Budismo.
www.budavirtual.com.br. Texto de
Anyen Rinpoche. AS QUATRO VERDADES DO SOFRIMENTO EMOCIONAL. O
Buda estabeleceu um caminho de quatro passos para a liberdade frente
a emoções difíceis. O segredo, diz Anyen Rinpoche, é entender por que nossas
emoções nos causam tanto sofrimento. Uma vez tendo sabido isso, o caminho para
liberdade torna-se claro. A maioria de nós começa a praticar o Budismo porque nos sentimos
insatisfeitos e desiludidos com a vida, de uma forma geral ou por alguma razão
específica. De fato, é raro encontrar alguém que se voltou para o Darma por
pura curiosidade e não por uma real necessidade de aliviar algum desconforto ou
situação dolorosa. O que mais os praticantes do Darma têm em
comum? O fato de que a maior parte de nós fez tudo o que podia para aliviar a
infelicidade, mas não tivemos sucesso em encontrar a felicidade que pensávamos
ser possível. Uma razão para isso é que nos enganamos frequentemente quanto às
verdadeiras causas da infelicidade. Por exemplo, nós podemos pensar
que nossa infelicidade resulta de nos depararmos com uma barragem de situações
indesejadas, ainda que estejamos fazendo todo o esforço para termos o tipo de
vida que desejamos. A maior parte de nós sabe, em algum nível, que não podemos
controlar as pessoas ao nosso redor ou os acontecimentos de nossas vidas. Mas,
mesmo munidos dessa sabedoria, nós continuamos experienciando muita dor e
infelicidade. AS QUATRO NOBRES VERDADES SOBRE
AS EMOÇÕES. No Budismo nós temos a primeira
nobre verdade: a verdade do sofrimento. Eu conheci alguns budistas que querem
evitar falar sobre a verdade do sofrimento. Eles dizem que isso irá
desencorajar as pessoas a praticar o Darma porque soa deprimente. Eles querem
encontrar um modo mais inspirador para descrever a experiência humana. Mas vamos dar nomes aos bois. Todos nós sofremos diariamente de
formas variadas — fisicamente, mentalmente e emocionalmente. E por
mais que nos sintamos felizes por um momento, nós nunca sabemos quanto isso vai
durar. Daqui um ano, um mês, uma semana, amanhã, ou até mesmo daqui cinco
minutos, a mesma situação pode nos causar tristeza, raiva, inveja ou
ressentimento. Nossas emoções mudam de momento a momento e trazem uma cascata
de humores, sentimentos e padrões de pensamento — muitos dos quais
aumentam nossa infelicidade e alguns dos quais são autodestrutivos. Nossas emoções podem ser muito difíceis de lidar. Muitos de nós
reconhecemos que nossas emoções estão fora de controle — ou nos
controlando. Nós ansiamos por relações próximas e íntimas com os outros, mas
nossos sentimentos são tão avassaladores que nós não conseguimos achar um modo
de nos abrirmos para os outros e nos relacionarmos com suas experiências.
Por nos focarmos tanto em como nos sentimos, podemos nos tornar
auto protetivos e defensivos, constantemente preocupados se os outros vão nos
machucar ou tirar vantagem de nós. Esses sentimentos de autoproteção podem
ser parte de um ciclo emocional contínuo, alimentando até mesmo reações
emocionais mais fortes que causam um caos em nossas mentes e em nossas relações
interpessoais. Nos ensinamentos budistas, nós chamamos essas
emoções — como a raiva, o apego, a inveja e a arrogância — de “venenos”. Elas
envenenam não apenas nossa própria felicidade, mas também nossas conexões com
entes queridos, amigos, colegas de trabalho e a comunidade local. Soa familiar?
É porque somos seres humanos e a verdade do sofrimento não pode ser evitada.
Quando nós realmente olhamos para todos os problemas que nossas
emoções nos causam, podemos ficar surpresos. Nós usualmente colocamos a culpa
por nossa infelicidade em coisas externas, tal como quando somos tratados ou se
dirigem a nós de uma forma que não gostamos. Nessa situação, nossa reação comum
é nos ressentirmos com a pessoa que sentimos que nos ofendeu. Mas nós deveríamos tomar certo tempo para examinarmos a verdade
sobre a questão. Não importa como outra pessoa nos trate, quão difícil uma
situação seja, ou qual das nossas necessidades pessoais nós sentimos que não
foram supridas, nós temos de fato o poder de transformar nosso próprio estado
mental de ressentimento para um de paz e contentamento. Quando nós refletimos dessa forma, nós vemos que na verdade o
problema são nossas próprias emoções. Elas que estão infligindo tanta dor. Esta
é a segunda nobre verdade: a origem do sofrimento. Nós sofremos porque nós não
sabemos como lidar com nossas emoções e reações emocionais. Nós não percebemos
que culpar os outros por nossa infelicidade nunca nos trará felicidade, então
nós continuamos a lidar com nossos problemas da mesma forma de sempre, o que só
nos traz mais sofrimento. Nós sofremos porque
continuamente escolhemos nos identificar com e focarmos em como nos sentimos.
Mas nos identificarmos com nossas emoções é como jogar lenha na fogueira. Se
nós escolhemos nos identificarmos com a raiva, ela queimará ainda mais quente e
demorará mais para apagar. O mesmo é verdadeiro para os outros venenos como o
apego, a inveja e a arrogância. Nos identificarmos com nossas emoções é uma
receita infalível para mais infelicidade. A verdade sobre a origem do
sofrimento pode ser libertadora. Nós entendemos que a cada momento a felicidade
está disponível para nós se escolhermos liberar nossas fortes emoções e
relaxar. Essa é a terceira nobre verdade: a verdade da cessação. Se nós
aceitarmos que nossas emoções são a causa do sofrimento, nós podemos erradicar
o apego e a identificação a elas que causam tanto sofrimento. Então, nós nos sentiremos motivados a praticar o Darma
autenticamente e entusiasticamente. Essa é a quarta nobre verdade: a verdade do
caminho. Todos os antigos mestres domaram suas emoções usando as ferramentas e
técnicas apresentadas pelo caminho do Darma. Se nós praticarmos o caminho da
mesma maneira que fizeram, nós podemos ter certeza de que mudanças positivas
surgirão. E nós poderemos compartilhar essas mudanças positivas com as pessoas
nas nossas vidas. VOCÊ, É O QUE VOCÊ SENTE: UMA
FÓRMULA PARA A INFELICIDADE. Nosso sofrimento pode parecer
diferente dos sofrimentos dos outros, mas todos seres humanos experienciam
emoções dolorosas e situações indesejáveis. Todos nós enfrentamos a
separação de entes queridos, brigas com amigos e mortes de membros da família.
Isso pode trazer uma questão: “Todos no mundo todo estão cheios de
perturbações emocionais?” Na verdade, baseado apenas na educação que recebi no
Tibete, eu responderia que não. Claro, nós tibetanos temos emoções como
qualquer ser humano, mas há aspectos da cultura tibetana que ajudam o povo a
lidar com suas emoções de um modo que os fazem menos dominadores e exigentes.
Quando era garoto, ao interagir com minha família, minha vila e
minha sangha, nós sempre focávamos nos outros. A coisa mais importante não era
como cada pessoa se sentia individualmente, mas como o grupo todo se sentia. No
Tibete, assim como em outras culturas budistas asiáticas, há muita valorização
em colocar a felicidade e bem-estar do grupo acima de nossos sentimentos
pessoais. Nesse tipo de ambiente cultural, o humor e a energia do grupo é
deteriorada sempre que alguém foca demais em si mesmo. Muitos norte-americanos comentam sobre o caráter alegre do povo
tibetano, especialmente quando eles viajam para minha terra natal. Eu acredito
que essa disposição feliz vem de como os tibetanos apreciam as conexões
familiares e com a comunidade e como não gastam muito tempo focando em suas
próprias emoções pessoais. Eu não havia me dado conta de
que esse era um aspecto peculiar da cultura tibetana até que deixei o Tibete.
Quando eu vim para a América há mais de dez anos, eu percebi o forte
relacionamento que os norte-americanos têm com suas emoções. As pessoas aqui
estão focadas em suas emoções muito mais que os tibetanos, e elas são
encorajadas a fazê-lo. Como resultado, eu percebi que a forma como as pessoas
fazem as coisas aqui é bem o oposto de como nós fazemos no Tibete. Essa cultura
valoriza o foco nos próprios sentimentos mais do que no humor e energia das
pessoas e situações ao redor. Qual é a consequência desse
modo de se relacionar com as emoções? Primeiramente, isso pode nos tornar
extremamente sensíveis. Nós reagimos emocionalmente a praticamente tudo e todos
ao nosso redor. As emoções se tornaram o âmago da identidade
norte-americana — você é o que você sente,
quase literalmente. Até mesmo a língua inglesa expressa essa ideia. Nós nos identificamos diretamente com as nossas emoções dizendo, “I
am angry” [“Eu estou com raiva”; porém “I am” pode ser lido também como
“eu sou”] ao invés de “I have anger” [“Eu tenho raiva”], como
em outras línguas como o espanhol. Na língua tibetana nós dizemos “a raiva está
presente” e não conectamos a emoção com um “eu” de forma alguma. Qual é o problema em conectarmos nossa identidade ou
ego — nossa própria noção de um eu — com nosso estado
emocional? Além de toda a dor e sofrimento que nossas emoções nos causam quando
focamos nelas, as repetimos e nos obcecamos com elas, nós também perdemos nossa
capacidade de nos conectarmos com os outros. Nós podemos expressar coisas que
machucam as pessoas que amamos, sem percebermos que nossas palavras são
nocivas. Nossa identidade pessoal toma muito espaço. Nós podemos ter
problemas ao nos relacionarmos com comunidades por causa da exigência de
comprometermos nossas necessidades com as necessidades dos outros. Ou então nós
nos retiramos porque precisamos sentir que temos espaço suficiente para
respirar e por não querermos ser influenciados por ideias, palavras, ações e
energias alheias. Como resultado, muitas pessoas se sentem isoladas,
incompreendidas e solitárias. No final, nós fizemos
exatamente o oposto do que propusemos fazer. Nós pensávamos que nos protegermos
e prestarmos atenção em nossos sentimentos nos faria mais felizes, mas, na
verdade, nossa infelicidade que aumentou. No Darma nós temos um ditado: “Todas
as pessoas desejam a felicidade, mas, ao invés disso, correm atrás do
sofrimento”. Quando nós refletimos sobre nossos relacionamentos com nossas
emoções. Nós podemos ver o quanto isso é verdadeiro. O caminho budista tem ferramentas que nos ajudam a treinar nossa
mente para que não coloquemos tanta energia nas nossas reações emocionais. Ao
reduzirmos gradualmente o foco que nós comumente colocamos em nossas emoções,
nós começamos a nos identificar menos com elas. Ao nos identificarmos menos com
nossas emoções, nós nos tornamos mais propensos a liberar pequenas situações e
começamos a nos sentir mais relaxados. Isso inicia um diferente tipo de ciclo
emocional. Ao começarmos a ver que liberar pequenas situações nos traz paz e
felicidade, nós nos tornamos mais propensos a liberar outras situações. Quando
nós relaxamos e deixamos ir, nós nos identificamos cada vez menos com nossas
emoções. Quando nós nos identificamos menos com nossas emoções, nós ficamos
menos auto protetivos, menos emocionalmente reativos e nos sentimos mais
felizes. A PRÁTICA DA MEDITAÇÃO: MUDANDO
SEU RELACIONAMENTO COM EMOÇÕES DIFÍCEIS. Como transformamos os relacionamentos que temos com as emoções? Eu
sugiro algumas técnicas diferentes, todas as quais se encontram na categoria
de lojongou treinamento da mente. Primeiramente, eu sugiro trabalharmos
diligentemente para desenvolvermos a atenção plena [mindfulness] em relação às nossas reações emocionais. Eu não estou sugerindo
que você se identifique com suas reações emocionais, mas simplesmente tente
perceber, o quão mutável são seus humores e sentimentos. Uma maneira de fazer isso é contemplando a natureza impermanente
da vida. Ao cultivar a atenção plena você se dá conta de que a energia de sua
mente muda de momento a momento. Em um momento você se sente calmo e relaxado
e, num próximo, agitado ou com medo. Você pode se sentir confortável ao sentar
em uma área externa com os raios do sol apenas para perceber após cinco minutos
que os mesmos raios de sol agora estão te queimando. Nossas mentes podem pular do passado para o futuro, daqui para
algum lugar do outro lado do planeta, dentro de alguns poucos momentos. Nossas
emoções são imprevisíveis, momentâneas e inconstantes. Você deveria se
perguntar: por que eu estou tão disposto a acreditar que cada sentimento que
tenho são verdadeiros? Depois que você observa sua
mente por algum tempo, você começa a perceber que algumas vezes suas emoções
surgem como reações a certas situações, e, outras vezes, elas surgem sem motivo
aparente. Você pode estar sentado na almofada em um quarto silencioso, sem
ninguém ao redor, e, repentinamente, sentir-se com raiva ou triste. Uma forma como nós comumente reagimos a esse tipo de energia
emocional é procurar pela sua causa — ou por algo a se culpar. Entretanto, como
parte do seu treinamento de lojong, você pode começar a quebrar o hábito de
conectar seus sentimentos e reações emocionais a causas externas. Ao invés de
procurar por uma causa ou alguém a quem se culpar pela forma que você se sente,
perceba o quão propenso você é a reagir emocionalmente de certas formas, e o
quão profundos são seus hábitos emocionais. Afinal, você pode ter emoções intensas
até mesmo quando não há nada presente para desencadeá-los. Ao começar a perceber que você tem certos hábitos emocionais
dominantes e é propenso a certos tipos de sentimentos, você começa a se
identificar menos com eles. Você pode relaxar mais e encontrar mais
contentamento no momento presente. Tudo o que os mestres da nossa
tradição budista nos mostraram foi que a felicidade verdadeira vem de pacificar
nossas emoções e aceitar as pessoas e circunstâncias ao nosso redor. Quando nós
nos sentimos relaxados, confortáveis e confiantes, nós não precisamos mais
interpretar as circunstâncias indesejáveis como um ataque. Nós podemos
simplesmente enxergar a interação dos eventos, pessoas e circunstâncias ao
nosso redor e nos sentirmos livres para fazer as escolhas mais adequadas. Este
é um passo no caminho para a liberdade. www.budavirtual.com.br.
Abraço. Davi
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