O
autor dessa tradução é o grande mestre de meditação Mipam Rinpoche (1846-1914),
que tentou mostrar a verdadeira natureza da mente. I. Ensinamento
Quintessencial sobre o tema da Mente. O Budha não está mais distante que a
palma de nossa mão. Inclino-me diante de Padmasambhava. E diante do ilustre
Lama que é a emanação do ser de sabedoria Manjushri (1) , e semelhante a todos os Budhas seus filhos. Em atenção
daqueles que desejam (aprender) a meditação sobre o reconhecimento do sentido
profundo da Mente. Eu vou explicar brevemente o início da via dos conselhos do
coração (2). É necessário, no começo, confiar no ensinamento quintessencial de
um Lama que possui a experiência da realização. Se não penetrarmos na
experiência do ensinamento do Lama, toda a perseverança e o esforço consagrados
à meditação equivalerão a disparar uma flecha na escuridão. O ponto crucial é colocar sua consciência no estado não fabricado (3), instalado em si mesmo;
o rosto da sabedoria sem véu que é distinto do envoltório da mente, quer dizer
daquela que se identifica. O sentido de permanecer desde o início é o estado
natural, não fabricado. Tendo
desenvolvido a convicção íntima de que tudo o que surge é a essência do
Dharmakaya (4), não rejeitam este conhecimento. Deixar-se levar pelas
explicações discursivas sobre o tema da via, é como correr atrás de um
arco-íris. Quando as experiências meditativas se manifestam como consequência
da consciência lúcida do nobre estado não fabricado, não é pelo meio indireto
de uma concentração exterior, mas de preferência mantendo a não ação (5).
Estupendo, a maneira como chegamos à este conhecimento! II. No momento bem
aventurado onde atingimos o estado intermediário. A constância do estado
inabalável é mantida pela lembrança do estado espontaneamente estabelecido da
Mente em si. Se colocar neste estado é suficiente. Se obstáculos são produzidos
pelas nuvem que se elevam da análise mental que cria a distinção entre o
sujeito e o objeto da meditação. Lembremo-nos então da natureza da Mente que
desde o início é não fabricada, a Mente em si, vasta como o céu. Para relaxar,
libertemo-nos da estreiteza e dissipemos o apego à esses conceitos. O
conhecimento espontâneo estabelecido não consiste em pensamentos que fluem em
todas as direções. Ele é vacuidade límpida e radiante, distinta de toda avidez
mental. Este estado não pode ser descrito por exemplo, símbolos ou palavras.
Percebemos diretamente a consciência última por meio da sabedoria do
discernimento. O nobre estado da consciência lúcida, imparcial, vazia não
mudou, não muda e não mudará. Ela é nosso próprio rosto, mascarado pelas
impurezas dos conceitos repentinos, diversas vagabundagens quiméricas. Como é
triste! Que ganharemos em nos prender a uma miragem? Qual o objetivo de
perseguirmos esses sonhos diversos? De que serve se agarrar o espaço? Por
conceitos variados, colocamos a cabeça ao contrário. Coloquem de lado essa
falta de sentido esgotante e detenhamo-nos na esfera primordial! O céu
verdadeiro é saber que Samsara (7) e nirvana não são mais que uma exibição
ilusória. Mesmo que hajam exibições muito variadas, consideremos que elas têm o
mesmo sabor. Ter-se estabelecido em uma relação íntima com a meditação permite
lembrar-se da consciência nua, situada em si mesma, vibrante, livre dos
conceitos. A Mente natural está além do conhecimento ou do não conhecimento, da
felicidade ou do sofrimento. A felicidade nasce deste estado de relaxamento e
repouso total. Então, no movimento ou na imobilidade, no ato de comer ou de
dormir, nós conhecemos permanentemente este estado, e tudo é a via. Assim,
vigilância, atenção, designa esta consciência semelhante ao céu. E mesmo no
período que segue a sessão de meditação formal, elaboramos muito menos
conceitos. III. Nos momentos bem aventurados do estado último. Relativamente às
quatro ocasiões: mover, ficar imóvel, comer e dormir. (6), as marcas dos
hábitos tenazes, a partir das quais surgem todos os conceitos e os sopros
cármicos da Mente, são transformados. Nós possuímos a capacidade de nos
recolher na cidadela da sabedoria imóvel e inata. O que chamamos Samsara não é
mais que um conceito. A majestosa sabedoria é livrar-se de todo conceito.
Então, tudo o que surge se manifesta como totalmente perfeito. O estado da
nobre clara luz é constante, tanto à noite como de dia. Ela é outra que a
distinção entre se lembrar e não se lembrar. Outra que desviar-se de seu justo
lugar pela advertência do terreno fundamental que impregna toda coisa. Então,
não realizamos nada pelo esforço. Sem nenhuma exceção, todas as qualidades inerentes
às vias e as bases, clarividência, compaixão, etc., surgirão espontaneamente
(8), crescente como a relva que chega à maturidade no verão. Liberto de
apreensão e de vaidade, liberado de esperança e medo. É a grande felicidade não
nascida, eterna, vasta como o céu. Essa nobre yoga é semelhante ao Garuda
lúdico no céu da Grande Perfeição Imparcial.
Maravilhoso! Confiando no ensinamento quintessencial dum mestre, o meio
de manifestar esta sabedoria da essência do coração é realizar as duas
acumulações de mérito e sabedoria (9), de uma maneira tão ampla como o oceano é
vasto. Então, sem dificuldade, a realização será colocada na sua mão.
Espetacular! Em consequência, possam todos os seres sensíveis, pela virtude
desta explicação, chegar a ver Manjushri juvenil, que é atividade compassiva de
nossa consciência, mestre supremo, essência do diamante (o Dzogpa Chenpo da
clara luz). Tendo percebido isso, nesta vida mesma, possamos atingir a
iluminação perfeita. Notas: 1. Manjushi.
O Bodhisattva da Sabedoria. Segundo a mitologia budista, Manjushi foi, em uma
encarnação anterior, ao rei Amba que fez o voto de se tornar um bodhisattva para
o bem de todos os seres. 2. Os conselhos do coração. O ensinamento do coração
do lama. É um ensinamento essencial condensado, destinado à meditação e
apresentado pelo lama aos seus discípulos de coração. 3. O estado não
fabricado. A consciência que surge no instante da percepção, uma pura presença
que aparece sem modificação, não engendrada por causas. 4. Dharmakaya. Dharma
significa a totalidade da existência; Kaya é esta dimensão. A base essencial do
ser cuja essência é a claridade e a luminosidade e no seio da qual todos os
fenômenos são percebidos como despidos de existência intrínseca. 5. A
experiência meditativa se manifestando por intermédio da não ação; a meditação
do Dzogchen é não conceitual e realizada simplesmente pelo reconhecimento sem
esforço de nossa própria natureza verdadeira, não condicionada. A ação ou o
esforço para realizar a meditação são contrários à presença relaxada que
caracteriza a prática Dzogchen. 6. Mover-se, permanecer imóvel, comer e dormir;
as quatro atividades, englobando todas as ações possíveis, no meio das quais um
praticante dzogchen tenta manter sua consciência lúcida. 7. Samsara. Existência
cíclica marcada pelo nascimento, a velhice, a doença, a morte e o renascimento.
Os seres sensíveis, dominados pelo desejo, a ira e a ignorância, continuam a
migrar através dos seis mundos do Samsar (o mundo dos deus, dos semi deuses,
dos humanos, dos animais, dos espíritos famintos, e dos seres infernais)
segundo seu carma. 8. Qualidades inerentes que surgem espontaneamente; como
consequência natural da meditação dzogchen, os praticantes avançados podem
desenvolver qualidades transcendentais tais como uma grande sabedoria,
compaixão, a clarividência etc. 9. As duas acumulações. A acumulação de mérito
por meio das boas ações e da sabedoria por intermédio da contemplação. Se bem
que os dois sejam importantes sobre a vida do Dharma, o Budha disse que se
conseguirmos manter o estado de contemplação (a acumulação de sabedoria)
durante o tempo que é precioso a uma formiga para ir da extremidade do nariz de
uma pessoa a sua testa, isso seria mais benéfico que uma vida inteira de
acumulação de méritos pela ação virtuosa e a generosidade. 10. Mipam Rinpoche.
Celebre mestre budista tibetano do século XIX, que começou por ser aluno de
Patrul Rinpoche (1808-1887). Mipam foi o autor de comentários originais sobre o Dzogchen (de acordo com o budismo tibetano o dzogchen é o estado primordial ou condição natural, e também um corpo de ensinamentos e práticas meditativas com o objetivo de realizar tal condição. O Dzogchen ou Grande Perfeição, é um ensinamento central da Escola Nyingma, também praticado por adeptos de outras Escolas do Budismo Tibetano. Segundo a literatura Dzogchen, este é o mais alto e definitivo caminho rumo a iluminação. Da perspectiva de Dzogchen, é dito que da natureza última de todos os seres sencientes, capaz de sentir e perceber através dos sentidos, (reinos inferiores minerais vegetais e animais) é pura, abrangente, primordialmente límpida e naturalmente clara além do tempo. Essa clareza intrínseca não possui forma própria, e ainda é capaz de perceber, experienciando, refletindo, ou expressando em toda a sua forma. A analogia que os mestres Dzogchen fazem é que a natureza de um ser é como um espelho que reflete com completa abertura, mas não é afetado pelas imagens refletidas, ou como uma bola de cristal que reflete a cor do material em que é colocada sem, no entanto, ser alterada. A sabedoria que emerge ao reconhecer essas claridade semelhante ao espelho, que não pode ser encontrada pela busca ou identificada, é o que o Dzogchen se refere como Rigpa. Rigpa é a consciência desnuda e inteiramente aqui e agora, não podendo ser estabelecida como qualquer coisa específica, estado, ou ação. Ela tem a face original do vazio que é pura desde o início, totalmente penetrante e perspicaz), sobre outras escrituras budistas importantes. Continuamos sobre o Rigpa numa próxima oportunidade. http://www.nossacasa.net/shunya/.
Abraço. Davi.
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