Espiritualidade. www.oshobrasil.com.br.Texto de Osho (1931-1990). Tradução Sw. Bodhi Champak. Querido Osho. Como pode o mestre
ajudar o discípulo a viver a religiosidade sem religião? Esta é a coisa mais simples do mundo. O inverso é o
mais difícil: é quase impossível ser religioso e fazer parte de uma religião
organizada. Mas, apenas ser religioso, sem fazer parte de qualquer religião é a
coisa mais simples. Você tem que entender o que religiosidade significa
para mim. Para mim, religiosidade significa uma gratidão para com a existência.
Ela lhe deu tanto que não há como você reembolsá-la. Ouvi contar (...). Um
homem ia cometer suicídio e um mestre estava sentado à beira do rio onde ele ia
se jogar. O mestre disse: ‘Espere um pouco! Espere! Você vai cometer suicídio?
O homem disse, ‘Quem é você para me impedir?’ O mestre lhe disse, ‘Eu não estou
impedindo você. Na verdade, eu gostaria de vê-lo cometendo suicídio, mas antes
de fazê-lo, se você puder doar os seus dois olhos, porque o rei deste país
ficou cego e os médicos disseram que se alguém puder doar-lhe os olhos, eles
poderão ser transplantados e o rei poderá enxergar novamente. Mas tem que ser
olhos de uma pessoa viva, não de um morto. E o que você quiser como recompensa,
como prêmio, é só dizer e será seu. Assim, antes de suicidar, por que não fazer
um pequeno negócio? O homem disse, ‘Quanto ele pagará?’ Ele já havia esquecido
o suicídio. As pessoas estão sempre pensando em negócios. O mestre disse, ‘O
quanto você pedir, é só dizer.’ Ele disse, ‘Eu sou um pobre homem, não posso
pedir muito. Dê-me uma sugestão. Eu vou cometer suicídio. Então o mestre disse,
‘Pense alto. Que tal, vinte mil rúpias O homem disse, ‘Vinte mil rúpias? Meu Deus,
eu nunca pensei que poderia ter vinte mil rúpias.’ Mas o mestre disse, ‘Você
ainda pode pensar. Eu posso até mesmo dizer ao rei que você precisa de vinte
milhões. Tudo depende de você, pois o rei quer os olhos e paga qualquer preço.’
O homem disse, ‘Vinte milhões? Mas então, por que eu deveria cometer suicídio?’
O mestre disse, ‘Isto é com você. Mas, viver uma vida sem os olhos, mesmo tendo
vinte milhões de rúpias, não será muito agradável.’ Já estavam a caminho do
palácio, quando o homem começou a dizer ao mestre, ‘Eu estou pensando outra
coisa.’ Ele disse, ‘Que outra coisa? Você já subiu o seu preço de novo?’ Ele
respondeu, ‘O preço não é a questão. Eu estou pensando: só por dois olhos,
vinte milhões? E quanto às duas orelhas, o nariz, os dentes, todo o meu corpo?
Qual o preço de todo o meu corpo?’ O mestre disse, ‘Você pode calcular, pois se
são vinte milhões por apenas dois olhos (...)’ O homem disse, ‘Eu não vou
vender. Eu vou para a minha casa.’ O mestre disse, ‘E quanto ao suicídio?’ Ele disse, ‘Eu pensava que você era um homem
religioso. Você é um assassino! Você quer que eu cometa suicídio? Agora que
pela primeira vez eu pude reconhecer o que a existência me deu, e eu não tive
que pagar nem um tostão. Estes dois olhos que têm visto todo tipo de beleza,
estas duas orelhas que têm ouvido todo tipo de música, esta vida que tem
experienciado tanta coisa (...). E eu nada paguei por isto, nem mesmo disse
muito obrigado. E o suicídio nada mais é que a última reclamação, a mais feia
reclamação contra a existência: ela me deu tanto e eu estou destruindo tudo. Ao
invés de estar agradecido, eu estou traindo. Não, eu não posso cometer suicídio
e não posso vender os meus olhos, eles não têm preço. Você pode dizer isto ao
rei. Nem mesmo por todo o seu reino eu não posso doar os meus olhos, mesmo
sendo eu um mendigo.’ Você já percebeu o quanto
a existência tem dado a você? Não, você tem isto como certo, como se você
tivesse feito por merecer, como se tivesse sido uma conquista sua. Você não fez
por merecer. Não foi algo que você conquistou. É um presente, é uma bênção, é
simplesmente um ato de amor da existência ter-lhe dado tanto. E ela está pronta
para lhe dar muito mais. Você é que não está pronto para receber. A religião o
impede de ser religioso. Ela o envia para os mosteiros, para os templos, para
as igrejas. Ela ensina você a rezar para um deus hipotético com o qual você
nunca encontrou, com o qual ninguém jamais encontrou. O verdadeiro templo está
por toda a sua volta, sob as estrelas, sob a verde folhagem das árvores, ao
lado do oceano. O verdadeiro templo está por toda a volta e o verdadeiro deus
nada mais é que o fenômeno vivo e consciente dentro de você. Onde houver vida,
onde houver consciência, ali está deus. E quando você chegar à experiência
máxima de consciência, você se torna um deus. É direito natural de todo mundo
tornar-se um deus, não adorar Deus, mas tornar-se um deus. Todas as religiões
estão impedindo você. Elas não lhe ensinam a ser sem ambição. Elas lhe ensinam
a ambição, como se tornar virtuoso para que consiga alcançar o paraíso. Elas
não lhe ensinam a não ter medo. Elas lhe ensinam a ter medo, pois se você não
fizer certas coisas, será lançado ao inferno e irá sofrer pela eternidade.
Todas as religiões são basicamente uma exploração da humanidade. Elas
escravizam você, elas o humilham, elas o chamam de pecador e destroem o seu
auto respeito. Religiosidade é uma humilde gratidão para com a
existência. E porque a existência tem dado tanto a você, existe um humilde
auto respeito; humilde, não egoísta. Você não se vangloria disto. Ela ensina-o
a amar, a estar mais vivo, a brincar mais, a celebrar mais. A sua vida deve ser
uma canção, uma dança e uma festividade. Qual a necessidade de pertencer a
um aglomerado? Todas essas coisas são suas experiências individuais, elas nada
têm a ver com qualquer aglomerado. Você não precisa ir a uma igreja, você não
precisa adorar um deus, você não precisa adorar um livro que está morto e cheio
de toda espécie de tolices, estupidez e superstições. Religiosidade é um
fenômeno absolutamente individual. Ele não é algo relacionado a coletividade,
você não vai brigar com alguém (...). ‘Assim, estejam unidos.’ Os muçulmanos
têm que estar unidos contra os hindus; os hindus têm que estar unidos contra os
cristãos; os cristãos têm que estar unidos contra os judeus. Estas coisas não
são religiões. Elas são multidões insanas que querem praticar violência em nome
da religião, em nome de Deus. Eu tenho visto algumas revoltas e nem posso
acreditar (...). Pessoas muito amáveis, de repente, se tornam como
animais. Eu conheci uma pessoa que era um professor na mesma universidade
onde eu lecionava. Eu o tinha como uma das mais amáveis pessoas. Mas ele era
muçulmano e quando houve um levante entre muçulmanos e hindus, eu vi aquele professor
estuprando uma mulher. Eu não pude acreditar no que vi. Eu arrastei o professor
para fora e lhe disse, ‘O que você está fazendo?’ Ele recuperou seus sentidos,
como se estivesse fazendo algo num estado de sono. Ele disse, ‘Sinto muito,
perdoe-me. Toda a multidão estava fazendo aquilo e eu simplesmente tornei-me
parte da multidão. Eu esqueci a minha individualidade completamente e o animal
dentro de mim começou a fazer coisas. Primeiro eu comecei a tremer e pensei -
Eu não devo fazer isto, o que eu vou fazer não é certo -. Mas o animal interno
é muito forte e está ali há muito tempo. Quando toda a multidão começou a fazer
aquilo (...)’ Eu tenho segurado pessoas queimando templos, queimando mosteiros;
pessoas que eu conhecia e eu tive que puxá-las para fora e lhes perguntar ‘O
que vocês estão fazendo? Vocês conseguiriam fazer isto se estivessem sozinhas?
Se não estivesse ali uma multidão, você conseguiria queimar este mosteiro? O
que este mosteiro tem a ver com você? Ele é uma bela peça de arquitetura. Por
que você o está destruindo? Ele não faz mal a ninguém.’ E a pessoa diz,
‘Sozinha? Não, sozinha eu não conseguiria fazer isto, mas todo mundo está
fazendo. E eu também sou um hindu e os hindus têm que estar unidos.’ Unidos
para que? Para matar e queimar pessoas vivas? Por milhares de anos, as
religiões nada mais têm sido senão matar, assassinar e queimar. E toda a
estratégia delas é que a multidão tem sua própria psicologia. Simplesmente não
deixe que o indivíduo esteja separado, caso contrário você não conseguirá fazer
com que ele estupre uma mulher, queime uma casa ou mate uma criança. Basta
mantê-lo dentro da multidão e quando todo mundo estiver fazendo alguma coisa
ele começará a fazer também, o seu animal saltará para a superfície. Certa vez
eu estava sentado numa livraria e de repente ocorreu um levante. Do outro lado
da rua havia uma loja muito bonita cheia de relógios. E as pessoas começaram a
tirar os relógios. E um velho homem estava gritando bem alto, ‘Isto não é
correto! Se hindus e muçulmanos estão em luta, vocês podem lutar. Mas tirar as
coisas das lojas (...). Eu não vejo nenhuma religião nisto.’ Eu estava na
livraria e o ouvia, mas ninguém estava ouvindo o velho homem. Eu conhecia
aquele velho homem; nós costumávamos nos encontrar de vez em quando em nossas
caminhadas matinais e conversávamos sobre alguns assuntos. Ele era um homem
muito bom e tinha uma abordagem muito filosófica a respeito da vida. Ele era
muçulmano e era uma multidão de muçulmanos que estava destruindo uma loja de um
hindu. Quando terminaram com toda a loja, ficou restando apenas um grande
relógio de parede. Ele era muito grande e ninguém quis levá-lo porque seria
facilmente visto. Por onde a pessoa fosse, ele seria visto. Ele teria que ser
carregado nas costas. Mesmo assim o velho homem pegou o grande relógio. Eu não
pude acreditar naquilo. Eu me aproximei da loja e disse, ‘Espere! O que você
está fazendo?’ Ele disse, ‘O que mais eu poderia fazer? Eles tinham levado tudo
e somente restou este relógio. Assim, eu disse para mim mesmo, agora, o que
fazer? Eles não me ouviram. Eu tentei de tudo para salvar a loja. Mas quando eu
vi que todos os relógios já tinham sido levados, de repente um desejo cresceu
em mim - O que você está fazendo aqui, de pé, como um tolo? Pegue este que
sobrou e leve para casa. E eu estou indo.’ Eu disse, Você está perfeitamente
certo. Você ganhou isto. Você gritou, você fez o que pode. Você não está
roubando, eu sou testemunha. Se surgir algum problema, você pode me chamar.
Você fez o seu trabalho, o trabalho religioso de ensinar as pessoas. Ninguém
ouviu você e o dono da loja fugiu com medo de ser morto. Agora isto é puro
ganho. Você, com sua idade avançada, desperdiçou todo o seu dia. Eu posso
ajudá-lo? Eu disse: Alguma outra pessoa irá leva-lo, não importa quem seja.
Simplesmente sente-se no táxi e leve-o consigo. No dia seguinte, quando eu o vi
na praça, disse-lhe: Como vai o relógio? Ele disse: Eu não consegui dormir por
toda a noite. Ele disse: Não me faça sentir vergonha. Este relógio é tão grande
e minha casa é tão distante. Eu disse: Deixe-me ajuda-lo, do contrário você,
sendo um muçulmano, pode ser pego por algum hindu. E ninguém acreditará que
você comprou este relógio, numa hora desta em que as pessoas estão levando tudo
da relojoaria. Ele disse: Você está certo. Então faça uma coisa: chame um táxi,
se puder. Ele é muito pesado. Eu disse: Eu chamarei um táxi. Chamei um táxi.
Enquanto estávamos em pé na beira da calçada, muitas pessoas se reuniram para
ver o que estava acontecendo. Eu disse: Não há problema algum. Ele ganhou o
relógio, ele mereceu. Ele se sentiu tão envergonhado quando o táxi chegou e
disse: Não, isto não é correto. Ponha o relógio de volta, deixe-o no passeio.
Alguma outra pessoa irá leva-lo. Ele fazia um tick-tack, tick-tack que me lembrava.
Meu Deus, eu roubei este relógio, contrariamente a toda minha filosofia e todos
os meus ensinamentos religiosos. E eu estava advertindo as pessoas. Isto não é
um prêmio, isto é uma punição. E minha esposa ficou brava e disse: Você ficou
velho, mas na verdade é um idiota. Enquanto as pessoas estavam levando lindos
relógios de pulso, você me trouxe esse tick-tack. Você não consegue nem dormir.
Jogue ele fora. Minha esposa colocou-o na garagem e eu estou pensando de que
maneira posso devolvê-lo. Eu disse: Esta é uma boa ideia. Eu devo chamar um
táxi? Mas, você não deve ir lá devolvê-lo. Eu irei, senão você será pego.
Assim, eu fui devolver o relógio. E o homem disse: Como você se envolveu nisto?
Eu disse: Esta é uma longa história. Mas nós pudemos recuperar pelo menos um,
este grande relógio. Quanto aos outros, eu sei quem os levou, eu estava
observando. Eu posso lhe dar alguns nomes, mas será muito difícil encontra-los.
Este aqui foi levado por um velho homem, mas a sua esposa não conseguiu
aguentar esse tick-tack. Ele próprio viria trazê-lo de volta, mas eu lhe disse:
Isto é perigoso, ainda existe uma tensão no ar. Assim, apenas aceite-o de
volta. Mas quando a tensão se acalmar, lembre-se que aquele velho homem tentou
de tudo, mas por fim o animal saltou à superfície e quando ele viu que ninguém
o estava ouvindo, ele pensou: Somente eu estou perdendo, todo mundo está
ganhando alguma coisa. Pura economia apenas. As religiões nada mais são que
psicologia de massas, psicologia de multidão, e as massas ainda estão em seu
estado animal. Elas ainda não são seres humanos. Existem seres humanos
individuais, mas não existem multidões que sejam humanas. As multidões
imediatamente escorregam, retornam e se tornam inconscientes. Assim, não existe
problema para o indivíduo se tornar religioso. Você só precisa entender o que
significa religiosidade. Seja agradecido à existência e curta a bela vida que o
circunda. Ame, porque o amanhã não é certo. Não adie qualquer coisa bela para
amanhã. Viva intensamente, viva totalmente, aqui e agora. E não há necessidade
alguma de ser um muçulmano ou um hindu. E você descobrirá um tremendo êxtase
crescendo. É o seu paraíso. O paraíso não está em algum lugar, onde quer que
seja. O paraíso é um espaço dentro de você. Osho – The Osho Upanishad – Disc.35
– pergunta nº2. www.oshobrasil.com.br.
Abraço. Davi.
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