Leonardo
Boff (1938- ). Os valores do
cristianismo encontraram na arte um campo fertilíssimo de expressão. Pensemos
especialmente nas catedrais seculares, as majestosas igrejas, seja do Ocidente,
seja do Oriente. Os templos nos mais variados estilos, desde a simplicidade da
arte românica, passando pelo verticalismo transcendental do gótico até a
profusão de cores e estátuas da Catedral de Brasília. A arte pictórica e
plástica encontrou em Jesus e nos Mistérios cristãos materiais de inspiração,
produzindo obras inigualáveis pela beleza como como a Capela Sistina, as
estátuas da Pietá e a de Moisés de Miquelângelo e a Última Ceia e a Monalisa de
Leonardo da Vinci (1452-1519). Os Profetas de Aleijadinho (1730-1814), os
misteriosos ícones da arte ortodoxa, especialmente russa e grega. O sincretismo
indígena latino americano cristão, de igrejas e da estatuária do México, do
Equador, do Peru e do Brasil, entre outros países. A escultura religiosa
africana, bem como a chinesa e a japonesa, são de beleza singular e ímpar.
Neste âmbito o cristianismo mostrou um poder de elevação de inegável
espiritualidade. O cristianismo popular contribuiu com formas artísticas seja
nas artes plásticas, seja na arte pictórica de grande qualidade e criatividade,
com uma ingenuidade que nos remete ao paraíso terrenal antes de sua queda. Não
foi menor a incidência do cristianismo na literatura, na poesia, nos romances e
na novelística. Há toda uma tradição de grandes oradores sacros, desde os mais
conhecidos como Santo Agostinho (354-430), São Leão Magno (395-461), São
Gregório I, até Lacordaire, Wihelm Bossuet (1865-1920), São Leonardo de Porto
Maurício (1676-1751) e o padre Antônio Vieira (1608-1697), um clássico de nossa
língua. Como não mencionar a Divina Comédia Humana de Dante Alighieri
(1265-1321), onde a poesia cristã alcançou uma altura e beleza até hoje
insuperada? Toda obra de Ernesto Cardenal (1925- ), especialmente seu insuperável Canto
Cósmico, os muitos escritos de Alceu Amoroso Lima ou Tristão de Athayde
(1893-1983) e de Carlos Alberto Libânio Christo (1944- ). Perpassados de mística e de refinada
beleza literária cristã, só para referir alguns nomes. Também não se pode
pensar em notáveis escritores que se confrontaram com a herança cristã, como
Goethe (1749-1832), Thomas Mann (1875-1955), Paul Claudel (1868-1955), Miguel
de Cervantes (1547-1616), Fernando Pessoa (1888-1935) e Machado de Assis
(1839-1908), entre tantos e tantas. O mesmo se poderia dizer de geniais
cineastas das mais variadas procedências. O cristianismo abriu espaço teórico
para o projeto científico da Modernidade ao secularizar o mundo, e assim
fazê-lo objeto de investigação. Houve um conflito inicial entre a cosmovisão
clássica sustentada pela hierarquia romana, mas
que foi superada por figuras religiosas como Nicolau Copérnico
(1473-1543), Blaise Pascal (1623-1662). Gênios como Newton (1647-1727), Francis
Bacon (1561-1626), Friedrich Nietzche (1844-1900), Martin Heidegger (1889-1976)
e o próprio Karl Marx (1818-1883), Friedrich Engels (1820-1895) ou sociólogos e
analistas como Max Weber (1864-1920) e Antônio Gramsci (1891-1937), entre
tantos outros que se tornariam incompreensíveis sem seu contato crítico com o
cristianismo. Ressaltam políticos notáveis que fizeram da fé cristã inspiração
ética e humanística como Konrad Adenauer (1876-1967) na Alemanha, Alcide De
Gaspari (1881-1954) e Della Pira na Itália, Charles De Gaulle (1890-1970) na
França. John Kenedy (1917-1963), Jose Carlos Mariátegui (1894-1930) no Peru, e
Luís Inácio Lula da Silva (1945- ). Por fim,
o cristianismo penetrou no mundo das imagens virtuais. Inspirou inumeráveis
filmes sobre a vida de Cristo, sua paixão e seu Mistério. Outros tomaram como
tema assuntos ligados ao cristianismo, como as missões, as vidas dos santos e
santas, documentários sobre os lugares sagrados e sobre a arte sacra. Aqui o
cristianismo ganhou uma publicidade desconhecida no passado e passou a ser um
dado da consciência planetária. Somente agora ele ganhou uma catolicidade
quantitativa, penetrando até os recônditos mais longínquos da Terra. A internet
abriu uma universalização inimaginável da mensagem cristã, cujos efeitos são
ainda indecifráveis. O ponto mais alto do cristianismo se encontra nas figuras
exemplares e arquetípicas que testemunharam em suas vidas e forças
transformadora e humanizadora do sonho de Jesus e de seu modo de ser. São os
anunciadores do Evangelho das várias igrejas, os humildes pregadores populares
nos lugares mais longínquos e inóspitos. Religiosos e religiosas servindo nas
favelas mais miseráveis, nos hospitais e nos leprosários, são também, do lado
católico, os santos e santas, os mártires. Os confessores e as virgens que
atestam que a semente do Reino disseminada por Jesus não ficou estéril, mas que
caída em Terra fecunda, germinou e floresceu. Os espíritos mais humanitários do
Ocidente foram gestados no espaço cristão graças aos bens do Reino que nunca
deixaram de fermentar na história. Brilharam na inteligência gênios como
Orígenes (185-254), Santo Agostinho (354-430), Santo Ireneu (130-202), os
mestres medievais como Tomás de Aquino (1225-1274), São Boaventura (1728-1798),
Duns Scotus (1265-1308), Guilherme de Ockham (1285-1347). Nos séculos XV e XVI
Jan Huss, Martinho Lutero, Ulrico Zwínglio, João Calvino, Filipe Melanchton,
Bartolomeu de las Casas e, modernamente, Schleier macher (1768-1834), Karl
Barth (1886-1968), Rudolf Bultmann (1884-1976), Jurgen Moltmann (1926- ), Karl Rahner (1904-1984), Dietrich Bonhofer
(1906-1945) e, entre nós, Gustavo Gutierrez (1928- ), Juan Luiz Segundo (1925-1996), Hugo
Assmann (1933-2008), Jon Sobrino (1938-
) e Paulo Freire (1921-1997). Os místicos já foram citados
anteriormente, mas mais que tudo se sobre elevam aqueles anônimos que moldaram
suas vidas à luz da vida de Jesus de Nazaré, o Cristo da fé, como nossos avós,
pais, parentes e tantos outros próximos. Alguns se transformaram em referências
cristãs e até universais, como os mártires cristãos jogados às feras nas arenas
romanas para diversão das massas. Depois surgiram figuras como São Francisco de
Assis e Santa Clara (1194-1254), Pedro Damião (1007-1072) e Albert Schweitzer
(1875-1965), ambos entregues ao cuidado dos hansenianos. São Vicente de Paulo
(1581-1660) atendendo aos caídos na estrada, John Wesley (1703-1791), na
Inglaterra atuando junto aos operários Martin Luther King Jr. (1929-1968),
lutando pelos direitos civis dos negros. Bartolomeu de las Casas salvando os
indígenas da Mesoamérica contra a barbárie dos colonizadores europeus, o papa
João XXIII, que abriu as portas e as janelas da velha instituição Igreja ao
mundo de hoje. Dom Oscar Romero (1917-1980), arcebispo de El Salvador,
martirizado enquanto celebrava a Eucaristia, misturando seu sangue ao sangue de
Cristo. Ele foi alvejado por uma bala assassina; os mártires jesuítas de El
Salvador, sacrificados por defenderem a dignidade dos últimos e oprimidos. Dom
Helder Câmara (1909-1999), bispo dos pobres e talvez o maior profeta do
Terceiro Mundo no século XX. Madre Tereza de Calcutá, criando condições para
que os moribundos das ruas pudessem morrer dignamente. Irmã Dulce (1914-1992),
cuidadora dos marginalizados que viviam nas palafitas de Salvador da Bahia. A
irmã Doroty Mae Stang ( 1931-2005), assassinada por defender a Floresta
Amazônica e as populações empobrecidas. Menção especial merecem os
missionários. É verdade que muitos deles foram ad gentes com uma mentalidade de
conquista, acompanhando as potências coloniais, mas para além das teologias
questionáveis que rondavam em suas cabeças, lançaram-se no inferno da miséria,
no coração das florestas tropicais inóspitas, nas periferias mais abjetas,
sempre buscando servir à vida das pessoas e, simultaneamente cuidando de sua
adesão ao Evangelho. Muitos foram perseguidos, caluniados, maltratados,
aprisionados, torturados e assassinados em razão da causa pela qual
corajosamente deixaram suas pátrias, suas famílias e suas culturas de origem e
entregaram suas vidas aos outros. Estes formam a multidão dos marcados pelo
sangue do Cordeiro (Apocalipse 7:13) e estão no coração de Deus e na memória
perene dos cristãos e da humanidade. A lista destes testemunhos do Evangelho
não tem fim. São estes que conferem credibilidade ao cristianismo, mostram que
o assassinato de Cristo não foi em vão e que o sonho de um Reino de justiça, e
de amor, de misericórdia do império do negativo, realmente continua germinando
dentro da história, empurrando-a rumo ao seu desfecho feliz. Mais que
ideias, mensagens, doutrinas e dogmas,
são vidas que convencem e levam as pessoas a se acercarem àquela Fonte que
alimenta estes cristãos seminais e a todos os que vivem no amor, na justiça e
na solidariedade para com os últimos. Do Livro Cristianismo o Mínimo do Mínimo.
Abraço. Davi.
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