quinta-feira, 2 de abril de 2015

A Doutrina do Vazio.



Do ponto de vista histórico, a Doutrina do Vazio vem a ser uma reformulação da Doutrina de Maya por parte dos ilustres fundadores da Escola Mahayana, iniciada pelo filósofo e poeta indiano Ashvaghosha (80-150), e continuada pelo filósofo budista Nagarjuna (150-250), que lhe deu uma feição distintamente. Como assinalaram os eruditos modernos, os grandes pensadores da Índia antiga sustentavam, tal como faria o filósofo alemão Immanuel Kant (1724-1804) dezessete séculos mais tarde, que o mundo é vontade e representação; pois a Doutrina de Shunyata implica que o Conhecimento Verdadeiro só possa ser alcançado pela Mente Iluminada, liberta de toda Ignorância, de toda Ilusão, transcendente às representações ou aparências fenomênicas, nascidas da vontade de poder da Mente. "O Sábio desceu as profundezas de sua alma. O que ele aí viu, e nisso ele se antecipa aos nossos críticos da razão pura, foi o mundo exterior, através do fenômeno da representação, assumindo uma forma para, logo, sumir. Assistiu a dissolução disso que chamamos o ego, a dissolução da alma substancial, pois o Budismo não a reconhece, e do ego fenomênico, pois o seu declínio está contido no declínio do mundo exterior. Em lugar deste mundo de sofrimento moral e dificuldades materiais, de egoísmo interior e adversidade exterior, um abismo aparentemente insondável se abre na mente, um abismo fulgurante, como se cavado nas profundezas submarinas, imperscrutável, cheio de maravilhas inefáveis, de camadas fugazes e transparências infinitas. Na superfície deste vazio, sobre a qual o olhar pousa deslumbrado, a miragem das coisas oscila em cores mutantes, mas estas coisas, como sabemos, "existem somente como tais", Tathata e, por conseguinte, são como se não existissem. "E uma vez dissipada esta miragem, vede, na contemplação íntima desta profundidade insondável e sem fim, desta incomparável pureza do vago absoluto, vede todas as virtualidades que despontam, todas as energias que emergem. O que poderá, então, refrear a mente? Ela rompeu as suas cadeias e dissipou o mundo. O que poderá refrear a mente? Ela se libertou não somente do mundo, mas de si mesmo. Ao destruir a sua própria falsidade, superou-se a si mesma. Do abismo insondável ela se eleva agora, vitoriosa". Nos termos da Doutrina de Shunyata, assim como da Doutrina de Maya a única realidade é a Mente, e o Cosmo. A matéria nada mais é do que a cristalização do pensamento; ou, dito de outra maneira, o Universo é apenas a materialização das formas mentalizadas. Ideia que se manifesta ilusoriamente através dos objetos da Natureza.  O monge Hsüan Tsang (602-664), o mais versado dos primeiros comentadores chineses da filosofia Mahayana, e foi aluno de Silabhadra, o então ilustre mentor da famosa Universidade Budista Mahayana de Nalanda, na Índia, legou-nos esta explicação: "Visto que o pensamento apega-se a si mesmo, ele se desenvolve sob a forma das coisas externas. O seu mundo visível não existe; só o pensamento existe". O fulcro do pensamento de Nagarjuna, tal como se depreende do seu famoso tratado filosófico, o Avatansaka Sutra, foi assim enunciado: "A Essência Verdadeira é como um espelho reluzente, que é a base de todos os fenômenos. A Base em si mesma é permanente e real, os fenômenos são evanescentes e irreais. Como o espelho, no entanto, é capaz de refletir todas as imagens, assim também a Essência Verdadeira abarca todos os fenômenos, e todas as coisas existem nela e por ela". O ABSOLUTO COMO INERENTE AOS FENÔMENOS. A mente, ou ego é filosoficamente concebido pela mesma Escola como o agente da captação dos fenômenos, o aspecto microcósmico que a consciência macrocósmica assume aos seus próprios olhos, a representação de uma ilusão na superfície do Oceano da Mente. "Na realidade, afirma Hsüan Tsang, a alma e o mundo não existem em termos absolutos, mas somente como um estado relativo de coisas". Asanga, outro Mestre do Mahayana, que viveu no século IV assevera, a exemplo do que consta do tratado relativo ao não ego contido no Livro V, que "no sentido transcendente, não existe qualquer distinção entre o Samsara e o Nirvana". Assim, a Doutrina de Shunyata, subjacente ao Prajna Paramita em sua totalidade, postula, tal como o Avatansaka Sutra, um Absoluto inerente aos fenômenos, pois o Absoluto é a fonte e o esteio dos fenômenos; e, em última análise das coisas, na mente (Bodhi) iluminada, liberta da Ignorância, as dualidades desvanecem e somente perdura o Uno no Múltiplo, o Múltiplo no Uno. Os fenômenos são o Oceano da Mente, concebida como ondas de pensamento; o Absoluto são as ondas concebidas como Oceano. Finalmente, pode-se dizer, nas palavras de Asanga, "Assim a dualidade manifesta-se em aparência, porém, não em realidade". Esta suprema doutrina da Emancipação pode ser resumida afirmando-se que todas as coisas estão eternamente imersas no Nirvana, mas que o homem, escravizado pelo fascínio hipnótico das aparências, foi arrebatado pelo infindável Sono da Ignorância, alimentando sonhos que ele imagina reais. Enquanto o homem não despertar da ilusão do eu e do mundo, ele não conseguirá apreender que o Nirvana está aqui e agora e em toda parte, inerente a todas as coisas, como Quietude Perfeita, Inqualificável, Inata, Incriada. No transe extático do mais profundo Samadhi, o Grande Yogue alcança este Conhecimento Indiferenciado, a Sabedoria Transcendente.  De acordo com o Prajna Paramita à Emancipação, entretanto, há de ser alcançada somente para que seja trilhado o Caminho Superior, o Caminho sublime do Bodhisattva. Daquele que venceu o Sono da Ignorância. Asanga afirma o seguinte: "Por uma suprema maestria ele conquistou a compreensão e sujeitou novamente a si mesmo o mundo que não mais estava de posse de si. O seu único prazer é promover a Emancipação das criaturas. Ele caminha pela Existência como um leão". Assim é que o Prajna Paramita vem a ser a Mãe dos Bodhisattvas, pois ele guia-os para o nascimento e os alimenta para o Estado de Budha. Assim considerado como uma personificação da Sabedoria Aperfeiçoada do Yoga, o Prajna Paramita é a Divina Shakti, conhecida pelos tibetanos como Dolma, "A Salvadora", a Grande Deusa da Misericórdia, e em sânscrito como Tara. Karma Tenpa Darghye (1938-  ). http://www.nossacasa.net/shunya/.  Abraço. Davi.



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