Esse é o 18º capítulo do
Bhagavad Gita,
que conclui essa Escritura Canônica. Ocuparemos esse espaço a partir de
agora com os Yoga Sutras de Patanjali. Segue o último texto sagrado do
Gita. “Arjuna: Quisera Oh! Abençoado
Krishna Senhor, conhecer em que consiste realmente a abstenção (Sanyasa) e renúncia (Tyaga).
Krishna: Os exegetas entendem por
Sanyasa o abster-se dos atos dimanantes, resultante, do desejo. Os sábios dizem que
Tyaga é a renúncia dos frutos de todas as
ações. Uns opinam que toda ação é pecaminosa e se deve abster-se dela.
Outros sustentam que jamais se devem omitir atos como os de sacrifícios,
esmolas e disciplina. Escuta, pois, meu veredito
acerca da renúncia. Tem-se dito que é de três espécies. Os atos de
sacrifício, esmolas e disciplina, e similares, não devem ser
abandonados, mas praticados, pois purificam os
Yogues. Estes atos, como o Yoga, devem ser
praticados, mas sem apego aos seus resultados e sem interesse pessoal.
Tal é a minha firme convicção. Não é correto abster-se alguém de uma
ação inerente a sua própria condição. Tal abstenção
derivada ilusão e é considerada Tamásica. O que se abstêm da ação para evitar incômodos corporais, dizendo: isto é penoso, praticar uma renúncia de natureza
Rajástica, e nada ganha com essa renúncia.
Se alguém, sem apego nem visando resultados, pratica um ato inerente à
sua própria condição, dizendo: isto precisa ser feito, essa renúncia é
tida como de natureza
Sátwica. Quem não tem repugnância a fazer
aquilo que não lhe dá proveito e não tem desejo do que lhe é vantajoso.
Quem é prudente e não nutre dúvida alguma, é um verdadeiro renunciador,
Tyagui. Não há homem que possa abster-se de
toda a ação enquanto vive no corpo terrestre. Verdadeiro renunciador, é,
porém, considerado quem se abstém de gozar os frutos de suas obras. É
tríplice o fruto da ação desejável, indesejável
e semi desejável, que nas vidas futuras
colhem aqueles que não renunciam. Mas quem renuncia, nada tem a colher.
Ouve agora quais são os cinco fatores que, segundo a filosofia
Sankya, requer o cumprimento de todas as
ações. O meio (o corpo), o agente (o eu), os órgãos motores, as energias
e as divindades presidentes. Qualquer obra boa ou má, em ação, palavra
ou pensamento, tem como causas esses cinco fatores.
Por isto, ofuscada está a mente e cega a visão de quem, por falta de
conhecimento, se considere como o único agente. Alguém que, abstendo-se
da ação e não se ligando ao fruto, exterminasse aquelas hostes, não
seria seu matador nem a tal ação se vincularia.
Cada ação tem três elementos causais: o conhecimento, o objeto do
conhecimento e o conhecedor. Analogamente, cada ação tem três elementos
de realização: o instrumento, a operação e o agente. Também de três
espécies são o conhecimento, a ação e o agente, em
correspondência com as qualidades, Gunas. Atenta no que sobre isto vou dizer-te. Puro e de natureza
Sátwica é o conhecimento mediante o qual se vê em todos os seres o imperecível Ser, indivisível no dividido. Passional e de natureza
Rajásica é o conhecimento que considera separadas as diversas e múltiplas existências dos seres. Mas tenebroso e de natureza
Tamásica é o conhecimento que se fixa numa só coisa como se fosse tudo, olhando-a fora da realidade, sob um aspecto mesquinho e
irrazoável. Pura é a ação cumprida por
dever, sem apetecer o fruto, sem gosto nem repugnância e livre de afeto
interesseiro. Passional é a ação cumprida por sugestão do desejo, por
motivos egoístas ou determinações violentas. Tenebrosa
é a ação cumprida por causa do erro, sem reparar na sua eficácia nem
nas consequências nocivas que possa acarretar à outros. Puro é o agente
livre de afetação e egoísmo, dotado de energia e perseverança, e
inalterável no êxito e no fracasso. Passional é o
agente que, desejoso de obter fruto de suas ações , está dominado pela
cobiça, maldade e impureza. Oscilando entre impulsos de alegria e pesar.
Tenebroso é o agente hipócrita, vulgar, malévolo, negligente, contumaz,
desconfiado, falaz e preguiçoso.
Tríplicemente concorde com as qualidades,
Gunas, é também a divisão do Intelecto, Buddhi, e da Constância,
Dhriti, segundo passo a descrever-te
claramente e sem reservas. Puro é o Intelecto de quem conhece a ação e a
omissão, o que deve e o que não deve fazer-se, o temor e a intrepidez, a
escravidão e a libertação. Passional é o Intelecto
que confunde o justo com o injusto, o que deve com o que não deve
fazer-se, o bem com o mal. Tenebroso é o Intelecto que imputa o bem pelo
mal, o justo pelo injusto, e vê todas as coisas subvertidas e
contrárias ao que realmente são. Pura é a Constância que
por meio da Yoga refreia a fogosidade da mente da mente, dos sentidos e
dos alentos vitais. Passional é a Constância que leva o homem ao
cumprimento de seus deveres, com o desejo de colher o fruto das ações e
desfrutar de riquezas e prazeres. Tenebrosa é a
Constância que mantém o homem submerso na preguiça, no medo, na
tristeza, no abatimento e na vaidade. E agora escuta de meus lábios as
três distinções do prazer por cujo desfruto contínuo tanto se alvoroça o
homem e que lhe extingue as aflições. Puro é o prazer
que nascido do bendito autoconhecimento, no princípio repugna como
adstringente peçonha, mas no fim deleita, qual suavíssima ambrosia.
Passional é o prazer que nascido da união entre os sentidos e seus
objetos, deleita no princípio qual suavíssima ambrosia,
mas no fim repugna como adstringente peçonha. Tenebroso é o prazer que
no princípio e no fim conturba o ânimo, e provém da morbidez, da
negligência e da preguiça. Ninguém na terra nem mesmo entre os próprios
deuses do céu, está isento destas três qualidades,
Gunas, oriundas da natureza. Entre as castas dos
Brahmanes (sacerdotes, instrutores, intelectuais), Kshattiyas (militares, estadistas, políticos).
Vaishyas (comerciantes, banqueiros, fazendeiros) e
Shudras (domésticos, criadores e serventes) foram as tarefas (Karma)
de conformidade com as qualidades dimanantes de sua peculiar natureza.
Animo tranquilo, pureza, autodomínio, austeridade, misericórdia,
retidão, sabedoria,
conhecimento e fé em Deus: tal é Karma (1) dos
brahmanes, nascidos de sua peculiar natureza. (1). Karma:
ação. Nesse contexto significa os atos, pensamentos e desejos do
indivíduo em suas existências anteriores, e que atualmente constitui o
seu Dever específico. Assim,
pois, segundo Krishan a casta ou classe social do indivíduo não é hereditária, mas oriunda de sua conduta pretérita.
Agricultura, pastoreio e comércio, tal é o Karma dos
Vaishyas, nascido de sua peculiar natureza. Os serviços são o
Karma dos Shudras,
igualmente nascido de sua peculiar natureza. Alcança a perfeição quem
quer que cumpra contente o seu próprio dever o Supremo Ser de que emanam
todas as vidas e que penetra todo o Universo.
É preferível cumprir-se o próprio dever, embora inferior, a imiscuir-se
no dever alheio embora superior. Não incide em pecado quem cumpre seu
dever congênito. Que a ninguém repugne seu dever natural embora seu
cumprimento seja acompanhado de inquietações.
Pois como a fumaça é inerente a toda chama, assim são as inquietações
em relação as ações. Ao cumprir o seu dever, que ele permaneça
desapegado de quaisquer espécies de resultado, conserve sua mente
totalmente concentrada e afaste de si toda preocupação, quanto
ao executor. Mediante esta renúncia atingirá ele a meta superior que se
galga mediante o Yoga do Conhecimento. Aprende também brevemente de
meus lábios, Oh filho de
Kunti, como quem conquistou esta meta, chega
à unificação com Deus, que é a etapa suprema da realização. Com a mente
saturada de plenos e claros conhecimentos acerca da verdadeira natureza
do Espírito, sendo perseverante no domínio
da mente. Tendo abandonado toda aliança com objetos sensórios, e
estando livre de influências do amor e ódio. Sendo frugal na dieta, e
com a palavra, o corpo e a mente educados na obediência, sente-se ele
num lugar solitário e pratique sempre a meditação,
cultivando o desapaixonamento. Finalmente,
banindo de si o egoísmo, a resistência, o orgulho, o desejo, o rancor e o
senso de posse, alcançará ele aquela paz que o capacitará a unificar-se
com Deus. Unificando-se com Deus, ele é
sereno, nada mais o entristecendo. Nem ele deseja, mas amando por igual
todos os seres e me ama intensamente. Com este amor intenso, ele sabe
claramente quem Sou e o que Sou. Conhecendo-me ela claramente, com esse
mesmo amor, ele penetra então em Mim. Realize
ele todas as ações refugiado em Mim, e não apenas o seu dever próprio. E
por minha graça alcançará a perfeição eterna e imutável. Dedica tu, em
pensamento, todas as tuas ações a Mim, e perseverando nesta atitude,
estarás sempre com tua mente fixa em mim. Com
tua mente fixa em Mim, com minha graça vencerás todos os obstáculos.
Se, confiando apenas em ti, pensares: não lutarei, e evitares a luta, vã
será a tua determinação, pois tua natureza te lançará à luta. Oh filho
de
Kunti! O que por ilusão não desejares fazer,
isso farás irremediavelmente, forçado pelos impulsos de tua própria
natureza. O Senhor Supremo como que atou todos os seres a uma roda
girante de corpos, e habitando em seus corações,
fá-los mover-se atraídos pelos objetos sensórios. Portanto, obedece de
coração o conselho desse mesmo Senhor. Por sua graça alcançarás a Paz
Suprema e a mansão imperecível. Assim te transmiti Eu o conhecimento,
que é o mistério dos mistérios. Medita cuidadosamente
nele e age como preferires. Escuta de novo, e ouve minha última
palavra, referente ao maior de todos os mistérios. Por seres o meu muito
amado, Eu te digo aquilo que te convém. Fixa tua mente em Mim. Sê Meu
devoto, serve-me, prostra-te diante de Mim, e desse
modo chegarás até Mim. Esta é a pura verdade, Eu te declaro pois és Meu
muito amado. Desiste de todas as obrigações religiosas, e toma-me como
teu único refúgio. Eu te libertarei de todas as dificuldades. Não te
aflijas. Disto não digas nada ao mundano, nem
ao ímpio, nem ao que não quer ouvir, nem ao que Me maldiz. Mas quem com
sublime devoção divulgar este segredo entre meus devotos, chegará até
mim sem dúvida alguma. Entre os homens ninguém poderá oferecer-me
serviço mais grato que este, nem nenhum outro homem
será tão amado por mim na terra. E quem meditar neste nosso Santo
Colóquio, por meio dele me adorará com o sacrifício da Sabedoria (1).
Tal é a minha vontade. (1). O
jnana Yojana, o
Sacrifício da Sabedoria, é considerado superior a todos os demais atos
sacrificiais, porque é o que conduz diretamente à libertação. E também o
homem que, cheio de fé, o escutar tão só
sem malícia, alcançará livre do mal, o esplendente mundo dos justos.
Ouviste-me atentamente, Oh filho de
Prithá? Desvaneceu-se essa tua ilusão, filha da ignorância, Oh
Dhananajayal? Arjuna:
Desvanecida está a minha ilusão. Por tua graça adquiri o conhecimento,
Oh imutável Senhor. Estou decidido. Dissiparam-se as minhas duvidas.
Agirei segundo tua palavra. Conclui
Sanjaya. Assim ouvi esse maravilhoso diálogo entre o Divino
Krishna e o nobre Arjuna. E ao ouvi-lo, eriçavam-me os cabelos. Por mercê de
Vyasa (2) conheci este mistério do Yoga, revelado pela palavra do próprio
Krishna, o Senhor do Yoga. Oh Rei! Quanto mais recordo e me lembro deste maravilhoso e sagrado diálogo entre
Keshava e Arjuna, tanto mais me regozijo. E quando recordo e me lembro daquela maravilhosíssima transfiguração de
Hari (3), aniquilou-me de assombro, Oh Rei!, e outras tantas vezes me rejubilo. Onde quer que esteja
Krishna, o Senhor do Yoga, e onde quer que esteja
Partha, o arqueiro, ali imperarão seguramente a grandeza, a prosperidade, a vitória, a felicidade e a justiça eterna. (2), A
Vyasa Dvaipayana são atribuídas a composição do
Bhagavad Gita e a autoria do
Mahabharata. Foi um grande Yogue, dotado de poderes sobrenaturais. (3). Um dos nomes de
Vishnu e de Krishna. Assim, termina aqui, no
Bhagavad Gita, a Essência dos
Upanishads, que é a Ciência de Brahma e do Yoga, o maravilhoso diálogo entre Sri
Krishna e Arjuna. PAZ A TODOS OS SERES”. Abraços. Davi.
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