Judaísmo. www.morasha.com.br.
MATSÁ – O PÃO DA FÉ E DA LIBERDADE. A matsá, símbolo maior de Pessach,
incorpora a própria essência do Êxodo - é o pão da pobreza e da escravidão.
Mas, por mais contraditório que possa parecer, é também o pão da liberdade e da
redenção. É tão fundamental à celebração da festividade que a Torá se refere à
data como Chag HaMatsot, a "Festa das Matsot". Todo o Seder
praticamente gira em volta de três matsot, que são exibidas ao se iniciar a
narrativa da Hagadá, com a declaração, "Ha-Lachmá Anyá, "Este é o pão
da pobreza que nossos antepassados comeram na terra do Egito. Todas as noites
comemos chamets ou matsá; mas, nesta noite, somente matsá". No judaísmo,
tudo tem uma razão de ser, especialmente na noite do Seder, quando cada ato é
repleto de inúmeros simbolismos. É nessa noite que relembramos e ensinamos a
nossos filhos, como D'us nos transformou, tão rapidamente, de escravos -
empobrecidos, material e espiritualmente - em uma nação de homens livres,
prestes a iniciar sua jornada a caminho do Sinai. A matsá, pão ázimo em
português, pão simples feito apenas de farinha e água, assado antes que a massa
fermente, representa essa jornada. E, segundo a Cabalá, representa a fé de
nossos ancestrais. A Matsá em contraposição ao chamets. Comer matsá em
Pessach é um mandamento bíblico. Mais do que ordenar que só comêssemos desse
pão ázimo durante os oito dias da festividade, D'us nos proibiu terminantemente
de comer ou sequer ter em nossa posse a mais ínfima partícula de chamets.
Frequentemente traduzido por fermento e levedura, este termo engloba, na
realidade, qualquer alimento produzido com alguma das cinco espécies de cereais
- trigo, cevada, centeio, aveia e trigo sarraceno - ou qualquer de seus
derivados que tenha entrado em contato com água, pois isso desencadearia o
processo de fermentação. A Torá ordena que, antes do início de Pessach, nos
desfaçamos de tudo o que é chamets em nossa propriedade, em virtude da
proibição de usufruir ou tirar proveito do mesmo. Uma busca rigorosa é feita em
nossos lares para eliminar qualquer vestígio dos alimentos proibidos. O pão é o
alimento mais básico da espécie humana e a matsá, o mais básico dos pães, feito
como vimos, com um mínimo de ingredientes. Qual é diferença entre estes dois
alimentos? Não são os ingredientes, pois ambos são feitos com farinha e água. A
resposta é o tempo, mais especificamente, 18 minutos. Todo o ciclo de produção
da matsá, desde o instante em que se mistura farinha e água, até estar
completamente assada, deve levar, no máximo, 18 minutos. Se passar disso, o
alimento é considerado chamets, pois se terá iniciado o processo natural de
fermentação. Microrganismos encontrados no ar - as leveduras - invadem a
mistura, metabolizando os açúcares e liberando um gás responsável pelo volume,
gosto e textura da massa. Foram os egípcios, há cerca de 4 mil anos, os
primeiros a descobrir esta propriedade: deixando-se descansar uma mistura de
água e farinha por algum tempo, a mesma "cresce". O pão egípcio tinha
o inconveniente de levar mais tempo para ser produzido, mas era macio e
saboroso, bastante parecido com o que estamos acostumados a comer, hoje. Assim
sendo, a primeira lição que a matsá nos ensina é a noção de tempo. Meros 18
minutos determinam se a massa poderá ser utilizada em Pessach, ou não. E, como
ensinava o Rebe de Lubavitch (1902-1994), tempo é vida. Em hebraico, o número
18 equivale, numericamente, à palavra "chai" - vida. Isto pode ser
interpretado da seguinte maneira: quando desperdiçamos nosso tempo, usando-o de
forma negativa ou mesmo improdutiva, estamos permitindo que a ação positiva que
a matsá simboliza se torne o que o chamets simboliza em Pessach - um desvio de
caminho. E, similarmente ao chamets, que nunca poderá voltar a ser matsá, o
tempo perdido também é irrecuperável, não volta jamais. A produção de matsot é
um processo meticuloso, que incorpora em si várias lições. Uma diz respeito ao
fato de que nenhum "elemento" externo pode definir o formato de uma
matsá - contrariamente ao que ocorre com o pão, cuja forma e textura são
definidas pela "invasão" de micro organismos. E tal invasão independe
da vontade de quem o está fabricando, pois se a massa ficar parada ou se o
processo levar mais do que 18 minutos, os levedos passam a agir. A Cabalá traça
um paralelo entre a invasão e ação da levedura sobre a massa e a
"intrusão" de forças espirituais negativas em nosso "eu"
espiritual, a essência de nossa vida interior. Todo ser humano, ensina o Zohar,
anseia imbuir sua existência de sentido, mas a realidade física em sua volta,
bem como medos e desejos, interferem em sua percepção. Ao nos invadirem,
freqüentemente contra nossa vontade, tais elementos estranhos modificam
pensamentos e atitudes, fazendo com que trilhemos por caminhos que nos afastam
de D'us. Segundo a Cabalá, a matsá representa o homem em controle de suas
emoções, que não permite a elementos externos influir em seus atos. À pergunta
"por que em Pessach é proibido comer ou mesmo estar de posse do
chamets", o Talmud responde com outra pergunta, que, à primeira vista,
nada tem com o assunto: por que as pessoas pecam? E responde que o homem vive
em constante luta com sua natural inclinação ao mal e, se perde esta batalha,
ele peca. O Talmud então sugere que quem cometer um pecado, faça a seguinte
declaração: "D'us do Universo. Tu, Onisciente, que tudo conheces, sabes
que é nosso desejo fazer Tua Vontade. Mas o que nos impede de fazê-lo? É
justamente o fermento da massa". O chamets representa o impulso negativo,
a inclinação ao mal que leva os homens a se afastar de D'us e de Seus
mandamentos. Para nossos Sábios, a matsá representa a humildade enquanto a
levedura o orgulho e a arrogância, que, se não forem controlados e direcionados
para algo positivo, podem levar uma pessoa a inflar seu próprio ego de tal
forma a não mais reconhecer a Mão de D'us em sua vida. Pão da aflição e da
redenção. Ao iniciar o Seder, relembramos, geração após geração, de que
"Fomos escravos do Faraó no Egito e D'us nos tirou de lá, com Mão forte e
com Braço estendido". Rashi explica que a Torá chama a matsá do 'lechem
oni', o pão da aflição, por ser o que nos faz relembrar da escravidão. Já Rabi
Yehudah ben Yakar (1173-1201) afirmava que posta na mesa do Seder a matsá
representa o 'lechem ani', o pão dos pobres, o alimento que nossos antepassados
comiam no Egito. Ao menos durante a primeira parte da leitura da Hagadá, a
matsá é o pão da escravidão e da pobreza. Porém, mais adiante, aparece de uma
forma totalmente diferente. Após ler a afirmação de que é um dos três símbolos
que constituem a essência do Êxodo, quem conduz o Seder, mostra uma das matsot
postas na mesa, e recita as palavras "Matsá zô - esta matsá que comemos -
qual a sua razão? Por não ter havido tempo para que a massa de nossos
antepassados levedasse antes que o Rei dos Reis, o Santo, Bendito Seja, Se
revelasse perante eles para redimi-los". Nesta passagem, a matsá
representa a Redenção dos Filhos de Israel pelo Todo Poderoso; uma redenção que
ocorreu de forma tão rápida que os judeus não tiveram tempo de esperar que
fermentasse a massa do alimento que levariam em sua jornada. E continua o
relato: "... E assaram a massa em pães ázimos, não levedados, pois foram
expulsos do Egito e não mais puderam deter-se, nem tampouco haviam preparado
provisões para o caminho..." Os conceitos expostos na Hagadá parecem,
contraditórios. Afinal, a matsá é símbolo de miséria e escravidão ou de
redenção e liberdade? Segundo Rabi Raphael S. Hirsch (1808-1888), em seus
comentários, é o "pão da aflição", o alimento dos escravos, pessoas
totalmente dependentes, cujo tempo não lhes pertence. No Egito, os judeus se
alimentavam de pão ázimo porque seus opressores lhes negavam até o tempo
necessário para fazer um pão fermentado. De acordo com o Rabi Hirsch, até na
hora de Redenção, os Filhos de Israel continuavam dependentes. Num primeiro
momento, eram submissos aos egípcios. Mas, estes, apavorados pela última praga
que se abatera sobre eles, queriam os judeus fora de seu país sem mais
delongas. A partir daí, os judeus se tornaram dependentes de D'us, que os tomou
como Sua nação e fez deles Seus eternos servos. Rabino Hirsch explica que comer
matsot em Pessach é como se nos estivéssemos dedicando, ano após ano, à nossa
missão eterna de servir a D'us. O Maharal de Praga, Rabi Yehudah Lowe
(1520-1609), o criador do Golem, tem outra interpretação. Segundo ele, a matsá
é o pão da Redenção, não da aflição. A súbita saída dos judeus do Egito nos
ensina que esta não aconteceu graças a uma ação nossa. Foi D'us, que com
"Mão forte e Braço estendido" nos resgatou da terra da escravidão,
libertando-nos dos grilhões egípcios. O símbolo dessa Redenção apressada e
instantânea é a matsá que assamos rapidamente. Ainda segundo o Maharal, quando
a Torá se refere a esta como o "pão de pobreza", está subentendido
que é o pão da simplicidade. Pois, como explica o sábio, enquanto o mundo
físico é um mundo caracterizado pela complexidade, no qual os elementos se
conectam e interdependem entre si, o mundo espiritual é caracterizado pela
simplicidade e independência. Redenção e liberdade são o resultado da conexão
do homem com o mundo espiritual. E por essa razão D'us nos ordenou comer matsá
no Seder de Pessach. Ainda no Egito os judeus puderam provar o gosto da
iminente liberdade e redenção, assando o pão simples, alimento espiritual não
sujeito às restrições e limitações do mundo físico. Para o Maharal, a matsá
significa a liberdade que o homem alcança ao se conectar com D'us. A
natureza de nossa libertação Como vimos, a matsá serve de lembrança da
natureza de nossa Redenção: a mudança, súbita e drástica, que D'us realizou em
nossas vidas, o processo que transformou escravos em homens livres. Quando
chegou a hora da libertação, para aqueles escravos oprimidos foi difícil
compreender em toda a sua profundeza aquele evento sem precedentes na História
humana, no qual eram protagonistas passivos. Mais difícil ainda entender o
papel para o qual Ele os escolhera. Tudo que tinham era fé em D'us - uma fé que
perseverara através do longo e amargo exílio. E, na véspera de Pessach, D'us a
reacendeu revelando, de forma extraordinária e única, o Seu poder e a Sua
verdade - libertando os hebreus da escravidão física e espiritual em que se
encontravam. Segundo a Cabalá, a matsá é o "pão de fé", já que
representa o estado espiritual do Povo judeu no momento do Êxodo. O profeta
Jeremias descreve esse momento com as palavras "Assim diz D'us: Lembro-me
de seu amor jovem, sua devoção nupcial, a Me seguir deserto afora, para uma
terra estéril, não cultivada". Foi esta fé, unicamente, o que nos tirou do
Egito e nos conduziu até o Sinai. A matsá não é, portanto, um alimento
insípido, tem o sabor da fé e da liberdade. www.morasha.com.br.
Abraço. Davi
Bibliografia:
The Haggadah Treasury - The Artscroll Mesorah Series, Editado por Rabi
Nosson Scherman. Rabi Yitzchak Falk, Matzah: Bread of Affliction or Redemption?
Yeshivat Hamivtar - Orot Lev. Rabbi Nathan Lopes Cardozo, To be a matza, Jewish
World Review, April 2004. Rabi Mendel Weinbach, The Matza Message, março 2004
,Ohr Somayach. Timeless Patterns In Time, Chassidic Insights Into The Cycle Of
The Jewish Year Adapted from the Published Talks of the Lubavitcher Rebbe
Nenhum comentário:
Postar um comentário