Budismo
Nitiren Daishonin. Por
Daisaku Ikeda (1928- ). Para qualquer
pessoa saudável, é muito natural apaixonar-se assim como é para as
plantas florescer na primavera. Mesmo sendo livres para nos apaixonar ou
para nos sentirmos atraídos por alguém e, embora
a ninguém seja correto invadir os assuntos alheios, eu gostaria de
explicar o quanto é importante não perder de vista o esforço pelo nosso
desenvolvimento pessoal. Claro que no amor não há regras, assim como no
matrimônio e ninguém tem o direito de restringir
o outro de maneira alguma. Mas causa muita pena ver uma mulher
envolvida em relações frívolas, vulgares, causadoras de sofrimentos e
angústia, quando deveria ser plenamente satisfeita e feliz.
Meu
mestre dizia que quando uma mulher estabelece relações partindo de sua
própria dignidade, todos os problemas se resolvem. Ao contrário, quando
uma mulher adota
uma atitude impensada, e toma o amor de maneira apressada,
invariavelmente termina por lamentar-se e sofrer. Por suposto, isto não
se aplica apenas às mulheres.
Para
mim, o amor deveria ser uma força para nos ajudar a expandir nossa vida
e fazer emergir nosso potencial com nova vitalidade. Mas, ainda que
isto seja o ideal,
muito frequentemente perdemos a objetividade ao nos apaixonar. No
entanto, há perguntas que vale a pena fazer: "Essa pessoa me inspira
desejos de trabalhar mais e melhor ou me distrai do que tenho que fazer?
Sua presença me estimula a redobrar a dedicação
a minhas atividades, a ser uma pessoa melhor? Ou esta pessoa se
converteu no centro de minha vida e tende a obscurecer todo o resto?"
Se
estão descuidando de sua missão na vida, se devido a uma relação
sentimental esquecem o propósito de sua existência como sujeitos
autônomos, temo que tenham
tomado um caminho equivocado. Em uma relação saudável, cada membro do
casal anima o outro a alcançar suas metas pessoais e ao mesmo tempo
compartilham os mesmos sonhos e aspirações. Uma relação de amor deve ser
motivo de inspiração, vitalidade e esperança.
Em vez de construir um relacionamento fechado, um mundo onde só há um
lugar para dois, é muito mais saudável que cada um aprenda com as
virtudes e qualidades do outro e mantenha o esforço de aprimorar-se e
desenvolver-se a si mesmo. Antoine de Saint-Exupéry
(1900-1944), autor de O Pequeno Príncipe, escreveu:" O amor não
consiste em duas pessoas que olham uma para outra, mas sim em duas
pessoas que olham juntas para a mesma direção." Mesmo que alguém use o
amor como fuga, a euforia não durará por muito tempo.
O choque com a realidade trará dores e tristezas. Dito de outra forma,
não há como fugir de si mesmo. Quando uma mulher persiste em sua própria
fragilidade interior, o sofrimento a perseguirá por onde quer que ela
vá. É duro reconhecer, mas nenhum ser humano
pode encontrar a felicidade se não começar por transformar o seu
interior. Além disso, a felicidade não é algo que alguém possa dar aos
outros; não é algo que o ser querido venha a nos outorgar. Cada um tem
que construí-la por seus próprios meios. E a única
maneira de fazê-lo é desenvolvendo nossa personalidade e nossos valores
como seres humanos, desdobrando-nos ao máximo em nosso potencial
interior. Muitas vezes, em nome do amor, sacrificamos nosso próprio
crescimento e nossas capacidades, porém, dessa forma,
jamais haverá uma felicidade que resulte convincente e satisfatória.
Ainda que minhas palavras pareçam estritamente paternais, gostaria de
dizer algo sobre as mulheres jovens que têm a tendência a ser
vulneráveis à sedução de seu parceiro. Quando isso acontece,
a mulher exibe um aturdimento, uma percepção distorcida das coisas, que
a leva a se comportar como se houvesse perdido a faculdade de tomar
decisões equilibradas e serenas. Como geralmente são as mulheres que
saem mais feridas, creio que têm todo o direito
do mundo de valorizar ainda mais sua dignidade e a buscar seu bem-estar
de forma irrenunciável. Por essa razão, penso ser fundamental às
mulheres jovens fortalecerem o respeito em direção a si mesmas e
adquirirem uma sólida força interior. Quando uma mulher
busca aprovação, constantemente, não faz nada mais do que degradar-se
frente a si mesma e às demais pessoas. Se num contexto amoroso, não se
sentem tratadas como pede seu coração, espero que atuem com coragem e
dignidade: é melhor correr o risco de estar só
por um tempo, antes de aceitar uma relação que as façam infelizes. O
amor verdadeiro não nos torna dependentes das pessoas. Ele só pode ter
lugar entre dois seres humanos fortes e seguros de sua individualidade.
Quem possui uma visão egoísta e uma visão superficial
da vida só poderá construir relações superficiais. Se querem
experimentar o amor verdadeiro, não têm por que submeter-se ao que o
outro deseja que façam ou fingir ser quem não são. O amor ideal só é
possível entre duas pessoas sinceras, maduras e independentes.
Gratidão e objetivos comuns: os ingredientes para uma convivência feliz.
Como
deve comportar-se marido e mulher? Não é uma pergunta fácil de
responder. Às vezes, as circunstâncias conspiram de um modo
estranho. Vê-se casais que terminaram-se divorciando por causa da
riqueza ou de uma vida fácil. Ou ocorre também que um período assinalado
por todo tipo de problemas, ao mesmo para quem vê de fora, resulta ser a
época de maior felicidade para um casal e motivo
do fortalecimento de sua união. Mas a diferença da atração, que muda
com o vaivém das situações, do verdadeiro amor, concebido como um
vínculo mais profundo que pode unir dois seres humanos, é algo que
desenvolve a força de enfrentar tormentas. É claro que
isto não significa que uma das partes deva ceder sempre às exigências
do outro, ou que a felicidade de um possa construir-se às custas do
companheiro.
Nem
o marido deve ser o centro da relação nem tampouco deva ser a mulher.
Em um matrimônio sólido não interessa se alguém ocupa o lugar de
liderança, nem quem se sacrifica
para que o outro logre o êxito ou a felicidade. Assim como uma bela
canção é a fusão harmoniosa entre música e poesia, do mesmo modo a vida
em comum requer igualdade entre marido e mulher para que ambos, juntos,
possam interpretar a magnífica melodia da vida. Qual
é a linda melodia que resulta na união entre dois companheiros de vida?
Essa
é a pergunta (...). Perguntam-me quais são os principais ingredientes
de uma convivência profunda e harmoniosa. Pois bem, remeto-me a minha
experiência de vida: as
coisas mais importantes são o agradecimento e a existência de um
objetivo em comum.
Se
me permitem uma comparação, as famílias de hoje em dia são como um
avião em voo, chacoalhando por causa dos ventos que mudam
constantemente: os copilotos têm a responsabilidade
de levar o avião ao destino, sem acidentes, para deixar a salvo sua
perigosa carga. A estabilidade de um avião em voo exige uma firme
direção, uma propulsão potente e um esforço constante. E, como é
evidente, para que um avião pouse a salvo é indispensável
que ambos copilotos mantenham a vista na mesma direção.
Este
é um bom momento para contar uma história. Havia uma mulher que levava
muito tempo prostrada na cama, com uma profunda depressão. Um médico
conhecido da família,
bom conhecedor da situação, aviou uma receita e entregou-a ao marido.
Quando o homem leu as indicações, surpreendeu-se muitíssimo pois o
doutor havia escrito: "Quando seu esposo lhe der o remédio, beba-o
depois de dizer-lhe Obrigada, três vezes". Pareceu-lhe
uma prescrição meio estranha, mas como estava sublinhada, antes de
tomar o remédio agradeceu o marido, de forma especial, três vezes. Então
ela se deu conta de que há muito tempo não usava essa palavra para seu
companheiro. À medida que começou a pôr em prática
esta "terapia do agradecimento", sua saúde e felicidade foram
retornando pouco a pouco. Uma humilde expressão de gratidão torna uma
pessoa bela, não só de coração mas também o seu aspecto físico. Nem há
necessidade de esclarecer que esta lição também se aplica
aos esposos!
Os
ingleses têm um provérbio que encerra uma certa cota de sabedoria:
"Abrir os olhos antes do matrimônio e semicerrá-los depois de casar-se."
Tanto o marido como a mulher
devem esforçar-se para serem tolerantes, e para terem um coração
magnânimo na hora de perdoar as faltas e erros menores que comete o
companheiro. Quando alguém é julgado e criticado o tempo todo, custa
muito ter desejos de mudança, mesmo sabendo que a crítica
é pertinente. Há uma outra história que diz muito sobre o amor entre
marido e mulher. Recomendo que leiam o conto "O Presente de Natal", de
O. Henry, pseudônimo de William Sidney Porter (1862-1910). Nele o autor
conta a história de Della e Jim, um casa jovem
e pobre, que vivia em um quarto alugado, quase sem móveis. Era véspera
de Natal, e ambos estavam pensando que presentes iam dar um ao outro,
como mostra de seu amor. Ela queria presentear seu marido com uma
corrente para prender ao relógio de ouro que herdou
de seu avô e que lhe causava tanto orgulho. A corrente custava vinte e
um dólares mas ela só tinha oitenta e sete centavos. A única coisa que
podia vender eram seus cabelos castanhos, de brilho intenso e tão
compridos que chegavam até os joelhos. Para Della,
como para quase toda mulher, os cabelos são um atributo feminino muito
apreciado. Mas fez o sacrifício de vendê-los a um fabricante de perucas e
com o dinheiro comprou uma magnífica corrente de prata.
Chegou
em casa com o coração na boca e aguardou, ansiosamente, o regresso do
marido. Quando ele a viu, com uma expressão muito séria, lhe entregou o
presente que lhe havia
comprado: um par de lindos enfeites de tartarugas marinhas para adornar
seus cabelos. Della, então, tratou de consolá-lo assegurando-lhe que
eles cresceriam depressa enquanto lhe dava a corrente prateada. Jim
desmanchou-se no sofá e lhe disse, com uma risada:
"Della, guardemos nossos presentes de Natal por um tempo. São belos
demais para que o usemos agora. Vendi meu relógio para comprar-lhe os
enfeites".
Nesta
história, cômica e patética, os presentes são um símbolo do amor
profundo que existe entre os dois. Cada um sacrificou algo muito querido
para comprar para seu companheiro
um presente apropriado. Mas ao trocar os pacotes, veem que não há mais
relógio ao qual pendurar a corrente, nem há mais cabelos castanhos para
adorná-los com os enfeites. Ambos os presente tornaram-se inúteis para
eles. Um casal jovem e moderno diria que se
houvessem tomado a precaução de conversar de antemão sobre os
presentes, haveriam se prevenido de um gasto inútil. Mas a história põe
em relevo algo que transcende esse tipo de lógica calculista: ilustra a
beleza do amor profundo entre dois seres que compartilham
a vida.
O amor indestrutível irradia a beleza de um destino compartilhado.
O
amor pode adotar um milhão de formas distintas. Às vezes, para quem
olha de fora, o marido parece ser insuportavelmente autoritário
e, no entanto, o casal se mantém unido com um grau de harmonia
surpreendente. Em outros casamentos, a mulher sempre parece impor sua
vontade, e não obstante, a convivência transcorre fluindo em clima de
paz. Na realidade, as aparências externas não são importantes.
Tenho sentido, sempre, que quando um casal compartilha durante um longo
tempo as alegrias e os dissabores da vida, entre ambos se forma um
vínculo muito profundo, que não pode ser cortado por forças externas.
Não estou falando do amor direto e aberto que circula
num casal jovem, mas de um sentimento muito vasto e profundo, arraigado
em um destino compartilhado e construído a dois. Tenho visto este tipo
de amor em uns vinte ou trinta casais mais velhos, e tenho sentido a
atmosfera de indescritível plenitude e maturidade
que estas pessoas irradiam ao seu redor. Nestes casais, não
encontraremos as lamentações de certas pessoas idosas. E ainda que
tenham tido uma vida difícil, em seu rosto não há indício, nem um tom de
tristeza. O que transmitem é uma poderosa sensação de segurança
de si mesmas e independência: a que colheram duas pessoas que conseguem
atravessar juntas as horas mais difíceis da vida, agradecidas e
conscientes do tempo que lhes resta para seguir caminhando juntas. Em
uma boa convivência, o apoio do companheiro se baseia
na valorização, na confiança e no agradecimento ao invés dos inimigos
maiores que atentam contra o desenvolvimento do ser querido: a queixa, o
capricho, a crítica e o menosprezo. Qualquer mulher que se baseie numa
fé firme e comprometida poderá desenvolver
sua sabedoria inata e a manifestará com palavras positivas e calorosas.
Se me permitem uma observação, os benefícios de um coração caloroso e
encorajador só se têm a longo prazo, mas as consequências de uma atitude
fria, ingrata ou queixosa sente-se imediatamente. Nitiren
Daishonin (1222-1282) disse que quando somos
encorajados e elogiados, desejamos nos sacrificar ilimitadamente e não
economizamos esforços para isso. Mas quando somos censurados, o
ressentimento nos leva a causar a nossa própria ruína.
Tal, disse Budha, é o valor das palavras de encorajamento.
A
fé se traduz em um coração profundo e sábio, propenso a valorizar o
esforço alheio e gerar boa vontade no ambiente ao seu redor. Esta
sabedoria encontra expressão de
maneiras concretas, e é a que nos conduz a mudar nosso enfoque quando
estamos equivocados. Em suma, é o que determina uma diferença crucial
para a convivência: a que há entre oferecer soluções e acrescentar
problemas. Isso, falo como homem: quando o marido
ou mulher chega em casa extenuado e carregado de tensões, ao fim desta
"guerra" que é lutar pelo sustento, lhe asseguro que o que mais
necessita é atenção, diálogo e encorajamento: estas são as coisas que
permitem, no dia seguinte, seguir desdobrando-se em
seu esforço e sua capacidade.
Ao
mesmo tempo, quando os filhos retornam da escola, o que desejam receber
é a ternura e a harmonia de sua mãe. Ao escutá-los e abraçá-los com
paciência, ela consegue
fazer com que sintam que "está tudo bem", ainda que o dia de aula tenha
sido povoado de maus momentos e das dores do crescimento. As vezes não
saber detectar estas duas funções leva as mulheres a descuidos,
assoberbadas que estão pelos atropelos da vida cotidiana. Eu
entendo bem a situação: chegam extenuadas pelo dia de trabalho e apenas
têm forças para lutar contra o seu próprio cansaço. Não lhes parece
justo ter que atender, em primeiro lugar, os outros. O coração de esposa
e de mãe se fecha, e isso produz um dano para
toda a família, como uma instalação que fica sem um fio ligado à terra.
Mas o amor é uma força muito poderosa que a mulher leva consigo. Quando
as mulheres saem em busca desse coração e superam as tendências
negativas, são elas mesmas as primeiras a se sentirem
melhor e, quase de forma instantânea, a família parece voltar a
resplandecer e a crescer em equilíbrio.
A
mulher é, por natureza, protetora da vida e criadora de valores. Por
isso protege e defende a paz e a harmonia, consciente do muito que está
em jogo. Essa função harmonizadora
é um fator primordial para edificar uma convivência frutífera e
duradoura. É a chave do casamento e do lar.
A harmonia é felicidade em si mesma.
Se
a felicidade é o sentimento a que todos aspiramos em nossa vida
individual, então a harmonia é a forma que as pessoas têm de
serem felizes quando estão juntas, sejam apenas duas ou uma grande
multidão. É a capacidade de harmonizar os quatro estados baixos:
Inferno, Fome, Animalidade e Ira. Quando nossa vida joga âncoras em
qualquer uma dessas condições subjetivas, não só é impossível
harmonizar, como também encontramos um certo gozo perverso no conflito e
na desarmonia. Nossa consciência moral nos diz que deveríamos
harmonizar, nosso coração nos adverte que estamos sofrendo, mas assim
como em todo resto, nos estados baixos sentimos apego
pela confrontação e pela discórdia.
Quando
vivemos sem quebrar os limites que nos impõe nossa debilidade, atuamos e
reproduzimos padrões de desarmonia., que não só se referem à conduta,
como também às palavras
que saem de nossa boca e aos pensamentos que povoam nossa mente.
Para
criar harmonia não basta fazer uma declaração de vontade nem empreender
um esforço intelectual. O desejo espontâneo e genuíno de harmonizar, de
ser feliz com os outros,
só é possível quando elevamos o estado de Vida. Neste desafio
permanente, cada mulher faz emergir os recursos da
Budhicidade que leva consigo.
Na
realidade, a harmonia entre os seres humanos não é um estado exterior
nem é uma função das circunstâncias, senão o esforço que nasce em cada
um de nós. Por isso, mais
que a harmonia, o que conta é a capacidade de sua conquista que exige
um trabalho permanente de autodisciplina e de estrita observação
interior. A ausência de harmonia produz angústia e incerteza no coração
da mulher. E sua causa fundamental é a ruptura entre
o "eu" e o resto do mundo. Quando estes laços se quebram, o espírito
cai até os estados mais baixos. As situações cotidianas se enchem de
sofrimento e as relações se contaminam de inimizade. A harmonia, pelo
contrário, produz uma alegria indescritível. O Sutra
de Lótus elege uma imagem perfeita para descrever a harmonia, quando
mencionamos a sincronia entre a dança e a música. Nenhum de nós existe
só; todas as pessoas que nos rodeiam são parte de nós mesmos. Já que
somos nós mesmos quem geramos e definimos nosso
meio ambiente circundante, nosso coração "salta de júbilo", "nos
colocamos de pé e nos lançamos a dançar", e assim "brincamos de
felicidade". A verdadeira harmonia jaz dentro da mulher. Não é algo que
devemos esperar dos outros nem que possa mandar que os
outros a tenham. Por isso, o presidente Josei
Todda dizia: "A chave da união harmoniosa jaz no espírito de
levantar-se por decisão própria, sem depender de nada e nem de ninguém."
Extraído do livro A Arte de Ser Humano, 1998. Abraço. Davi.
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