Espiritismo. www.institutoandreluiz.org. Texto de Allan Kardec (1804-1869).
ORIGEM DO BEM E DO MAL. 1 -
Sendo Deus o princípio de todas as coisas e sendo todo sabedoria, todo bondade,
todo justiça, tudo o que dele procede há de participar dos seus atributos,
porquanto o que é infinitamente sábio, justo e bom nada pode produzir que seja
ininteligente, mau e injusto. O mal que observamos não pode ter nele a sua
origem. 2 - Se o mal estivesse nas atribuições de um ser especial, quer se lhe
chame Arimane, quer Satanás, ou ele seria igual a Deus, e, por conseguinte, tão
poderoso quanto este, e de toda a eternidade como ele, ou lhe seria inferior.
No primeiro caso, haveria duas potências rivais, incessantemente em luta,
procurando cada uma desfazer o que fizesse a outra, contrariando-se mutuamente,
hipótese está inconciliável com a unidade de vistas que se revela na estrutura
do Universo. No segundo caso, sendo inferior a Deus, aquele ser lhe estaria
subordinado. Não podendo existir de toda a eternidade como Deus, sem ser igual
a este, teria tido um começo. Se fora criado, só o poderia ter sido por Deus,
que, então, houvera criado o Espírito do mal, o que implicaria negação da
bondade infinita. (Veja-se: O Livro O Céu e o Inferno, cap. X: Os demônios. 3 - Entretanto, o mal existe e tem
uma causa. Os males de toda espécie, físicos ou morais, que afligem a
Humanidade, formam duas categorias que importa distinguir: a dos males que o
homem pode evitar e a dos que lhe independem da vontade. Entre os primeiros,
cumpre se incluam os flagelos naturais. O homem, cujas faculdades são
restritas, não pode penetrar, nem abarcar o conjunto dos desígnios do Criador;
aprecia as coisas do ponto de vista da sua personalidade, dos interesses
factícios e convencionais que criou para si mesmo e que não se compreendem na
ordem da Natureza. Por isso é que, muitas vezes, se lhe afigura mal e injusto
aquilo que consideraria justo e admirável, se lhe conhecesse a causa, o
objetivo, o resultado definitivo. Pesquisando a razão de ser e a utilidade
de cada coisa, verificará que tudo traz o sinete da sabedoria infinita e se
dobrará a essa sabedoria, mesmo com relação ao que lhe não seja compreensível.
4 - O homem recebeu em partilha uma inteligência com cujo auxílio lhe é
possível conjurar, ou, pelo menos, atenuar os efeitos de todos os flagelos
naturais. Quanto mais saber ele adquire e mais se adianta em civilização, tanto
menos desastrosos se tornam os flagelos. Com uma organização sábia e
previdente, chegará mesmo a lhes neutralizar as consequências, quando não possam
ser inteiramente evitados. Assim, com referência, até, aos flagelos que têm
certa utilidade para a ordem geral da Natureza e para o futuro, mas que, no
presente, causam danos, facultou Deus ao homem os meios de lhes paralisar os
efeitos. Assim é que ele saneia as regiões insalubres, imuniza contra os
miasmas pestíferos, fertiliza terras áridas e se indústria em preservá-las das
inundações; constrói habitações mais salubres, mais sólidas para resistirem aos
ventos tão necessários à purificação da atmosfera e se coloca ao abrigo das
intempéries. É assim, finalmente, que, pouco a pouco, a necessidade lhe fez
criar as ciências, por meio das quais melhora as condições de habitabilidade do
globo e aumenta o seu próprio bem-estar. 5 - Tendo o
homem que progredir, os males a que se acha exposto são um estimulante para o
exercício da sua inteligência, de todas as suas faculdades físicas e morais,
incitando-o a procurar os meios de evitá-los. Se ele nada houvesse de temer,
nenhuma necessidade o induziria a procurar o melhor; o espírito se lhe
entorpeceria na inatividade; nada inventaria, nem descobriria. A dor é o
aguilhão que o impede para a frente, na senda do progresso. 6 - Porém, os males
mais numerosos são os que o homem cria pelos seus vícios, os que provêm do seu
orgulho, do seu egoísmo, da sua ambição, da sua cupidez, de seus excessos em
tudo. Aí a causa das guerras e das calamidades que estas acarretam, das
dissenções, das injustiças, da opressão do fraco pelo forte, da maior parte,
afinal, das enfermidades. Deus promulgou leis plenas de sabedoria, tendo por
único objetivo o bem. Em si mesmo encontra o homem tudo o que lhe é necessário
para cumpri-las. A consciência lhe traça a rota, a lei divina lhe está gravada
no coração e, ao demais, Deus lha lembra constantemente por intermédio de seus
messias e profetas, de todos os Espíritos encarnados que trazem a missão de o
esclarecer, moralizar e melhorar e, nestes últimos tempos, pela multidão dos
Espíritos desencarnados que se manifestam em toda parte. Se o homem se
conformasse rigorosamente com as leis divinas, não há duvidar de que se
pouparia aos mais agudos males e viveria ditoso na Terra. Se assim procede, é
por virtude do seu livre-arbítrio: sofre então as consequências do seu
proceder. (Livro O Evangelho segundo o Espiritismo, cap. V, nos 4, 5, 6 e
seguintes). 7 - Entretanto, Deus, todo bondade, Pôs o remédio ao lado do mal,
isto é, faz que do próprio mal saia o remédio. Um momento chega em que o
excesso do mal moral se torna intolerável e impõe ao homem a necessidade de
mudar de vida. Instruído pela experiência, ele se sente compelido a procurar no
bem o remédio, sempre por efeito do seu livre-arbítrio. Quando toma melhor
caminho, é por sua vontade e porque reconheceu os inconvenientes do outro. A
necessidade, pois, o constrange a melhorar-se moralmente, para ser mais feliz,
do mesmo modo que o constrangeu a melhorar as condições materiais da sua
existência (nº 5). 8 - Pode dizer-se que o mal é a
ausência do bem, como o frio é a ausência do calor. Assim como o frio não é um
fluido especial, também o mal não é atributo distinto; um é o negativo do
outro. Onde não existe o bem, forçosamente existe o mal. Não praticar o mal, já
é um princípio do bem. Deus somente quer o bem; só do homem procede o mal. Se
na criação houvesse um ser preposto ao mal, ninguém o poderia evitar; mas,
tendo o homem a causa do mal em SI MESMO, tendo simultaneamente o
livre-arbítrio e por guia as leis divinas, evitá-lo-á sempre que o
queira. Tomemos para termo de comparação um fato vulgar. Sabe um
proprietário que nos confins de suas terras há um lugar perigoso, onde poderia
perecer ou ferir-se quem por lá se aventurasse. Que faz, a fim de prevenir os
acidentes? Manda colocar perto um aviso, tornando defeso ao transeunte ir mais
longe, por motivo do perigo. Aí está a lei, que é sábia e previdente. Se,
apesar de tudo, um imprudente desatende o aviso, vai além do ponto onde este se
encontra e sai-se mal, de quem se pode ele queixar, senão de si próprio? Outro
tanto se dá com o mal: evitá-lo-ia o homem, se cumprisse as leis divinas. Por
exemplo: Deus pôs limite à satisfação das necessidades: desse limite a
saciedade adverte o homem; se este o ultrapassa, o faz voluntariamente. As
doenças, as enfermidades, a morte, que daí podem resultar, provêm da sua
imprevidência, não de Deus. 9 - Decorrendo, o mal, das imperfeições do homem e
tendo sido este criado por Deus, dir-se-á, Deus não deixa de ter criado, se não
o mal, pelo menos, a causa do mal; se houvesse criado perfeito o homem, o mal
não existiria. Se fora criado perfeito, o homem fatalmente penderia para o bem.
Ora, em virtude do seu livre-arbítrio, ele não pende fatalmente nem para o bem,
nem para o mal. Quis Deus que ele ficasse sujeito à lei do progresso e que o
progresso resulte do seu trabalho, a fim de que lhe pertença o fruto deste, da
mesma maneira que lhe cabe a responsabilidade do mal que por sua vontade
pratique. A questão, pois, consiste em saber-se qual é, no homem, a origem da
sua propensão para o mal (1). 10 - Estudando-se todas as paixões e, mesmo,
todos os vícios, vê-se que as raízes de umas e outros se acham no instinto de
conservação, instinto que se encontra em toda a pujança nos animais e nos seres
primitivos mais próximos da animalidade, nos quais ele exclusivamente domina,
sem o contrapeso do senso moral, por não ter ainda o ser nascido para a vida
intelectual. O instinto se enfraquece, à medida que a inteligência se
desenvolve, porque esta domina a matéria. O Espírito tem por destino a vida
espiritual, porém, nas primeiras fases da sua existência corpórea, somente a
exigências materiais lhe cumpre satisfazer e, para tal, o exercício das paixões
constitui uma necessidade para o efeito da conservação da espécie e dos
indivíduos, materialmente falando. Mas, uma vez saído desse período, outras
necessidades se lhe apresentam, a princípio semi morais e semi materiais,
depois exclusivamente morais. É então que o Espírito exerce domínio sobre a matéria,
sacode o jugo, avança pela senda providencial que se lhe acha traçada e se
aproxima do seu destino final. Se, ao contrário, ele se deixa dominar pela
matéria, atrasa-se e se identifica com o bruto. Nessa situação, o que era
outrora um bem, porque era uma necessidade da sua natureza, transforma-se num
mal, não só porque já não constitui uma necessidade, como porque se torna
prejudicial à espiritualização do ser. Muita coisa, que é qualidade na criança,
torna-se defeito no adulto. O mal e, pois, relativo e a responsabilidade é
proporcionada ao grau de adiantamento. Todas as paixões têm, portanto, uma
utilidade providencial, visto que, a não ser assim, Deus teria feito coisas
inúteis e, até, nocivas. No abuso é que reside o mal e o homem abusa em virtude
do seu livre-arbítrio. Mais tarde, esclarecido pelo seu próprio interesse,
livremente escolhe entre o bem e o mal. (LIVRO A GÊNESE, CAPÍTULO III - O Bem e
o Mal. Origem do bem e do mal, ALLAN KARDEC).
REFERÊNCIA: (1). O erro está em
pretender-se que a alma haja saído perfeita das mãos do Criador, quando este,
ao contrário, quis que a perfeição resulte da depuração gradual do Espírito e
seja obra sua. Houve Deus por bem que a alma, dotada de livre-arbítrio, pudesse
optar entre o bem e o mal e chegasse a suas finalidades últimas de forma
militante e resistindo ao mal. Se houvera criado a alma tão perfeita quanto ele
e, ao sair-lhe ela das mãos, a houvesse associado à sua beatitude eterna, Deus
tê-la-ia feito, não à sua imagem, mas semelhante a si próprio. (Bonnamy, Livro
A Razão do Espiritismo, cap. VI.). www.institutoandreluiz.org.
Abraço. Davi
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