RAJA YOGA. Texto de I. K.
Taimni (1898-1978). SAMADHI PADA. Drstanusravika visaya vitrsnasya vasikara
samjna vairagyam. I-15. A CONSCIÊNCIA DE PERFEITO DOMÍNIO DOS DESEJOS NO CASO
DE ALGUÉM QUE TENHA DEIXADO DE ANSIAR POR OBJETOS VISTOS OU NÃO VISTOS É
VAIRAGYA. Este sutra define vairagya, o segundo meio usual de produzir a
supressão de citta vrttis. O completo significado de vairagya e seu papel de
propiciar à mente uma condição de repouso será plenamente compreendido somente
após estudo da filosifa dos Klesas, descrita nas seção II. Discutiremos aqui
apenas certos princípios gerais. A palavra vairagya é derivada da palavra raga,
definida em II-7 como a atração proveniente do prazer originário de qualquer
objeto. Vairagya, por conseguinte, significa a ausência de qualquer atração por
objetos que dão prazer. Pode-se perguntar: por que somente ausência de atração,
por que não ausência de repulsão também, uma vez que atração e repulsão são
dois opostos e a repulsão prende a alma aos objetos tanto quanto a atração? Não
é por negligência que dvesa foi deixada de lado, na expressão etimológica da
ideia como vairagya, mas pelo fato de que dvesa está realmente incluído em raga
e com raga forma um par de opostos. A alternância da atração e da repulsão
entre dois indivíduos ligados entre si mostra a relação subjacente de atração e
repulsão, e sua origem comum derivada do apego. Assim, o desapego, que
significa liberdade tanto em relação à atração quanto à repulsão, expressa
corretamente o significado fundamental de vairagya. A razão por que vairagya
desempenha tão importante papel na restrição e, depois, na eliminação de citta
vrttis está no fato de que o desejo, em suas duas expressões – raga e dvesa – é
uma força extraordinariamente impulsionadora e perturbadora, que, de forma
ininterrupta, produz vrttis na mente. De fato, nos estágios iniciais do progresso
evolutivo, o desejo é a única força motriz, e o desenvolvimento da mente
ocorre, quase que exclusivamente, como resultado do constante impulso a que a
mente é submetida pelo desejo. Nos estágios posteriores, outros fatores também
aparecem e, como o desejo gradualmente se transforma em vontade, esta vontade,
cada vez mais, se transforma na força motriz do desenvolvimento evolutivo.
Todos os aspirantes que estão trilhando a Senda do Yoga precisam, portanto,
tentar compreender claramente o papel que o desejo representa em nossa vida,
bem com a maneira como ele conserva nossa mente em constante estado de
agitação. Muitos sadhakas, não compreendendo suficientemente a influência
perturbadora do desejo, tentam praticar a meditação sem prestar suficiente atenção
à questão do controle dos desejos, daí não obtendo qualquer sucesso
significativo em fazer com que a mente liberte-se das perturbações, no momento
da meditação. Tentar tornar a mente calma sem eliminar o desejo é como procurar
parar o movimento de um bote em águas violentamente agitadas por um forte
vento. Por mais que tentemos fazê-lo parar em uma posição, usando força
externa, ele continuará a movimentar-se como resultado dos impulsos imprimidos
pelas ondas. Mas, se o vento cessar e as ondas amainarem por completo, o barco
sossegará – no devido tempo – mesmo sem a aplicação de qualquer força externa.
O mesmo acontece com a mente. Se a força motriz do desejo é completamente
eliminada, a mente descansa (estado de nirudha) de modo natural e automático. A
prática de vairagya é a eliminação das forças motrizes do desejo – a palavra
desejo é aqui utilizada em seu mais amplo sentido de vasana, conforme explicado
na seção IV. Mas a eliminação de citta vrtti pela prática exclusiva de
vairagya, embora teoricamente possível não é nem exequível (executável) nem
recomendável. É como tentar parar um carro apenas cortando a gasolina. Por que
não usar também o freio e fazer com que ele pare mais rápida e eficazmente?
Nisto entra o papel desempenhado pelo abhyasa. Abhyasa e vairagya são, assim,
utilizados conjuntamente para citta vrtti nirodha. Após estas considerações
gerais sobre a função de vairagya, verifiquemos, agora, algumas das expressões
usadas em I-15, com vistas à compreensão do que realmente significam as definições
antes citadas. Visaya são os objetos que produzem a atração e o consequente
apego. Foram classificados sob dois títulos, aqueles que são vistos e aqueles
sobre os quais ouvimos falar, isto é, aqueles que são mencionados em
escrituras. Anusravika, é claro, refere-se aos deleites que os seguidores das
religiões ortodoxas esperam obter na vida após a morte. A prática de vairagya
procura destruir a sede pelas duas espécies de deleites. Ver-se-á, do que foi
dito acima, que o ideal do Yoga é inteiramente diferente do idela religioso
ortodoxo. Neste último, são prescritos modos especiais de vida e de conduta, e
se o devoto de determinada religião age de acordo com tal código de conduta,
ele espera viver, após a dissolução do corpo físico, num mundo super físico,
com todos os tipos de deleite e meios de alcançar a felicidade. Os céus das
diversas religiões podem diferir em relação aos encantos que oferecem, mas a
ideia fundamental é a mesma, isto é, uma espécie particular de vida que
consiste em observar certas normas e determinado código moral, como garantia de
uma vida feliz após a morte. A filosofia do Yoga não nega a existência do céu e
do inferno (1), mas apresenta ao yogi um ideal de realização, no qual não há
lugar para os gozos e prazeres da vida celestial, por serem estes também
temporários e sujeitos à ilusão. Os prazeres do mundo celestial nada são, se
comparados à bem aventurança e aos poderes que o yogi adquire quando sua
consciência passa para planos de existência ainda mais elevados. Até mesmo a
esses estados transcendentes, ele tem que renunciar, em seu progresso na
direção de seu objetivo supremo. Todo poder e prazer “nascidos” do contato com
prakrti e que não são inerentes ao Eu e, por conseguinte, não tornam o yogi
auto suficiente, deve ser incluído em anusravika visaya. Pode-se mencionar,
aqui, não ser a sensação de prazer, ao entrar em contato com visaya, o que
constitui trsna. Em nosso contato com objetos sensoriais, alguns têm que,
necessariamente, produzir uma sensação de prazer. Quando a consciência atua nos
planos superiores, através dos veículos mais sutis, a bem aventurança é o
acompanhamento natural inevitável, mas não é este sentimento de prazer ou bem
aventurança que constitui raga. A atração e o consequente apego é que causam a
escravidão e precisam ser destruídos pela prática de vairagya. É também
necessário lembrar que a simples ausência de atração, em virtude da inatividade
do corpo, ou da sociedade, ou da preocupação com outras coisas, não constitui
vairagya. Um homem que envelhece pode perder seu desejo sexual, durante algum
tempo. Um político empenhado em levar avante suas ambições pode,
ocasionalmente, tornar-se indiferente a prazeres sensuais. Mas essa indiferença
temporária em relação aos objetos nada tem a ver com vairagya. A atração
encontra-se apenas latente e pronta para vir à tona, tão logo as condições
necessárias estejam presentes. O que é necessário para a verdadeira vairagya é
a deliberada destruição de todas as atrações e consequente apego e o domínio
consciente dos desejos. Este é o significado da expressão vasikara samjna. O
controle sobre os veículos, através dos quais os desejos se fazem sentir, bem
como o consciente domínio decorrente de tal controle, são os elementos
essenciais de vairagya. Para se conseguir esta espécie de domínio, é preciso
que se tenha tido contato com tentações de toda espécie, ter passado por
provações de toda ordem, sair não apenas triunfante, mas sem sentir a mais leve
atração. Pois, se a atração é sentida, mesmo que a ela não se sucumba, não se
terá dominado completamente o desejo. Constata-se, portanto, que o isolamento
do mundo ou a fuga das tentações não nos ajudam a adquirir o verdadeiro
vairagya, embora isso possa tornar-se necessário nos primeiros estágios da
aquisição do autocontrole. Temos que aprender a lição e testarmo-nos em meio
aos prazeres e às tentações – é claro que sem sucumbir às tentações nem permitir os prazeres, mas
procurando passar pelas atraentes ilusões que envolvem tais prazeres, enquanto
estivermos sob seu domínio. A verdadeira vairagya não é caracterizada por uma
violenta luta com nossos desejos. Isso vem naturalmente e em sua forma mais
eficaz pelo exercício de nossa faculdade de discernimento chamada viveka. A
fascinação desempenha papel muito importante na produção de raga ou apego, é
até mesmo uma análise comum de caráter intelectual, combinada com a razão e o
bom senso, pode livrar-nos de muitos hábitos e apegos irracionais. Mas a
verdadeira arma a ser utilizada na aquisição do autêntico vairagya é a mais penetrante
luz de Buddhi, que se expressa como viveka. A medida que nossos corpos vão se
purificando nossa mente se tornando livre dos desejos mais grosseiros, es)) do
sa luz aumenta seu brilho e destrói nossos apegos, expondo as ilusões neles
subjacentes. De fato, viveka e vairagya podem ser considerados dois aspectos do
mesmo processo de dissipação da ilusão pelo exercício do discernimento, de um
lado, e a renúncia, de outro. A medida que o processo vai atingindo seu nível
mais profundo, ele vai-se fundindo cada vez mais com jnana, tornando-se
indistinguível dele. (1). É oportuno considerar que o autor está visivelmente
se referindo as religiões ortodoxas da Índia, nas quais o céu e o inferno são
estados transitórios da alma, após a morte, entre uma vida e outra, no ciclo
das reencarnações. Nessas religiões não se encontra o sentido de céu e inferno
eternos, como ocorre em muitas religiões ocidentais. Tat param purusa khyater
gunavaitrsnyam. I-16. ESTE É O MAIS ELEVADO VAIRAGYA, NO QUAL, DEVIDO AO
PERCEBIMENTO DO PURUSA, CESSA O MAIS LEVE DESEJO PELO GUNAS. Em relação ao
sutra anterior, foi mencionado que o discernimento e a renúncia fortificam-se
mutuamente e produzem a destruição progressiva de ilusões e apegos, raiz e
causa da escravidão. Isso resulta na liberação da consciência dos grilhões que
a ligam aos mundos inferiores e todo o processo culmina, como veremos mais
adiante em Kaivalya, objetivo final do Yoga. Nesse estado, purusa, tendo
compreendido sua verdadeira natureza e tendo-se livrado do jugo da matéria, não
tem mais atração nem mesmo pelas mais sutis formas de bem aventuranças,
encontradas nos planos mais elevados da existência. Ele é totalmente auto
suficiente e superior a toda essas atrações que se baseiam no jogo dos gunas.
Este vairagya, baseado na destruição de avidya e na compreensão de que tudo
está contido no próprio purusa, ou que purusa é a fonte de tudo, é a mais
elevada espécie de vairagya e é chamada de para vairagya. Ver-se-á que este
para vairagya, que é uma característica da consciência do purusa somente pode
aparecer na conquista de Kaivalya. O fato de que a completa vairagya só se
desenvolve na conquista de purusa khyati significa que, embora possa não haver
apego ativo nos estágios inferiores, ainda assim, as raízes do apego permanecem.
Isto quer dizer que, embora haja possibilidade de recidiva desse apego antes da
conquista de purusa khyati, isto torna-se impossível após alcançado esse
estágio. Este fato foi muito bem exposto na muito conhecida sloka (II-59) do
Bhagavad Gita: “Os objetos dos sentidos, mas não o gosto por eles, afastam-se
de um abstêmio (não consome bebida alcoólica) morador no corpo (espírito no
Bhagavad Gita), e mesmo o gosto por eles afasta-se dele após o Supremo ser
visto”. Referência do Texto: (1). Inferno – é oportuno considerar que o autor
está visivelmente se referindo às religiões ortodoxas da Índia, nas quais o céu
e o inferno são estados transitórios da alma, após a morte, entre uma e
outra vida, no ciclo das reencarnações. Nessas religiões não se encontra o sentido
do céu e inferno eternos, como ocorre em muitas religiões ocidentais. Livro A
Ciência do Yoga. Abraço. Davi.
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