Budismo Tibetano. Sua Santidade o
XIV Dalai Lama (Tenzin Gyatso (1935- ) palestrou em Milão – Itália no dia 9 de
dezembro de 2007. Transcrito e ligeiramente revisado por Alexandre Benzin.
"Gostaria de falar um pouco sobre a harmonia religiosa. Às vezes, os conflitos
envolvem a fé religiosa. Por exemplo, na Irlanda do Norte, embora no início o
conflito fosse uma questão basicamente política, depressa se transformou numa
questão religiosa. Isto é muito triste. Atualmente, os seguidores Xiitas e
Sunitas também lutam às vezes entre si. Isto também é muito triste. E no Sri
Lanka, embora o conflito também seja político, às vezes porém, ficamos com a
impressão de que o conflito é entre hindus e budistas. Isto é realmente
terrível. Antigamente, os seguidores de diferentes religiões estavam, na sua
maior parte, isolados uns dos outros. Mas agora estão em contato muito mais
próximo e por isso precisamos fazer um esforço especial para a promoção da
harmonia religiosa. No primeiro aniversário do 11 de Setembro, foi organizada
na Catedral Nacional de Washington – USA, uma cerimónia de oração. Eu estava
nessa reunião e referi, durante o meu discurso, que infelizmente hoje em dia
algumas pessoas transmitem a ideia de que todos os muçulmanos são militantes e
violentos, porque alguns deles são perversos. Depois, elas falam de um conflito
de civilizações entre o Ocidente e o islão. Essa não é a realidade. É
absolutamente errado caracterizar como má toda uma religião por causa de
algumas pessoas perversas. Isto é igualmente verdade a respeito do islão, do
judaísmo, cristianismo, hinduísmo e do budismo. Por exemplo, alguns seguidores
do protetor Dorje Shugden mataram três pessoas perto da minha residência. Uma
das vítimas era um bom professor, crítico de Shugden, que morreu com dezesseis
facadas. As outras duas eram seus estudantes. Aqueles assassinos foram
realmente perversos. Mas por causa disso, dizer que todo o budismo tibetano é
militante – ninguém acreditaria nisso. No tempo de Budha também havia algumas
pessoas perversas, nada de especial. Desde o 11 de Setembro de 2001 no ataque
as Torres Gêmeas do World Trade Center, em Nova Iorque – USA, não obstante eu
ser budista e não pertencer ao islão, tenho voluntariamente feito esforços no
sentido de defender o Grande Islão. Muitos dos meus irmãos muçulmanos – muito
poucas irmãs – explicaram-me que se alguém matar, isso não é do islão, porque
um verdadeiro muçulmano, um verdadeiro seguidor do islão deve amar toda a
criação tal como ama a Aláh e seu Profeta Muhammad. Todas as criaturas são
criadas por Aláh. Se respeitamos e amamos Aláh, devemos amar todas as suas
criaturas. Um meu amigo repórter passou uns tempos em Tehran, capital do Irã,
na época do Aiatolá Ruhollah Khomeini (1902-1989). Posteriormente, disse-me
como o Mullah da região que coletou dinheiro de famílias ricas e o distribuiu
às pessoas mais pobres, para as ajudar na educação e pobreza. Este é o
verdadeiro processo socialista. Nos países muçulmanos, o juro bancário é
desencorajado. Assim, se tivermos conhecimento do islão e virmos como os seus
seguidores o praticam com sinceridade, então, como em todas as outras
religiões, é verdadeiramente maravilhoso. Em geral, se tivermos conhecimento
das religiões dos outros, poderemos desenvolver o respeito, a admiração e a
compreensão mútuas. Por isso, precisamos de nos esforçar constantemente para
promover a compreensão religiosa entre as crenças. Recentemente, em Lisboa –
Portugal, assisti a uma reunião inter-religiosa numa mesquita. Esta foi a
primeira vez que uma reunião inter-religiosa foi realizada numa mesquita. Após
a reunião, fomos todos para o salão principal e meditámos em silêncio. Foi
realmente maravilhoso. Por conseguinte, façam sempre um esforço pela harmonia
inter-religiosa. Alguns dizem que Deus existe, outros que não – isso não é
importante. O que é importante é a lei da causalidade. Isto é assim em todas as
religiões – não matar, não roubar, não ao abuso sexual, não mentir. As
diferentes religiões podem usar métodos diferentes, mas todas têm o mesmo
propósito. Olhem para os resultados, não para as causas. Quando vão a um
restaurante, apreciem apenas todos os diferentes alimentos, em vez de
discutirem que os ingredientes desta refeição vêm daqui ou dali. O melhor é
apenas comer e apreciar. Então, essas diferentes religiões – em vez de
discutirem se a sua filosofia é boa ou má – verão que todas elas têm como
propósito e objetivo o ensino da compaixão, e que todas elas são boas. O uso de
métodos diferentes para pessoas diferentes é realista. Nós devemos adotar uma
abordagem e uma visão realistas. A paz interior está relacionada com a
compaixão. Todas as principais religiões têm a mesma mensagem – o amor, a
compaixão, o perdão. Nós precisamos de uma maneira secular de promover a
compaixão. Para as pessoas que seguem uma religião seriamente e com
sinceridade, a nossa própria religião tem um grande potencial para aumentar
ainda mais a nossa compaixão. Quanto aos não-crentes – aqueles que não têm
nenhum interesse religioso em particular ou aqueles que até odeiam as religiões
– às vezes também não têm nenhum interesse pela compaixão, pois pensam que a
compaixão é uma questão religiosa. Isso está completamente errado. Se quiserem
ver a religião como algo negativo, estão no seu direito. Mas não há motivos
para termos uma atitude negativa em relação à compaixão. Primeiro, nós viemos
das nossas mães. As outras pessoas e animais também vieram de mães e
sobreviveram devido aos cuidados que elas tiveram. Há um certo fator biológico
que nos une. Esse é um fator biológico. A minha própria mãe, por exemplo, era
muito bondosa. Por isso, hoje, a primeira semente da minha compaixão veio da
minha mãe, e não do budismo. Depois de ter estudado o budismo, ela apenas
cresceu. Se não tivesse esse tipo de mãe bondosa ou se os meus pais me tivessem
abusado, então se calhar hoje teria dificuldade em praticar a compaixão. Por
conseguinte, a semente da compaixão é um fator biológico. Nós precisamos dela
para sobrevivermos. A afeição é um fator essencial para uma correta educação.
Os cientistas fizeram experiências com macacos bebês. Como as mães eram sempre
brincalhões e só lutavam em algumas ocasiões. Os separados de suas mães estavam
frequentemente tensos, infelizes e lutavam muito. Portanto, o crescimento está
relacionado com a afeição dos outros. De acordo com cientistas médicos, foi
verificado que quanto mais praticarmos a compaixão, tanto menos estresse e
ansiedade e mais paz mental teremos. Teremos melhor circulação sanguínea e a
nossa pressão arterial baixará. Em alguns casos, o sistema imunitário torna-se
mais forte. Mas a constante raiva e ódio enfraquece o nosso sistema imunitário.
Assim, a compaixão e o perdão são muito úteis para a saúde e para uma longa
vida. Podemos ensinar isto às pessoas desde a infância, como parte dos serviços
de saúde. Precisamos portanto de uma adequada promoção dos valores humanos, não
só através da religião como através da educação secular. A educação moderna não
dá muita atenção à ternura. Isso faz falta. Algumas universidades estão
pesquisando formas de introduzir a ternura no sistema moderno de educação. Isso
é muito bom. Precisamos de uma forma secular para promover a ética secular.
Secular não significa ser-se contra a religião ou ter-se desrespeito por ela.
Quando digo "secular", é como na constituição indiana. Mahatma Gandhi
(1869-1948) deu ênfase à religião secular: fez orações de todas as religiões.
"Secular" significa a não-preferência de uma religião sobre outra,
mas o respeito por todas as religiões, incluindo por não-crentes. Assim,
precisamos de éticas seculares através de métodos seculares, baseados na
educação sobre experiência comum e prova científica. Pergunta: Hoje em dia, temos
muito materialismo no mundo. E as pessoas materialistas? Como lidar com isto? Sua Santidade: As coisas
materiais apenas facultam o conforto físico, não o conforto mental. O cérebro
de uma pessoa materialista e o nosso cérebro são iguais. Assim, ambos
experienciamos a dor mental, a solidão, o medo, a dúvida, o ciúme. Estes
perturbam a mente de qualquer um. Removê-los com dinheiro – isso é impossível.
Algumas pessoas com mentes perturbadas, com demasiado estresse, tomam
medicamentos. Estes reduzem temporariamente o estresse, mas produzem muitos
efeitos laterais. Não é possível comprar a paz mental. Ninguém a vende, mas
todos a querem. Muitas pessoas tomam tranquilizantes, mas a verdadeira medicina
para uma mente estressada é a compaixão. Por conseguinte, as pessoas
materialistas precisam de compaixão. A paz mental é a melhor medicina para uma
boa saúde. Traz mais equilíbrio aos elementos físicos. O mesmo é verdade
relativamente ao dormirmos o suficiente. Se dormirmos com paz mental, então não
teremos distúrbios e não precisaremos de tomar comprimidos para dormir. Muitas
pessoas cuidam-se para terem uma bonita cara. Mas se estiverem irritadas, nem o
uso de maquilhagem ajudará. Continuarão feias. Mas se não tiverem raiva, e
sorrirem, então as suas caras se tornarão atrativas e parecerão mais
inteligentes. Se fizermos um forte esforço na compaixão, então, quando a raiva
vier, vem apenas por um momento. É como um sistema imunitário forte. Quando um
vírus aparece, não causa muitos problemas. Por isso precisamos de uma visão
holística e de compaixão. Então, com familiarização e análise sobre a
interconectividade de todos, obteremos mais força. Todos nós temos o mesmo
potencial para a bondade. Olhem para vós próprios. Vejam todos os potenciais
positivos. Negativos também existem, mas o potencial para coisas boas também
existe. A básica natureza humana é mais positiva do que negativa. A nossa vida
começa com compaixão. Por isso, a semente da compaixão é mais forte do que a
semente da raiva. Assim, olhem para vós de um modo mais positivo. Isto trará um
humor mais tranquilo. Depois, será mais fácil quando surgirem problemas.
Shantideva, um grande mestre budista (685) indiano, escreveu que, quando
estamos prestes a enfrentar um problema, se nós analisarmos e virmos uma
maneira de o evitar ou de o superar, não há necessidade de nos preocuparmos. E
se não o pudermos superar, então a preocupação não ajuda. Aceitem a realidade.
Assim, se estiverem interessados naquilo que eu digo, façam então vocês mesmos
experiências. Se não estiverem interessados, esqueçam. Eu amanhã vou-me embora,
mas os vossos problemas continuarão convosco". http://www.berzinarchives.com.br.
Abraços. Davi.
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