O mundo de destinos miseráveis é
comparável a um grande oceano, e os sentimentos e pensamentos dos seres vivos à
ausência de margem. Eles são ignorantes e não sabem que as ondas crescentes de
inconsciência são as causas da ilusão e das ações cármicas que resultam no
ciclo infinito de nascimentos e mortes. Seus sofrimentos são inexauríveis e
eles são incapazes de atravessar o oceano amargo da mortalidade. Portanto, isto
é chamado de a margem. Budha usou o brilho de sua grande sabedoria para
iluminar e quebrar as paixões, e para pôr um fim a todos os sofrimentos para
sempre. Isto conduz à eliminação completa dos dois tipos de morte, natural e
violenta, e a saltar do oceano de misérias para a realização do nirvana.
Portanto, é chamada de a outra margem. O coração (mente) mencionado é o coração
da grande sabedoria que alcança a outra margem. Não é o coração humano que os
homens mundanos usam para pensar erroneamente. O homem ignorante não sabe que
fundamentalmente possui o coração da luz brilhante da sabedoria. Ele considera
como real o inchaço de músculos ligados à carne e ao sangue, e reconhece apenas
as sombras resultantes do pensamento errôneo e do apego, estimulados pelas
circunstâncias. Assim os pensamentos se sucedem um ao outro em sua cadeia
incessante, sem um único deles voltar a luz para si mesmo, para o auto
reconhecimento. Apenas o Budha estava consciente da verdadeira sabedoria
fundamental que pode iluminar e quebrar o corpo e o coração dos cinco
agregados, que são não existentes e cuja substância é inteiramente vazia.
Portanto, ele saltou da aparência e alcançou a outra margem instantaneamente,
cruzando assim o oceano amargo. Como teve pena dos homens deludidos, ele usou
esta porta para a iluminação, que experimentou pessoalmente, para abri-la e para
guiá-los, de modo que cada homem possa estar consciente de que a sua sabedoria
é fundamentalmente auto possuída, de que seus pensamentos errôneos são
basicamente falsos e de que seu corpo e coração são inteiramente não
existentes. Então ele poderá se erguer do oceano dos sofrimentos e atingir o
êxtase do nirvana. É por isto que ele expôs este sutra. Avalokiteshvara, o
bodhisattva da verdadeira liberdade, compreende através da profunda prática da
grande sabedoria que o corpo e os cinco agregados são apenas o vazio, e através
desta compreensão ele traz ajuda a todos os que sofrem. Ao ouvir do Budha sobre esta
profunda sabedoria, este bodhisattva pensou sobre ela e a praticou
usando sua sabedoria para fazer uma introspecção nos cinco agregados, que são
vazios tanto interna quanto externamente, resultando na realização de que o
corpo, o coração e o universo não existem realmente, em um salto súbito tanto
sobre o mundano quanto sobre o supramundano, na destruição completa de todos os
sofrimentos e na aquisição de uma independência absoluta. Já que o bodhisattva
pode se liberar por meio disto, cada homem pode confiar e praticar nela. Por
esta razão, o Honrado pelo mundo (Budha Shakyamuni) falou para Shariputra
apontar a maravilhosa atuação de Avalokiteshvara, a qual ele queria que
todos os outros conhecessem. Se fizermos a mesma contemplação, realizaremos em
um instante que nossos corações basicamente possuem o brilho da sabedoria, tão
vasto, extensivo e permeador que ela brilha através dos cinco agregados que são
fundamentalmente vazios. Após esta realização, onde os sofrimentos não poderiam
ser aniquilados? Onde os grilhões do karma seriam algemados? Onde
estaria o argumento obstinado sobre o ego e a personalidade, sobre o certo e
errado? Onde estaria a discriminação entre falha e sucesso, entre ganho e
perda? E onde estariam os embaraços em coisas como riqueza e honra, pobreza e
desonra?Shariputra! Este era o nome de um discípulo do Budha. Shari é o
nome de um pássaro com olhos muito brilhantes e penetrantes. A mãe dele tinha
os mesmos olhos brilhantes e penetrantes, e foi chamada com o nome do pássaro.
Então o próprio nome dele era o filho (Putra) de uma mulher que tinha olhos de
Shari. Entre os discípulos do Budha, ele era o mais sábio. Portanto Shariputra
foi chamado propositalmente para realçar o fato de que este ensinamento poderia
ser dado apenas a um ouvinte sábio. "A forma não difere do vazio, nem o vazio da forma.
A forma é idêntica ao vazio e o vazio é idêntico à forma. Assim também são os
cinco agregados em relação ao vazio". Isto
foi dito a Shariputra para explicar o significado da vacuidade dos cinco
agregados. A forma foi apontada primeiro. Esta forma é a aparência do corpo que
os homens consideram como sua posse. É produzida pela cristalização de seu
firme e sofrível pensamento errôneo. É causada por manter o conceito de um ego,
conceito este que é o mais difícil de se quebrar. Agora, no começo da
meditação, a atenção deve ser dada a este corpo físico que é uma combinação
fictícia de quatro elementos e que é fundamentalmente não existente. Já que a
sua substância é inteiramente vazia tanto por dentro quanto por fora, não
estamos mais confinados dentro deste corpo e, portanto ele não tem impedimento
quanto ao nascimento e morte, assim como ao ir e vir. Este é o método para
quebrar a forma. Se a forma é quebrada, os outros quatro agregados podem, da
mesma maneira, estar sujeitos à introspecção profunda. O ensinamento
sobre a forma que não difere do vazio tinha o objetivo de quebrar a visão do
homem mundano de que a personalidade é permanente (eternalismo). Já que os
homens mundanos acham que o corpo físico é real e permanente, eles fazem planos
para um século sem realizar que o corpo é irreal e não existe, que está sujeito
às quatro mudanças (nascimento, velhice, doença e morte) de momento a momento,
sem interrupção, até a velhice e morte, com o resultado último de que ele é
impermanente e de que finalmente retornará ao vazio. Este é ainda o vazio
relativo, em relação ao corpo e à morte, e não alcança ainda o limite da lei
fundamental (o vazio absoluto). Como a forma ilusória, feita de quatro
elementos, basicamente não difere do vazio absoluto, o Budha disse, "a
forma não difere do vazio", o significado de que o corpo físico
fundamentalmente não difere do vazio absoluto. Quando o Budha
disse, "o vazio não difere da forma", sua intenção era a de quebrar o
conceito de aniquilação (niilismo, na filosofia esse termo significa ausência
absoluta de fé ou crença. Afirma também ser as crenças, as verdades e os valores
tradicionais sem fundamento). Significa que o vazio absoluto não é
fundamentalmente diferente da forma ilusória, mas não é um vazio relativo e
aniquilador em oposição à forma. Isto significa que a grande sabedoria é o
vazio absoluto da realidade. Por quê? Porque o vazio absoluto é comparável a um
grande espelho, e todos os tipos de forma à aparência refletida nesse espelho.
Se realizarmos que estes reflexos não estão separados do espelho, prontamente
entenderemos que "o vazio não difere da forma". Como o Budha
estava preocupado que os homens mundanos pudessem confundir estas duas
palavras, forma e vazio, como sendo duas coisas diferentes, e de que na visão
de sua igualdade eles pudessem não ter uma mente imparcial em sua contemplação,
ele identificou a forma e a vacuidade uma com a outra na frase "a forma é
idêntica ao vazio e o vazio é idêntico à forma". Com a contemplação correta
feita conformemente e com a realização resultante de que a forma não difere do
vazio, não haverá avidez por som, forma, riqueza e ganho, e nenhum apego às
paixões dos cinco desejos surgidos dos objetos dos cinco sentidos, às coisas
vistas, ouvidas, cheiradas, degustadas ou tocadas. Isto é o salto do estágio do
Bodhisattva para a ascensão instantânea ao estágio de Budha. Esta é a outra
margem. "Shariputra, toda a existência é vazia, não há nem início nem
fim, nem pureza nem mácula, nem crescimento ou declínio. Portanto, com o vazio,
não há forma, não há agregados; não há olho, ouvido, nariz, língua, corpo e
mente; não há forma, som, odor, sabor, toque e objeto do pensamento; não há
conhecimento, ignorância, ilusão e fim da ilusão; não há sofrimento, declínio,
morte, fim de sofrimento e morte; não há conhecimento, ganho e não ganho". Esta é uma explicação exaustiva da
grande sabedoria para descartar todos os erros. O vazio real pode limpar todos
os erros porque é puro e claro e não contém uma única coisa, pois dentro dele
não há rastros dos cinco agregados e assim por diante. Como o reino do Budha
é como o vazio e nada tem a se confiar, se a busca do estado búdico
confiar sobre uma mente que procura o ganho, o resultado não será verdadeiro
porque, dentro da substância do vazio absoluto, fundamentalmente não há coisas
como sabedoria (conhecimento) e ganho, pois o não ganho realmente é o ganho
real e último. "Como não há ganho, os
Bodhisattvas que confiam nesta sabedoria que vai além, não têm mácula em suas
mentes, e já que não têm mácula, eles não têm medo, são livres das ideias
contrárias e desilusivas (sem ilusão), e atingem o nirvana final".
Já que todas as coisas estão
fundamentalmente na condição de nirvana, se a meditação for feita enquanto
confiarmos no sentimento discriminativo e no pensamento, a mente e os objetos
se amarrarão um ao outro e nunca poderão ser desemaranhadas dos ávidos apegos
resultantes, que são todas as máculas. Se a meditação for feita por meio da
grande sabedoria, e a mente e os objetos como sendo não existentes, todos os
seus contatos resultarão apenas em liberação. Como a mente não tem mácula, não
pode haver medo do nascimento e morte. Já que não há medo do nascimento e
morte, tanto o medo do nascimento e morte e a busca do nirvana são ideias
contrárias e delusivas. Nirvana significa calma perfeita; em outras palavras, a
eliminação perfeita das cinco condições fundamentais de paixão e delusão
(engano), e de alegria eterna na calma e extinção da miséria. Isto significa
que apenas descartando todos os sentimentos de "santos" e
"pecadores" é que poderemos experienciar uma entrada para o nirvana.
A auto cultivação de Bodhisattva feita por qualquer outro método não
seria correta. "Todos os budhas do passado, do
presente e do futuro obtém a visão completa e a iluminação perfeita confiando
na grande sabedoria. Então sabemos que a grande sabedoria é o grande mantra
sobrenatural, o grande mantra brilhante, insuperável e inigualável, que pode
limpar verdadeiramente e sem falha todos os sofrimentos". Não apenas os Bodhisattvas praticaram,
mas também todos os Budhas dos três tempos se exercitaram para obter o
fruto da iluminação completamente correta e perfeita. Tudo isto mostra que a
grande sabedoria pode expulsar o demônio da aflição do mundo, por isso, é o
grande mantra sobrenatural. Como pode quebrar a escuridão da ignorância, a
causa do nascimento e morte, é chamado de o grande mantra brilhante. Já que
nada há nos mundos mundano e supra mundano que possa superá-la, é chamado de o
mantra insuperável. Como permite que os Budhas mãe produzam méritos ilimitados,
e já que nenhuma coisa mundana e supra mundana pode ser igual a ele, apesar de
ser igual a todos estes, é chamado de o mantra inigualável. Por que a grande
sabedoria é chamada de mantra? É apenas para mostrar a velocidade de sua
eficiência sobrenatural, como uma ordem secreta no exército que pode assegurar
a vitória se for executada silenciosamente. O mantra pode quebrar o exército de
demônios no mundo, comparável ao néctar que permite ao bebedor obter a
imortalidade. Aqueles que o degustam podem dissipar o maior dos desastres,
causado pelo nascimento e morte. Portanto o Budha disse, "ele pode
eliminar todos os sofrimentos". Quando disse que é verdadeiro e sem erro,
ele queria dizer que as palavras do Budha não são enganadoras e que os
homens mundanos não devem cultivar suspeita sobre elas, mas sim decidir
praticá-las conformemente.
Gate, Gate Paragate Parasamgate Bodhi
Svaha.
Antes de o mantra ser ensinado,
a grande sabedoria foi ensinada exotericamente, (doutrina pública) e agora foi
exposta esotericamente (doutrina secreta). Aqui não há espaço para pensar e
interpretar, mas a repetição silenciosa do mantra assegura a eficácia rápida;
isso se faz possível pelo poder inconcebível através do descarte de todo
sentimento e da eliminação de toda interpretação. Os seres vivos que estão
deludidos (iludidos) sobre ela usam-na para criar problemas por causa de seu
pensamento errôneo. Apesar de a usarem diariamente, não estão conscientes dela.
Assim, ignorantes de sua própria realidade fundamental, eles continuam passando
inutilmente por todos os tipos de sofrimento. Não é uma pena? Se eles puderem
ser instantaneamente despertos para si mesmos, poderão voltar imediatamente a
luz para dentro de si mesmos. No pensamento de um momento, todas as barreiras
de sentimento no mundo se quebrarão, como a luz de uma lamparina que ilumina
uma sala onde a escuridão existiu por mil anos. Portanto, não há necessidade de
recorrer a qualquer outro método. Os homens mundanos estão andando por um
caminho perigoso e boiando em um oceano amargo, mas ainda não estão querendo
olhar para a grande sabedoria. Realmente, suas intenções não podem ser
adivinhadas! A grande sabedoria é como uma espada afiada, que corta todas as
coisas que a tocam tão afiadamente que elas não sabem que são cortadas. Quem, além
dos sábios e santos, podem fazer uso dela? Certamente, não os ignorantes. Poeta
e budista chinês Han Shan, século VII. Abraço. Davi.
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