sexta-feira, 4 de março de 2016

II. O Futuro do Cristianismo na Era Global.



Leonardo Boff (1938-  ). Os valores do cristianismo encontraram na arte um campo fertilíssimo de expressão. Pensemos especialmente nas catedrais seculares, as majestosas igrejas, seja do Ocidente, seja do Oriente. Os templos nos mais variados estilos, desde a simplicidade da arte românica, passando pelo verticalismo transcendental do gótico até a profusão de cores e estátuas da Catedral de Brasília. A arte pictórica e plástica encontrou em Jesus e nos Mistérios cristãos materiais de inspiração, produzindo obras inigualáveis pela beleza como como a Capela Sistina, as estátuas da Pietá e a de Moisés de Miquelângelo e a Última Ceia e a Monalisa de Leonardo da Vinci (1452-1519). Os Profetas de Aleijadinho (1730-1814), os misteriosos ícones da arte ortodoxa, especialmente russa e grega. O sincretismo indígena latino americano cristão, de igrejas e da estatuária do México, do Equador, do Peru e do Brasil, entre outros países. A escultura religiosa africana, bem como a chinesa e a japonesa, são de beleza singular e ímpar. Neste âmbito o cristianismo mostrou um poder de elevação de inegável espiritualidade. O cristianismo popular contribuiu com formas artísticas seja nas artes plásticas, seja na arte pictórica de grande qualidade e criatividade, com uma ingenuidade que nos remete ao paraíso terrenal antes de sua queda. Não foi menor a incidência do cristianismo na literatura, na poesia, nos romances e na novelística. Há toda uma tradição de grandes oradores sacros, desde os mais conhecidos como Santo Agostinho (354-430), São Leão Magno (395-461), São Gregório I, até Lacordaire, Wihelm Bossuet (1865-1920), São Leonardo de Porto Maurício (1676-1751) e o padre Antônio Vieira (1608-1697), um clássico de nossa língua. Como não mencionar a Divina Comédia Humana de Dante Alighieri (1265-1321), onde a poesia cristã alcançou uma altura e beleza até hoje insuperada? Toda obra de Ernesto Cardenal (1925-  ), especialmente seu insuperável Canto Cósmico, os muitos escritos de Alceu Amoroso Lima ou Tristão de Athayde (1893-1983) e de Carlos Alberto Libânio Christo (1944-  ). Perpassados de mística e de refinada beleza literária cristã, só para referir alguns nomes. Também não se pode pensar em notáveis escritores que se confrontaram com a herança cristã, como Goethe (1749-1832), Thomas Mann (1875-1955), Paul Claudel (1868-1955), Miguel de Cervantes (1547-1616), Fernando Pessoa (1888-1935) e Machado de Assis (1839-1908), entre tantos e tantas. O mesmo se poderia dizer de geniais cineastas das mais variadas procedências. O cristianismo abriu espaço teórico para o projeto científico da Modernidade ao secularizar o mundo, e assim fazê-lo objeto de investigação. Houve um conflito inicial entre a cosmovisão clássica sustentada pela hierarquia romana, mas  que foi superada por figuras religiosas como Nicolau Copérnico (1473-1543), Blaise Pascal (1623-1662). Gênios como Newton (1647-1727), Francis Bacon (1561-1626), Friedrich Nietzche (1844-1900), Martin Heidegger (1889-1976) e o próprio Karl Marx (1818-1883), Friedrich Engels (1820-1895) ou sociólogos e analistas como Max Weber (1864-1920) e Antônio Gramsci (1891-1937), entre tantos outros que se tornariam incompreensíveis sem seu contato crítico com o cristianismo. Ressaltam políticos notáveis que fizeram da fé cristã inspiração ética e humanística como Konrad Adenauer (1876-1967) na Alemanha, Alcide De Gaspari (1881-1954) e Della Pira na Itália, Charles De Gaulle (1890-1970) na França. John Kenedy (1917-1963), Jose Carlos Mariátegui (1894-1930) no Peru, e Luís Inácio Lula da Silva (1945-  ). Por fim, o cristianismo penetrou no mundo das imagens virtuais. Inspirou inumeráveis filmes sobre a vida de Cristo, sua paixão e seu Mistério. Outros tomaram como tema assuntos ligados ao cristianismo, como as missões, as vidas dos santos e santas, documentários sobre os lugares sagrados e sobre a arte sacra. Aqui o cristianismo ganhou uma publicidade desconhecida no passado e passou a ser um dado da consciência planetária. Somente agora ele ganhou uma catolicidade quantitativa, penetrando até os recônditos mais longínquos da Terra. A internet abriu uma universalização inimaginável da mensagem cristã, cujos efeitos são ainda indecifráveis. O ponto mais alto do cristianismo se encontra nas figuras exemplares e arquetípicas que testemunharam em suas vidas e forças transformadora e humanizadora do sonho de Jesus e de seu modo de ser. São os anunciadores do Evangelho das várias igrejas, os humildes pregadores populares nos lugares mais longínquos e inóspitos. Religiosos e religiosas servindo nas favelas mais miseráveis, nos hospitais e nos leprosários, são também, do lado católico, os santos e santas, os mártires. Os confessores e as virgens que atestam que a semente do Reino disseminada por Jesus não ficou estéril, mas que caída em Terra fecunda, germinou e floresceu. Os espíritos mais humanitários do Ocidente foram gestados no espaço cristão graças aos bens do Reino que nunca deixaram de fermentar na história. Brilharam na inteligência gênios como Orígenes (185-254), Santo Agostinho (354-430), Santo Ireneu (130-202), os mestres medievais como Tomás de Aquino (1225-1274), São Boaventura (1728-1798), Duns Scotus (1265-1308), Guilherme de Ockham (1285-1347). Nos séculos XV e XVI Jan Huss, Martinho Lutero, Ulrico Zwínglio, João Calvino, Filipe Melanchton, Bartolomeu de las Casas e, modernamente, Schleier macher (1768-1834), Karl Barth (1886-1968), Rudolf Bultmann (1884-1976), Jurgen Moltmann (1926-  ), Karl Rahner (1904-1984), Dietrich Bonhofer (1906-1945) e, entre nós, Gustavo Gutierrez (1928-  ), Juan Luiz Segundo (1925-1996), Hugo Assmann (1933-2008), Jon Sobrino (1938-  ) e Paulo Freire (1921-1997). Os místicos já foram citados anteriormente, mas mais que tudo se sobre elevam aqueles anônimos que moldaram suas vidas à luz da vida de Jesus de Nazaré, o Cristo da fé, como nossos avós, pais, parentes e tantos outros próximos. Alguns se transformaram em referências cristãs e até universais, como os mártires cristãos jogados às feras nas arenas romanas para diversão das massas. Depois surgiram figuras como São Francisco de Assis e Santa Clara (1194-1254), Pedro Damião (1007-1072) e Albert Schweitzer (1875-1965), ambos entregues ao cuidado dos hansenianos. São Vicente de Paulo (1581-1660) atendendo aos caídos na estrada, John Wesley (1703-1791), na Inglaterra atuando junto aos operários Martin Luther King Jr. (1929-1968), lutando pelos direitos civis dos negros. Bartolomeu de las Casas salvando os indígenas da Mesoamérica contra a barbárie dos colonizadores europeus, o papa João XXIII, que abriu as portas e as janelas da velha instituição Igreja ao mundo de hoje. Dom Oscar Romero (1917-1980), arcebispo de El Salvador, martirizado enquanto celebrava a Eucaristia, misturando seu sangue ao sangue de Cristo. Ele foi alvejado por uma bala assassina; os mártires jesuítas de El Salvador, sacrificados por defenderem a dignidade dos últimos e oprimidos. Dom Helder Câmara (1909-1999), bispo dos pobres e talvez o maior profeta do Terceiro Mundo no século XX. Madre Tereza de Calcutá, criando condições para que os moribundos das ruas pudessem morrer dignamente. Irmã Dulce (1914-1992), cuidadora dos marginalizados que viviam nas palafitas de Salvador da Bahia. A irmã Doroty Mae Stang ( 1931-2005), assassinada por defender a Floresta Amazônica e as populações empobrecidas. Menção especial merecem os missionários. É verdade que muitos deles foram ad gentes com uma mentalidade de conquista, acompanhando as potências coloniais, mas para além das teologias questionáveis que rondavam em suas cabeças, lançaram-se no inferno da miséria, no coração das florestas tropicais inóspitas, nas periferias mais abjetas, sempre buscando servir à vida das pessoas e, simultaneamente cuidando de sua adesão ao Evangelho. Muitos foram perseguidos, caluniados, maltratados, aprisionados, torturados e assassinados em razão da causa pela qual corajosamente deixaram suas pátrias, suas famílias e suas culturas de origem e entregaram suas vidas aos outros. Estes formam a multidão dos marcados pelo sangue do Cordeiro (Apocalipse 7:13) e estão no coração de Deus e na memória perene dos cristãos e da humanidade. A lista destes testemunhos do Evangelho não tem fim. São estes que conferem credibilidade ao cristianismo, mostram que o assassinato de Cristo não foi em vão e que o sonho de um Reino de justiça, e de amor, de misericórdia do império do negativo, realmente continua germinando dentro da história, empurrando-a rumo ao seu desfecho feliz. Mais que ideias,  mensagens, doutrinas e dogmas, são vidas que convencem e levam as pessoas a se acercarem àquela Fonte que alimenta estes cristãos seminais e a todos os que vivem no amor, na justiça e na solidariedade para com os últimos. Do Livro Cristianismo o Mínimo do Mínimo. Abraço. Davi.

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