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REVISITANDO O JARDIM DO ÉDEN. “E plantou o Eterno, D’us um jardim no Éden, no
Oriente, e lá colocou o homem que criou. E fez brotar da terra, o Eterno D’us,
toda árvore cobiçável aos olhos e apetitosa ao paladar, e nesse jardim estavam
a Árvore da Vida e a Árvore do Conhecimento do Bem e do Mal”. A história do
Jardim do Éden - de Adão e Eva e a serpente, e da partilha do fruto proibido -
é universal em seu escopo. Apesar de ser uma história da Torá, não é dirigida
exclusivamente ao Povo Judeu. Envolveu pai e mãe de toda a humanidade,
pertencendo, portanto, a todos os seres humanos de todas as gerações. De fato,
o ocorrido no Jardim do Éden, não constituiu um evento singular em um passado
longínquo; constitui uma história recorrente na vida de qualquer homem e
qualquer mulher. A Árvore do Conhecimento do Bem e do Mal. O pecado de
Adão e Eva é por demais conhecido. Enquanto viviam no Jardim do Éden, tinham
permissão para comer de todas as árvores, exceto da Árvore do Conhecimento do
Bem e do Mal. D'us previne Adão que a consequência de se violar a proibição
seria a morte. Mas, a despeito do severo alerta, Eva se deixa seduzir pela
serpente e partilha do fruto proibido, o qual, mais tarde, oferece ao marido e
a todos os animais. Em decorrência disso, a morte é introduzida no mundo e Adão
e Eva são banidos do Éden para sempre. O mais peculiar em todo o incidente é a
natureza da proibição, em si. Por que razão haveria de ser proscrito o
conhecimento e associado ao pecado e à morte? A superioridade do homem perante
os demais reinos reside não apenas em sua capacidade espiritual, mas também na
mental. Com efeito, essa mesma Torá, que conta a história de Adão e Eva,
exacerba o valor supremo do aprendizado e da busca pelo saber e pela verdade.
Como diz o Talmud, quem possui conhecimento, tudo possui; quem não o possui,
nada possui. Outro problema intrigante é o argumento usado pela serpente para
convencer Eva a provar do fruto proibido. Era verdadeira a sua alegação de que
"No dia em que do fruto comeres, teus olhos se abrirão e serás como D'us,
que conhece o bem e o mal". Isto traz à tona a pergunta: por que razão
D'us, que criou o homem à Sua imagem, não quis que desfrutasse de parte de Sua
sabedoria? Ao tentar responder a tais perguntas, é preciso, primeiro, conhecer mais
sobre a natureza do primeiro homem e da primeira mulher. Antes de incidir em
pecado, a existência física do homem era pura santidade. Como nos ensina Rabi
Shimon bar Yochai, autor do Zohar, até o mais espiritual dos seres humanos na
História não consegue se equiparar à estatura espiritual de Adão. Ele nasceu
para ser imortal e para viver livre de preocupações, esforços e sofrimentos.
Sua missão consistia em tornar o Éden mais perfeito e poderoso para que tal
perfeição e força pudessem estender-se por todo o mundo. Adão nasceu sem
maldade; mas isso não significa que o mal não existisse no mundo. De fato, o
antagonista na história - a serpente - era a própria encarnação do Mal. Os
livros místicos sugerem que a serpente, que também personificava a Árvore do
Conhecimento, estava exasperada pela imunidade humana ao mal. Ressentia-se do
fato de o homem viver livre dos conflitos e tormentos, e, por isso, tentou
atraí-lo para um círculo vicioso de luta e sofrimento. Várias outras são as
explicações para o que teria levado a serpente a tentar Eva, mas esta, em
especial, alinha-se com os ensinamentos cabalísticos de que o mal sente uma
irresistível atração pela bondade. Parasita por excelência, o mal se alimenta
de santidade e é a bondade o que lhe dá sustento e significado. Exemplificado
de forma simplista: o homem malvado apenas ascende ao status de "super
vilão" quando se lança em guerra contra um "super-herói"; caso
contrário, não passa de um simples malfeitor. De modo similar, o Mau Instinto
não demonstra grande interesse nos indivíduos que com ele naturalmente se
alinham. Ao invés disso, não mede esforços tentando atrair os bons e puros.
Isto explica o ensinamento talmúdico de que "quanto maior o homem, maior
seu instinto maligno". É por isso que Adão e Eva foram presa fácil da
tentação: o Mau Instinto sobre eles lançou potentes forças hostis que os
levaram a pecar. Uma das lições óbvias do episódio da Árvore do Conhecimento é
que o homem tem atração pelo que lhe é proibido. A Torá reconhece que (…).
"As águas roubadas são doces…" (Provérbios 9: 17) - ou seja, é do
gênero humano cobiçar o proibido. O fruto proibido se tornou uma metáfora, um
símbolo da atração e do fascínio pelo pecado. Desde o Jardim do Éden, isto tem
sido uma realidade na vida de praticamente todos os seres humanos. Para alguns,
pode tratar-se de algo tão mundano quanto o alimento que não deve ser ingerido;
para outros, pode ser uma tentação mais destrutiva, como um relacionamento
proibido. Mas, qualquer tentação empalidece face ao que a serpente, falando em
nome da Árvore do Conhecimento, ofereceu a Adão e Eva. O partilhar do fruto
proibido significava a realização do maior desejo dos homens: a capacidade de
se parecer a D'us - controlar o próprio destino e exercer poder sobre o mundo.
Sem dúvida, a perspectiva mais atraente que pode ser oferecida a um ser humano:
a possibilidade de "cruzar a barreira", de ir além e se tornar
divino. Desde os dias de Adão, o homem tem tentado fazê-lo. Atrai-o a magia, o
conhecimento esotérico, o misticismo, tudo na esperança de se sobrepor às
dimensões do humano. À semelhança de outros vilões da história, a serpente foi
fiel à sua palavra. Entregou o que prometera. Assim que Eva e Adão comeram do
fruto da Árvore do Conhecimento, passaram a possuir algo que era reservado a
D'us, algo com que nem mesmo os anjos mais elevados contavam - o livre
arbítrio. Por ter provado do fruto do bem e do mal, descobriram dentro de si
novas aptidões, tornando-se fatores mais dinâmicos no Universo. Como D'us,
ganharam o poder de querer, criar e destruir. A serpente demonstrou astúcia
extraordinária, pois contou a verdade a Eva - mas não a contou por inteiro.
Após daquele fruto comer, o homem efetivamente passou a conhecer o bem e o mal;
mas, ao contrário do Criador e dos seres espirituais, ele interiorizou tal
conhecimento. Os animais não são dotados de livre arbítrio, nem os anjos, que
são meros mensageiros divinos, e, portanto, impenetráveis ao mal. O homem,
vulnerável a qualquer influência, não tem o dom de conhecer o maligno e permanecer
imune ao mesmo. Uma vez tendo provado do fruto proibido, pode continuar sendo
boa pessoa, mas jamais recuperará a inocência perdida. Não há riqueza nem
sabedoria, por maior que seja, que possa restaurá-la. Em vista do que acabamos
de discutir, podemos tratar do motivo para que o fruto da Árvore do
Conhecimento fosse proscrito. Como se pode prever, as respostas são várias. Uma
destas diz que o homem não foi criado para saber tudo. De fato, quantas pessoas
excelentes e talentosas caíram vítima da confusão intelectual e espiritual, do
vício e do comportamento destrutivo, simplesmente por buscarem conhecer e
experimentar tudo o que a vida lhes tinha a oferecer? Adão foi proibido de
comer da Árvore do Conhecimento do Bem e do Mal porque o homem não tem condições
de se manter totalmente alheio e imune àquilo com o que tem contato. D'us sabia
que se o homem viesse a conhecer a maldade os resultados seriam desastrosos,
pois ele ficaria atraído pelo mal. E foi exatamente o que ocorreu. Após sentir
o gosto do fruto proibido, bem e mal se fundiram no interior de Adão e Eva. Na
língua hebraica, a palavra lada'at - "conhecer, saber" - contém um
elemento emocional. O versículo que aparece no mesmo capítulo do relato sobre a
Árvore do Conhecimento - e que conta que "Adão conheceu Eva, sua
mulher" - não contém um eufemismo, como se pensa. Pelo contrário.
Conta-nos que um relacionamento físico entre duas pessoas nunca é completamente
desvinculado de um elemento emotivo-relacional. Assim o ensinou Rashi, clássico
comentarista da Torá: "Conhecer alguém é amá-lo". E como o amor é um
vínculo mais profundo do que qualquer ato da mente ou do intelecto, conhecer
algo significa estabelecer uma conexão com este algo. O homem foi criado para
jamais conhecer o mal, assim como há situações às quais nenhuma criança jamais
deveria ser exposta. Mas desde o pecado de Adão e Eva, a maldade se tornou
parte intrínseca de seus descendentes. Sequer importa o que se pensa sobre isto
- se o indivíduo desfruta do mal ou se este a repulsa. O simples ato de
conhecer implica em arcar com as consequências. D'us queria que o homem
continuasse santificado, como fora criado, e que não caísse presa da tentação.
Pois que a presença da maldade no homem, especialmente em pessoa boa e
conscienciosa, é fonte de contínuo sofrimento. É difícil ser bom e, mais ainda,
ser espiritual, pois, no decorrer da vida o ser humano frequentemente se
encontra diante da escolha entre duas alternativas terríveis: a frustração de
um desejo não realizado ou - infinitamente pior - o amargo gosto do pecado, a
dizer, a culpa e a vergonha e o temor da retribuição, quer humana quer Divina.
Desde que provou do fruto proibido, o homem se tornou uma mescla entre bem e
mal, luz e escuridão. Explica o Tanya, obra clássica da Cabalá, que o mal se
manifesta, no homem, de inúmeras formas: como desejo pelo proibido; como
orgulho e raiva indevidos; como depressão e indisposição para fazer o certo; e,
talvez o mais frequente, como frivolidade e desperdício - em outras palavras, o
uso inadequado da capacidade, energia e tempo que D'us confiou a cada um de
nós. Somente Tzadikim Gamurim - homens e mulheres perfeitamente justos, como
Avraham, Moshê Rabenu e Rabi Shimon bar Yochai - são totalmente destituídos de
maldade. Mas, infelizmente, tais seres são raríssimos e mesmo esses podem
errar. Ademais, mesmo o Tzadik Gamur é forçado a viver em um mundo em que
coexistem bem e mal, no qual este ser "justo e puro" se vê cercado de
situações em que sempre há uma opção reprovável, não importa em que ambiente se
encontre. Consta que Moshê perdeu a paciência em várias ocasiões. Sua fúria,
sem dúvida, foi uma falha de comportamento; mas as situações a que foi
submetido não lhe permitiram agir de outro modo. A expressão da raiva foi o
único meio que encontrou para corrigir alguns dos problemas surgidos em meio ao
povo judeu durante sua jornada de 40 anos a caminho da Terra Prometida. Um dos
temas atemporais na história de Adão e Eva é o fato de que, desde o Jardim de
Éden, todos nós, em maior ou menor grau, mantemos um relacionamento de amor e
ódio com a serpente. Como está na Torá, "Na porta jaz o pecado; e a ti
fazer pecar é o desejo do Mau Instinto; mas tu podes dominá-lo" (Gênese,
4: 7). A serpente aparece de diferentes formas para diferentes pessoas. Muitos
seres humanos, como o primeiro casal da Terra, sucumbem a seu encantamento.
Outros conseguem dominá-la. Mas, à exceção dos Tzadikim Gamurim, os justos
perfeitos, a humanidade é fascinada pela mesma. Isto explica a razão para a
mídia e a indústria do entretenimento nos sufocarem de notícias e imagens, a
cada dia mais violentas e impróprias: fazem-no porque atraem nosso interesse,
mesmo que em sã consciência consideremos repulsivas as imagens - em outras
palavras, a serpente. Se o homem apenas fizesse o que Eva devia ter feito, a
dizer, ignorar a "tentação", esta "serpente" perderia sua
razão de existir e acabaria desaparecendo. Não nos referimos, aqui, ao mal que
se manifesta de forma explícita no mundo e que deve ser combatido e vencido.
Estamos falando da "serpente" que vive dentro de cada um de nós. Esta
não pode ser vencida enquanto estivermos obcecados, nela pensando e falando.
Esta se encolhe e morre somente depois que o homem transfere seu pensamento
para outros assuntos, de preferência mais elevados, os quais, pela própria
natureza, são diametralmente opostos aos argumentos e tentações lançados pelo
Mau Instinto. Banidos do Jardim do Éden. Pouco após comer da fruta da
Árvore do Conhecimento, Adão e Eva são expulsos do Jardim do Éden, pois D'us
não permitiria que o homem "estendesse sua mão, retirasse algo da Árvore
da Vida, o ingerisse e vivesse para sempre". O motivo de sua expulsão traz
à tona outra pergunta: por que o homem não podia comer da Árvore da Vida e
viver para sempre, eliminando a maldição imposta pelo pecado inicial? Porque a
Árvore da Vida não poderia servir como antídoto. Apenas agravaria o problema,
pois, uma vez incorporado o mal no ser humano, a Vida Eterna significaria que
também o mal viveria para sempre. Há uma história no Zohar que elucida a idéia.
Consta que Rabi Acha, de Kfar Tarsha, tentou expiar uma pestilência em uma
aldeia queimando incenso. Disseram-lhe que aquilo era inútil, pois os
habitantes do vilarejo não haviam expiado seus próprios pecados. Tivessem eles
demonstrado arrependimento, a oferenda do incenso promoveria a expiação; caso
contrário, apenas serviria de paliativo para desaparecerem os sintomas, mas
jamais traria cura à peste. De forma similar, o fruto da Árvore da Vida poderia
curar a morte - sintoma do pecado - mas não o pecado em si. Após o pecado de
Adão e Eva, era preciso corrigir as consequências de seu ato. Os limites entre
bem e mal tinham sido confundidos não só no homem, mas em todo o mundo. Daí ter
D'us expulso o ser humano do Jardim de Éden para que fosse cultivar a terra.
Para corrigir o dano que causara, o homem teria que refinar o mundo, extirpando
o bem que havia no mal. Isto só é alcançado através do cumprimento dos
Mandamentos Divinos, meio pelo qual Ele ensinou ao homem o que não fazer, de
modo a não aumentar as forças do mal. E pelo qual também determinou quais as
ações a realizar com a matéria física, de modo a que o bem que há no mundo
pudesse ser espiritualmente elevado. Neste ponto, a identidade do fruto
proibido adquire relevância. Com certeza, esse fruto não era a maçã. Entre
nossos Sábios predominava a opinião de que se tratava de uvas, que Eva comeu e
utilizou para fazer vinho, que então serviu ao companheiro. Como as uvas foram
o elemento físico envolvido no pecado inicial, ajudamos a retificar espiritualmente
sua utilização imprópria mediante a oração do Kidush, com vinho - ao santificar
o Shabat e as festas judaicas. E, assim fazendo, a mesmíssima fruta que foi
consumida em pecado é usada em um ato de santificação - para proclamar que D'us
é o Criador do mundo e para santificar seus dias sagrados. A isto se chama, na
Cabalá, Tikun - retificação espiritual. Esta retificação do mundo ocorre quando
o homem santifica o mundo físico, utilizando seus elementos com propósito
sagrado. Por exemplo, quando o couro é usado para fazer os Tefilin, realiza-se
um ato de fissão espiritual: são liberadas as centelhas sagradas existentes na
matéria física. Se isso ocorresse constantemente - se o ser humano apenas
fizesse o certo sem nunca errar - a "serpente" definharia até a
morte, por inanição. O pecado de Adão e Eva seria, então, retificado e suas
consequências - luta e sofrimento e morte - deixariam de ser parte integral da
vida. O banimento do homem do Jardim do Éden acabou sendo mais uma consequência
do que uma punição. Ele teria que trabalhar com afinco para reparar o dano
causado a si próprio e ao mundo. E pode-se dizer que até mesmo a praga de que
"com o suor de teu rosto comerás o teu pão" não veio isenta de alguma
bênção em seu interior. Pois o trabalho é o que dá significado à vida do ser
humano. E o que se consegue com muita facilidade, dificilmente é valorizado. A
serpente, grande vilã e instigadora, foi punida com exatamente o oposto - uma
praga terrível que mais parece uma bênção. Diferentemente do homem que precisa
se empenhar para ganhar o seu sustento, a serpente é amaldiçoada por D'us a
buscar na terra a sua sobrevivência. De relance, isto parece uma bênção: como o
solo é tão abundante, o réptil jamais passará fome. Mas, no íntimo, este
decreto é o próprio significado do inferno. A serpente pode ser comparada a um
filho que cometeu uma maldade tão monstruosa que leva o pai a expulsá-lo de
casa. E lhe diz: "Eu o criei e, portanto, não posso deixá-lo morrer de
fome. Por isso, dou-lhe agora todo o dinheiro de que necessitará, na vida, para
que nunca mais me procure - pois jamais quero tornar a vê-lo ou saber de seu
paradeiro". Aqui jaz outra grande lição na história do Éden. Por vezes,
D'us provê pessoas malvadas de tudo o que necessitam e desejam porque Ele não
deseja contatos com esses indivíduos. Ao mesmo tempo, muita gente boa passa por
dificuldades na vida exatamente pelo fato de D'us se preocupar em ouvir suas
preces. Ele sente falta desses Seus filhos e quer ver melhorar o seu
comportamento, ligando sua alma a Ele por meio da prece, do estudo da Sabedoria
Divina e da realização de atos de caridade e bondade. A pergunta de D'us a
Adão. Ao estudar a história do Jardim do Éden, não podemos esquecer um
princípio básico no judaísmo: sob circunstância alguma acreditamos na
existência de poderes independentes; nada, nem mesmo o Mal, consegue se opor a
D'us. A serpente personificou o Mau Instinto, que é o próprio Anjo da Morte. E,
por se tratar de um anjo - simples mensageiro de D'us - entranhado na carne de
um animal, este não possuía livre arbítrio. O castigo da serpente simboliza a
maldição que é lançada contra os malfeitores, especialmente aqueles que
influenciam terceiros a fazer o mal. Já que a serpente, agindo em nome da
Árvore do Conhecimento, apenas desempenhava sua tarefa, podemos especular -
como ousaram fazer alguns comentaristas - que D'us teria feito propositalmente
com que Adão e Eva deslizassem, caindo em pecado. Pois se D'us não desejasse
que o homem comesse do fruto proibido, por que razão teria criado a Árvore do
Conhecimento do Bem e do Mal? A resposta não pode ser o "livre
arbítrio", porque vimos acima que antes do pecado original, o homem não
fora agraciado com esse dom divino. E, assim, ao contrário do que sugerimos
acima, talvez o homem não tenha nascido para viver livre do mal. Como ensinam
os livros místicos, se D'us tivesse desejado que o homem fosse perfeito, que
orasse e estudasse a Torá todas as horas do dia, ele poderia ter criado milhões
de anjos mais, que nada fazem além de O servir e louvar. Ao invés disso, criou
um ser diferente dos anjos e dos animais - uma criatura que pode livremente
escolher entre o bem e o mal. Não fosse o pecado original, isto jamais teria
sido possível. Como explica o Tanya, D'us permitiu que existisse o mal porque
sem este o homem viveria sem se esforçar. Se não houvesse batalhas, não haveria
vitórias. A existência humana adquire significado na batalha entre o bem e o
mal: a bondade ganha força quando luta e vence o Mau Instinto. Retornando a uma
analogia acima utilizada, um vilão necessita de um super-herói para justificar
sua existência. Mas o oposto também é verdadeiro: se não houver vilões, para
que heróis? O homem é a jóia da coroa da Criação porque, contrariamente a todas
as demais criaturas, ele pode vencer batalhas interiores, em sua alma, e optar
por fazer o certo - a despeito de todas as tentações, interiores e exteriores,
com que sempre se defronta. Uma história que reflete o que talvez seja a maior
mensagem que D'us nos transmite através do relato sobre o Éden envolve o autor
do Tanya, Rabi Shneur Zalman de Liadi (1745-1813). Enquanto encarcerado em uma
prisão russa - após a falsa acusação de atividades subversivas contra o Czar -
ele foi submetido a intenso interrogatório. As autoridades carcerárias sabiam
tratar-se de um grande erudito e filósofo, daí terem-no engajado em horas a fio
de discussões teológicas e filosóficas. Certa vez, o investigador-chefe lhe
perguntou: "Sua Torá relata que após o pecado de Adão, comendo do fruto da
Árvore do Conhecimento, D'us o confronta com a pergunta: 'Onde estás?' D'us
obviamente sabe onde estão os homens!" O Rebe, Baal HaTanya, retrucou:
"Você acredita que a Torá é eterna e que suas lições se aplicam a todos os
homens, em todas as épocas? Quando o russo respondeu que sim, o Rabi Shneur
Zalman começou a explicar: 'Onde você está' é o chamado de D'us a todos os
homens da Terra. Ele está perguntando: 'Em que ponto de sua jornada você se
encontra?'. Cada um de nós recebeu tantos dias e tantos anos na Terra, e portanto,
é necessário nos perguntarmos, constantemente, o que conseguimos realizar
nesses anos e quanto de bem contribuímos ao mundo". A pergunta de D'us a
Adão, pai de toda a humanidade, ecoa na eternidade. Continua a ser
constantemente feita a todo ser humano. Quando o homem ousa respondê-la -
quando percebe que não veio ao mundo por acaso, mas foi enviado por D'us para
aqui cumprir uma missão Divina, ele atinge um nível mais alto de
conscientização e embarca em um caminho que o levará a uma existência mais
significativa. Esta percepção do homem - de que D'us o chama e sente sua falta,
de que espera que ele faça algo construtivo e belo de sua vida e de seu mundo -
esta percepção é o início de uma jornada longa e árdua, às vezes dolorosa, mas
que o conduzirá de volta ao Jardim do Éden. www.morasha.com.br.
Abraço. Davi
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