Estive
reunido em Brasília – Brasil, onde moro, com alguns irmãos e amigos. Aqueles
momentos de ajuntamento cristão onde nos aproximamos para conversar das coisas
espirituais e humanas. Externando uns para com os outros nosso afeto e
consideração, mas por estarmos num ambiente de livre pensamento, não temos a
preocupação de uma homogeneidade quanto a um determinado assunto. Todavia cada
um que toma a palavra dando sua opinião, sustenta seus argumentos sem um
interesse dogmático de impô-lo como uma crença ou verdade espiritual. Falando
por mim e não pelos demais irmãos sou cristão sem ter assumido um credo
específico de doutrinas exotéricas. Contudo pela convivência mútua suprimos nossas necessidades emocionais, espirituais e sentimentais. Nessa noite nos
multiplicamos em dois grupos, as mulheres de um lado e os homens do outro.
Entretanto isso não é necessariamente uma regra, pois as disposições dos
agrupamentos são espontâneas não significando com isso que contradizemos o que
a epístola de I Coríntios 14: 40 "Mas faz-se tudo decentemente e com
ordem". Nesse sentido as irmãs com suas particularidades precisam de tempo
para conversarem assuntos do cotidiano. Também partilharem suas experiências,
funcionando assim esse ambiente como uma sessão de terapia para elas. Quando
manifestamos nossas ansiedades e apreensões, numa atmosfera favorável,
descarregamos nossas angustias e relaxamos nosso psiquismo entrando num estado
de conforto e refrigério. Nas obras de Sigmund Freud (1856-1939) quando a
Psicanálise dava seus primeiros passos, ele e seu amigo Joseph Breuer
(1842-1925) estudaram um famoso caso de uma jovem chamada Anna O. Ela era
inteligente e atraente, contudo apresentava sintomas profundo de histeria.
Incluindo paralisia, perda de memória, deterioração mental, náuseas e
distúrbios visuais e orais. Os primeiros sintomas apareceram quando ela cuidava
do pai que sempre a mimava. Como estava morrendo, segundo seus amigos, ela
nutria por ele uma espécie de paixão. Breuer começou o tratamento de Anna O. usando
a hipnose. Ele pensava que enquanto ela estivesse hipnotizada se lembraria de
experiências específicas que pudessem ter originado alguns dos sintomas. Ao
falar sobre as experiência durante a hipnose frequentemente ela se sentia
aliviada dos sintomas. Durante mais de um ano Breuer atendeu Anna O.
diariamente. Ela relatava os incidentes perturbadores que ocorriam durante o
dia e depois de falar, algumas vezes, sentia-se aliviada do desconforto.
Referindo-se a essas conversas que tinha com a limpeza de uma chaminé, ela
convencionou chamar esse fato de cura pela palavra. Conforme prosseguiam as
sessões Breuer percebia (assim ele disse a Freud) que os incidentes de que Anna
O. se lembrava estavam relacionados com pensamentos ou eventos que ela
repudiava. Revivendo as experiências perturbadoras durante a sessão de hipnose
os sintomas eram reduzidos ou aliviados. Freud e Breuer atuaram nesse
caso com sucesso, porquanto a terapia foi realizada especificamente pela fala
de Anna O. perante o psicanalista. Surgindo assim a expressão "cura pela
fala". Hoje a hipnose como técnica terapêutica na psicanálise não é mais
usada como generalização, havendo sobretudo restrições caso a caso. O uso dessa
técnica específica deve ter o consentimento oficial do paciente e permissão escrita
dos familiares mais próximos. Realizada necessariamente por psicanalista
versado nesse método. A experiência da clínica acima é para mostra ao
leitor a importância de um ambiente privativo para que as irmãs possam
reunir-se periodicamente entre elas. Os irmãos imagino tendem a “bloquearem”
suas vias emocionais sentindo mais dificuldades em se abrirem interiormente,
escondendo suas ansiedades latentes no consciente. Entretanto, algumas vezes,
inquietudes são expressas e quando isso acontece é comovente e precioso.
Iniciamos os debates com um irmão (A) comentando o versículo de I Coríntios 15:
45 "Assim está também escrito: O primeiro homem Adão foi feito alma
vivente, o último Adão em Espírito Vivificante". Aqui é mostrado as duas
natureza do Cristo a humana e a divina sendo um assunto controverso desde os
tempos do Cristianismo Primitivo. Esse foi um dos motivos que levou a liderança
Eclesiástica da Igreja no século V à dirimir a querela do monofisismo e do
diofisismo. Isso ocorreu quando foi tomado um posicionamento definitivo no
Concílio de Calcedônia em 451. Até essa época muitos acreditavam no
monofisismo, um ensino exotérico que dizia que Cristo tinha unicamente a
natureza divina. Esse Concílio rejeitou essa doutrina estabelecendo o
diofisismo que ensinava exotericamente (publicamente) que o Cristo tinha tanto
a natureza divina como a humana. Portanto essa doutrina tornou-se um dogma de
fé entre a maioria dos cristão do mundo moderno. Contudo o exagerado
dogmatismo deixou profundas fissuras e algumas seitas cristãs continuaram a
descrer da natureza divina do Cristo. Como exemplo citamos a Igreja Católica
Copta Egípcia sem uma unanimidade quanto ao tema. Também as outras duas
principais religiões monoteísta o Judaísmo e o Islamismo não tem o Cristo em
nível de divindade; entendendo-o como um destacado Profeta e Mestre na
igualdade de Maomé e Moisés. O mesmo irmão (A) mencionou João 8: 44 "Vós
tendes por pai ao diabo e quereis satisfazer os desejos do vosso pai. Ele foi
homicida deste o princípio, e não se firmou na verdade porque não há verdade
nele. Quando ele profere mentira fala do que lhe é próprio, porque é mentiroso
e pai da mentira". Um trecho bíblico a meu vê supersticioso e implacável
que deve ser visto como uma alegoria ou parábola. Pois se o diabo é um ser espiritual
não pode ter filhos, nem cometer homicídio e muito menos dizer mentira ou
verdade. Pondero que não devemos aplicar a literalidade e nem fazer juízo de
nenhuma pessoa (indivíduo) usando esse argumento. Suponho ser inverossímil e
inaplicável para com nosso próximo quando sabemos que ele tem a verdade
do princípio divino (Logos) dentro de si. Tanto que alguns dos presentes no
encontro acharam o termo pesado para nominar alguém. Um irmão (B) citou Gênesis
2: 7 "E formou o Senhor Deus ao homem do pó da terra, e soprou em suas
narinas o fôlego da vida, e o homem foi feito alma vivente". Refletindo
mais profundamente (esotericamente) esse fôlego é a vida divina insuflada no
homem. Como compreender que ele têm a vida de Deus e a vida de Satanás morando
juntas nele? Essa é uma questão teológica cristã irreconciliável de alegações
contra e a favor, mutilando o Cristianismo com inúmeras facções dos dois lados.
Lamentável esse fato porque o problema poderia ser amenizado se não houvesse
essa fé cega na humanização dos atributos dos espíritos superiores e inferiores
(benignos e malignos) que habitam os mundos invisíveis. Os orientais
(budistas e hinduístas) percebem as forças do bem e do mal nos reinos da
natureza humana, animal, vegetal, mineral e elemental. Entretanto essas duas
categorias (bem e mal) não são objetivadas como formas pessoais exclusivas e
nem adquirem atributos de individualidades como no Cristianismo. Desse modo,
nessas religiões, as confusões entre ações materiais e espirituais se avolumam
impedindo que o discípulo encontre o verdadeiro caminho para sua evolução pela
senda espiritual. Em Provérbios 20: 27 "O espírito do homem é a lâmpada do
Senhor, que esquadrinha todo o interior até o mais íntimo do ventre". Esse
período bíblico parece contradizer João 8: 44 pois a lâmpada do Senhor é o
conteúdo que preenche o espírito do homem. Estando essa luz acessa desde o
momento em que começou o processo evolutivo a milhões de encarnações atrás nos
primórdios da mineralização do grãozinho de areia. Essa luz é a vida divina (monada)
incriada e indestrutível que está percorrendo seu desenvolvimento até chegar a
completude do Homem Perfeito. Na filosofia oculta entendemos que o bem e o mal
são atitudes exteriorizadas em nossos hábitos e costumes realizados pelos
nossos méritos e deméritos (vícios e virtudes) praticados em nossas encarnações
passadas e a atual. Porém precisamos ficar claros que vivendo em nossa
individualidade superior expressa pelo corpo astral e emocional que são nossa
parte espiritual conectada ao Espírito Divino. Exercitaremos nossos dons
na fraternidade para com o próximo evoluindo para um devachan (céu) de gozo e
consolo. O lado negativo é o aspecto terreno de nosso ser a parte inferior
revelada em nossa personalidade que deseja as sutilidades e trivialidades da
vida mundana efêmera e descompromissada. Portanto devemos elevar nosso nível de
procura pelo Logos Divino. Um irmão (C) trouxe um interessante pensamento
dizendo que os Evangelhos nas Sagradas Escrituras são o aspecto esotérico
místico e oculto do Cristianismo. As Epistolas Paulinas e demais autores com
exceção do apóstolo João (Evangelho e Epístola) são o lado exotérico revelado
nos ensinos dos demais apóstolos. Expresso pelos rituais, cerimônias e formas
para que o principiante dos mistérios ocultos inicie sua jornada para entrar
pela senda espiritual. Em outras palavras o que O Mestre Jesus disse nos
evangelhos como princípio de vida cristã tem prioridade (superioridade) sobre
aquilo que se tornou doutrinas exotéricas nas cartas apostólicas. Como exemplo
podemos citar o que Jesus disse em Mateus 23: 9 "A ninguém chameis de
vosso pai". Mas o apóstolo Paulo “contradiz” claramente essa palavra em
sua epístola aos I Coríntios 4: 15 "Ainda que possam ter dez mil tutores
em Cristo vocês não tem muitos pais, pois em Cristo Jesus eu mesmo os gerei por
meio do evangelho". Uma evidente reivindicação de autoridade paternal do
apóstolo Paulo exatamente o que O Mestre não ensinou ocultamente no versículo
de Mateus 23: 9. Um irmão (D) questionou a árvore do conhecimento do bem e do
mal em Gênesis 2: 16,17 "E ordenou o Senhor Deus ao homem dizendo: De toda
a árvore do jardim comerás livremente, mas da árvore do conhecimento do bem e
do mal, dela não comerás, porque no dia em que dela comeres certamente
morrerás". Essa Árvore do Conhecimento do Bem e do Mal é segundo muitos
hermeneutas bíblicos uma simbologia de Satanás, sendo isso o que grande parte
dos grupos cristãos acreditam, notadamente os protestantes. Baseado em Gênesis
2: 9 que diz "E o Senhor Deus fez brotar da terra toda árvore agradável a
vista e boa para comida, e a árvore da vida no meio do jardim", o irmão
(D) expôs sua conjectura usando o argumento de que a serpente não estava no
Jardim do Éden quando a árvore da vida foi plantada. Gênesis 3: 1 "Ora a
serpente era mais astuta que todas as alimárias do campo que o Senhor Deus
tinha feito. E esta disse à mulher: É assim que Deus disse: Não comereis de
toda árvore do jardim? Parece que quando lemos todo o capítulo 3 de Gênesis
junto com o texto em epígrafe acima, somos induzidos a pensar que a serpente
entrou no Jardim do Éden depois da criação da árvore da vida. Surgindo então um
questionamento teológico quanto ao pecado original se a via dele é a
desobediência ou o comer do fruto? Sendo a desobediência que ao meu ver é mais
plausível então podemos descrer do dogma que esta árvore do conhecimento é a
representação de Satanás. Confirmamos esse argumento com as tradições
religiosas místicas dos Caldeus, Babilônios, Persas, Hindus e Bramanes. Essa Árvore
tipifica o autoconhecimento que é uma das vertentes da evolução humana. Bem
como a pureza e santidade pela contemplação e meditação espiritual. Destacamos
que nem nas demais raízes do monoteísmo o Judaísmo e o Islamismo
encontramos esse conceito com relação a Árvore do Conhecimento do Bem e do Mal.
A Cabala Judaica apresenta essa Árvore do Conhecimento como o conteúdo das
tradições filosóficas e espirituais ocultas. Advinda do conhecimento oral e
escrito dos antigos sábios rabinos que praticavam o misticismo. No Sufismo
Islâmico não é diferente pois o simbolismo da Árvore traz a ideia da busca pela
interação com Aláh e seu Profeta Muhammad em todos os níveis físico, mental,
emocional e espiritual. O Profeta dos Hebreus Moisés viu uma Árvore pegando
fogo no deserto e não se consumia em Êxodo 3: 2-5 "E apareceu-lhe o anjo
do Senhor em uma chama de fogo do meio duma sarça, e olhou e eis que uma sarça
ardia no fogo e não se consumia. E Moisés disse: agora me virarei para lá e
verei essa grande visão porque a sarça não se queima. E vendo o Senhor que se
virava para ver bradou Deus do meio da sarça e disse: não te chegues para cá,
tira os sapatos de teus pés, porque o lugar em que tu estas é terra
santa". Essa Árvore no deserto tipificava a santidade e pureza
do Espírito Eterno aquele que não tendo forma se materializa em Chama Divina. Ele
é O Tudo e o Nada, A luz e a Escuridão, O Fogo e a Água, A Matéria e o Espírito.
O tradicional exemplo do Budha (563 AC 483) Sakyamuni quando em seu estado de
elevação nirvânica (Iluminação e Despertar) chegando à luz transcendente, encosta-se
ao lado de uma Árvore. Nesse momento Maya, o deus da ilusão, o tenta com toda
sorte de situações, desde a luxúria, poder e fama, até os prazeres e apegos
triviais do mundo. Entretanto, por ter alcançado a plenitude do
autoconhecimento, tipificado pela serpente em sua cabeça, resiste e vence todas
as provações. Conta a mitologia budista que a mãe do Budha encostou-se numa
árvore buscando apoio no momento de concebê-lo. Budha, ao morrer, também teve
as árvores como testemunha acima de sua cabeça. Acho que esses exemplos supra
citados mostram que é inconcebível pensar que a Árvore bíblica do Conhecimento
do Bem e do Mal representa Satanás, tiremos esse estereótipo maligno dogmático
cristão de nossas mentes. Poderia estender esse tópico, entretanto penso
que está bom, talvez aprofundemos essa interrogação em outra oportunidade. Contudo,
um ambiente de livre expressão traz mais clareza as abordagens filosóficas e
espirituais. Isso possibilita exercer uma fé racional sem um autoritarismo
extremista e exclusivista. No filme O Conde de Monte Cristo (2002) do diretor
Kevin Reynolds (1952- ) Mercedes diz para Edmond Dante que é o
Conde de Monte Cristo: "Deus está em tudo até num beijo". Uma ótima
pedida para uma sessão de cinema. Excelente final de semana a todos. Abraço.
Davi.
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