Integra do discurso da presidente Dilma Van Rousseff no Palácio do
Planalto (22/03) diante de juristas, governadores, magistrados e advogados que apoiam
sua permanência no governo. “Eu, tendo consideração pelo estômago de vocês e
pela fome - Flávio Dino acabou de me dizer que é um direito inalienável, o
direito à alimentação - eu vou cumprimentar, aqui, os representantes das
entidades que entregaram seus manifestos de forma geral. Vou cumprimentar,
também, os ministros de Estado aqui presentes também de forma geral. Vou
cumprimentar os chefes, os senhores e as senhoras chefes de delegações
acreditados junto ao meu governo, chefes de missão diplomática. Cumprimentarei
aqui, um advogado e, ao cumprimentá-lo, cumprimento todos os advogados.
Cumprimento, aqui, o Álvaro Costa, ex Advogado Geral da União aqui presente.
Cumprimento, também, o governador Flávio Dino, do Maranhão. Os deputados
federais presentes. Todos que fizeram uso da palavra, não só cumprimento como
agradeço toda a manifestação de solidariedade, mas, sobretudo, toda a análise
clara, toda a precisão na qualificação do que acontece no Brasil. Compreender é
ser capaz de lutar de uma forma muito mais efetiva e compromissada. Quero
cumprimentar, também, aqui, os senhores e as senhoras jornalistas, fotógrafos e
cinegrafistas. Primeiro, eu queria dizer que eu recebo, com muita satisfação e
honra, os manifestos assinados por juristas, por advogados, por professores,
por membros do Ministério Público, por defensores públicos, por estudantes,
enfim, por todos aqueles que militam nessa ampla área, que é a área do direito,
da verdade e da justiça do nosso país. Esse ato demonstra algo muito importante
para todos nós e para nossa sociedade: o grande compromisso na defesa do Estado
democrático de direito que está disseminado pelo País, em todos os estados da
Federação. Me alegra muito compartilhar esse momento com cidadãos e cidadãs que
têm plena consciência dos riscos de uma ruptura democrática, da monumental
perda das árduas conquistas democráticas e sociais obtidas nos últimos anos. Eu
dirijo-me a vocês com a consciência tranquila de não ter cometido qualquer ato
ilícito, qualquer irregularidade que leve a caracterizar crime de
responsabilidade. Dirijo-me a vocês, com a segurança de ter atuado, desde o
início de meu primeiro mandato, para combater de forma enérgica, de forma
continuada, a corrupção que sempre afligiu o Brasil. Dirijo-me a vocês com a
certeza de ter desenvolvido e buscado assegurar que a inclusão social
conquistada nos últimos anos seja mantida, garantida e expandida. Uma frase
caracterizou o meu governo e vem caracterizando até hoje: o fim da miséria é só
um começo. Um começo de reivindicações, de novos direitos e de novos avanços.
Eu denuncio aqui, por conta disso, a estratégia do “quanto pior melhor”, que
parte das Oposições assumiu desde o início do meu segundo mandato, inconformada
com os resultados das urnas. Essa estratégia do “quanto pior melhor” ela vem
sendo uma ação sistemática, anti republicana e antidemocrática que se manifesta
e se manifestou em pautas-bomba e na busca de motivos falsos e inconsistentes
para tirar o mandato a mim outorgado pelo povo brasileiro. Eu queria, aqui,
registrar o imenso respeito e admiração que eu tenho por Leonel Brizola
(1922-2004), protagonista de inúmeras passagens decisivas na nossa história, em
especial a luta e a campanha pela legalidade. Eu jamais imaginei que
voltaríamos a viver um momento em que se fizesse necessário mobilizar a
sociedade em torno de uma nova campanha da legalidade, como estamos fazendo
hoje, neste encontro. Eu imaginei - e continuo imaginando e lutando por isso -
que teríamos que gastar as nossas forças e energias para garantir que esse País
continuasse incluindo e desenvolvendo as oportunidades para milhões das pessoas
excluídas. Mas, novamente ser necessário mobilizar a sociedade em torno de uma
nova campanha pela legalidade, de fato, eu jamais imaginei depois do fim da
ditadura. Eu preferia não viver este momento. Mas, que fique claro, me sobram
energia, disposição e respeito à democracia para fazer o enfrentamento
necessário à conjuração que ameaça a normalidade constitucional e a
estabilidade democrática do País. Essa conjuração que ameaça a normalidade
constitucional e a estabilidade democrática no Brasil tem vários segmentos: uma
das ameaças vem do processo de impeachment em curso no Congresso Nacional
contra o mandato que me foi conferido pela população brasileira. Todos aqui
sabemos que nossa Constituição prevê o impeachment como instrumento para
afastar um presidente, desde que haja crime de responsabilidade claramente
demonstrado. Alguns querem tratar a questão como se vivêssemos no regime
parlamentarista, onde a suspeição política de um presidente é condição
necessária e suficiente para que ele seja afastado. Mas o voto no regime parlamentarista
não é majoritário; ele não leva às urnas, no caso do Brasil, milhões e milhões
de brasileiros. Nós estamos em um regime presidencialista, e o impeachment só
pode se dar por crime de responsabilidade claramente demonstrado. Na ausência
de crime de responsabilidade comprovado, com provas inquestionáveis, o
afastamento torna-se, ele próprio, um crime contra a Democracia. E, repito,
este é o caso do processo de impeachment em curso contra meu mandato, devido à
ausência de base legal. Não cometi nenhum crime previsto na Constituição e nas
leis para justificar a interrupção de meu mandato. Condenar alguém por um crime
que não praticou é a maior violência que se pode cometer contra qualquer
pessoa. É uma injustiça brutal. É uma ilegalidade. Já fui vítima desta
injustiça uma vez, durante a ditadura, e lutarei para não ser vítima de novo,
em plena democracia. Neste caso, não cabem meias palavras: o que está em curso
é um Golpe contra a Democracia. Eu jamais renunciarei. Aqueles que pedem a
minha renúncia mostram a fragilidade da sua convicção sobre o processo de
impeachment. Porque, sobretudo, tentam ocultar justamente esse Golpe contra a
Democracia. E eu posso assegurar a vocês que eu não compactuarei com isso. Por
isso, não renuncio em hipótese alguma. Pode-se descrever um Golpe de Estado com
muitos nomes, mas ele sempre será o que é: a ruptura da legalidade, atentado à
Democracia. Não importa se a arma do Golpe é um fuzil, uma vingança ou a
vontade política de alguns de chegar mais rápido ao poder. Esse tipo de
sinônimo, esse tipo de uso inadequado de palavras é o mesmo que usavam contra
nós na época da ditadura para dizer que não existia preso político, não
existiam presos políticos no Brasil, quando a gente vivia dentro das cadeias
espalhadas por esse País afora. Negar a realidade não me surpreende, por isso,
o nome é um só: é Golpe. Por isso, senhoras e senhores, o malhete é utilizado
pelos juízes para exigir atenção e estabelecer a ordem. Neste momento eu espero
ouvir o som do martelo da Justiça sendo batido por juízes, magistrados e
ministros sensatos, serenos e imparciais. Executores da Justiça que acordem o
nosso País para a necessidade de que, combatendo a corrupção, tão necessária de
ser combatida, sejam, ao mesmo tempo, respeitados os direitos fundamentais de
todos os cidadãos. Conquista civilizatória sim, como a presunção da inocência e
o amplo direito de defesa. Em uma Democracia constitucional todos nós estamos
sujeitos às mesmas leis, todos, sem exceção, devemos ter nossos direitos
individuais respeitados. Respeito que deve vir de todos – dos que governam, dos
que legislam e, sobretudo, daqueles cuja função é zelar pela aplicação das leis
e pela garantia dos direitos. A Democracia é afrontada e ameaçada quando um
encarregado de executar a Justiça opta por descumprir as leis e a Constituição.
Um executor da Justiça não pode assumir como meta condenar adversários ao invés
de fazer Justiça. Condenar adversários, ao invés de fazer justiça é mais do que
um crime - como diziam uns - é um erro; não pode, também, abdicar da
imparcialidade. É ela que garante que todos somos iguais perante a lei; não
pode se transformar em militante partidário; pode ter sua convicções, mas essas
convicções partidárias não podem iluminar suas decisões. A Justiça brasileira fica
enfraquecida e a Constituição é rasgada quando são gravados diálogos da
presidenta da República sem a devida, necessária e imprescindível autorização
do Supremo Tribunal Federal - gravados e divulgados - em uma evidente violação
da Segurança Nacional. A Justiça brasileira fica enfraquecida quando são
divulgadas, ao arrepio da lei, gravações que não dizem respeito ao objeto da
investigação - ou das investigações - e que maculam a imagem de pessoas e
invadem a privacidade de cidadãos e cidadãs. Nenhum brasileiro, nenhuma
brasileira pode aceitar e concordar com isso sob nenhuma hipótese ou
justificativa. A Justiça brasileira fica muito enfraquecida quando são violadas
as prerrogativas dos advogados, ferindo o direito de defesa e o papel do
advogado em qualquer processo de litígio. Quando tudo isso acontece fica nítida
a tentativa de ultrapassar o limite estabelecido pelo Estado democrático de
direito, a tentativa de cruzar a fronteira, fronteira que é tão cara para nós
que a construímos e lutamos por ela; fronteira que separa o Estado Democrático
de Direito do Estado de exceção. Seja esse Estado de exceção ditadura militar,
regime policial ou autoritarismo disfarçado. Confio que a Suprema Corte (STF) e
as demais instâncias da Justiça de nosso País saberão garantir, com
imparcialidade, com serenidade e com sabedoria, todos os direitos e garantias
que asseguram os princípios do Estado Democrático de Direito. Sei que as
instituições do Brasil hoje estão muito maduras; sei que temos condições de
superar esse momento. Mas sei, também, que há uma ruptura institucional sendo
forjada nos baixos porões da baixa política, que precisa ser combatida. Por
isso, agradeço a vocês juristas, advogados, professores de direito, a todos que
militam nessa área, a todos que trabalham pela Justiça, além dos cidadãos deste
País, por defender a normalidade Democrática e a Constituição. Juntos, tenho
certeza, que iremos defender as instituições das ameaças que estão sofrendo.
Juntos vamos fazer esse Brasil, tão querido, avançar. Queremos muito para o
Brasil, por isso estamos aqui. Queremos crescimento, que gera riqueza e
empregos. Queremos inclusão social, que consolida e amplia direitos. Queremos
tolerância, que viabiliza a convivência na diversidade. Diversidade tão
importante para nossa cultura. Tolerância, tolerância e tolerância. Queremos
diálogo e queremos Paz. Tudo isso somente será possível se preservarmos nossa
Democracia, fundamento do Brasil melhor, mais justo, que nós todos sonhamos.
Sejamos, pois, firmes na defesa da legalidade, na defesa da Constituição e do
Estado de Direito; na defesa das conquistas que o povo brasileiro conseguiu nos
últimos anos do nosso País. Por isso, tenho certeza: não vai ter Golpe. Muito
obrigada". http://www.oglobo.globo.com.br.
Abraço. Davi.
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