Espiritismo. www.institutoandreluiz.org. Texto
de Allan Kardec (1804-1869). TEMOR DA MORTE. Causas do temor da morte. Por que
os espíritas não o temem. 1 - O homem, seja qual for a
escala de sua posição social, desde selvagem tem o sentimento inato do futuro;
diz-lhe a intuição que a morte não é a última fase da existência e que aqueles
cuja perda lamentamos não estão irremissivelmente perdidos. A crença da
imortalidade é intuitiva e muito mais generalizada do que a do nada.
Entretanto, a maior parte dos que nele creem apresentam-se possuídos de grande
amor às coisas terrenas e temerosos da morte! Por quê? 2 - Este temor é um efeito da
sabedoria da Providência e uma consequência do instinto de conservação comum a
todos os viventes. Ele é necessário enquanto não se está suficientemente
esclarecido sobre as condições da vida futura, como contrapeso à tendência que,
sem esse freio, nos levaria a deixar prematuramente a vida e a negligenciar o
trabalho terreno que deve servir ao nosso próprio adiantamento. Assim é que,
nos povos primitivos, o futuro é uma vaga intuição, mais tarde tornada simples
esperança e, finalmente, uma certeza apenas atenuada por secreto apego à vida
corporal. 3 - A
proporção que o homem compreende melhor a vida futura, o temor da morte
diminui; uma vez esclarecida a sua missão terrena, aguarda-lhe o fim calma,
resignada e serenamente. A certeza da vida futura dá-lhe outro curso às ideias,
outro fito ao trabalho; antes dela nada que se não prenda ao presente; depois
dela tudo pelo futuro sem desprezo do presente, porque sabe que aquele depende
da boa ou da má direção deste. A certeza de reencontrar seus amigos depois
da morte, de reatar as relações que tivera na Terra, de não perder um só fruto
do seu trabalho, de engrandecer-se incessantemente em inteligência, perfeição,
dá-lhe paciência para esperar e coragem para suportar as fadigas transitórias
da vida terrestre. A solidariedade entre vivos e mortos faz-lhe compreender a
que deve existir na Terra, onde a fraternidade e a caridade têm desde então um
fim e uma razão de ser, no presente como no futuro. 4 - Para libertar-se do temor da
morte é mister poder encará-la sob o seu verdadeiro ponto de vista, isto é, ter
penetrado pelo pensamento no mundo espiritual, fazendo dele uma ideia tão exata
quanto possível, o que denota da parte do Espírito encarnado um tal ou qual
desenvolvimento e aptidão para desprender-se da matéria. No Espírito atrasado a
vida material prevalece sobre a espiritual. Apegando-se às aparências, o homem
não distingue a vida além do corpo, esteja embora na alma a vida real;
aniquilado aquele, tudo se lhe afigura perdido, desesperador. Se, ao contrário,
concentrarmos o pensamento, não no corpo, mas na alma, fonte da vida, ser real
a tudo sobrevivente, lastimaremos menos a perda do corpo, antes fonte de
misérias e dores. Para isso, porém, necessita o Espírito de uma força só adquirível
na madureza. O temor da morte decorre, portanto, da noção insuficiente da
vida futura, embora denote também a necessidade de viver e o receio da
destruição total; igualmente o estimula secreto anseio pela sobrevivência da
alma, velado ainda pela incerteza. Esse temor decresce, à proporção que a
certeza aumenta, e desaparece quando esta é completa. Eis aí o lado
providencial da questão. Ao homem não suficientemente esclarecido, cuja razão
mal pudesse suportar a perspectiva muito positiva e sedutora de um futuro
melhor, prudente seria não o deslumbrar com tal ideia, desde que por ela
pudesse negligenciar o presente, necessário ao seu adiantamento material e
intelectual. 5 - Este
estado de coisas é entretido e prolongado por causas puramente humanas, que o
progresso fará desaparecer. A primeira é a feição com que se insinua a vida
futura, feição que poderia contentar as inteligências pouco desenvolvidas, mas
que não conseguiria satisfazer a razão esclarecida dos pensadores refletidos.
Assim, dizem estes: "Desde que nos apresentam como verdades absolutas
princípios contestados pela lógica e pelos dados positivos da Ciência, é que
eles não são verdades." Assim, a incredulidade de uns e a crença dúbia de
um grande número. A vida futura é-lhes uma ideia vaga, antes uma
probabilidade do que certeza absoluta; acreditam, desejariam que assim fosse,
mas apesar disso exclamam: "Se, todavia, assim não for! O presente é
positivo, ocupemo-nos dele primeiro, que o futuro por sua vez virá."
E depois, acrescentam, definitivamente que é a alma? Um ponto, um átomo, uma
faísca, uma chama? Como se sente, vê ou percebe? E que a alma não lhes parece
uma realidade efetiva, mas uma abstração. Os entes que lhes são caros,
reduzidos ao estado de átomos no seu modo de pensar, estão perdidos, e não têm
mais a seus olhos as qualidades pelas quais se lhes fizeram amados; não podem
compreender o amor de uma faísca nem o que a ela possamos ter. Quanto a si
mesmos, ficam mediocremente satisfeitos com a perspectiva de se transformarem
em mônadas. Justifica-se assim a preferência ao positivismo da vida terrestre,
que algo possui de mais substancial. É considerável o número dos dominados por
este pensamento. 6 - Outra
causa de apego às coisas terrenas, mesmo nos que mais firmemente creem na vida
futura, é a impressão do ensino que relativamente a ela se lhes há dado desde a
infância. Convenhamos que o quadro pela religião esboçado, sobre o assunto, é
nada sedutor e ainda menos consolador. De um lado, contorções de
condenados a expiarem em torturas e chamas eternas os erros de uma vida efêmera
e passageira. Os séculos sucedem-se aos séculos e não há para tais desgraçados
sequer o lenitivo de uma esperança e, o que mais atroz é, não lhes aproveita o
arrependimento. De outro lado, as almas combalidas e aflitas do purgatório
aguardam a intercessão dos vivos que orarão ou farão orar por elas, sem nada
fazerem de esforço próprio para progredirem. Estas duas categorias compõem
a maioria imensa da população de além-túmulo. Acima delas, paira a
limitada classe dos eleitos, gozando, por toda a eternidade, da beatitude
contemplativa. Esta inutilidade eterna, preferível sem dúvida ao nada, não
deixa de ser de uma fastidiosa monotonia. É por isso que se vê, nas figuras que
retratam os bem-aventurados, figuras angélicas onde mais transparece o tédio
que a verdadeira felicidade. Este estado não satisfaz nem as aspirações
nem a instintiva ideia de progresso, única que se afigura compatível com a
felicidade absoluta. Custa crer que, só por haver recebido o batismo, o
selvagem ignorante - de senso moral obtuso -, esteja ao mesmo nível do homem
que atingiu, após longos anos de trabalho, o mais alto grau de ciência e
moralidade práticas. Menos concebível ainda é que a criança falecida em tenra
idade, antes de ter consciência de seus atos, goze dos mesmos privilégios
somente por força de uma cerimônia na qual a sua vontade não teve parte
alguma. Estes raciocínios não deixam de preocupar os mais fervorosos
crentes, por pouco que meditem. 7 - Não dependendo a felicidade futura do trabalho progressivo na
Terra, a facilidade com que se acredita adquirir essa felicidade, por meio de
algumas práticas exteriores, e a possibilidade até de a comprar a dinheiro, sem
regeneração de caráter e costumes, dão aos gozos do mundo o melhor
valor. Mais de um crente considera, em seu foro íntimo, que assegurado o
seu futuro pelo preenchimento de certas fórmulas ou por dádivas póstumas, que
de nada o privam, seria supérfluo impor-se sacrifícios ou quaisquer incômodos
por outrem, uma vez que se consegue a salvação trabalhando cada qual por
si. Seguramente, nem todos pensam assim, havendo mesmo muitas e honrosas
exceções; mas não se poderia contestar que assim pensa o maior número,
sobretudo das massas pouco esclarecidas, e que a ideia que fazem das condições
de felicidade no outro mundo não entretenha o apego aos bens deste, acoroçoando
o egoísmo. 8 -
Acrescentemos ainda a circunstância de tudo nas usanças concorrer para lamentar
a perda da vida terrestre e temer a passagem da Terra ao céu. A morte é rodeada
de cerimônias lúgubres, mais próprias a infundirem terror do que a provocarem a
esperança. Se descrevem a morte, é sempre com aspecto repelente e nunca como
sono de transição; todos os seus emblemas lembram a destruição do corpo,
mostrando-o hediondo e descarnado; nenhum simboliza a alma desembaraçando-se
radiosa dos grilhões terrestres. A partida para esse mundo mais feliz só se faz
acompanhar do lamento dos sobreviventes, como se imensa desgraça atingira os
que partem; dizem-lhes eternos adeuses como se jamais devessem
revê-los. Lastima-se por eles a perda dos gozos mundanos, como se não
fossem encontrar maiores gozos no além-túmulo. Que desgraça, dizem, morrer tão
jovem, rico e feliz, tendo a perspectiva de um futuro brilhante! A idéia de um
futuro melhor apenas toca de leve o pensamento, porque não tem nele raízes.
Tudo concorre, assim, para inspirar o terror da morte, em vez de infundir
esperança. Sem dúvida que muito tempo será preciso para o homem se
desfazer desses preconceitos, o que não quer dizer que isto não suceda, à
medida que a sua fé se for firmando, a ponto de conceber uma ideia mais sensata
da vida espiritual. 9 -
Demais, a crença vulgar coloca as almas em regiões apenas acessíveis ao
pensamento, onde se tornam de alguma sorte estranhas aos vivos; a própria
Igreja põe entre umas e outras uma barreira insuperável, declarando rotas todas
as relações e impossível qualquer comunicação. Se as almas estão no inferno,
perdida é toda a esperança de as rever, a menos que lá se vá ter também; se
estão entre os eleitos, vivem completamente absortas em contemplativa
beatitude. Tudo isso interpõe entre mortos e vivos uma distância tal que faz
supor eterna a separação, e é por isso que muitos preferem ter junto de si,
embora sofrendo, os entes caros, antes que vê-los partir, ainda mesmo que para
o céu. E a alma que estiver no céu será realmente feliz vendo, por
exemplo, arder eternamente seu filho, seu pai, sua mãe ou seus amigos? Por que os espíritas não temem a morte. 10 - A Doutrina Espírita transforma
completamente a perspectiva do futuro. A vida futura deixa de ser uma hipótese
para ser realidade. O estado das almas depois da morte não é mais um sistema,
porém o resultado da observação. Ergueu-se o véu; o mundo espiritual
aparece-nos na plenitude de sua realidade prática; não foram os homens que o
descobriram pelo esforço de uma concepção engenhosa, são os próprios habitantes
desse mundo que nos vêm descrever a sua situação; aí os vemos em todos os graus
da escala espiritual, em todas as rases da felicidade e da desgraça,
assistindo, enfim, a todas as peripécias da vida de além-túmulo. Eis aí por que
os espíritas encaram a morte calmamente e se revestem de serenidade nos seus
últimos momentos sobre a Terra. Já não é só a esperança, mas a certeza que os
conforta; sabem que a vida futura é a continuação da vida terrena em melhores
condições e aguardam-na com a mesma confiança com que aguardariam o despontar
do Sol após uma noite de tempestade. Os motivos dessa confiança decorrem,
outrossim, dos fatos testemunhados e da concordância desses fatos com a lógica,
com a justiça e bondade de Deus, correspondendo às íntimas aspirações da
Humanidade. Para os espíritas, a alma não é uma abstração; ela tem um corpo
etéreo que a define ao pensamento, o que muito é para fixar as ideias sobre a
sua individualidade, aptidões e percepções. A lembrança dos que nos são caros,
repousa sobre alguma coisa de real. Não se nos apresentam mais como chamas
fugitivas que nada falam ao pensamento, porém sob uma forma concreta que antes
nos mostra como seres viventes. Além disso, em vez de perdidos nas profundezas
do Espaço, estão ao redor de nós; o mundo corporal e o mundo espiritual
identificam-se em perpétuas relações, assistindo-se mutuamente. Não mais
permissível sendo a dúvida sobre o futuro, desaparece o temor da morte;
encara-se a sua aproximação a sangue-frio, como quem aguarda a libertação pela
porta da vida e não do nada. Livro O Céu E O Inferno. www.institutoandreluiz.org.br.
Abraço. Davi
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