Espiritismo.
www.espirito.org.br. Texto de Allan
Kardec (1804-1869). Livro O Céu e o Inferno. QUADRO DO INFERNO CRISTÃO. 11. As
opiniões dos teólogos podem ser resumidas pelas citações que seguem. (Tiradas
de O Inferno, de Pierre Augusto Callet (1812-1883) Esta descrição, tirada de
autores sagrados e da vida de santos, pode ser considerada como a expressão da
fé ortodoxa sobre o assunto, já que é sempre reproduzida, com algumas
variações, nos sermões, nas igrejas e nas instruções pastorais. 12. “Os
demônios são puros Espíritos e os condenados podem também ser considerados como
puros Espíritos, já que apenas a alma desce ao inferno. O corpo torna-se poeira
e se transforma continuamente em ervas, plantas, frutos, minerais, líquidos,
sofrendo, sem saber, as contínuas metamorfoses da matéria. Mas os condenados,
como os santos, devem ressuscitar no último dia e retomar, para sempre, o mesmo
corpo carnal com que eram conhecidos, enquanto vivos. Serão diferenciados uns
dos outros, porque os eleitos ressuscitarão, com um corpo purificado e
radiante, e os condenados, com um corpo sujo e deformado pelo pecado. Então,
não haverá mais puros Espíritos, no inferno, e sim homens como nós. O inferno
é, por consequência, um lugar físico, geográfico, material, já que será povoado
por criaturas terrestres, com pés, mãos, boca, língua, dentes, orelhas, olhos,
semelhantes aos nossos, sangue nas veias e nervos sensíveis à dor. “Onde está
situado o inferno? Alguns doutores o colocaram nas entranhas de nossa terra;
outros, em não se sabe qual planeta. É uma questão não decidida em nenhum
concílio. Neste ponto, têm-se apenas conjecturas. A única coisa que se afirma,
é que o inferno, esteja onde estiver, é um mundo formado por elementos
materiais, mas sem sol, sem uma, sem estrelas. Mais triste, menos hospitaleiro,
mais desprovido de qualquer gérmen ou aparência de bem do que as piores regiões
deste mundo onde pecamos. “Os teólogos circunspectos – como os egípcios, hindus
e gregos – não se aventuram a pintar todos os horrores deste lugar e se limitam
a mostrá-lo, como um exemplo do pouco que a Escritura revela: os lagos de
enxofre do Apocalipse, os vermes formigantes de Isaías sobre os cadáveres de
Tofel e os demônios atormentando os homens que se perderam, e os homens
chorando e rangendo os dentes, segundo a expressão dos evangelistas. “Santo
Agostinho não concorda que essas penas físicas sejam simples imagens das penas
morais. Vê, em um verdadeiro lago de enxofre, vermes e serpentes verdadeiras
presos furiosamente sobre todas as partes do corpo dos condenados,
acrescentando umas feridas às provocadas pelo fogo. Com base em um versículo de
São Marcos, ele afirma que este fogo estranho, embora material como o nosso,
agindo sobre os corpos materiais, os conservará, como o sal conserva a carne
das vítimas. Mas os condenados sentirão a dor desse fogo, que queima sem
destruir, que lhes penetrará na pele, impregnará e saturará seus membros, seus
ossos, as pupilas de seus olhos e as fibras mais sensíveis de seus corpos. Se
pudessem mergulhar na cratera de um vulcão, encontrariam um lugar mais fresco e
mais repousante. “Assim falam os teólogos mais tímidos, mais discretos, mais
reservados. Não negam que haja no inferno outros suplícios corporais, mas
alegam não terem conhecimento tão suficiente, como o têm sobre os suplícios do
fogo e dos vermes, para falarem sobre eles. Há, entretanto, teólogos mais
ousados ou mais esclarecidos que fazem descrições mais detalhadas, variadas e
completas sobre o inferno. Embora não se saiba em que lugar do espaço está
situado, há santos, como Santa Teresa, que o viram. Não foram para lá, com a
lira nas mãos, como Orfeu, com a espada, como Ulisses, e sim foram
transportados em Espírito. “Segundo o relato de Santa Teresa, parecia existirem
cidades no inferno. Ela viu pelo menos uma ruela, longa e estreita, como existe
nas cidades medievais, pela qual caminhou com horror, sobre um terreno lodoso e
fétido, cheio de répteis monstruosos. Mas foi detida por uma muralha que lhe
serviu como um inexplicável abrigo. Seria, disse ela, o lugar que lhe seria
destinado, caso abusasse, enquanto viva, das graças com que Deus a cobria em
sua cela em Ávila. Embora tivesse entrado com muita facilidade nesse nicho de
pedra, não conseguia sentar-se nem deitar. Nem ao menos manter-se em pé ou
sair. As paredes a envolviam, a apertavam, como se estivessem vivas. Parecia
que a sufocavam, a estrangulavam e, ao mesmo tempo, a esfolavam, a cortavam em
pedaços. Sentia-se queimar e experimentava todos os tipos de angústia. Sem
nenhuma esperança de socorro, tudo eram trevas à sua volta. Entretanto, através
das trevas, ela podia perceber, apavorada, a terrível rua em que estava e toda
a imunda redondeza, uma visão tão insuportável como os apertos de sua prisão.
“Era, sem dúvida, um pequeno pedaço do inferno. Outros viajantes espirituais
foram mais favorecidos. Viram no fogo do inferno grandes cidades, como
Babilônia e Nínive e mesmo Roma, com seus palácios e templos em brasas e todos
os habitantes acorrentados. Os negociantes em seu balcão, padres reunidos em
festas com cortesãos, urrando, presos sem poder sair de suas cadeiras, levando
ao lábio taças flamejantes. E criados de joelhos, com os braços estendidos,
dentro de cloacas ferventes e príncipes em cujas mãos escorria lava de ouro
derretido. Outros viram no inferno planícies sem limites e fumegantes, cavadas
e semeadas com sementes estéreis, por agricultores famintos. Como nada crescia,
esses camponeses se comiam, uns aos outros, mas continuavam tão numerosos
quanto antes, tão magros e esfomeados, que se dispersavam em bandos, indo
procurar, inutilmente, terras melhores. Outras colônias de condenados errantes
os substituíam imediatamente, nos campos que abandonavam. Outros viram ainda no
inferno montanhas cheias de precipícios, fontes de lágrimas, ribeirões de
sangue, rodamoinhos de neve em desertos de gelo, barcos de desesperados,
vagando em mares sem praias. Resumindo, viram tudo o que os pagãos viam: um
reflexo da terra, uma sombra incomensurável de suas misérias, seus sofrimentos
naturais eternizados e até cárceres, forcas e instrumentos de tortura forjados
por nossas próprias mãos. “De fato, há demônios que, para melhor atormentar os
homens, tomam seus corpos. Têm asas de morcego, couraças de escamas, patas com
garras, mostram-se armados com espadas, garfos, pinças, tenazes ardentes,
foles, grelhas, executando eternamente a tarefa de cozinheiros e açougueiros da
carne humana. Transformados em leões ou enormes víboras, arrastam suas presas
para cavernas solitárias. Alguns se transformam em corvos, para arrancar os
olhos de certos culpados, outros, em dragões voadores, para carregá-los sobre
as costas, arrebentados e sangrando, aos gritos, através de espaços tenebrosos,
e depois jogá-los no lago de enxofre. Há nuvens de gafanhotos, escorpiões
gigantes, cuja visão produz arrepios, cujo odor dá náuseas e o menor contato dá
convulsões. Há monstros de várias cabeças, que abrem suas goelas vorazes, chacoalhando
suas crinas de víboras venenosas, esmagam os reprovados, com suas mandíbulas
ensanguentadas, e os vomitam, mastigados, mas vivos, porque são imortais. “Não
são um acaso estes demônios, com formas sensíveis, que lembram visivelmente os
deuses do Amenti e do Tártaro, e os ídolos adorados pelos fenícios, moabitas e
outros gentios, vizinhos da Judeia. Cada um tem sua função e seu trabalho. O
mal que eles fazem no inferno corresponde ao mal que induziram na Terra. Os
condenados são punidos em todos os sentidos e órgãos, pelos quais ofenderam a
Deus. Punidos de uma forma, como gulosos, pelos demônios da gula, de outra
forma, como preguiçosos, pelos demônios da preguiça, e, ainda, como
fornicadores pelos demônios da fornicação. Enfim, punidos de tantas maneiras
quantas são as formas de pecar. Sentirão frio, estando queimando, e calor,
estando gelados. Desejarão eternamente repouso e movimento, sempre esfomeados e
alterados, e mil vezes mais cansados do que um escravo no fim do dia, mais
doentes que os moribundos, mais alquebrados e cobertos de chagas que os
mártires. “Nenhum demônio recusa – e jamais recusará – sua odiosa tarefa. Todos
são bem disciplinados e fiéis à execução das ordens de vingança que receberam.
Se não fosse assim, o que seria do inferno? Os pacientes repousariam se os
carrascos discutissem ou relaxassem. Mas não há qualquer repouso para uns nem
qualquer discussão entre outros. Por mais maldosos e numerosos que sejam os
demônios – estão de um lado a outro do abismo – jamais se viram sobre a Terra
nações tão dóceis a seus príncipes, armadas tão obedientes a seus chefes,
comunidades monásticas mais humildemente submissas a seus superiores. “Quase
nada se conhece sobre essa ralé de demônios, esses vis Espíritos que formam a
legião de vampiros, sapos, escorpiões, corvos, hidras, salamandras e outras
bestas sem nome, que compõem a fauna das regiões infernais. Mas se conhecem os
nomes de diversos príncipes que as comandam: entre outros, Belfegor, o demônio
da luxúria; Abadon ou Apolion, o demônio do assassinato; Belzebu, o demônio dos
desejos impuros ou das moscas que engendram as corrupções; Mamon, da avareza;
Maloc, Belial, Baalgad, Astarot e tantos outros, e acima de todos, o chefe
universal, o sombrio arcanjo que no céu se chamava Lúcifer e, no inferno,
Satanás. “Eis, em síntese, a ideia que nos dão sobre o inferno do ponto de
vista de sua natureza e de suas penas físicas. Abram os escritos dos padres e
dos antigos doutores, consultem as legendas religiosas, olhem as esculturas e
pinturas de nossas Igrejas, prestem atenção ao que se diz nos púlpitos, e vocês
saberão mais sobre essa questão”. 13. O autor ainda faz algumas reflexões sobre
o quadro: “A ressurreição dos corpos é um milagre, mas Deus faz um segundo
milagre, ao dar a esses corpos mortais, já desgastados pelas provas da vida, já
diminuídos, a virtude de sobreviver, sem se desmanchar, em uma fornalha na qual
até metais evaporariam. Pode-se compreender que se diga que a alma é seu
próprio carrasco, que Deus não a persegue, que a abandona no estado infeliz que
escolheu, embora o abandono eterno de um ser desgarrado e sofredor pareça pouco
de acordo com a vontade de Deus. Mas não se pode dizer o mesmo da alma e das
penas espirituais e do corpo e das penas corporais. Para perpetuar as penas corporais,
não basta que Deus se ausente. Ao contrário, é preciso que Ele se mostre, que
intervenha, que aja, sem o que o corpo sucumbiria. “Os teólogos supõem, então,
que Deus age, depois da ressurreição, este segundo milagre de que falamos. De
início, Ele tira nossos corpos dos sepulcros que os devoravam. E os retira no
estado em que entraram: com suas enfermidades originais, as degradações da
doença e do vício. Devolve-os em estado decrépito, friorentos, gotosos, cheios
de necessidades, sensíveis a uma picada de abelha, cobertos de marcas da vida e
da morte – este é o primeiro milagre. Depois, dá a esses corpos medíocres,
prontos para retornar ao pó de onde saíram, uma propriedade que nunca tiveram:
a imortalidade, esse dom que em Sua cólera, ou antes, em Sua misericórdia,
havia tirado de Adão, ao sair do Éden – este é o segundo milagre. Adão,
imortal, era invulnerável. Tornando-se mortal, passou a ser vulnerável: a morte
acompanhada pela dor. “A ressurreição não nos restabelece, então, nem nas
condições físicas de inocente nem de culpado. É uma ressurreição apenas de
nossas misérias, com uma sobrecarga de novas misérias, infinitamente piores. É,
em parte, uma verdadeira – e a mais maliciosa – criação que a imaginação já
ousou conceber. Deus muda de ideia e para juntar eternos tormentos carnais aos
tormentos espirituais dos pecadores, por um golpe de poder, muda as leis e
propriedades da matéria, por Ele criadas, desde o início. Ressuscita carnes
doentes e corrompidas, junta em um nó indestrutível os elementos que tendem a
se separar por si mesmos, mantém e perpetua, contra a ordem natural, essa
podridão viva. Joga-a no fogo, não para purificá-la, mas para perpetuá-la e
torná-la imortal, da maneira como é: sensível, sofredora, ardente, horrível.
“Por esse milagre, faz-se de Deus um dos carrascos do inferno, porque se os
condenados só podem atribuir a si mesmo seus males espirituais, por outro lado,
só podem atribuir a Ele os outros males. Era muito pouco, aparentemente,
abandoná-los, após a morte, à tristeza, ao arrependimento e a todas as
angústias de uma alma, que sente ter perdido o bem supremo. Segundo os
teólogos, Deus irá procurá-los nessa noite, no fundo do abismo, chamando-os
momentaneamente para a vida, não para consolá-los, mas para revesti-los de um corpo
horrível, imortal, mais empesteado que o manto de Dejanira, e então
abandoná-los para sempre. “Na verdade, Deus não os abandonará, já que o
inferno, o Céu e a Terra dependem de um ato de Sua vontade para existir e
desapareceriam se não fossem por Ele sustentados. Assim, Deus terá em Suas mãos
estes condenados, para impedir que o fogo se apague e que seus corpos parem de
se consumir. Quer que estes infelizes imortais contribuam, com a perenidade de
seu suplício, para a edificação dos eleitos”. 14. Dissemos, com razão, que o
inferno dos cristãos vai além do inferno dos pagãos. No Tártaro, veem-se os
culpados torturados pelo remorso, diante de seus crimes e de suas vítimas,
oprimidos por aqueles que oprimiram, durante a vida. Vê-se que fogem da luz que
os penetra e procuram em vão escapar dos olhares que os perseguem. O orgulho é
rebaixado e humilhado. Todos trazem os estigmas de seu passado. Todos são
julgados por seus próprios erros, a tal ponto que, para alguns, não seria
necessário nenhum castigo, bastaria livrarem-se deles mesmos. Mas todos são
sombras, isto é, almas com seus corpos fluídicos, imagem da existência
terrestre. Não se vê homens retomarem seu corpo carnal, para sofrer
materialmente, nem o fogo penetrar-lhes a pele e saturá-los, até moer-lhe os
ossos. Não se vê o requinte nem o refinamento dos suplícios, que são a base do
inferno cristão. No inferno pagão, há juízes inflexíveis, mas justos, que dão a
pena proporcional ao erro, enquanto que no império de Satanás, todos se
confundem, sob a mesma tortura, tudo se baseia na materialidade e não existe
critério de justiça. É verdade que existem hoje na Igreja alguns homens de bom
senso que não admitem essas coisas ao pé da letra, mas como alegorias que devem
ser interpretadas. Mas são apenas opiniões individuais e não a lei. Portanto, a
crença no inferno material, com todas as suas consequências, continua sendo um
artigo de fé. 15. Pergunta-se como podem homens, em êxtase, enxergar coisas que
não existem. Não cabe aqui explicar a fonte das imagens fantásticas,
aparentemente reais, que às vezes se produzem. Diremos apenas que é necessário
reconhecer que o êxtase é a menos segura fonte de revelação, porque este estado
de super excitação nem sempre é um afastamento da alma, tão completo como se
pode acreditar. Muitas vezes, é o reflexo de preocupações anteriores. As ideias
que nutrem o Espírito cujas imagens são retidas pelo cérebro, ou melhor, pelo
invólucro perispiritual, se reproduzem ampliadas, como em uma miragem, com
formas vaporosas, que se cruzam e se confundem, e compõem conjuntos estranhos.
Aqueles que entram em êxtase, em todos os cultos, sempre viram coisas
relacionadas à sua própria fé. Não surpreende, pois, que aqueles, como Santa
Teresa, fortemente imbuídos das ideias de inferno, formadas a partir de
descrições verbais ou de pinturas, tenham visões, que são a reprodução dessas
ideias, com efeito de um pesadelo. Um pagão, cheio de fé, teria antes visto o
Tártaro e as Fúrias, ou Júpiter, no Olimpo, empunhando o raio. Livro O Céu e o
Inferno. www.espirito.org.br. Abraço.
Davi
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