Este
texto foi traduzido por Swami Vijoyananda (1898-1973), monge da Ordem
Ramakrishna. Foi discípulo de Swami Ramakrishna (1863-1922), sendo o pioneiro
da Vedanta na América do Sul e líder espiritual da Rama Krishna. O
Bhagavad Gita, ou Canto do Senhor, pertence à Grande Epopeia Mahabharata dos
Hindus. Este texto sagrado tem dezoito capítulos (25 a 42) do Bhisma Parva
desta Epopeia. O livro completo tem 250.000 versos. Também o chamam Gita ou
Canto porque é um diálogo em verso entre Krishna, a Encarnação Divina e Arjuna.
O Gita é um dos mais importantes textos espirituais do mundo. O hindu
instruído, culto e de temperamento espiritual lê este texto com profunda
reverência e encontra através de seus versos sua pergunta respondida, sua
dúvida dissipada, recobrado o seu ânimo e claro é iluminado o seu caminho; e
assim prossegue com passos seguros sua marcha ao seu Ideal de vida. Krishna, o
instrutor do Gita, é o amigo ideal, o sábio preceptor, o grande yogui, o
guerreiro invencível, o conhecedor perfeito, o estadista consumado da época; em
sua pessoa todas as belas qualidades humanas estão harmonizadas. O fato de que
este texto muito sagrado tenha como marco o campo de batalha, chama a atenção
de muitos leitores, especialmente ocidentais, que sincera, mas desfavoravelmente,
criticam a personalidade de Krishna como Encarnação Divina. Dizem: Como é
possível que a Encarnação de Deus instigue a seu melhor amigo a levantar seu
arco e matar as pessoas? Como Deus, o misericordioso, pode ser a causa direta
ou instrumental da matança? Isto necessita certo esclarecimento. Antes de tudo
compreendamos uma coisa com toda clareza: Krishna jamais disse à Arjuna que
matasse a todos inimigos por algum fim pessoal; Ele o fez recordar seu dever de
kshatriya, o guerreiro que protege a causa da retidão e justiça. Os adversários
de Arjuna eram adictos (afeiçoado, dependente) de seu primo, que havia usurpado
o trono de seu irmão mais velho. Esse primo havia tentado matá-los e lhes havia
dito que teriam que reconquistar o trono no campo de batalha. Assim que não era
o momento de demonstrar sua compaixão a estes injustos e ser morto por eles,
dando-lhes a oportunidade de propagar a injustiça e a irreligiosidade. Muito
diferentemente do que professam os crentes ocidentais, especialmente os
cristãos, o hindu acha muito razoável a ideia de que Deus se encarne no corpo
humano tantas vezes como sinta ser necessário. No Gita lemos: “Toda vez que
declina a religião e prevalece a irreligião, Me encarno de novo.” Sem nos
perdermos nas infrutíferas discussões dogmáticas das diferentes escolas de
teologia, nas quais a lógica e o bom senso estão subordinados às opiniões
sectárias, vamos ouvir o que diz o hindu em apoio de seu conceito sobre a
Encarnação. Diz: Deus impessoal e sem qualidades é um conceito tão sumamente
elevado que a maioria dos seres humanos não podem nem compreender nem sentir.
Só pouquíssimos seres, que se liberaram de todo tipo de desejos e necessidades,
que superaram a vida objetiva, que pela absoluta pureza de coração e pela devoção,
dedicando seu corpo, mente e alma a Deus, puderam apagar completamente a
diferença entre eles e seu Bem Amado Deus e assim gozar da Suprema Bem
Aventurança do estado da Beatitude, Só eles podem dizer, por sua realização,
que Deus é Impessoal; porque neste estado já não existe o conceito de
personalidade, nem subjetiva nem objetivamente. Mesmo estes Bem Aventurados
Seres, ao baixar de seu elevado estado de supra consciência, aceitam que o Deus
Impessoal é também Pessoal como Ser Universal. Ele é tudo, o que existe
objetivamente é Sua manifestação; Ele está em todos os seres animados e
inanimados. O resto da humanidade, os que vivem a vida de necessidades e sua
satisfação, para quem a individualidade é a realidade, necessitam de um exemplo
objetivo, um ser humano que com sua vida pura e absolutamente abnegada e por
sua realização espiritual se una definitivamente com o Princípio Divino e viva
como a própria figura da misericórdia e declare, com sua autoridade, a
existência de Deus. Essa personificação humana da Divindade é a Encarnação, que
vive de época em época “para proteger aos bons, destruir aos maus e
restabelecer a Eterna Religião". Ninguém sabe a data exata da criação
deste mundo ou de sua aparição como um processo evolutivo da natureza, a qual nada
faz mecanicamente. A natureza é inteligente e todas as suas modificações levam
a marca desta inteligência. O hindu diz que a natureza, individual e coletiva,
é Deus em Manifestação; a natureza é parte do Onipresente. Tampouco conhecemos
exatamente quando apareceu pela primeira vez o homem sobre esta terra. Todas as
datas que propõem os antropólogos e outros homens de ciência são aproximadas,
são conjecturas. Hoje é muito arriscado opinar que nossos irmãos de sete ou
oito mil anos atrás eram menos avançados que nós em conceitos morais e
espirituais. Os Upanishades, os textos de Yoga, o sistema do Samkhya,
demonstram que os seres humanos daquela época, ainda que vivessem com menos
artigos de luxo, tinham conceitos espirituais muito elevados. Alguns deles já
sabiam que Deus é Universal, que Deus é Existência Conhecimento Bem Aventurança
Absoluta, que Deus é Pessoal e Impessoal; sabiam que o homem, pelo caminho do
controle interno e externo pode gozar da Bem Aventurança Eterna pela
Misericórdia Divina; sabiam que todo o sofrimento humano é devido a que o homem
ignora sua própria natureza divina. De maneira que não podemos dizer que o
homem, antes da era cristã, não necessitou nem teve a bênção da presença das
Encarnações. É ilógico, insensato e dogmático dizer que antes da aparição de
Jesus Cristo a raça humana não recebia a graça divina e que com a Encarnação de
Deus no corpo de Jesus se abriu, pela primeira vez, a porta da salvação.
Salvação é ser consciente da eterna presença de Deus. Além disso, o hindu diz
que, como todas as ideias e normas, as da Religião prosperam também, durante
certo tempo e depois decaem, as pessoas afastadas dos seres humanos não podem
nem compreender nem sentir. Só pouquíssimos seres, que se liberaram de todo
tipo de desejos e necessidades, que superaram a vida objetiva, que pela
absoluta pureza de coração e pela devoção, dedicando seu corpo, mente e alma a
Deus, puderam apagar completamente a diferença entre eles e seu Bem Amado Deus
e assim gozar da Suprema Bem Aventurança do Estado da Beatitude, só eles podem
dizer, por sua realização, que Deus é Impessoal; porque neste estado já não
existe o conceito de personalidade, nem subjetiva nem objetivamente. Mesmo
estes Bem Aventurados Seres, ao baixar de seu elevado estado de supra
consciência, aceitam que Deus Impessoal é também Pessoal como Ser Universal.
Ele é tudo, o que existe objetivamente é Sua manifestação; Ele está em todos os
seres animados e inanimados. O resto da humanidade, os que vivem a vida de
necessidades e sua satisfação, para quem a individualidade é a realidade,
necessitam de um exemplo objetivo, um ser humano que com sua vida pura e
absolutamente abnegada e por sua realização espiritual se una definitivamente
com o Princípio Divino e viva como a própria figura da misericórdia e declare,
com sua autoridade, a existência de Deus. Essa personificação humana da
Divindade é a Encarnação, que vive de época em época "para proteger aos
bons, destruir aos maus e restabelecer a Eterna Religião". Ninguém sabe a
data exata da criação deste mundo ou de sua aparição como um processo evolutivo
da natureza, a qual nada faz mecanicamente. A natureza é inteligente e todas as
suas modificações levam a marca desta inteligência. O hindu diz que a natureza,
individual e coletiva, é Deus em Manifestação; a natureza é parte do
Onipresente. Tampouco conhecemos exatamente quando apareceu pela primeira vez o
homem sobre esta terra. Alguns deles já sabiam que Deus é Universal, que Deus é
Existência Conhecimento Bem aventurança Absoluta, que Deus é Pessoal e
Impessoal; sabiam que o homem, pelo caminho do controle interno e externo pode
gozar da Bem Aventurança eterna pela misericórdia divina; sabiam que todo o
sofrimento humano é devido a que o homem ignora sua própria natureza divina.
Além disso, o hindu diz que, como todas as ideias e normas, as da Religião
prosperam também, durante certo tempo e depois decaem, as pessoas afastadas de
seu Ideal, se tornam egoístas e mesquinhas, se esquecem de amar à Deus e à seu
próximo, vivem a vida puramente sensual, de luta e competição. Quando se
generaliza este estado, certos amantes da Divindade rogam fervorosamente pela
salvação de seus irmãos ignorantes e a misericórdia se condensa em uma forma
humana. Este fato místico, esta manifestação de Puro Amor, ocorreu antes e
ocorrerá no futuro. Em qualquer parte do mundo, para o homem comum, a religião
consiste só em cumprir alguns deveres morais. O dever varia segundo o ambiente
e posição social da pessoa. Aparentemente o dever do pai é bem diferente do
dever do filho. O dever de um rei ou governante de um povo é velar com zelo
pelo bem estar físico, moral e espiritual de cada pessoa do povo. Esta magna
tarefa se cumpre com êxito quando o governante leva uma vida abnegada e
dedicada. Se seu povo é atacado por inimigos, ele tem que derrotá-los sem
considerações e se for necessário, oferecer sua própria vida no campo de
batalha. Este é seu dever primordial, esta é sua religião. Por esta ação
abnegada, o rei ou governante se purifica de suas limitações e se aproxima de
Deus. Através do cumprimento do dever o homem consciente, o homem que não vive
uma vida egoísta e puramente sensual, descobre que a felicidade é mais
apreciável que o momentâneo prazer, que se goza mais fazendo felizes aos
demais, que jamais esteve separado do resto da humanidade, que a felicidade
moral é muito mais duradoura que a alegria corpórea e que o homem como Ser é
sempre universal. A individualidade é um conceito puramente objetivo. Mesmo o
homem comum, de mentalidade limitada, quando pensa em si mesmo, o faz em
relação com seus familiares ou parentes imediatos, o que demonstra que,
subjetivamente, ele jamais pode limitar-se nesta forma que é vista pelos
outros; o homem subjetivamente é sempre o reflexo do Universal, é um aspecto
indivisível da Divindade. As pessoas comuns têm muitas ideias confusas sobre o
conceito do dever; estas confusões não se aclaram enquanto o homem leva uma
vida objetiva; enquanto a opinião alheia, o anelo de ganhar méritos, de receber
o elogio das pessoas, a ostentação, o logro do prazer sensório e o medo,
constituírem o motivo ou motivos de suas ações e pensamentos. Este medo, ainda
que pareça um paradoxo para muitos, é o principal impulso na vida. Este medo
nos persegue de diversas maneiras: medo da opinião pública, medo de perder os
bens, a reputação, a posição social, os familiares e o medo da morte. Este medo
fabricou a ilusória individualidade, nos tem amarrados a ela e nos obriga a
crer que somos criaturas de nascimento, juventude, velhice e morte.
Frequentemente vemos que o homem, confundido e assustado, fala demasiado de
valor, compaixão e desapego que ele realmente não sente nem demonstra nos
fatos. Algo muito parecido aconteceu à Arjuna no campo de batalha e, justamente
por isso, Krishna lhe deu conselhos apropriados sobre o dever, o yoga, a
renúncia, os diversos caminhos espirituais e a liberação. O Bhagavad Gita não é
um tratado de teologia, nem um livro de orações devocionais e nem um texto de
um sistema filosófico. Este sagrado texto, de forma sintética, ilumina a consciência
humana, aclara os complexos problemas sobre o dever, o propósito da vida, a
diferença entre o amor e o apego, a ciência do yoga, a prática da devoção e do
difícil caminho do discernimento pelo qual, o homem de renúncia, logra o
conhecimento direto do UM sem segundo, a Existência Conhecimento Bem
Aventurança Absoluta. Lendo este livro, aquele que realmente tenha inquietude
espiritual, descobre com assombro e certa alegria que muitas, senão todas, as
perguntas de Arjuna, são ou poderiam ser as suas e que certas respostas de
Krishna retiram todas suas dúvidas, lhe dão ânimo e convicção, lhe preparam
para seguir firmemente o caminho espiritual e fazem eco ao dito final de
Arjuna: “Me sinto firme, minhas dúvidas desapareceram. Cumprirei Tua
ordem". Temos que advertir ao nosso leitor, se é um aspirante espiritual,
sobre algo muito importante. Será muito difícil compreender o verdadeiro
significado deste texto se não possui de antemão os imprescindíveis requisitos
da vida espiritual. Antes de tudo, deve ter a capacidade de discernir entre o
Real e o irreal; depois deve ter a firme determinação de renunciar à
irrealidade; deve possuir as seis virtudes seguintes: controle dos sentidos,
controle da mente, fortaleza para suportar as aflições, saber retirar-se dos objetos
e conceitos que o perturbam no caminho espiritual, fé inquebrantável na própria
capacidade e na Existência Divina, concentração e por último, o anelo de
liberar-se desta irreal existência objetiva, deste conjunto de ideias e formas
transitórias. Sem tais requisitos, a leitura deste texto espiritual não servirá
muito ao nosso leitor. Talvez lhe ajude algo em sua carreira de erudição,
agregando outra flor em sua cesta de ecletismo. O leitor deve saber muito bem
que a vida de “parecer” é absolutamente distinta e contrária à vida de “ser” e
que unicamente pelo caminho de “ser”, da sinceridade e retidão, se compreende a
grande importância da vida espiritual. A espiritualidade ou religião transforma
totalmente a vida; a leitura dos tratados espirituais não é para satisfazer uma
mera curiosidade intelectual, seu propósito é levantar o homem de seu
equivocado e pernicioso estado animal e fazê-lo recordar constantemente sua
natureza divina, prepará-lo para viver uma vida de plenitude e ao final
conduzi-lo à união completa com Deus, seu verdadeiro Ser. Os caminhos a este
magno e único ideal são vários. Os hindus os chamam de “yogas”. Os principais
yogas são quatro: Karma yoga ou yoga da ação, Raja yoga ou yoga do controle
interno e externo, Bhakti yoga, ou yoga da devoção e Jnana yoga ou yoga do
conhecimento do Supremo. Yoga também significa “união”, o que nos une com Deus.
De maneira que yoga é ao mesmo tempo a base e o grande Ideal de todas as
religiões. Os grandes sábios, santos e profetas de todas as religiões foram,
são e serão yoguis; em suas vidas notamos a maravilhosa fusão das belas
qualidades humanas com a Divindade Universal. Um verdadeiro yogui transcendeu
as limitações individuais, personifica ao Conhecimento e seus sentimentos são
Universais; através de sua personalidade transparente a Divindade chega a nós
diretamente. Por natureza um yogui é equânime (em que há constância,
tranquilidade e justiça), desapegado, misericordioso, sempre ativo e vive
fazendo o bem à todos. Conhecedor do segredo da vida e da morte, unido
definitivamente com Deus, sua presença santifica tudo. Só o verdadeiro yogui
sabe que a vida e a morte são como borbulhas, flutuando no eterno oceano da
imortalidade. O Gita é conhecido também como Brahma Vidhia, o conhecimento do
Supremo e como Moksha Shastra, o tratado sobre a emancipação final. Ainda que o
texto comece com a persuasão de Arjuna, para que cumpra com seu dever de
liderar a causa da retidão, vemos em seguida que a mensagem de Krishna é a
Suprema Verdade. Os problemas tratados neste sagrado texto são essencialmente
espirituais e as soluções dadas pelo Senhor nos preparam para a Verdade, só
pela qual poderemos liberar-nos de nossa errônea identificação com o mundo
relativo e transitório e recuperar nossa esquecida Divindade. Krishna responde
claramente as perguntas de Arjuna sobre Deus, o ser individual, a vida ou a
existência após a morte, a evolução, a matéria, a alma, o dever, etc. Aqui o
homem foi tratado como uma entidade integral; suas ações e seus pensamentos não
podem ser separados de sua existência. Seu pensamento fugaz ou sua ação trivial
não podem ser avaliados se não conhecemos a base de sua existência. Como
qualquer ação sua, seu pensamento, expressado ou não, produz o efeito
correspondente e se é egoísta o ata ainda mais a esta roda de nascimento
(reencarnações), sofrimento e morte; o contrário o conduz à liberação. O
propósito dos ensinamentos de Krishna é eliminar as dúvidas e ideias ilusórias
que oprimem ao homem em sua vida diária. Estas dúvidas, estas ilusões, irão só
pela realização da Verdade; então o homem sentindo intimamente a presença de
Deus em seu coração enfrentará todos os problemas relacionados ao dever. O Gita
declara que Deus é universal, que o universo é Sua manifestação. Disse Krishna:
“Suas mãos e pernas estão em toda parte; Seus olhos, cabeças e rostos estão em
toda parte; Seus ouvidos estão em todos os pontos; Sua existência interpenetra
e cobre tudo o que existe”. Ao mesmo tempo, para o necessitado que pede
socorro, Deus é a misericórdia, a meta e o suporte; Ele é o Senhor e a Eterna
Testemunha de Sua própria manifestação; Ele é a morada de todos, o refúgio
acolhedor e o Amigo. Disse Krishna: “Sou a Origem e o Fim”. (Impressionante
esta fala de Krishna dita a 8000 anos atrás, pois o apóstolo João no século I
de nossa era diz no Apocalipse 22:3 "Eu sou o Alfa e o Ômega o Princípio e
o Fim". Krishna e Christo são identificáveis e semelhantes em vários
aspectos). Deus é a força impessoal por trás do universo; Ele é a luz das
luzes; é Sua a luz que está no sol, na lua e no fogo; é Ele o que ilumina o
universo. Ele está no coração do homem como Conhecedor e como o Conhecimento;
só Ele conhece o homem em diversas formas e idéias. Ele suporta (perscruta) ao
macrocosmo e ao microcosmo. Mas Sua verdadeira natureza é Transcendental e está
além da compreensão humana; só uma fração Sua está manifestada como o Universo.
Esta Suprema Consciência, esta existência transcendental, por Sua própria
vontade aparece diante do homem e lhe diz: “Ó Kounteya, declara ao mundo que
Meu devoto jamais perece”. Ele diz ao Seu devoto: “Aceito tudo o que Me
ofereces com devoção, seja uma folha, uma flor, uma fruta ou ainda uma gota de
água”. É a pura devoção que leva ao homem primeiro à Deus Pessoal e em seguida,
purificando-o de toda limitação individual, o une com Deus Impessoal e o libera
definitivamente da ignorância, do medo e da morte. Existem intelectuais que
opinam que a religião atua como ópio (frase dita por Karl Marx (1818-1883):
"A religião é o ópio do povo"), que adormece ao homem e o faz
esquecer a realidade da vida. À eles aconselhamos cuidadosa leitura do Bhagavad
Gita sem ideias preconcebidas. Aqui o instruído encontrará que o Senhor
recomenda ao iniciante espiritual a ação abnegada, contínua e incessantemente;
esta ação é que purifica o coração de um homem e ao mesmo tempo o salva de mais
apegos. Somente as ações abnegadas e altruístas produzem resultados bons e
duradouros. A advertência de Krishna
para aqueles que confundem a vida espiritual com a inércia (apatia, frieza,
indiferença) é: “Teu motivo para trabalhar não deve ser a ansiedade de obter o
fruto da ação, nem deve aderir-te à inação (falta de ação, indecisão)”. A vida
religiosa separada da vida diária é uma coisa estéril, algo sem sentido, talvez
um adorno vistoso, uma ação sobreposta, um gesto de ostentação. Se o
significado de "ser religioso" é pertencer nominalmente a uma
instituição religiosa, sem fazer o esforço de sentir a viva presença de Deus no
coração, então toda sua ida aos templos foi em vão, toda sua leitura das
Escrituras Sagradas foi inútil e sua vida de “parecer” teve muitas
complicações. Frequentemente estes religiosos, em seu afã de apresentar sua
doutrina particular, se tornam fanáticos e inconscientemente causam a ruína e
fazem sofrer aos demais. Apesar de tanta prédica religiosa, a maioria dos
religiosos, vivendo uma vida afastada de Deus, não sentem a fraternidade humana
porque não compreendem nem aceitam que Deus Pessoal ou Impessoal é Sempre
Universal e que todos os seres humanos e não humanos (sencientes) são Sua
Manifestação. A inércia, a indolência (indiferença) e a inadvertência são os
três inimigos mais poderosos do ser humano. São mais daninhos que a maioria dos
atos pecaminosos. Krishna queria salvar à Arjuna de seu desejo encoberto de
escapar de seus deveres, com o pretexto de levar a vida pacifica de um ermitão
(indivíduo que, através da penitência, habita lugares despovoados ou isolados;
evitando o contato social e tendendo a viver sozinho). Como todos os homens
estão convencidos da limitada ideia de individualidade, também o grande Arjuna
pensava que não lutando poderia transformar imediatamente seu caráter de
guerreiro e apagar de sua mente todas as impressões passadas. Com paciência
Krishna convenceu à Arjuna de que cumprindo desapegadamente com seu dever
imediato de destruir aos inimigos que representavam a injustiça, entenderia
melhor o ideal humano e para isso era melhor enfrentar a crua e desapiedada
realidade. Ensinando à Arjuna o poder das ações passadas, Krishna lhe diz: “Ó
Kounteya, alucinado, o que não queres fazer agora, depois o farás mesmo assim,
pois estás atado ao teu karma (impulso da vida passada), nascido de tua
natureza”. Atuar ou cumprir desapegadamente o dever de cada um, segundo o
ambiente em que nasceu, não é contraproducente na vida espiritual. Se o
instrutor espiritual, cumprindo desapegadamente seu dever de ensinar se
emancipa, o açougueiro que serve ao povo matando animais, cumprindo com seu
dever sem apego, logrará idêntica emancipação. O verdadeiro inimigo da vida
espiritual é a ignorância (falta de conhecimento) que nos faz esquecer que
somos seres sempre livres e nos faz acreditar que somos limitados e mortal.
Essa ignorância é a mãe do apego, do medo, da ilusão, da debilidade, da
dependência e de todos os tipos de limitações. O dilema principal de Arjuna se
apresentou com respeito ao dever. Quando no campo de batalha viu com seus
próprios olhos, que entre os inimigos estavam seus parentes e amigos, até seu
próprio instrutor; (Jesus disse Mateus 10:36 que os inimigos do homem
serão os de sua própria família) lhe surgiram as seguintes ideias: É necessário
e benéfico cumprir com os deveres mundanos, quando produzem pesar e sofrimento
à si mesmo e aos demais? Não seria melhor abandonar estes deveres e seguir o
caminho da renúncia? Um momento antes, decidido, Arjuna havia ido disposto a
lutar; um momento antes ele sabia muito bem quem eram seus adversários que,
segundo ele, eram representantes da injustiça e colaboradores de seu primo que
havia usurpado o trono de seu irmão mais velho. Mas quando os viu frente a
frente, Arjuna esqueceu seu dever, seu coração se encheu de medo e falsa
compaixão e muito deprimido começou a falar com muita emoção, sentimento e
raciocínio adequado. Através de suas palavras, aparentemente sábias, mas
realmente egoístas, demonstrando seu grande apego, confusão e ilusão, Arjuna
queria convencer Krishna de que ele
preferia a morte a matar aos seus inimigos. Mas o onisciente Krishna viu a
momentânea debilidade de Arjuna e por isso, quando este se sentou no carro de
guerra e soluçando disse: “Ó Govinda, não vou lutar”, Krishna lhe respondeu com
firmeza: “De onde vem esta tua indigna debilidade, não ariana, baixa e
contrária ao logro da vida celestial? Você está lamentando-se pelos que não o
merecem, no entanto falas como um sábio. Os verdadeiros sábios não se lamentam
nem pelos vivos nem pelos mortos". Krishna não predicou à Arjuna o ideal
dos estóicos, cumprir o dever só pelo dever; porém predicou que o cumprimento
do dever tem um só propósito: purificar o coração para desfrutar da infinita
Bem Aventurança da Presença Divina. Deus é imanente no Universo, como a alma de
todos os seres e objetos. Cumprir o dever equivale à adoração de Deus. Ao que
considera o dever desta forma, pouco lhe molestam as ideias de êxito ou
fracasso, ele desfruta como um instrumento vivente nas mãos de Deus e não sofre
nem se desespera pensando de antemão em sua própria morte e na dos demais; seu
conhecimento por estar em contato com Deus é uma ditosa percepção permanente.
Ainda que o Gita seja um compendio de todas os yogas, no entanto Krishna
recomenda como disciplina espiritual o Karma yoga, o caminho da ação. Para o
aspirante espiritual a ação deve ser abnegada, desapegada e sem esperar os
frutos. Este tipo de ação destrói radicalmente todas as limitações do Ser.
Viver significa atuar, pensar é atuar; pela ação o homem expressa a si mesmo.
Krishna disse: “Ó Partha, Eu não tenho nenhum dever que cumprir, não há nada
nos três mundos que não haja logrado ou que Me falte lograr, no entanto, atuo
constantemente”. Talvez seja possível para o egoísta retirar-se da ação,
cobiçando o estado de inércia, mas para aquele que ama a humanidade não há
descanso possível e por isso vemos que as Encarnações jamais deixam de atuar.
Como não têm nenhum motivo pessoal, a ação para as Encarnações é dar curso à
misericórdia que às vezes nos alenta e outras vezes nos corrige com severidade.
Em troca o homem comum tem diferentes motivos. Segundo o motivo progride ou
retrocede; quando trabalha para sua auto satisfação, robustece seu egoísmo e
inconscientemente retrocede, de modo gradual, à animalidade. Em troca, quando
atua de forma abnegada, como instrumento de Deus, sabendo muito bem que o único
ator é Deus, então todo sua ação é para agradar à Deus, Seu Bem Amado. Toda
ação ou pensamento egoísta forja um novo elo na grande corrente com que estamos
atados à dolorosa existência deste mundo de nascimento e morte e todo ação ou
pensamento dedicado a Deus, como uma ininterrupta adoração, rompe esta
corrente, nos conduz à emancipação final, à ditosa união com Deus. O Karma
yogui conhece o segredo da ação, é equânime, desapegado, não espera, nem
aceita, nem rechaça o fruto da ação. Krishna ensinou à Arjuna que qualquer ação
pode ser feita como yoga, mesmo a ação de “matar” que objetivamente parece
cruel, violenta e desapiedada, sempre que se faça como uma prática de yoga,
sentindo-se como um instrumento de Deus, sem temor, sem esperar a vitória para
si mesmo ou para uma comunidade particular e atuando só para estabelecer a
Verdade, a retidão; estão, esta ação, em lugar de produzir demérito, purifica
ao homem e o conduz à emancipação. (Nós como cristãos não devemos estranhar
essa fala de Khrisna, pois a Bíblia está repleta de relatos onde Deus ordena
que se mate mulheres e crianças; como em Números 31:17,18 "Agora, pois,
matai todo homem entre as crianças, e matai toda a mulher que conheceu algum
homem, deitando-se com ele". Este mundo transitório de aparência, nome e
forma está constituído de pares de opostos: bem e mal, prazer e dor, virtude e
vício, calor e frio, vida e morte. Como a frente e o verso de uma mesma
medalha, cada parte depende de sua contra parte. Nosso conhecimento ou
percepção de qualquer ideia ou objeto deste mundo é indireto e comparativo;
conhecemos ao homem comparando-o aos outros seres não humanos, sentimos o frio
comparando-o com o calor. Não há dúvida de que o mundo é imperfeito. O muito
desejado mundo perfeito é ilógico porque chegando à perfeição, o mundo se
diluirá em sua origem: Deus. Tudo que é objetivo é imperfeito, só Deus, o
Eterno Sujeito, é Perfeito. Progresso significa a transformação do objeto no
sujeito. Deus, o eterno imã, está nos atraindo continuamente, nosso dever é
purificar-nos. O sábio hindu diz que nossa origem é Deus e que existimos em
Deus. Deus, em seu estado manifestado, não perde Sua Divindade. No Bhagavad
Gita, Krishna reforça a ideia do Swa Dharma, o Dharma de cada um. A palavra
Dharma é difícil de traduzir. A religião, a retidão e o dever, nos dão certa
ideia aproximada de seu significado. Dharma é o que suporta ao homem na vida e
ao mesmo tempo o ajuda a realizar sua verdadeira natureza: a Divindade. O
grande erro do homem é continuar considerando-se como um objeto composto de
aspectos ou entes biológicos, fisiológicos e psicológicos. Para corrigir este
grande erro, o homem necessita praticar o Swa Dharma. As tendências atuais de
cada homem são o resultado de seus próprios pensamentos e ações em vidas
passadas. Cada pensamento ou ação produz uma impressão que forma parte da
natureza subconsciente do homem. Este estado subconsciente não se destrói com a
morte física, este estado é o Eu do homem. A atual encarnação do homem foi
causada pelo impulso dessas impressões; são elas que determinam seu caráter, seu
dever, sua ideia de religião, seu critério de bom e de mal, do correto e do
injusto. Nenhum homem nasce com a mente absolutamente pura, mesmo o nascimento
das encarnações demonstra que Elas, voluntariamente aceitam certa impureza. A
diferença entre a individualidade da Encarnação e a de qualquer homem é que a
Encarnação é sempre consciente de Seu estado universal e de Seu voluntário e
momentâneo estado individual. Em troca, o homem comum é inconsciente de ambos
estados. Terminada a missão com que vem ao mundo, a encarnação deixa Sua
individualidade. Ao homem comum, ao princípio, custa muito desfazer-se de sua
individualidade, mas logo o faz pela misericórdia Divina, que age como o grande
destruidor da ignorância. A educação ou o impacto do ambiente ajuda ao homem a
desenvolver as qualidades que ele mesmo fabricou e com as quais veio ao mundo.
Seus pais são causas instrumentais, que lhe proporcionam o meio físico para dar
curso ao seu Dharma. Eles são como os ceramistas e a roda que dá forma ao vaso.
Assim o Dharma de cada ser humano é a base de seu pensamento e ação; ele não
pode desfazê-lo. Ir contra este Dharma é criar confusão. Arjuna ficou
confundido quando quis deixar o Swa Dharma do kshatriya, cujo dever é proteger
aos corretos e destruir aos injustos. Sua confusão surgiu, quando esquecendo
seu Dharma, quis levar vida de ermitão. Tampouco devemos esquecer o outro
aspecto do Dharma, o que nos ajuda a realizar nossa Divindade, senão Dharma
significaria desapiedada fatalidade. A lição de Krishna é que ninguém deve agir
contra o Swa Dharma, o dever do ambiente em que nasceu. Cumprindo abnegadamente
com o dever, o homem gasta o impulso com que nasceu e dedicando toda sua ação a
Deus, não cria novos impulsos. Então compreende que o supremo dever é adorar a
Deus. Diz Krishna: “Renunciando a todos os deveres, refugie-se em Mim
unicamente. Não te aflijas, Eu o salvarei de todos os pecado”. http://www.vedantacuritiba.org.br.
Abraço. Davi.
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