Todos os bhudas, bodhissatvas e
seres iluminados estão presentes a todo momento para ajudar-nos, e é através da
presença do mestre que todas as suas bênçãos se dirigem a nós. Os que conhecem Padmasambhava
sabem da verdade viva da promessa feita por ele há mais de mil anos:
"Nunca estou longe dos que têm fé ou mesmo daqueles que não a têm, embora
estes não me vejam. Meus filhos serão sempre, sempre protegidos pela minha
compaixão". Tudo de que precisamos para receber auxílio direto é pedi-lo.
Não disse Cristo também: Mateus 7:7 "Pedi e vos será dado; buscai e
achareis; batei e vos será aberto; pois todos o que pede recebe; o que busca
acha"? Mas pedir é o que achamos mais difícil. Muitos de nós, é o que
sinto, nem sabem como pedir. Às vezes é porque somos arrogantes, outras
porque não queremos buscar ajuda; às vezes somos preguiçosos, às vezes nossas
mentes estão tão ocupadas com perguntas, distrações e confusões, que a
simplicidade de um pedido não nos ocorre. O momento da virada em qualquer
processo de cura dos alcoólatras ou drogados ocorre quando eles admitem sua
doença e pedem ajuda. De um modo ou de outro somos todos viciados no Samsara,
o momento em que o auxílio pode vir é aquele em que admitimos nossa dependência
e simplesmente pedimos. O que a maioria de nós precisa, quase mais do que todo
o resto, é de coragem e humildade para realmente pedir auxílio, do fundo do
nosso coração: pedir a compaixão dos seres iluminados, pedir a purificação e a
cura, pedir o poder de compreender o significado do nosso sofrimento e
transformá-lo. Num nível relativo, pedir o crescimento da claridade, paz
e discernimento em nossas vidas; e pedir a realização da natureza absoluta da
mente, que vem da fusão com a mente de sabedoria imortal do mestre. Não há
prática mais rápida, tocante ou poderosa para invocar o auxílio dos seres
iluminados ou para fazer surgir a devoção e realizar a natureza da mente do que
a prática de Guru Ioga. Dilgo Khyentse Rinpoche (1910-1991)
escreveu: "As palavras Guru Ioga significam, união com a natureza
do guru, e nesta prática recebemos métodos pelos quais podemos fundir
nossas próprias mentes com a mente iluminada do mestre. Lembre-se de que o
mestre, o guru, personifica a cristalização das bênçãos de todos os
Budhas, mestres e seres iluminados. Assim, invocá-lo (ele ou ela) é invocar
todos eles; e fundir sua mente e seu coração com a mente de sabedoria do seu
mestre é fundir sua mente com a verdade e a própria personificação da iluminação.
O mestre exterior apresenta você diretamente à verdade de seu mestre interior.
Quanto mais é revelado nos seus ensinamentos e inspiração, mais você começa a
perceber que o mestre exterior e o interior são indivisíveis. À medida que
descobre a verdade disso por si mesmo, invocando-a repetidamente na prática de Guru
Ioga, confiança, alegria, gratidão e devoção cada vez mais profundas nascem
em você, e através delas a sua mente e a mente de sabedoria do mestre tornam-se
de fato uma coisa só. Numa prática de Guru Ioga que compôs a meu pedido,
Dilgo Khyentse escreveu: O que de fato conquista a grande pureza de
percepção, é a devoção, que é a radiância de Rigpa. Reconhecer e lembrar que
meu próprio Rigpa (consciência primordial) é o mestre. Por meio disso
possam sua mente e a minha fundir-se numa só. Por isso todas as tradições
de sabedoria do Tibete deram tanta importância à prática de Guru Ioga e
todos os mestre tibetanos a consideraram sua prática preferida. Dudjom Rinpoche
(1904-1987) escreveu: É vital pôr toda sua energia no Guru Ioga,
tomando-o como a vida e o coração da prática. Se não fizer isso sua meditação
ficará muito amortecida, e mesmo que faça algum progresso, os obstáculos não
terão fim nem haverá possibilidade de nascer uma verdadeira e genuína
realização dentro da sua mente. Assim, pela oração fervorosa e imbuída de uma
devoção sem artifícios, dentro de algum tempo a bênção direta da mente de
sabedoria do mestre será transmitida, fortalecendo-o com uma realização ímpar.
Além das palavras, nascida do fundo de sua mente. O que desejo dar-lhe
agora é uma prática simples de Guru Ioga que qualquer um, não importa de
que religião ou crença, poderá fazer. Esta maravilhosa prática é a minha
prática principal, coração e inspiração de toda a minha vida, e onde quer que
eu dê o Guru Ioga é em Padmasambhava que ponho o foco. Quando o
próprio Budha estava morrendo, profetizou que Padmasambhava nasceria não
muito depois da sua morte para difundir o ensinamento dos Tantras. Foi
ele, como já disse, que estabeleceu o budismo no Tibete no oitavo século. Para
nós, tibetanos, Padmasambhava, Guru Rinpoche, personifica um princípio
cósmico e atemporal; ele é o mestre universal. Apareceu incontáveis vezes para
os mestres do Tibete e esses encontros e visões foram registrados com precisão:
data, lugar e maneira como ocorreram, juntamente com os ensinamentos e
profecias que Padmasambhava trouxe. Deixou também milhares de
ensinamentos visionários para os tempos futuros, revelados repetidamente por
muitos grandes mestres que foram emanações dele; um desses tesouros
visionários, ou termas, é o Livro Tibetano dos Mortos. Voltei-me
sempre para Padmasambhava em momentos de crise e de dificuldade, e sua
bênção e poder jamais me faltaram. Quando penso nele, todos meus mestres se
incorporam à sua figura. Para mim ele está totalmente vivo à todo momento, e a
cada instante o universo inteiro brilha com sua beleza, força e presença.
Ó
Guru Rinpoche, Ó Precioso,
Tu
és a encarnação da
Compaixão
e bênçãos de todos os Budhas,
O
protetor único dos seres.
Meu
corpo, minhas posses, meu coração e alma
Sem
hesitação eu entrego a ti!
De
agora em diante até que eu atinja a iluminação,
Na
alegria ou na tristeza, nas boas situações ou nas más, nos sucessos ou
insucessos:
Eu
confio em ti completamente. Ó
Padmasambhava, tu que me conheces: pensa em mim, inspira-me, guia-me,
faz-me um só contigo!
Considero Padmasambhava a
personificação de todos os mestres; assim, quando uno minha mente a ele na
prática de Guru Ioga, todos esses mestres estão incluídos. No entanto,
você pode usar qualquer ser iluminado, santo ou mestre de qualquer religião ou
tradição mística por quem sinta devoção, esteja ele vivo ou não. Essa prática
de Guru Ioga tem quatro fases principais: invocação; fusão da sua mente
com o mestre através do mantra, que é a essência do coração desse
mestre; recepção das bênçãos ou iniciação, e a união de sua mente com o mestre,
repousando na natureza de Rigpa. 1. Invocação. Sente-se
tranquilamente. Do fundo do seu coração, invoque no céu à sua frente a
encarnação da verdade na pessoa de seu mestre, de um santo, de um ser
iluminado. Tente visualizar o mestre ou o Budha vivo, tão radiante e
translúcido quanto um arco-íris. Acredite com total confiança que todas as
bênçãos e qualidades de sabedoria, compaixão e poder de todos os Budhas e seres
iluminados estão corporificados no seu mestre, ele ou ela. Se tem dificuldade
de visualizar o mestre, imagine essa personificação da verdade simplesmente
como um ser de luz, ou tente sentir a perfeita presença dele ou dela no céu
diante de você: a presença de todos os Budhas e mestres. Deixe que toda
inspiração, alegria e reverência que sente participem da visualização. Confie
que a presença que está invocando está de fato ali. O próprio Budha
disse: "Sempre que alguém pensar em mim, estarei diante dele". Meu
mestre Dudjom Rinpoche costumava dizer que não importa se no começo você
não conseguir fazer a visualização; o mais importante é sentir a presença no
seu coração e saber que essa presença personifica as bênçãos, a compaixão, a
energia e a sabedoria de todos os Budhas. Então, descontraído e enchendo seu
coração com a presença do mestre, invoque-o fortemente, com todo o seu coração
e a sua mente; com total confiança, peça a ele, dentro de si: "Ajude-me,
inspire-me a purificar todo meu carma e minhas emoções negativas e a
atingir a realização da verdadeira natureza de minha mente!" A seguir, com
profunda devoção, funda a sua mente com a do mestre; repouse a sua mente na
mente de sabedoria dele ou dela. E, ao fazê-lo, entregue-se completamente ao
mestre, dizendo a si mesmo alguma coisa como: "Ajude-me, agora. Tome conta
de mim. Preencha-me com sua alegria e energia, sua compaixão e sabedoria.
Acolha-me na essência amorosa da sua mente de sabedoria. Abençoe minha mente e
inspire meu entendimento". Então, como diz Dilgo Khyentse Rinpoche:
"Não há dúvida de que a bênção entrará no seu coração". Fazer
essa prática é um modo poderoso, direto e hábil de nos levar para além da nossa
mente ordinária, até o reino puro da sabedoria de Rigpa. Lá
reconhecemos, descobrimos e realmente tomamos conhecimento de que todos os
Budhas estão presentes. Assim, sentir a presença viva do Budha, de Padmasambhava,
de seu mestre, e abrir seu coração e sua mente para a personificação da
verdade, realmente abençoa e transforma a sua mente. Quando invoca o Budha, sua
própria natureza búdica se inspira a despertar e florescer de maneira
tão natural quanto uma flor ao sol. 2. Amadurecendo e aprofundando a
bênção. Quando chego a esta parte da prática, que é a fusão da minha
mente com a do mestre através do mantra, recito o mantra OM AH
HUM VAJRA GURU PADMA SIDDHI HUM (pronunciado pelos tibetanos como Om Ah Hung
Benza Guru Péma Siddhi Hung) pensando que de fato é Padmasambhava e
as bênçãos de todos os mestres em forma de som. Imagino todo meu ser sendo
preenchido por ele e à medida que recito o mantra, que é a essência de seu
coração, sinto que ele vibra e se espalha dentro de mim, como se centenas de
pequenos Padmasambhavas na forma de som circulassem dentro de mim,
transformando todo meu ser. Usando o mantra, então, ofereça seu coração
e alma com devoção fervorosa e concentrada, e misture, combine, funda sua mente
com a de Padmasambhava ou de seu mestre. Gradualmente irá se sentir
chegando mais próximo de Padmasambhava, eliminando a distância entre
você e a mente de sabedoria dele. Passo a passo, pela bênção e o poder dessa
prática, descobrirá que realmente percebe sua mente sendo transformada na mente
de sabedoria de Padmasambhava e do mestre: você começa a reconhecer a
inseparabilidade delas. Do mesmo modo que ao pôr seu dedo na água ele fica
molhado e se o puser no fogo ele se queima, se você envolver sua mente na mente
de sabedoria dos Budhas, ela se transformará na natureza de sabedoria deles. O
que ocorre é que, aos poucos, a sua mente começa a descobrir-se no estado de Rigpa,
já que a natureza essencial da mente é a mente de sabedoria de todos os
Budhas. É como se a sua mente ordinária gradualmente morresse, se dissolvesse,
e sua consciência primordial e pura, sua natureza búdica, seu mestre
interior fosse revelado. Esse é o verdadeiro significado de "bênção",
uma transformação em que sua mente transcende ao estado de absoluto. Essa
"maturação da bênção" é o coração e a parte principal da prática e,
quando praticar Guru Ioga, é a ela que você deve devotar a maior parte do
tempo. 3. Transmissão do poder. Imagine agora que do mestre
irradiam milhares de brilhantes raios de luz na sua direção e penetram em você,
trazendo-lhe purificação e cura, abençoando-o, fortalecendo-o e semeando em
você as sementes da iluminação. Para tornar a prática a mais rica e inspiradora
possível, pode imaginar que ela se desdobra nestas três fases: Primeira:
uma luz deslumbrante, de cor branca cristalina, irrompe da fronte do mestre e
entra no centro de energia na sua fronte, preenchendo todo o seu corpo. Essa
luz branca representa a bênção do corpo de todos os Budhas: ela limpa todo carma
negativo que você acumulou através de ações negativas do corpo; purifica os
canais sutis do seu sistema psicofísico; proporciona-lhe a bênção do corpo dos
Budhas; dá a você a iniciação para a prática da visualização e a abertura para
atingir a realização daquela energia compassiva de Rigpa, a natureza da
mente, que se manifesta em tudo. Segunda: uma corrente de luz
vermelha-rubi brilha na garganta do mestre e irradia até o centro de energia na
sua garganta, preenchendo todo o seu corpo. Essa luz vermelha representa a
bênção da fala de todos os Budhas: ela limpa todo o carma negativo que
você acumulou através da fala prejudicial e nociva; purifica o ar interno do
seu sistema psicofísico; proporciona-lhe a bênção da fala dos Budhas; dá a você
a iniciação para a prática do mantra e a abertura para atingir a
realização da radiância da natureza de Rigpa. Terceira: uma
corrente de luz azul cintilante, da cor de lápis-lazúli, irradia do coração do
mestre para o centro de energia (do seu coração, preenchendo todo seu corpo.
Essa luz azul representa a bênção da mente dos Budhas: ela limpa todo o carma
negativo que você acumulou com a atividade negativa de sua mente; purifica a
essência criativa, ou energia, dentro do seu sistema psicofísico;
proporciona-lhe a bênção da mente dos Budhas; dá a você a iniciação para as
práticas avançadas de ioga e a abertura para a realização da pureza
primordial da essência de Rigpa. Saiba e sinta que, pela bênção, você
agora recebeu a transmissão do poder do corpo, fala e mente indestrutíveis de Padmasambhava
e de todos os Budhas. 4. Repousando em Rigpa. Agora deixe o
mestre dissolver-se em luz e tornar-se um só com você, na natureza da sua
mente. Reconheça sem qualquer dúvida que a natureza da sua mente, que é como a
do céu, é o mestre absoluto. Onde mais poderiam todos os seres iluminados estar
senão em Rigpa, a natureza da sua mente? Seguro nessa realização, num
estado de tranquilidade ampla e despreocupada, você repousa no calor, na glória
e na bênção de sua natureza absoluta. Chegou agora ao solo original, a base: a
pureza primeria da simplicidade natural. Enquanto repousa nesse estado de Rigpa,
você reconhece a verdade das palavras de Padmasambhava: "A própria
mente é Padmasambhava; não há prática ou meditação fora disso". Dei
esta prática aqui como parte do bardo natural desta vida, porque essa é
a prática mais importante na vida e, assim, a mais importante no momento da
morte. O Guru Ioga, como se verá no capítulo 13 "Ajuda Espiritual
aos que Estão Morrendo" é a base da prática de P’howa, a
transferência de consciência no momento da morte. Porque se no momento da morte
você puder, de modo confiante, unir sua mente com a mente de sabedoria do
mestre e morrer nessa paz, então eu prometo e lhe asseguro: tudo estará bem.
Assim, nossa tarefa na vida consiste em praticar essa fusão com a mente de
sabedoria do mestre, muitas e muitas vezes, de tal forma que ela se torne tão
natural que cada atividade: sentar, caminhar, comer, beber, dormir, sonhar e
despertar; comece a ficar mais e mais impregnada da presença viva do mestre.
Lentamente, através de anos de devoção concentrada, você começa a saber e a
atingir a realização de que todas as aparências são a manifestação da sabedoria
do mestre. Todas as situações na vida, até aquelas que uma vez pareceram
trágicas, sem significado ou aterrorizantes, revelam-se, de modo cada vez mais
transparente, como sendo o ensinamento direto e a bênção do mestre, e o mestre
interior. Como diz Dilgo Khyentse Rinpoche: A devoção é a essência do
caminho, e se não temos em mente nada além do guru, e nada sentimos
senão fervorosa devoção, o que quer que aconteça é percebido como sua bênção.
Se praticamos com simplicidade e com essa devoção sempre presente, isso é a
própria oração. Quando todos os pensamentos estão imbuídos de devoção ao
guru, há uma confiança natural que nos diz que isso cuidará de tudo o que
aconteça. Todas as formas são o guru, todos os sons são orações, todos os
pensamentos, grosseiros ou sutis, surgem como devoção. Tudo é espontaneamente
liberado na natureza absoluta, como laços desatados no céu. Livro Titebano do
Viver e do Morrer. Sogyal Rinpoche (1947-
). Abraço. Davi.
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