quarta-feira, 4 de julho de 2018

AS RELIGIÕES DE MISTÉRIO E O CRISTIANISMO


Fraternidade Rosa Cruz. www.fraternidaderosacruz.org. Livreto Introdutório aos Ensinamentos da Sabedoria Ocidental. Texto de Max Heindel (1865-1919). AS RELIGIÕES DE MISTÉRIOS E O CRISTIANISMO. Travou-se uma luta constante entre os partidários das diversas tendências da "nova religião" – o cristianismo. Não havia delimitação precisa entre elas: todas se interpenetravam e influenciavam mutuamente. Esta situação de conflito manteve-se até à elaboração dos livros que formaram o cânone. Aos livros repudiados chamaram "apócrifos". Podem, assim, ser encontradas no Novo Testamento (NT) as marcas da influência do judeu cristianismo, do gnosticismo e de outras doutrinas religiosas. Nos séculos II e III, os defensores do cristianismo referiam-se com frequência, não só para as criticarem, mas também para invocarem a sua autoridade. Se o estudo das escrituras veneradas no início da nossa era e a que a Igreja chama apócrifas, secretas ou falsas nos permite reconstituir a verdadeira história do cristianismo original e analisar o desenvolvimento da tradição cristã, seus interesses, opiniões e aspirações, o estudo do Novo Testamento revela até que ponto o cristianismo absorveu os traços do messianismo judaico e dos cultos orientais, particularmente os egípcios, a filosofia idealista greco-romana, etc. Da mesma área geográfica vieram também cultos que forneceram algum conforto: as religiões de mistérios. O apelo de Mitra (derivado da Pérsia), o culto de Isis e Osíris (de origem egípcia) e o de Elêusis (grego), inicialmente suspeitos, foram ganhando importância, principalmente entre aqueles que não sofreram a influência dos tradicionais sentimentos de superioridade manifestados pela aristocracia romana em relação aos povos subjuga dos. É um facto, porém, que os mistérios não atraíam as massas populares. Os seus adeptos eram, essencialmente, as pessoas mais bem educada; uma boa parte dos cidadãos não possuía nem a inteligência nem o desafogo financeiro necessários para pagar as elevadas contribuições exigidas. 1 – Religiões de Mistérios. O que se sabe dos mistérios de Elêusis, apesar de se terem celebrados todos os anos durante cerca de dois milénios, é quase nada. A razão desta ignorância deve-se ao carácter secreto das celebrações. Nesta religião eram iniciados todos os atenienses; depois, foi admitida a totalidade dos gregos, e até estrangeiros, como o imperador romano Antonino Pio. A todos era imposto, no entanto, um cauteloso "non liquet", um prudente silêncio. A indiscrição era punida com a morte. Ruch (1981) admite que Sócrates foi sentenciado à morte por ter feito revelações acerca dos mistérios4. Durante as cerimónias ingeria-se uma bebida a que se dava no nome de kykeon (mistura). Preparava-se com água, cevada, blechon (ou glechon) que era, talvez, poejo (Mentha pulegium). Parece que está bebida provocava visões, provavelmente devido ao efeito alucinógeno da "cravagem do centeio". A maior parte da informação disponível sobre estes mistérios tem origem no Hino Homérico a Deméter. Os seus ritos celebravam-se anualmente em fins de setembro e princípios de outubro. Os ritos preparatórios tinham lugar na Primavera, com a celebração dos "Mistérios Menores". Os mistérios de Elêusis extinguiram-se no século IV, durante a expansão do cristianismo. Uma outra manifestação religiosa que arrebatou a mentalidade grega foi a dionisíaca. O culto de Dionísio celebrou-se desde o século XV AC. Dionísio era o deus da vitalidade e tinha como símbolos a videira e a hera. Realizavam-se quatro grandes festivais em sua honra: um, chamado Antestérias, tinha lugar em fevereiro; outro, as Leneias, em Janeiro; o terceiro, chamado Dionísias Rurais, em dezembro; e o quarto, o mais importante, as Dionísias Urbanas, acontecia na Primavera. 2 – O Novo Testamento Ao abordarmos um tema como este, nunca podemos esquecer a questão da linguagem. Para transmitir a sua doutrina, os autores armam-se de esquemas sociais, religiosos ou culturais e de imagens da própria cultura e do momento histórico em que vivem. O conhecimento de Deus e as expressões que se utilizam para falar dele estão condicionados pela imagem que temos do mundo. E como não o vemos, temos de usar palavras que designam coisas diferentes dele. É a linguagem da metáfora, do símbolo e também do mito. O estudo comparado das literaturas grega e bíblica permite estabelecer algumas analogias. Os documentos mais antigos citados no Novo Testamento são as cartas de São Paulo, a primeira das quais foi escrita cerca de 48 DC. Vamos ver o que nos diz o apóstolo acerca do baptismo, que é o primeiro sacramento cristão, no sentido em que se trata do instrumento pelo qual o indivíduo é admitido na congregação. Recorde-se que os banhos lustrais já eram praticados, por exemplo, na Europa Setentrional. O cristianismo, ao introduzir este rito, não teve necessidade de substituir outras práticas, mais antigas6, apesar de os evangelhos sinópticos não registarem qualquer instrução de Cristo para que os discípulos recebessem o sacramento do baptismo8. E entre os Essênios, por exemplo, o baptismo tinha uma vocação espiritual e iniciática, como se vê pelos seus escritos, onde se vislumbra já uma verdadeira cristologia. Lemos em Gálatas 3, 26-27: "porque todos sois filhos de Deus, pela fé... porque todos quantos fostes batizados em Cristo, já vos revestistes de Cristo (...)". Paulo associa o baptismo à morte para o pecado. O batismo torna-se uma morte simbólica, virtual, que permite ao crente ressurgir dos mortos (Romanos 6,4). E como participamos, por imitação, da morte de Jesus, também o podemos imitar na ressurreição, já que "aquele que está morto está justificado no pecado" (Romanos 6,7). O ponto de vista do apóstolo, que admite a regeneração do cristão pelo baptismo e pela fé, encontra paralelo nas crenças dos iniciados nos mistérios de Elêusis, para os quais a fé e a participação nas angústias e alegrias de Deméter garantia uma imortalidade auspiciosa. Em Romanos 6, 4-11, encontramos um texto onde ressalta uma linguagem simbólica, referências históricas, ideias morais, crenças escatológicas e místicas num conjunto que deve ser analisado de acordo com as experiências do próprio autor. Mas pode-se estabelecer facilmente um paralelo entre este passo bíblico e práticas das religiões de salvação pré-cristãs, especialmente com os cultos de mistérios em que a regeneração para a imortalidade se associa a ritos que promovem a identificação mística do iniciado com o deus que morre e depois ressuscita. O que se encontra aqui posto em evidência, no "corpus paulinum", é o difícil problema da linguagem associado à infiltração no cristianismo dos cultos orientais e religiões de mistérios. Problema a que não nos podemos esquivar, porque, seja qual for o ângulo sob o qual se observem as atividades do espírito, a linguagem corrente não deixa nunca de ser inadequada para descrever as condições suprafísicas. O carácter limitativo da linguagem tomará um relevo embaraçante quando se apreciam realidades transcendentes, de natureza esotérica, independentes de qualquer parecer humano. Há indicações de que este problema se acentuou com a infiltração das crenças e mitos das religiões antigas, à medida que o número dos não-cristãos começou a aumentar na igreja nascente, trazendo para ela os seus hábitos mentais, tradições e atitudes emotivas, ligados à mitologia grega ou asiática. É o que vemos nos evangelhos de São Mateus e São Lucas. Além dos quatro evangelhos conhecidos, existiam dezenas de outros escritos do mesmo género que, por razões diversas, não foram incluídos no Novo Testamento. E mesmo os que foram incluídos no cânone não cessaram de ser retocados, como afirma Celso. Admite-se que o evangelho de Marcos, o mais curto e unanimemente considerado o mais antigo, seja também o mais fiel. Marcos deve ter registado aquilo de que se lembrava das palavras de Pedro, de quem foi intérprete. Este evangelho, compilado em meados do ano 70 DC e que nada diz sobre o nascimento de Jesus, foi amplamente utilizado como fonte por Mateus e Lucas. Entre os ebionitas circulou uma versão do evangelho de Mateus sem a genealogia de Jesus. Mas, nos seus primeiros dois capítulos, que foram adicionados no século II, e nos primeiros três do evangelho de S. Lucas, já se vê nitidamente a influência da cultura helénica, capaz de aceitar mais facilmente um salvador nascido miraculosamente, tal como nos mistérios pagãos. Foi por este motivo que os autores – ou revisores – dos evangelhos de Mateus e Lucas inseriram a narrativa do nascimento tal como a conhecemos hoje. Mateus, como Paulo, serviu-se da versão grega do Antigo Testamento (AT), chamada dos "Setenta", "Septuaginta" ou "Alexandrina", feita no século III. Os seus tradutores, que ainda viviam num ambiente culturalmente influenciado pelo mito de Istar, desconheciam a língua hebraica, ou, pelo menos, eram pouco versados nela, porque se encontravam na diáspora, traduzindo então o original hebraico de um modo livre". Assim, traduziram a palavra hebraica alma (jovem núbil), do livro de Isaías, por parthénos (virgem). Ora, na sua genealogia, Mateus apoia-se no fragmento de Isaías 7,14, que é usado completamente fora do contexto da profecia. A narrativa profética de Isaías relaciona-se com a História do Reino do Sul (722 AC 586). No início da sua atividade profética, Isaías relacionou-se com o rei pró-assírio Acaz e defendeu a neutralidade do monarca com a Síria e a Assíria. Este conselho, confirmado por outros profetas israelitas, foi entendido como sendo uma análise essencialmente religiosa, porque as alianças entre países exigiam o reconhecimento formal das divindades dos aliados. Acaz submeteu-se à Assíria, ignorando o conselho baseado nos nomes de três jovens, que são referidos em Isaías 7,3: SearIasub, (O Resto Voltará) ; em Isaías 7,14: Emanuel (Deus Conosco) e em Isaías 8,3: Maer-Shalal-Haz-Baz (Pronto Saque Próximo Pilhagem). O primeiro e o terceiro eram, inconfundivelmente, filhos do próprio Isaías e o contexto sugere claramente que o segundo, Emanuel, também era filho do profeta. É surpreendente que Mateus, à parte da citação de Isaías, ao referir-se a Maria, mãe de Jesus, use também o termo gyné (1, 20-24). Há quem pretenda ver aqui, como na expressão "segundo a carne", em Romanos 1, 3, apenas uma relação jurídica, uma vez que Jesus, na sua condição de filho de David, tinha de ser juridicamente filho de José. Mas não era esse o pensamento de Paulo, para quem o sinal da filiação divina de Jesus não era o nascimento, mas a ressurreição, como se vê em Romanos 1, 4. Há, pelo menos, três passos nas cartas pastorais (que segundo vários críticos não teriam sido escritas por Paulo, talvez com exceção da Carta a Filemon) em que se adverte os cristãos para não darem crédito "a fábulas profanas e de velhas caducas, discussões insensatas, genealogias, etc.": 1 Timóteo 4,7; 2 Timóteo 4,4; Tito 3,9. Pela sua atualidade, esta salutar recomendação merece ser relida e carece de ser meditada por toda a gente que se interesse verdadeiramente por compreender os graves problemas e opções que hoje se apresentam ao homem no estudo das religiões. 3 – Conclusão Disse Clemente de Alexandria (150-215): "Antes do advento de Cristo, Deus deu aos hebreus a Lei e aos Gregos a Filosofia". Queria este autor dizer que reconhecia a função preparatória, mesmo pedagógica, de uma e de outra. É fácil identificar a presença da filosofia grega no sistema teológico cristão e a sua função preparatória para o cristianismo que haverá, no futuro, a religião universal. O mesmo se pode dizer das religiões antigas. Pelo que sabemos dos mitos e lendas, verifica-se que até os mais fantásticos contêm preciosos grãos ocultos de factos espirituais. Em conjunto, conduziram à preparação material, contribuindo com ritos para o corpo. Constituíram também uma preparação psicológica, com os dogmas para a inteligência e a moral para a alma. Afinal de contas, o cristianismo, que parece ter sido rejeitada no seio do judaísmo que o engendrou, foi acolhido por todas as outras nações do vasto Império Romano, onde a conversão ocorria sem qualquer pressão do poder temporal. www.fraternidaderosacruz.org. Abraço. Davi

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