Espiritualidade.
Texto de N. Sri Ram (1889-1973). VIDA E MORTE. Do ponto de vista da verdade, que é Teosofia (sabedoria divina), a morte tem um caráter diferente do que comumente imaginam as pessoas de
quaisquer crenças. O medo da morte é a coisa mais comum no mundo; na verdade, a
morte é retratada como a rainha do terror. Na Índia, os costumes e ritos
dedicados ao funeral imprimem pavor nas mentes dos enlutados com pompa quase
primitiva, enquanto no Ocidente o horror com que é considerada está vestido com
o silêncio de um pesar negro e sombrio. Mas, do ponto de vista do homem eterno,
a morte é um incidente recorrente no caminho de seu progresso, e, como nos diz
o Bhagavad Gita, “por que se afligir com o inevitável”? Existem razões para
pensar que a morte não é um incidente prejudicial, e geralmente também não é
dolorosa. Na maioria dos casos a mudança deve decididamente ser para melhor; o
evento em si deve ser um evento que traz alívio. Para o teósofo, o mundo físico
é o verdadeiro anel externo de trevas. O processo de inspiração (que é morte em
suas fases sucessivas) é um processo de se aproximar mais do centro de onde
viemos. Em toda à parte na Natureza existe a alternância de noite e dia.
Manvantara e Pralaya, expansão e contração, limitação e transcendência, o
eterno balanço do pêndulo. Toda a manifestação surge por meio dessa dualidade –
o ritmo da oscilação de um polo a outro de qualidade ou de estado. Olhando-se a
partir desse prisma, existe uma lei de morte os nascimentos constantes, o tempo
todo, em toda parte, nada havendo de estranho e terrível no processo. Do ponto
de vista prático, para os oniscientes administradores do karma, a morte deve
significar simplesmente o movimento de um peão, e provavelmente não é
considerada por eles como um evento de grande importância. Pode até mesmo ser
uma recompensa pelo bom trabalho prestado, a consequência do julgamento de que
o homem fará melhor em algum outro lugar do que provavelmente fará aqui, se sua
encarnação atual for prolongada. Em muitos casos pode muito bem ser o efeito de
um evento ajustável, e até aí talvez sob nosso controle. De qualquer modo, se
fizemos o melhor possível em qualquer circunstância, podemos esperar por
melhores oportunidades da próxima vez. A morte não rompe os laços humanos mais
do que cancela obrigações mútuas. É um evento dramático na vida como nascer ou
apaixonar-se, como o desabrochar de um botão de flor, ou o nascer e o pôr do
sol. A morte não rompe o laço duradouro do amor ou o elo férreo do ódio, embora
a ligação física possa ser rompida durante certo tempo. Apesar de a morte estar
sempre à nossa volta, batendo as asas, por assim dizer, para que não
negligenciemos sua existência, ela mantém domínio sobre a vida essencial no
homem, o espírito que é imortal porque é divino. A imortalidade é uma ideia que
é proeminente na sabedoria religiosa hindu. Não somente os deuses atingiram-na
ao participarem do néctar, como é poeticamente colocado. Mas é também um feito
heroico que pode ser alcançado pelos mortais que tenham a coragem intrépida e a
perseverança necessária para o propósito. Geralmente a imortalidade é
considerada como libertação dos incidentes da vida física, embora algumas
lendas – cuja importância original foi materializada por exposições exotéricas
– deem proeminência à ideia de uma imortalidade física objetiva. Seja essa
imortalidade objetiva um estado desejável, ou até mesmo suportável, é uma
questão a ser considerada por aqueles que, no sentido literal, aceitam essas
histórias da sabedoria sagrada hindu a respeito de Markandeya e de outros que
se diz terem superado a morte. É certamente uma clemência que sejamos capazes
de iniciar a encarnação recém banhados nas águas do Lehte, em esquecida
inocência. Toda vez que retiramos para dentro de nós mesmos é para nos expor no
mundo externo para obter maior vantagem. A lousa está limpa, de modo que
podemos desenhar sobre ela um quadro mais perfeito. Se tivéssemos de escrever
sobre uma lousa já cheia de inúmeros caracteres indeléveis, estaríamos correndo
o risco certo de criar “confusão ainda pior”. Até que estivéssemos
irremediavelmente perdidos numa confusão de doces e amargas memórias,
alimentando remorso e reacendendo paixões. Na melhor das hipóteses nossa vida
seria uma confusão, mais parecida com um pesadelo. Parece razoável o conceito
de imortalidade como um estado que pertence apenas àquilo que a merece. A
qualidade básica – uma qualidade indefinível – que em qualquer trabalho do
homem é considerada como lhe outorgando um título de perpetuação, [e a
qualidade de beleza, de inspiração, que comunica algo que é verdadeiro àqueles
que são suficientemente sensíveis para perceber. Que desperta a maravilha, e
apela para um senso que é mais duradouro do que os deleites da experiência
sensual. Sem dúvida, Beleza é Verdade e Verdade é Beleza, pois ambas são
aspectos da mesma Vida Uma. A vida é um mistério, e nós a conhecemos em suas
manifestações. Podemos pensar na vida como a existência e atividade do Eu por
trás de tudo, que é um, imortal, eterno, e ilimitado, eternamente belo e
criativo. Tem-se imaginado a natureza desse Eu como sendo Luz, Fogo e Som. A
morte assiste-a em cada forma exceto em sua plenitude. Pois o processo de sua
manifestação deve precisar ser uma limitação e uma retirada. Existem o
pravritti marga e o nivritti marga, as sendas de ida e de retorno, uma
atividade cíclica que é uma tentativa sucessiva de auto definição da entidade
ou consciência em questão. Uma passagem da imperfeição para a perfeição
relativa. A vida no mundo é vida numa prisão; a vida em qualquer forma deve
inevitavelmente estar imensamente circunscrita. Mas em cada estágio o dharma é
tornar a vida tão perfeita, tão bela, quanto possível. Assim, à medida que
passamos de estágio a estágio crescemos em conhecimento e capacidade, e,
eventualmente, quando o quadro perfeito tiver sido desenhado, ele será belo em
cada parte e como um todo, e toda confusão, trabalho, sofrimento e exaustão
parecerão não apenas maravilhosamente vantajosos para realização tão gloriosa.
Mas talvez até mesmo diferentes do que parecem aos nossos olhos atualmente. Talvez
mesmo agora, de algum modo misterioso, inimaginável, seja um processo de
desabrochar de uma imagem oculta de beleza perfeita em sua sabedoria, força e
amor. Livro O Interesse Humano. Abraço. Davi.
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