.
A mente contém todas as coisas: o mundo do sofrimento e a sua origem, mas
também a cessação do sofrimento e o caminho a ela conducente. Assim a meditação
budista oferece a esperança da visão interna não somente no sentido de um novo
conhecimento, mas também de um novo ser. A essência da meditação budista é o
desenvolvimento da plena atenção ou da percepção. O programa de treinamento da
plena atenção não é arbitrário, mas baseado num dos mais populares textos do
Cânone Theravada (Cânone Páli), O Discurso Sobre os Quatro
Fundamentos da Plena Atenção ou em língua páli, Satipatthana Sutta.
O Satipatthana Sutta é essencialmente, um paradigma para alcançar a
visão interna da verdadeira natureza das coisas através do veículo da percepção
total. Ele oferece um programa sugestivo, ao mesmo tempo natural e lógico, que
qualquer pessoa pode seguir com os melhores resultados. Nada há de esotérico ou
de mágico na prática da plena atenção. Pelo contrário, o Sutta sintetiza
o interesse da Escola Theravada pela instrução concreta ou aplicação
prática dos princípios em que se baseiam os Ensinamentos do Buda, isto é, O Dharma.
Seus temas de meditação incluem objetos comuns como a respiração, o corpo
físico, as sensações, a consciência e os objetos mentais. A natureza
extremamente simples do Satipatthana Sutta ilustra uma das principais
convicções sobre o ideal budista: a de que os sentidos, inclusive a mente,
devem ser transformados para que se possa perceber a verdade. O Discurso Sobre
Os Quatro Fundamentos da Plena Atenção, o Satipatthana Sutta, começa
pelo pressuposto da condição ilusória do ser humano. Em seu estado de ser
habitual, o homem é fundamentalmente levado a alhear-se da natureza das coisas,
principalmente da natureza de sua própria existência. Errônea e incorretamente
atribui a sua própria vida e ao mundo que o rodeia uma permanência que, de
fato, não existe. Tal crença é o resultado da ignorância (avydia) que,
por sua vez é um produto das ilusões sensórias. A ilusão fundamental do
conhecimento sensório é o da permanência. Levados por uma multidão de desejos
egocêntricos como a avareza, o ódio, a luxúria e a ambição, os sentidos
constroem um mundo artificial e irreal. É um mundo no qual o "ego" e
a "auto satisfação" são da maior importância. Ameaçados por tudo
aquilo que desafia o lugar, o status e a posição, os sentidos perpetuam
a ilusão de um mundo no qual os "egos" vivem num meio de
"coisas" que têm a capacidade de garantir a felicidade e o bem estar.
Por força dessa ilusão os homens são levados pela ambição a destruir outros
homens, as nações a guerrear outras nações, a fim de conquistar uma posição, ou
até mesmo uma "paz permanente". Assim, o discurso admite que todos
nós vivemos num mundo ilusório ou irreal; não no sentido de que o mundo físico
ou fenomenal não exista realmente, mas que não existe realmente como nós o
percebemos. Por isso, o objetivo do Satipatthana consiste em sugerir um
meio ou um caminho que permita a compreensão da verdadeira natureza das coisas.
Não é fácil uma tarefa dessa ordem. A meditação budista não é um retrospectivo
devaneio mental durante a contemplação de um belo ocaso. Pelo contrário, a
meditação consciente é uma disciplina de confrontação com os processos da vida
tal como realmente são. Não depende de quaisquer estímulos externos, e menos
ainda do uso de alucinógenos. O Sattipatthana Sutta minimiza ou elimina
as distorções sensórias que contradizem a verdade sobre a natureza das coisas.
Visa proporcionar uma compreensão objetiva do ego e do mundo através de um
método analítico dentro de um ambiente controlado. Para aquele que persevera, é
grande a recompensa da meditação; contudo, ninguém medita para
"ganhar" alguma coisa. Medita simplesmente para poder "ver"
as coisas realmente como são e, portanto, para "ser" como realmente
é. O Budismo, como parte da mais elevada tradição religiosa hindu, é um
herdeiro do importante papel da respiração, sobretudo nas suas relações com as
técnicas do Yoga ou da meditação. Alguns discursos do Buda fazem
referências à conscientização da respiração (Anapanasati). No Majjhima
Nikaya, uma coleção desses discursos pertencente ao Cânone Therevada,
contém um discurso totalmente dedicado a respiração. 1º Fundamento: Plena
Atenção Sobre o Corpo. O Satipatthana Sutta começa, muito
apropriadamente, com a conscientização da respiração. Trata-se de um exercício
específico destinado a conseguir a percepção do corpo e de todos os seus
processos. É importante observar que a percepção meditativa, no Budismo Theravada,
não utiliza o abstrato ou o geral como meios de controlar a conscientização ou
produzir a visão interna. Pelo contrário, o concreto e específico oferecem o
ponto focal do treinamento mental. Consequentemente, a instrução para a
percepção corpórea não começa com a vaga afirmativa de que quem medita deve
contemplar a natureza do corpo como um organismo físico. O Satipatthana
Sutta ensina o monge (bikkhu) a procurar um lugar tranquilo, sentar
com as pernas cruzadas sobre as coxas, manter-se perfeitamente ereto e utilizar
a respiração como objeto de meditação. Atento, ele inspira, e atento expira. Ao
pensar: "respiro lentamente", compreende quando está respirando
lentamente; ou pensando: "respiro depressa", compreende quando está
respirando depressa; ou pensando, "expiro depressa", compreende
quando está expirando depressa". A consciência da respiração através do
simples exercício de prestar atenção às inalações e exalações, prolongadas ou
curtas, produzem duplo resultado: a percepção da natureza de todo o corpo e a
tranquilização das atividades orgânicas. O inalar e o exalar da respiração,
acompanhados pela subida e descida do abdome, ilustram perfeitamente a natureza
transitória e flutuante do organismo vivo. As atividades surgem e desaparecem
continuamente. De fato, nada existe de inerentemente permanente no corpo
físico. Ele não sofre apenas o processo de envelhecimento, que produz
posteriormente à morte; cada momento de vida consciente é um processo de fluxo
e refluxo idêntico ao observado no inalar e exalar da respiração. A percepção
da natureza do corpo físico acompanha um estado de tranquilidade resultante da
postura do observador. Vamos pensar por um momento nas consequências advindas
se cada um dos nossos atos fosse executado com uma atenção consciente de cada
movimento, sentimento e pensamento. Tal conscientização não é uma atitude de
investigação e conceituação racional, mas a simples percepção de tudo que
ocorre interna e externamente, uma consciência que observa sem apego todos os
acontecimentos mentais e físicos. Como evidencia o Sutta, ter
consciência do mecanismo da respiração é um exercício em si e por si mesmo; mas
também, como indicado aqui e no Satipatthana Sutta, a atenção sobre a
respiração destina-se a orientar a meditação para a visão interna. Sob esse
aspecto, é encarada como o primeiro passo de um programa regular de treinamento
e desenvolvimento. No entanto, no Anapanasati Sutta, cada um dos
aspectos do processo meditativo é acompanhado pela respiração atenta. Assim, a
contemplação do corpo, das sensações, da mente ou dos objetos mentais são
realizadas como parte da percepção da respiração. Em suma, o texto afirma que o
aperfeiçoamento nos quatro fundamentos da plena atenção, isto é, corpo,
sensações, mente ou consciência e objetos mentais ou ideias, é conseguido por
meio da respiração consciente. No Sutta estamos investigando, pois a
respiração consciente é apenas um aspecto de outras formas de percepção do
corpo físico. Seguem-se modos até mesmo mais analíticos de observação, nos
quais cada tipo de atividade física é cuidadosamente examinado: Ademais, ao andar,
um monge percebe: eu estou andando; quando se levanta, percebe: estou de pé;
quando se senta, percebe: estou sentado; quando se deita, percebe: estou
deitado e percebe todas as posições que seu corpo toma. O indivíduo que se
esforça para alcançar a visão interna precisa constatar com absoluta clareza
todos os movimentos e atos, a partir de abaixar-se e estender as pernas, até vestir
as roupas; o que bebeu, comeu, mastigou e saboreou. Em suma, nada do que faz
deve passar despercebido ou não observado. Atos que para o homem comum são
motivados subconscientemente passam a fazer parte da vida consciente. Todas as
atividades físicas são compreendidas no sentido de estarem sujeitas à
"plena percepção pura". Tal exame não significa que a mente deva
empenhar-se indefinidamente em descobrir as razões e os motivos dos atos
particulares. Ao contrário, seu esforço visa eliminar a sujeição dos hábitos
irrefletidos pelo desenvolvimento de um estado de percepção total e atenta.
A meditação interna deposita um alto grau de confiança na capacidade da
mente humana em arrancar o indivíduo das agonias da ignorância. Ignorância é
apego aos objetos sensórios, e uma ausência fundamental de compreensão da
natureza da existência sensorial. Segundo o comentário do Satipatthana Sutta,
a verdadeira percepção do corpo físico e de todas as suas atividades leva a uma
única conclusão: “Existe o corpo, mas não existe nenhum ego, nenhuma pessoa,
nenhuma mulher, nenhum homem, nenhuma alma, nada atinente a uma alma, nenhum
‘eu’, nada que seja meu, ninguém, e nada que pertença a ninguém".
Portanto, a meditação perceptiva realiza uma compreensão total das condições da
existência. Com tal compreensão é eliminada a ilusão de um ego. Da
conscientização da respiração e da percepção consciente de todas as formas de
atividades físicas, a meditação interior conduz ao exame do corpo em termos das
suas partes constituintes. O Sutta adverte a quem medita refletir sobre
as partes do corpo, desde as solas dos pés ao alto da cabeça, em termos de
cabelos, unhas, dentes, pele, carne, nervos, ossos, medula, rins, coração,
fígado, membranas, baço, pulmões, estômago, intestinos; excremento, bile,
catarro, pus, sangue, suor, gorduras, lágrimas, saliva, muco, urina, etc. Esta
relação pode chocar alguns leitores. Mas, como é natural, seu objetivo não
consiste em pintar um quadro atraente do corpo, mas em reforçar a noção de que
ele não passa de um conjunto de partes bastante repulsivas. Existe no corpo
alguma coisa digna de apego e desejo? Não, não existe! A conscientização de um
monge funda-se na ideia de que o corpo apenas existe. Por isso, "ele vive
independentemente e não se apega a nada deste mundo". O texto estabelece
duas tendências mutuamente interdependentes com relação à conscientização do
corpo: a natureza analítica da percepção interior e a redução do apego. A
primeira dessas tendências desenvolve-se a partir do mero exame das trintas e
duas partes físicas do corpo. Quem medita é ensinado a considerar o corpo como
um todo composto dos quatro elementos materiais primitivos, isto é, terra,
água, calor e ar. Esse esforço para reduzir o corpo aos seus elementos
componentes é parte integral da psicologia e da filosofia do Budismo Theravada.
Outras análises do ser psicofísico incluem Os Cinco Agregados (corpo,
sensação, percepção, consciência e formações mentais) e as seis bases
sensoriais. O processo analítico no qual o praticante está envolto enquanto
examina o corpo é também um exercício para o controle da mente. As definições,
neste caso, são limitadas, não no sentido lógico ou linguístico, mas como um
exercício destinado a focalizar a mente. Poder-se-ia afirmar que o Satipatthana
Sutta estabelece um contexto rigoroso para a mente, ao invés das habituais
reações mentais indisciplinadas, descontroladas e desconexas à situação humana.
Entretanto, a redução do indivíduo aos seus elementos fundamentais ou partes
constituintes é, sobretudo, destinada a eliminar o apego ao ego. Se não existe
nenhum ego, como pode alguém se apegar a ele? A redução do apego ao corpo é
acentuada no Satipatthana Sutta pelo que se menciona como as oito
contemplações do cemitério. São quadros que descrevem o corpo nas diversas
fases de apodrecimento e dissolução que se seguem à morte, um raciocínio
decerto nada agradável. A franqueza dessa passagem no texto dispensa
comentários. Cada uma das descrições varia ligeiramente, mas inclui
insistentemente as passagens que se referem à contemplação interna e externa do
corpo em termos do ciclo de origem e dissolução. Essa contemplação visa a
libertar aquele que medita do apego às coisas do mundo, e a criar um estado de
independência. O termo "independência" é bastante adequado. Num nível
mais profundo, a prática da meditação budista visa a trazer à realidade um novo
estado de ser caracterizado pela liberdade total. A velha condição de
existência, ao contrário, era limitada, ou, segundo a terminologia budista,
aferrada e apegada às coisas sensoriais. É sob esse prisma que devem ser
encaradas as contemplações no cemitério. São realmente repulsivas, e de fato
destinam-se a isso. Entretanto, devem ser lidas tendo em mente que uma das
"Quatro Visões" que levaram Sidarta (Buddha) Gautama a iniciar
a sua peregrinação espiritual foi a de um cadáver; e deve-se recordar
igualmente que a descrição budista da existência sensória, o Ciclo da
Originação Dependente, termina com a velhice e a morte. Assim, é esse conceito
da morte que prevalece em muitos níveis do pensamento budista e que não se deve
encarar como particularmente surpreendente no contexto do Satipatthana.
O aperfeiçoamento da conscientização do corpo é um modelo para outras formas de
meditação com plena atenção. Essas formas incluem a percepção das sensações, da
mente ou consciência e dos objetos mentais ou ideias. Nenhuma delas recebe o
tratamento extensivo dado à conscientização do corpo, talvez, porque a forma de
investigação mental já tenha sido estabelecida. Os três temas restantes da
meditação, tomados em conjunto, constituem os aspectos incorpóreos ou
imateriais da existência designados por nama (literalmente, nome). Por
isso, uma das primitivas referências constante dos textos páli sobre a
estrutura da individualidade é nama-rupa (literalmente, nome e forma) ou
realidade corpórea e realidade incorpórea. Às vezes, o termo chega a ser
identificado como os Cinco Agregados usados para descrever os componentes do
ser humano. 2º Fundamento: Plena Atenção (Consciência) às Sensações. A
contemplação das sensações (vedana) é descrita no comentário ao Satipatthana
Sutta como o mais fácil dos elementos imateriais da plena consciência. No Sutta,
é classificada em três tipos: agradável, desagradável (ou dolorosa) e neutra.
Quando surge uma sensação agradável espalhando-se em todo o corpo, o fato leva
a pessoa a afirmar: "Que alegria". Quando surge uma sensação
dolorosa, que se espalha por todo o corpo e obriga a pessoa a lastimar-se com
as palavras, "Ó, que desgraça". As sensações que não são nem
agradáveis nem dolorosas também tornam-se claras para aquele que as percebe. Na
meditação perceptiva tudo deve ser captado na sua absoluta realidade. Consequentemente,
se a pessoa que medita é apossada por sentimentos agradáveis ou dolorosos, ao
invés de tentar rejeitá-los ou desprezá-los, deve tornar-se consciente do que
são, do seu aparecimento e do seu desaparecimento. Essa percepção dos
substratos incorpóreos da meditação conduz rapidamente a uma conclusão que
constitui uma parte importante da doutrina budista, isto é, à interdependência
do corpo e da mente. A interdependência da mente e do corpo produz consequências
muito mais amplas do que a possibilidade de afugentar uma dor por ter
consciência dela. Revela a preocupação budista pelo homem total. Para alguns, a
meditação budista pode parecer, a seu modo, excessivamente cerebral. Isto é, dá
a impressão de ser, sobretudo, um exercício mental. Muito embora tal
interpretação não seja inteiramente injustificada, é igualmente óbvio que o
praticante bem sucedido é capaz de treinar o corpo a ficar sentado durante
muito tempo sem maior desconforto. Num nível mais elevado, os mestres de
meditação budista, antigos ou modernos, insistem em afirmar que somente uma
pessoa de grande caráter moral será capaz de focalizar a atenção e exercitar a
mente a um grau suficiente para conquistar a verdadeira sabedoria. Além disso,
e talvez de modo mais significativo, o praticante que alcançou a verdadeira
visão interna torna-se uma pessoa diferente. Existe uma dimensão moral definida
para a prática da meditação interna, embora o estado de iluminação transcenda
as categorias morais. A liberdade conquistada por aquele que conseguiu penetrar
a verdade da natureza das coisas tem um significado ôntico (que se relaciona
aos objetos do mundo, que se refere ao ente. Diríamos ainda que, se refere a
toda esquemática imanente do ser) de implicações profundas com relação às
atitudes pessoais e seu modo de agir. 3º Fundamento: Plena Atenção à Mente e
aos Estados Mentais. O terceiro tema
de meditação abordado no Satipatthana Sutta é citta que significa
mente, consciência ou, talvez, pensamento. Eis o texto: "Aqui, ó bikkhus,
um bikkhu compreende a consciência com ânsia, como com ânsia; a
consciência sem ânsia como sem ânsia; consciência com aversão como com aversão;
a consciência sem aversão como sem aversão; a consciência com ignorância como
com ignorância; o estado retraído da consciência como estado retraído; o estado
desatento de consciência como estado desatento; o estado de consciência que se
alarga como estado que se alarga; o estado de consciência que não se alarga
como o estado de consciência que não se alarga; o estado de consciência que tem
outro estado mental que lhe é superior como o estado que tem algo que lhe é
mentalmente superior; o estado de consciência que não tem outro estado mental
que lhe é superior como é o estado que não tem nada que lhe seja mentalmente
superior; o estado tranquilo da consciência como o estado tranquilo; o estado
intranquilo da consciência como o estado intranquilo; o estado livre da consciência
como livre; e o estado não liberto da consciência como não liberto". O
texto não diz se quem medita e tem consciência da aversão, da ignorância, da
pequenez, da inferioridade mental, da agitação ou limitação, deve sentir-se
culpado de tais pensamentos, ou se deve fazer um esforço imediato para
eliminá-los por meio de um ato de vontade violento. Realmente, deixar-se
enredar pela agonia da culpa por ter deixado de alimentar somente bons
pensamentos é uma forma de apegar-se à derrota. O Sutta nada mais faz
senão instruir o praticante a ter consciência dessas qualidades negativas, da
mesma forma que das positivas. De acordo com o ponto de vista budista, a única
maneira de dominar a ânsia, o ódio e a ignorância consiste na percepção da sua
existência. A verdadeira percepção tem a força suficiente para dominá-los. A
afirmativa budista sobre o poder da percepção é feita dentro do contexto da
disciplina prática do exercício de meditação interna e atenta. 4º Fundamento: Plena Atenção aos Assuntos
da Doutrina (Dhamma). A última parte do Satipatthana Sutta
versa sobre Dhamma ou Dharma. A palavra Dhamma pode ser
compreendida de diversas formas. Ela é a verdade, a verdadeira natureza das
coisas, a realidade, a lei espiritual e moral. Ela também denota cada um dos elementos
físicos e mentais individuais que, todos juntos, compreendem o mundo
fenomenológico. Dhamma também significa "ensinamento" e no
contexto do Budismo significa especificamente Os Ensinamentos do Buddha. O que
o Sutta discute nessa parte bastante extensa inclui os ensinamentos
fundamentais do Budismo Theravada:
1 - As Quatro
Nobres Verdades:
A Existência do
Sofrimento
A Causa ou origem
do Sofrimento
A Extinção do
Sofrimento
O Caminho que
conduz a Extinção do Sofrimento: O Caminho Óctuplo
2 - Os Cinco Agregados:
Forma Material,
Sensações,
Percepções,
Elementos
Volitivos (formações mentais ou Sanskhara) e Consciência.
3 - Os Seis
Obstáculos:
Orgulho
Inveja
Apego,
Indolência,
Ganância
Raiva,
4 - Os Sete
Fatores da Iluminação:
Plena Atenção, e
Concentração
Investigação da
Doutrina (Dhamma), Impermanência ,
Interdependência
Energia,
Êxtase,
Tranquilidade,
Equanimidade.
Esses temas
oferecem uma sinopse da doutrina budista. Sob determinado sentido, é exatamente
a verdade desses ensinamentos que o budista que medita chega a compreender.
Entretanto, de outro ponto de vista, esses ensinamentos assim expostos são
meros objetos mentais, ideias das quais é preciso ter consciência, mas às quais
não se deve ficar apegado. Se alguém alcança a verdadeira visão interior, as ideias,
tal como são formuladas, não se diferenciam da sua percepção. Portanto, são em
última análise, não o Dhamma na acepção de "objetos mentais",
mas o Dhamma como a Verdade. "Compreende a Verdade e a Verdade o
fará livre". Compreender a verdade no sentido mais amplo é ser a Verdade.
Não é compreender um conjunto de proposição ou decorar algumas fórmulas. A
meditação perceptiva visa a nada menos que nos unificar com a Verdade. Não é
tarefa fácil, embora algumas pessoas possam ter mais aptidão e mais capacidade
que outras ou talvez fosse melhor dizer, mais visão intuitiva. O Satipatthana
Sutta estabelece o meio de conquistar a iluminação. E o faz descrevendo a
aplicação de sati ou percepção dos quatro aspectos da vida humana: corpo,
sentimentos, consciência e ideias. A importância deste método particular
dificilmente pode ser exagerada, e seu lugar no esquema budista de treinamento
da meditação está garantido para sempre. Para quem apenas ler o texto, não há
nenhuma garantia pessoal sobre a verdade das suas afirmações. No entanto, o
próprio Buda advertiu a seus adeptos para que não aceitassem nenhum
ensinamento, nem mesmo o seu, sem experimentá-lo; e nós também devemos ser
igualmente advertidos para experimentar a verdade da asserção (proposição que
se assume como verdade, independentemente de seu conteúdo) do Buda: "Este
é o único meio, ó monges, para a purificação dos seres, para dominar a dor e os
lamentos, para a destruição do sofrimento e do pesar, para alcançar o
verdadeiro caminho, para atingir o Nibbana". Os segredos do Lótus.
Donald Swearer. Abraço. Davi.
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