A partir do
primeiro texto resumo da professora da USP, Maria da Glória Novak, e do segundo
de Charles W. Ranson (1903-1988) farei algumas ponderações sobre o tema A
Transmigração das Almas. "Platão (428 AC 347) apresenta a teoria da
reminiscência como prova da imortalidade da alma em seus três diálogos: Fedro,
Menon e a República. Nestes ele descreve a composição tripartida da alma e sua
transmigração. Por sua vez, Tito Lucrécio (94 AC 50), no compêndio De Rerun
Natura, assim como Epícuro (341 AC 270), na Carta à Heródoto, propõe a teoria
do esquecimento e afirma que a alma é corpórea. Eles dividem a alma em duas
partes animus e anima, ou espírito e alma. e em quatro elementos: calor, sopro,
ar e uma quarta substância. Lucrécio, poeta, apoia-se na experiência: não nos
lembramos. Platão, o filósofo, no mito: saber é lembrar. O epicurismo afastasse
totalmente da concepção órfico pitagórica e platônica de uma alma imortal. Essa
teoria surgiu para livrar dos seus temores o homem, que ante a morte, teme
dores terríveis e eterna para a alma, e a insensibilidade para o corpo. Segundo
o Epicurismo, ambos os temores são irracionais; quando o homem não existe a
morte não está presente, e quando está presente o homem não existe". Esse
primeiro texto é eminentemente filosófico, assinado por uma das decanas da
principal universidade pública do Brasil, Universidade de São Paulo. Platão e
Pitágoras (571 AC 495), segundo consta na sabedoria esotérica, eram iniciados de
uma seita que concebiam os números como essência e substância de um mundo
abstrato e invisível, divinamente representante de todas as formas
aparentemente conhecidas e desconhecidas, manifestando o ente e o ser
existencial no mundo real e imaginário. Entendiam a matemática e suas
derivações como: álgebra, geometria, aritmética, cálculo e outras como
transcendentes. Esses filósofos sendo os hierofantes (sacerdotes) desse
agregado místico, imponham condições para que aqueles que desejassem ingressar
nessa academia secreta se tornassem os neófitos propedêuticos desses ensinos
ocultos. Na época havia uma prova, onde o candidato deveria acertar o cálculo
dos ângulos agudos e retos de um determinado prisma. Assim por envolver um
conhecimento preliminar apurado, a comunidade esotérica dos pitagóricos teve um
número restrito de adeptos e iniciados. O raciocínio de Platão para provar a
teoria da imortalidade da alma, é coerentemente lógico e simples, pois via em
nossas lembranças um vestígio dos renascimentos passados. Aquilo que é
armazenado em nossa memória, quando de uma experiência singular e especial,
nunca esquecemos; esse fato vêm acompanhando-nos por toda nossa vida. Uma
confirmação que nossa existência perfaz infinitos ciclos de nascimentos e
mortes, e esse processo cósmico desaguará no oceano da Consciência Eterna. Nos
diálogos referidos, principalmente no Fedro, Platão ainda não tinha um
conhecimento específico de espírito, como pensamos hoje sendo o homem
trípartido (corpo, alma e espírito), na visão cristã. Mas dividia a alma em
três partes: o lado racional localizado na cabeça, o lado irascível, emoção e
humor, localizado no coração e o lado concupiscente, ganância, localizado no
baixo ventre. No mito do cocheiro, no diálogo Fedro, Platão compara a alma a
uma carruagem puxada por dois cavalos, um branco (irascível) e um negro
(concupiscível). O corpo humano é a carruagem e o cocheiro (razão) conduz
através das rédeas (pensamento) os cavalos (sentimentos). Cabe ao homem através
de seus pensamentos saber conduzir seus sentimentos, pois somente assim ele
poderá se guiar no caminho da verdade. Lucrécio em seu livro, traduzindo o
latim: Sobre a Natureza das Coisas ou do Universo, postula que todos temos responsabilidade
em relação ao universo, e podemos melhorá-lo se assumirmos uma posição de
compaixão e altruísmo para com todos os seres. Pois nossos átomos estão
interligados a todos os outros dos demais reinos visíveis e invisíveis. Assim
cada reino (mineral, vegetal, animal e humano) existente têm correspondência
pré estabelecida nos primórdios dos tempos. Esse livro que ele escreveu é um
poema e vejamos alguns de seus argumentos: Os átomos movem-se num infinito
vazio; o universo é composto de átomo e vazio; a alma humana consiste em átomos
diminutos que se dissolve com o húmus (substância escura que resulta da
decomposição parcial, pelos micróbios do solo, de detritos vegetais e animais)
quando morre; Deus existe, mas não iniciou o universo, e não lhe interessa as
ações dos homens; existem outros mundos como o universo e são similares a
estes; as formas de vida neste mundo e nos outros estão em constante movimento,
incrementando a potência de umas formas e diminuindo a de outras. Lucrécio
ainda continua, as pessoas nascem com dois medos inatos, o medo dos deuses e o
medo da morte; no entanto os deuses não querem provocar-nos dano, a morte é
fácil quando a vida se vai; quando alguém morre, os átomos da alma e os átomos
do corpo continuam a essência dando forma às rochas, lagos ou flores. No último
parágrafo da Carta de Epícuro a Heródoto é dito "O movimento dos átomos
não teve começo, já que todos os átomos são eternos e vazios. De outra forma, a
uma infinidade de mundos, sejam parecidos com o nosso, sejam diferente. Em
efeito, sendo os átomos infinitos, como se acaba de demonstrar, são levados por
seus movimentos até os lugares mais longe. E tais átomos que por sua natureza
servem, já por si mesmos, por sua ação para criar um mundo, não podem ser
utilizados todos para formar um único mundo, ou um número limitado de mundos,
nem para os semelhantes a esses, nem para os diferentes, de modo que não impede
que exista uma infinidade de mundos". Está claro nesse trecho de Epícuro,
que a alma humana após sua germinação começa a viagem no tempo por mundos
desconhecidos que nossa lembrança ainda em uma consciência limitada não
consegue acessar. Mas segundo o budismo e as tradições espirituais hindus, os
mestres iogues, e alguns Lamas em estado de êxtase, conectam-se a esse remoto
passado ou passado de nascimentos próximos. Essa experiência mística comprova
que nossa alma é eterna e atravessa após nossa morte, a barreira do tempo e do
espaço. Essa ideia da alma reencarnante sem dúvida, foi adquirida por
esses filósofos antigos, quando estudavam os mestre e sábios da tradição
hindus, brâmanes, budistas, taoístas e confucionistas. Segundo a tradição
esotérica, Platão e Pitágoras, baseado em relatos verossímeis, acessaram
ensinamentos do Budha Sakyamuni, quando pesquisavam e investigavam sobre o
universo e a relação sagrada dos números com a magia e o conhecimento oculto.
Segue o segundo texto de Charles W. Ranson. "Transmigração das almas, às
vezes chamado de Metempsicose, é baseado na ideia de que uma alma pode passar
de um corpo e residir em outro (humano ou animal) ou em um objeto inanimado. A
ideia aparece de várias formas em culturas tribais em muitas partes do mundo
(por exemplo, África, Madagascar, Oceania e América do Sul). A ideia era familiar na Grécia antiga,
nomeadamente no orfismo (doutrina dos mistérios órficos, oriundos das tradições
gregas e do culto a Dionísio Zabreu, a qual preconizava a ascese afim de
acelerar a libertação da alma, através de transmigrações sucessivas), sendo
aprovada em uma forma filosófica de Platão e os pitagóricos. A crença
ganhou alguma notoriedade em gnósticas e ocultas formas de cristianismo
(esotérico) e judaísmo (cabala) e foi introduzida no pensamento renascentista
pela recuperação dos livros herméticos (Hermes Trimegisto, o três vezes
grande). A doutrina mais plenamente articulado de transmigração é encontrada no
Hinduísmo. Ele não aparece nas primeiras
escrituras sagradas hindus (Rig Veda), mas foi desenvolvido em um período
posterior nos Upanishads (600 AC). Como ponto central trazia a concepção
do destino humano, que após a morte, havia a crença de que os seres humanos
nascem e morrem muitas vezes. Almas são consideradas como emanações do espírito
divino. Cada alma passa de um corpo para outro em um ciclo contínuo de nascimentos
e mortes, onde a sua condição em cada existência está sendo determinada por
suas ações em nascimentos anteriores. Assim, transmigração, está entrelaçado
com o conceito de Karma (toda ação corresponde uma reação, para cada causa há
um efeito), o que envolve o inevitável trabalhar fora, para o bem ou para o
mal, de toda a ação em uma existência futura.
Toda a experiência de vida, seja de felicidade ou tristeza, é uma justíssima
recompensa para ações (boas ou más) feita em existências anteriores. O
ciclo de karma e reencarnação pode estender-se através de inúmeras vidas, o
objetivo final é a reabsorção da alma no oceano da divindade de onde veio. Esta
união ocorre quando o indivíduo percebe a verdade sobre a alma e o Absoluto
(Brahman) e a alma se torna um com Brahma. Muitas vezes, é errôneo pensar que o
budismo também envolve transmigração. A doutrina budista clássica de anatta
(sem alma), no entanto, especificamente rejeita a visão hindu. A posição
budista sobre o funcionamento do Karma é extremamente complexa. A ideia da
transmigração tem sido propagada no mundo ocidental por movimentos como a
Teosofia e pela proliferação mais recente de orientais cultos religiosos. A maioria dessas versões ocidentalizadas parecem
não ter o rigor intelectual e conteúdo filosófico da doutrina clássica
hindu". Vou focar meu argumento no ponto em que discordo de Charles W.
Ranson, quando diz: "Muitas vezes, é errôneo pensar que o budismo também
envolve transmigração. A doutrina budista clássica de Anatta (sem alma), no entanto,
especificamente rejeita a visão hindu". Ranson estava nitidamente
desinformado e desatualizado, quando fez esse comentário superficial e sem base
na tradição budista. O termo Anatta não significa "sem alma" como foi
erradamente traduzido por ele, dando impressão de que o budismo contradiz a
transmigração de alma. que não é verdade. A doutrina da reencarnação, penso, é
um pressuposto definido em todo o Budismo, como temos percebido nos textos aqui
no Mosaico, pois temos estudado as principais Escolas Budistas como: Tibetana,
Theravada, Mahayana, Vajrayana e o Zen; sendo essa doutrina pertencente a todas elas. O
significado correto de Anatta é Não Eu. Assim, apresento, para explicar de
forma coerente e baseada na espiritualidade budista esse tema, que traz confusão
principalmente para alguns, que as vezes por ingenuidade ou interesses alheios
e obscuros, tentam confundir a cabeça dos apreciadores da tradição budista.
Usarei nessa exposição as palavras do Bhikkhu americano Ajaan Thanissaro
(1949- ), de tradição do Budismo Theravada. O tema é Não Eu ou
Anatta. "Um dos primeiros obstáculos que as pessoas no ocidente se deparam
com frequência quando estão aprendendo acerca do Budismo é o ensinamento de
Anatta, com frequência traduzido como Não Eu. Esse ensinamento é um obstáculo
por duas razões. Primeiro, a ideia de que não existe um Eu, não se encaixa bem
com outros ensinamentos budistas, tais como a doutrina do Karma e
renascimentos. Se não existe um Eu, quem experiência os resultados do karma e
renascer? Segundo, ela não se encaixa bem com nossa referência judaico cristã
que possui como pressuposto básico a existência de uma alma eterna ou Eu. Se
não existe um Eu, qual o propósito de uma busca espiritual? Muitos livros
tentam responder essas questões, mas se você procurar no cânone em Pali, o
registro mais antigo dos ensinamentos do Budha Sakyamuni, você não irá
encontrar absolutamente nenhuma referência. Na verdade, em uma ocasião em que o
Budha foi questionado diretamente se existe ou não um Eu, ele se recusou a responder.
Quando mais tarde perguntado porque, ele disse que acreditar que existe um Eu,
ou de que não existe um Eu, significa cair em formas extremas de entendimento
incorreto que possibilitam a prática do caminho budista. Por isso a questão
deve ser deixada de lado. Para entender o que seu silêncio sobre esta questão
informa acerca do significado de Anatta, precisamos primeiro entender os seus
ensinamentos acerca de como as questões devem ser perguntadas e respondidas e
como interpretar as suas respostas. O Budha dividiu todas as questões em quatro
classes: aquelas que merecem uma resposta direta (sim ou não); aquelas que
merecem uma resposta analítica, definindo e qualificando os termos da questão;
aquelas que merecem uma contra pergunta; devolvendo a "bola" a quem
levou a questão; e aquelas que devem ser colocadas de lado. A última classe de
questões correspondem aquelas que não conduzem ao fim do sofrimento e stress. A
primeira tarefa de um mestre, quando questionado, é identificar a que classe
corresponde a pergunta e então responder da maneira adequada. Você por exemplo,
não responde sim ou não a uma questão que deve ser posta de lado. Se você é a
pessoa que está perguntando e obtém uma resposta, você deve determinar até que
ponto a resposta deve ser interpretada. O Budha disse que existem dois tipos de
pessoas que distorcem seus ensinamentos: aquelas que fazem deduções acerca de
enunciados dos quais não se deve fazer nenhuma dedução e aquelas que não fazem
deduções quando deveriam fazê-las. Essas são as regras básicas para interpretar
os ensinamentos do Budha, mas se olharmos a forma como a maioria dos autores
tratam a doutrina do Anatta, veremos que essas regras básicas são ignoradas.
Alguns autores argumentam na interpretação de Não Eu, dizendo que o Budha negou
a existência de um Eu eterno ou independente, mas isso equivale a dar uma
resposta analítica a uma resposta que o Budha mostrou que deve ser posta de
lado. Outros tentam fazer deduções de alguns enunciados contidos nos discursos
que parecem indicar que não existe um Eu, mas com segurança podemos dizer que
se alguém força esses enunciados a dar uma interpretação a uma questão que
deveria ser colocada de lado, estará fazendo deduções onde ela não deve ser
feita. Assim, ao invés de responder não a questão se existe ou não um Eu, inter
conectado ou separado, eterno ou não eterno, o Budha percebeu que a questão
estava mal formulada desde o princípio. Porque? Não importa como se defina a
fronteira entre Eu e Outro, a noção do Eu implica um elemento de auto identificação
e apego, e por isso, sofrimento e stress. Isso vale tanto para um Eu inter
conectado que não reconhece um outro, como para um Eu separado. Se alguém se
identifica com toda a natureza, sofre com cada árvore que cai. Isso também vale
para um universo que seja completamente outro, em que a sensação de alienação e
futilidade se tornaria tão debilitante fazendo como que a busca pela
felicidade, a própria ou a de outros, se tornasse impossível. Por essas razões
o Budha aconselhou que não se desse atenção a perguntas como Eu Existo? ou Eu Não Existo?,
pois não importa como elas sejam respondidas. Nesse sentido, o ensinamento
acerca de Anatta não se trata de uma doutrina acerca de Não Eu, mas de uma
estratégia de personificação para se desfazer do sofrimento acerca do abandono
de sua causa, conduzindo a felicidade máxima e imortal. Nesse ponto, questões
acerca do Eu e Não Eu são colocadas de lado. Uma vez que essa liberdade
completa é experimentada, porque haveria qualquer preocupação com quem a está
experimentando ou se se trata ou não de um Eu?. www.acessoaoinsight.net. Espero
que tenha ficado claro a explicação do Bhikkhu Thanissaro, pois Anatta ou Não
Eu, é uma palavra que por enquanto deve ficar ocultada de nossa consciência
ainda incipiente, esperando por uma evolução na próxima Raça Raiz para um
entendimento completo. Nitidamente como justificado pelo comentário acima, a
doutrina da transmigração de almas não sofre nenhuma contrariedade pelo fato do
ensinamento de Anatta ainda não ser claramente revelado, Budha explicou esses
motivos, pois não manifesta nossa experiência passada, presente ou futura, e
suponho, não estar debaixo da regra do carma; mas imagino, que quando
alcançarmos a condição de Budha ou Christo ou Krishna nas futuras encarnações,
todos os mistérios se abrirão para nós. Na Bíblia cristã é dito em
Deuteronômio 29:29 "As coisas encobertas pertencem ao Senhor, nosso Deus,
porém as reveladas, nos pertencem, a nós e a nossos filhos, para sempre, para
que cumpramos todas as palavras desta lei". Abraço. Davi.
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