A Doutrina do Vazio.
Do ponto de vista
histórico, a Doutrina do Vazio vem a ser uma reformulação da Doutrina de
Maya por parte dos ilustres fundadores da Escola Mahayana, iniciada
pelo filósofo e poeta indiano Ashvaghosha (80-150), e continuada pelo
filósofo budista Nagarjuna (150-250), que lhe deu uma feição
distintamente. Como assinalaram os eruditos modernos, os grandes pensadores da
Índia antiga sustentavam, tal como faria o filósofo alemão Immanuel Kant (1724-1804) dezessete
séculos mais tarde, que o mundo é vontade e representação; pois a Doutrina de
Shunyata implica que o Conhecimento Verdadeiro só possa ser alcançado pela
Mente Iluminada, liberta de toda Ignorância, de toda Ilusão, transcendente às
representações ou aparências fenomênicas, nascidas da vontade de poder da
Mente. "O Sábio desceu as profundezas de sua alma. O que ele aí viu, e
nisso ele se antecipa aos nossos críticos da razão pura, foi o mundo exterior,
através do fenômeno da representação, assumindo uma forma para, logo, sumir.
Assistiu a dissolução disso que chamamos o ego, a dissolução da alma
substancial, pois o Budismo não a reconhece, e do ego fenomênico, pois o seu
declínio está contido no declínio do mundo exterior. Em lugar deste mundo de
sofrimento moral e dificuldades materiais, de egoísmo interior e adversidade
exterior, um abismo aparentemente insondável se abre na mente, um abismo
fulgurante, como se cavado nas profundezas submarinas, imperscrutável, cheio de
maravilhas inefáveis, de camadas fugazes e transparências infinitas. Na
superfície deste vazio, sobre a qual o olhar pousa deslumbrado, a miragem das
coisas oscila em cores mutantes, mas estas coisas, como sabemos, "existem
somente como tais", Tathata e, por conseguinte, são como se não
existissem. "E uma vez dissipada esta miragem, vede, na contemplação
íntima desta profundidade insondável e sem fim, desta incomparável pureza do
vago absoluto, vede todas as virtualidades que despontam, todas as energias que
emergem. O que poderá, então, refrear a mente? Ela rompeu as suas cadeias e
dissipou o mundo. O que poderá refrear a mente? Ela se libertou não somente do
mundo, mas de si mesmo. Ao destruir a sua própria falsidade, superou-se a si
mesma. Do abismo insondável ela se eleva agora, vitoriosa". Nos termos da
Doutrina de Shunyata, assim como da Doutrina de Maya a única
realidade é a Mente, e o Cosmo. A matéria nada mais é do que a cristalização do
pensamento; ou, dito de outra maneira, o Universo é apenas a materialização das
formas mentalizadas. Ideia que se manifesta ilusoriamente através dos objetos
da Natureza. O monge Hsüan Tsang (602-664),
o mais versado dos primeiros comentadores chineses da filosofia Mahayana,
e foi aluno de Silabhadra, o então ilustre mentor da famosa Universidade
Budista Mahayana de Nalanda, na Índia, legou-nos esta explicação:
"Visto que o pensamento apega-se a si mesmo, ele se desenvolve sob a forma
das coisas externas. O seu mundo visível não existe; só o pensamento
existe". O fulcro do pensamento de Nagarjuna, tal como se depreende
do seu famoso tratado filosófico, o Avatansaka Sutra, foi assim
enunciado: "A Essência Verdadeira é como um espelho reluzente, que é a
base de todos os fenômenos. A Base em si mesma é permanente e real, os
fenômenos são evanescentes e irreais. Como o espelho, no entanto, é capaz de
refletir todas as imagens, assim também a Essência Verdadeira abarca todos os
fenômenos, e todas as coisas existem nela e por ela". O ABSOLUTO COMO
INERENTE AOS FENÔMENOS. A mente, ou ego é filosoficamente concebido pela
mesma Escola como o agente da captação dos fenômenos, o aspecto microcósmico
que a consciência macrocósmica assume aos seus próprios olhos, a representação
de uma ilusão na superfície do Oceano da Mente. "Na realidade, afirma Hsüan
Tsang, a alma e o mundo não existem em termos absolutos, mas somente como
um estado relativo de coisas". Asanga, outro Mestre do Mahayana,
que viveu no século IV assevera, a exemplo do que consta do tratado relativo ao
não ego contido no Livro V, que "no sentido transcendente, não existe
qualquer distinção entre o Samsara e o Nirvana". Assim, a
Doutrina de Shunyata, subjacente ao Prajna Paramita em sua
totalidade, postula, tal como o Avatansaka Sutra, um Absoluto inerente
aos fenômenos, pois o Absoluto é a fonte e o esteio dos fenômenos; e, em última
análise das coisas, na mente (Bodhi) iluminada, liberta da Ignorância,
as dualidades desvanecem e somente perdura o Uno no Múltiplo, o Múltiplo no
Uno. Os fenômenos são o Oceano da Mente, concebida como ondas de pensamento; o
Absoluto são as ondas concebidas como Oceano. Finalmente, pode-se dizer, nas
palavras de Asanga, "Assim a dualidade manifesta-se em aparência,
porém, não em realidade". Esta suprema doutrina da Emancipação pode ser
resumida afirmando-se que todas as coisas estão eternamente imersas no Nirvana,
mas que o homem, escravizado pelo fascínio hipnótico das aparências, foi
arrebatado pelo infindável Sono da Ignorância, alimentando sonhos que ele
imagina reais. Enquanto o homem não despertar da ilusão do eu e do mundo, ele
não conseguirá apreender que o Nirvana está aqui e agora e em toda
parte, inerente a todas as coisas, como Quietude Perfeita, Inqualificável, Inata,
Incriada. No transe extático do mais profundo Samadhi, o Grande Yogue
alcança este Conhecimento Indiferenciado, a Sabedoria Transcendente. De acordo com o Prajna Paramita à
Emancipação, entretanto, há de ser alcançada somente para que seja trilhado o
Caminho Superior, o Caminho sublime do Bodhisattva. Daquele que venceu o
Sono da Ignorância. Asanga afirma o seguinte: "Por uma suprema maestria
ele conquistou a compreensão e sujeitou novamente a si mesmo o mundo que não
mais estava de posse de si. O seu único prazer é promover a Emancipação das
criaturas. Ele caminha pela Existência como um leão". Assim é que o
Prajna Paramita vem a ser a Mãe dos Bodhisattvas, pois ele guia-os
para o nascimento e os alimenta para o Estado de Budha. Assim considerado como
uma personificação da Sabedoria Aperfeiçoada do Yoga, o Prajna Paramita
é a Divina Shakti, conhecida pelos tibetanos como Dolma, "A
Salvadora", a Grande Deusa da Misericórdia, e em sânscrito como Tara.
Karma Tenpa Darghye (1938- ). http://www.nossacasa.net/shunya/. Abraço.
Davi.
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