Encontrar-se no estado de contemplação
significa estar completamente relaxado, assim se a pessoa se torna apegada a
experiências de prazer, ou condicionada por uma visão ou um estado sem
pensamentos, isto terá um efeito oposto ao desejado. A fim de relaxar, o
indivíduo não deve estar "bloqueado" por uma experiência, tomando-a
erroneamente pelo estado de contemplação. Este pode ser um grande obstáculo à
realização. Se um praticante permanece absorvido por dias e dias num estado de
prazer, ou de vacuidade, sem manter a presença da contemplação, isto é como
cair adormecido em uma experiência. Isto acontece quando as experiências são
erroneamente assumidas no lugar do verdadeiro objetivo da pessoa. A prática do Dzogchen
pode começar pela fixação em um objeto, a fim de acalmar os pensamentos da
pessoa. Então ela relaxa a fixação, dissolvendo a dependência do objeto, e fixa
o olhar no espaço aberto. Então, quando ela consegue tornar o estado calmo
estável, é importante trabalhar com o movimento dos seus pensamentos e energia
da pessoa, integrando este movimento com a presença da contemplação. Neste
ponto a pessoa está pronta para aplicar a contemplação ao seu cotidiano. Se
alguma coisa maravilhosa aparece diante de nós, mas nós não entramos em
julgamento em relação a ela, ela permanece parte de nossa claridade. O mesmo é
verdadeiro se alguma coisa horrível nos aparece. Assim por que nós
desenvolvemos desejo por uma, e aversão pela outra? Claridade não pertence à
nossa mente racional, mas à essência pura do estado primordial, que está além
tanto do bom como do mau. É importante manter a presença na contemplação, sem
corrigir o corpo, a voz, ou a mente. O indivíduo precisa encontrar-se numa
condição relaxada, mas os sentidos precisam estar presentes e alertas, porque
eles são as portas para a claridade. A pessoa relaxa sem esforço nenhum,
abandonando toda tensão com respeito à posição do corpo, respiração, e
pensamentos, apenas mantendo uma presença vívida. Quando alguém começa a
praticar, pode parecer que a confusão de seus pensamentos está aumentando, mas
isto é na verdade devido ao relaxamento da mente. De fato, este movimento de
pensamentos sempre existiu; é que apenas agora a pessoa está percebendo. Quando
alguém começa a praticar, pode parecer que a confusão de seus pensamentos está
aumentando, mas isto é na verdade devido ao relaxamento da mente. De fato, este
movimento de pensamentos sempre existiu; é que apenas agora a pessoa está
consciente deles, porque a mente ficou mais clara, da mesma maneira que,
enquanto o mar estiver agitado, não se pode ver seu fundo, mas quando ele se
acalma pode-se ver o que está embaixo. Quando nos tornamos conscientes do
movimento de nossos pensamentos, precisamos aprender a integrá-los com presença,
sem segui-los ou deixar-nos distrair por eles. O que queremos dizer com
deixar-nos distrair? Se eu vejo uma pessoa e tomo uma antipatia imediata por
ela, isto significa que eu permiti a eu mesmo ser pego num julgamento mental;
isto é, eu me distrai. Se eu mantiver a presença, por outro lado, por que eu
deveria tomar antipatia por alguém que eu vejo? Aquela pessoa também é
realmente parte de minha própria claridade. Se eu realmente entender isto,
todas as minhas tensões e conflitos se dissolverão, e tudo se estabilizará num
estado de completo relaxamento. Uma pessoa que está começando a praticar
geralmente prefere retirar-se para um lugar ermo, porque ela precisa encontrar
um estado de calma e equilíbrio mental. Mas quando alguém começa a ter verdadeira
experiência de estado de contemplação ela necessita integrá-la às atividades
diárias de caminhar, conversar, comer, etc. Um praticante Dzogchen nunca
necessita se afastar da sociedade e retirar-se para meditar no topo de uma
montanha. Isto é especialmente impróprio na nossa sociedade moderna, na qual
todos temos que trabalhar para comer e viver normalmente. Se nós soubermos como
integrar nossa contemplação à nossa vida diária, entretanto, manifestaremos
progresso em nossa prática do mesmo modo. Praticar significa integrar-se com a
visão. O termo "visão" aqui inclui todos os nossos sentidos de
percepção. Se eu estou numa sala ouvindo uma música agradável, ou em algum
lugar onde existe um barulho muito ensurdecedor, tal como numa fábrica, não deve
fazer diferença, porque tudo é parte da visão. Se eu sinto o delicado aroma de
uma rosa, ou o odor de um banheiro, estes também são parte da visão, e na
contemplação esta visão é percebida como a manifestação da energia do estado
primordial, com nada a ser rejeitado ou aceito. Assim, a essência da prática é
encontrar a si mesmo num estado de presença relaxada, integrada com qualquer
percepção que possa surgir. Quando nós estamos no estado de contemplação, mesmo
se um milhão de pensamentos surgem, nós não os seguimos, apenas permanecemos
observando tudo o que acontece. Isto é o que significa presença. Encontrar a si
mesmo no estado de "o que é" significa manter continuamente a
presença. Assim a Samaya do Dzogchen significa não se tornar
distraído, e apenas isso. Mas isto não significa que se alguém se torna
desatento quebrou sua Samaya. O que a pessoa tem que fazer é notar o que
aconteceu, e tentar novamente não se distrair. Existem duas maneiras de não se
distrair. A mais elevada destas é quando a capacidade de contemplação da pessoa
é suficientemente desenvolvida para que ela consiga integrar todas as suas
ações com o estado de presença. Este é o ponto final de chegada da prática, e é
conhecido como a Grande Contemplação. Mas na medida em que a pessoa não é capaz
de atingir este nível, existe uma maneira de não se distrair que está mais
ligada à mente, na qual a pessoa tem que manter um mínimo de atenção. Esta não
é a verdadeira contemplação, porque existe ainda uma certa quantidade de
intencionalidade, de trabalho ativo com a mente racional, envolvida. Mas este
estágio, contudo é muito útil para nos ajudar a desenvolver o estado de
presença. Se nós notarmos qualquer intenção surgindo, é importante relaxá-la,
mas sem entrar numa atitude de lutar com nossa distração, que nos traria o
efeito oposto ao desejado. Nas nossas vidas diárias precisamos relembrar sempre
de relaxar, porque esta é a chave de tudo para nós. Tomemos um exemplo
concreto: suponha que enquanto estamos sentados em uma sala, vem à nossa cabeça
a ideia de ir e pegar um objeto em uma outra sala. Assim que este pensamento
surge, nós o reconhecemos, e estamos conscientes dele, mas não tentamos
bloqueá-lo, ou fazê-lo dissolver-se. Sem nos tornarmos distraídos, mantendo uma
presença relaxada, nós nos levantamos e vamos à outra sala, tentando permanecer
presente em tudo o que fazemos. Esta é uma prática extremamente importante, que
não requer nem uma posição particular e controle da respiração, nem qualquer
visualização. Tudo o que a pessoa tem que fazer é permanecer presente e
relaxada. Mas no Dzogchen, na Série da Natureza da Mente, lhagtong
é um nível da integração do estado de presença com o movimento. É também
chamado de "estado inalterável" (Migvoba)), que não pode ser
perturbado por qualquer movimento. "Movimento" aqui inclui também a
energia do Prana cármico, que usualmente tem influência
considerável na mente. Neste estado, todos os aspectos do corpo, fala e mente
estão integrados com a contemplação. Se um praticante estiver meditando próximo
de uma máquina barulhenta, ele não tem que procurar um lugar quieto, porque
neste estágio de prática ele está completamente integrado com qualquer tipo de
percepção. O praticante não está mais obrigado a permanecer ligado ao estado
calmo, mas está consciente da dimensão cármica do movimento, e não o
percebe como externa à ele. Quando os níveis de progresso na contemplação são
explicados, as imagens de uma corrente, um rio, e um mar, etc, são usados como
exemplo do desenvolvimento da capacidade de integração alcançada. Quando um
praticante conseguiu estabilidade completa na contemplação, mesmo se ele não
estiver engajado em qualquer prática em particular, tão logo ele adormece ele
encontra a si próprio no estado da luz natural, e quando ele sonhar, está
consciente de que ele está sonhando. Tal prática individual está completa, e se
ele viver ou morrer, ele está sempre presente tendo alcançado o Sambhogakaya.
Quando ele morre, e o "Bardo da Condição Essencial", Dharmata,
se manifesta, ele está pronto naquele mesmo instante para se integrar na
realização. Ensinamentos de Namkhai Norbu Rinpoche (1938- ).
Retirados do livro O Estado de Auto Perfeição. Abraço. Davi.
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