Fraternidade
Rosa Cruz. www.fraternidaderosacruz.org.
Livreto Introdutório aos Ensinamentos da Sabedoria Ocidental. Texto de Max
Heindel (1865-1919). AS RELIGIÕES DE MISTÉRIOS E O CRISTIANISMO. Travou-se uma
luta constante entre os partidários das diversas tendências da "nova
religião" – o cristianismo. Não havia delimitação precisa entre elas:
todas se interpenetravam e influenciavam mutuamente. Esta situação de conflito
manteve-se até à elaboração dos livros que formaram o cânone. Aos livros repudiados
chamaram "apócrifos". Podem, assim, ser encontradas no Novo
Testamento (NT) as marcas da influência do judeu cristianismo, do gnosticismo e
de outras doutrinas religiosas. Nos séculos II e III, os defensores do
cristianismo referiam-se com frequência, não só para as criticarem, mas também
para invocarem a sua autoridade. Se o estudo das escrituras veneradas no início
da nossa era e a que a Igreja chama apócrifas, secretas ou falsas nos permite
reconstituir a verdadeira história do cristianismo original e analisar o
desenvolvimento da tradição cristã, seus interesses, opiniões e aspirações, o
estudo do Novo Testamento revela até que ponto o cristianismo absorveu os
traços do messianismo judaico e dos cultos orientais, particularmente os
egípcios, a filosofia idealista greco-romana, etc. Da mesma área geográfica
vieram também cultos que forneceram algum conforto: as religiões de mistérios.
O apelo de Mitra (derivado da Pérsia), o culto de Isis e Osíris (de origem
egípcia) e o de Elêusis (grego), inicialmente suspeitos, foram ganhando
importância, principalmente entre aqueles que não sofreram a influência dos
tradicionais sentimentos de superioridade manifestados pela aristocracia romana
em relação aos povos subjuga dos. É um facto, porém, que os mistérios não
atraíam as massas populares. Os seus adeptos eram, essencialmente, as pessoas
mais bem educada; uma boa parte dos cidadãos não possuía nem a inteligência nem
o desafogo financeiro necessários para pagar as elevadas contribuições
exigidas. 1 – Religiões de Mistérios. O que se sabe dos mistérios de Elêusis,
apesar de se terem celebrados todos os anos durante cerca de dois milénios, é
quase nada. A razão desta ignorância deve-se ao carácter secreto das
celebrações. Nesta religião eram iniciados todos os atenienses; depois, foi
admitida a totalidade dos gregos, e até estrangeiros, como o imperador romano
Antonino Pio. A todos era imposto, no entanto, um cauteloso "non
liquet", um prudente silêncio. A indiscrição era punida com a morte. Ruch
(1981) admite que Sócrates foi sentenciado à morte por ter feito revelações
acerca dos mistérios4. Durante as cerimónias ingeria-se uma bebida a que se
dava no nome de kykeon (mistura). Preparava-se com água, cevada, blechon (ou
glechon) que era, talvez, poejo (Mentha pulegium). Parece que está bebida
provocava visões, provavelmente devido ao efeito alucinógeno da "cravagem
do centeio". A maior parte da informação disponível sobre estes mistérios
tem origem no Hino Homérico a Deméter. Os seus ritos celebravam-se anualmente
em fins de setembro e princípios de outubro. Os ritos preparatórios tinham
lugar na Primavera, com a celebração dos "Mistérios Menores". Os
mistérios de Elêusis extinguiram-se no século IV, durante a expansão do
cristianismo. Uma outra manifestação religiosa que arrebatou a mentalidade
grega foi a dionisíaca. O culto de Dionísio celebrou-se desde o século XV AC.
Dionísio era o deus da vitalidade e tinha como símbolos a videira e a hera.
Realizavam-se quatro grandes festivais em sua honra: um, chamado Antestérias,
tinha lugar em fevereiro; outro, as Leneias, em Janeiro; o terceiro, chamado
Dionísias Rurais, em dezembro; e o quarto, o mais importante, as Dionísias
Urbanas, acontecia na Primavera. 2 – O Novo Testamento Ao abordarmos um tema
como este, nunca podemos esquecer a questão da linguagem. Para transmitir a sua
doutrina, os autores armam-se de esquemas sociais, religiosos ou culturais e de
imagens da própria cultura e do momento histórico em que vivem. O conhecimento
de Deus e as expressões que se utilizam para falar dele estão condicionados
pela imagem que temos do mundo. E como não o vemos, temos de usar palavras que
designam coisas diferentes dele. É a linguagem da metáfora, do símbolo e também
do mito. O estudo comparado das literaturas grega e bíblica permite estabelecer
algumas analogias. Os documentos mais antigos citados no Novo Testamento são as
cartas de São Paulo, a primeira das quais foi escrita cerca de 48 DC. Vamos ver
o que nos diz o apóstolo acerca do baptismo, que é o primeiro sacramento cristão,
no sentido em que se trata do instrumento pelo qual o indivíduo é admitido na
congregação. Recorde-se que os banhos lustrais já eram praticados, por exemplo,
na Europa Setentrional. O cristianismo, ao introduzir este rito, não teve
necessidade de substituir outras práticas, mais antigas6, apesar de os
evangelhos sinópticos não registarem qualquer instrução de Cristo para que os
discípulos recebessem o sacramento do baptismo8. E entre os Essênios, por
exemplo, o baptismo tinha uma vocação espiritual e iniciática, como se vê pelos
seus escritos, onde se vislumbra já uma verdadeira cristologia. Lemos em
Gálatas 3, 26-27: "porque todos sois filhos de Deus, pela fé... porque
todos quantos fostes batizados em Cristo, já vos revestistes de Cristo (...)".
Paulo associa o baptismo à morte para o pecado. O batismo torna-se uma morte
simbólica, virtual, que permite ao crente ressurgir dos mortos (Romanos 6,4). E
como participamos, por imitação, da morte de Jesus, também o podemos imitar na
ressurreição, já que "aquele que está morto está justificado no
pecado" (Romanos 6,7). O ponto de vista do apóstolo, que admite a
regeneração do cristão pelo baptismo e pela fé, encontra paralelo nas crenças
dos iniciados nos mistérios de Elêusis, para os quais a fé e a participação nas
angústias e alegrias de Deméter garantia uma imortalidade auspiciosa. Em
Romanos 6, 4-11, encontramos um texto onde ressalta uma linguagem simbólica,
referências históricas, ideias morais, crenças escatológicas e místicas num
conjunto que deve ser analisado de acordo com as experiências do próprio autor.
Mas pode-se estabelecer facilmente um paralelo entre este passo bíblico e
práticas das religiões de salvação pré-cristãs, especialmente com os cultos de
mistérios em que a regeneração para a imortalidade se associa a ritos que
promovem a identificação mística do iniciado com o deus que morre e depois
ressuscita. O que se encontra aqui posto em evidência, no "corpus
paulinum", é o difícil problema da linguagem associado à infiltração no
cristianismo dos cultos orientais e religiões de mistérios. Problema a que não
nos podemos esquivar, porque, seja qual for o ângulo sob o qual se observem as
atividades do espírito, a linguagem corrente não deixa nunca de ser inadequada
para descrever as condições suprafísicas. O carácter limitativo da linguagem
tomará um relevo embaraçante quando se apreciam realidades transcendentes, de
natureza esotérica, independentes de qualquer parecer humano. Há indicações de
que este problema se acentuou com a infiltração das crenças e mitos das
religiões antigas, à medida que o número dos não-cristãos começou a aumentar na
igreja nascente, trazendo para ela os seus hábitos mentais, tradições e
atitudes emotivas, ligados à mitologia grega ou asiática. É o que vemos nos
evangelhos de São Mateus e São Lucas. Além dos quatro evangelhos conhecidos,
existiam dezenas de outros escritos do mesmo género que, por razões diversas,
não foram incluídos no Novo Testamento. E mesmo os que foram incluídos no
cânone não cessaram de ser retocados, como afirma Celso. Admite-se que o
evangelho de Marcos, o mais curto e unanimemente considerado o mais antigo,
seja também o mais fiel. Marcos deve ter registado aquilo de que se lembrava
das palavras de Pedro, de quem foi intérprete. Este evangelho, compilado em
meados do ano 70 DC e que nada diz sobre o nascimento de Jesus, foi amplamente
utilizado como fonte por Mateus e Lucas. Entre os ebionitas circulou uma versão
do evangelho de Mateus sem a genealogia de Jesus. Mas, nos seus primeiros dois
capítulos, que foram adicionados no século II, e nos primeiros três do
evangelho de S. Lucas, já se vê nitidamente a influência da cultura helénica,
capaz de aceitar mais facilmente um salvador nascido miraculosamente, tal como
nos mistérios pagãos. Foi por este motivo que os autores – ou revisores – dos
evangelhos de Mateus e Lucas inseriram a narrativa do nascimento tal como a
conhecemos hoje. Mateus, como Paulo, serviu-se da versão grega do Antigo
Testamento (AT), chamada dos "Setenta", "Septuaginta" ou
"Alexandrina", feita no século III. Os seus tradutores, que ainda
viviam num ambiente culturalmente influenciado pelo mito de Istar, desconheciam
a língua hebraica, ou, pelo menos, eram pouco versados nela, porque se
encontravam na diáspora, traduzindo então o original hebraico de um modo
livre". Assim, traduziram a palavra hebraica alma (jovem núbil), do livro
de Isaías, por parthénos (virgem). Ora, na sua genealogia, Mateus apoia-se no
fragmento de Isaías 7,14, que é usado completamente fora do contexto da profecia.
A narrativa profética de Isaías relaciona-se com a História do Reino do Sul
(722 AC 586). No início da sua atividade profética, Isaías relacionou-se com o
rei pró-assírio Acaz e defendeu a neutralidade do monarca com a Síria e a
Assíria. Este conselho, confirmado por outros profetas israelitas, foi
entendido como sendo uma análise essencialmente religiosa, porque as alianças
entre países exigiam o reconhecimento formal das divindades dos aliados. Acaz
submeteu-se à Assíria, ignorando o conselho baseado nos nomes de três jovens,
que são referidos em Isaías 7,3: SearIasub, (O Resto Voltará) ; em Isaías 7,14:
Emanuel (Deus Conosco) e em Isaías 8,3: Maer-Shalal-Haz-Baz (Pronto Saque
Próximo Pilhagem). O primeiro e o terceiro eram, inconfundivelmente, filhos do
próprio Isaías e o contexto sugere claramente que o segundo, Emanuel, também
era filho do profeta. É surpreendente que Mateus, à parte da citação de Isaías,
ao referir-se a Maria, mãe de Jesus, use também o termo gyné (1, 20-24). Há
quem pretenda ver aqui, como na expressão "segundo a carne", em
Romanos 1, 3, apenas uma relação jurídica, uma vez que Jesus, na sua condição
de filho de David, tinha de ser juridicamente filho de José. Mas não era esse o
pensamento de Paulo, para quem o sinal da filiação divina de Jesus não era o
nascimento, mas a ressurreição, como se vê em Romanos 1, 4. Há, pelo menos,
três passos nas cartas pastorais (que segundo vários críticos não teriam sido
escritas por Paulo, talvez com exceção da Carta a Filemon) em que se adverte os
cristãos para não darem crédito "a fábulas profanas e de velhas caducas,
discussões insensatas, genealogias, etc.": 1 Timóteo 4,7; 2 Timóteo 4,4;
Tito 3,9. Pela sua atualidade, esta salutar recomendação merece ser relida e
carece de ser meditada por toda a gente que se interesse verdadeiramente por
compreender os graves problemas e opções que hoje se apresentam ao homem no
estudo das religiões. 3 – Conclusão Disse Clemente de Alexandria (150-215):
"Antes do advento de Cristo, Deus deu aos hebreus a Lei e aos Gregos a
Filosofia". Queria este autor dizer que reconhecia a função preparatória,
mesmo pedagógica, de uma e de outra. É fácil identificar a presença da
filosofia grega no sistema teológico cristão e a sua função preparatória para o
cristianismo que haverá, no futuro, a religião universal. O mesmo se pode dizer
das religiões antigas. Pelo que sabemos dos mitos e lendas, verifica-se que até
os mais fantásticos contêm preciosos grãos ocultos de factos espirituais. Em
conjunto, conduziram à preparação material, contribuindo com ritos para o
corpo. Constituíram também uma preparação psicológica, com os dogmas para a
inteligência e a moral para a alma. Afinal de contas, o cristianismo, que
parece ter sido rejeitada no seio do judaísmo que o engendrou, foi acolhido por
todas as outras nações do vasto Império Romano, onde a conversão ocorria sem
qualquer pressão do poder temporal. www.fraternidaderosacruz.org.
Abraço. Davi
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