terça-feira, 5 de maio de 2020

A UNÇÃO


Editor do mosaico. A UNÇÃO. Tecerei alguns comentários baseados em dois textos bíblicos correlatos, que estão I João 2:20 "E vós tendes a unção do Santo, e sabeis todas as coisas". e versículo 27 do mesmo capítulo "E a unção que vós recebestes dele, fica em vós, e não tendes necessidade que alguém vos ensine; mas como a sua unção vos ensina todas as coisas, e é verdadeira, e não é mentira, como ela vos ensinou, assim nele permanecereis". Brenann Manning (1934-2013) é um autor cristão americano que causa forte impressão em seus leitores. Sua história se identifica com o catolicismo, já que por muitos anos serviu a ordem dos frades menores, franciscanos, cumprindo os votos de pobreza, castidade e fidelidade a igreja. Em seus livros conta importantes episódios relacionados a seu período no catolicismo, experiências marcantes que fizeram crescer sua espiritualidade, acentuando o misticismo individual. Lembro-me, que num de seus escritos relatou uma situação em que esteve, por um período, morando entre os pobres numa cidade da América Central. Através de cartas à amigos nos USA, conseguia comprometimentos à donativos a essa comunidade. Um fato interessante ocorreu, dias antes dele despedir-se da coletividade, um de seus amigos enviou um cheque à uma das famílias com uma quantia razoável. Esse que recebeu a quantia, descontou o cheque, comprou e distribuindo alimentos, roupas e utensílios de pequena necessidade à toda comunidade. Antes de tornar-se franciscano serviu a US Mariner Special force, e por um descuido não foi enviado ao Vietnã, acabou perdendo o voo que transportaria os soldados para a guerra. Dias depois vencia seu prazo na Marinha dando baixa da corporação. Brennan tinha uma amiga com quem se correspondia a anos; os dois acabaram apaixonando-se e decidiram que se casariam. Como ainda estava debaixo dos votos da Ordem, pediu ao seu eclesiástico superior autorização para contrair núpcias. Isso era realmente impossível, pois se ele quisesse assumir esse compromisso deveria desligar-se da igreja. O celibato é condição imprescindível à desenvolver a vida pastoral e clerical. Desse modo espontaneamente foi desligado da ordem franciscana recebendo a carta de exclusão do sacerdócio e meses depois oficializou seu matrimônio. Um fato que Brennan não esconde de seu leitores, era seu vício com a bebida. Por anos foi alcoólatra, mesmo exercendo a vida religiosa, sendo que no catolicismo, seus superiores, tiveram compreensão de sua fraqueza com esperança que se libertaria com o tempo. Como tinha uma ótima retórica e fundamentação teológica, além de filosófica, agora como leigo, era constantemente convidado para fazer conferências e palestras evangelísticas. Isso no meio católico e também protestante, mas com o tempo as dioceses o proibiram que ministrar nas paróquias e eventos católicos. Seu casamento durou pouco, pois como se agravava sua condição de alcoólatra era uma situação dificílima para sua esposa suportar com resignação tal estado de entorpecimento produzido pela bebida. Foi tremendamente penoso pra ele o divórcio; nutria uma forte impressão pela família, desejando a felicidade em seu lar com muitos filhos; que não se realizou. Algo que o ajudou muito nesse período da incontinência com a bebida, foi fazer parte do grupo dos alcoólatras anônimos. Com esse grupo e com outros, Brenann, elaborava palestras motivacionais e testemunho de como enfrentavam o alcoolismo e outras questões. Já no início dos anos 80 reunia grupos de homo afetivos em congresso, ministrando-lhes o amor de Cristo numa mensagem de tolerância, compreensão e integração social. Mostrando-lhes que Deus os amava como eram, e sua sexualidade podia ser desenvolvida sem culpa ou pecado, desde que, se comprometessem com seu parceiro num amor mútuo, afinidade e cumplicidade no relacionamento. Isso escandalizava os líderes cristãos da época. Num de seus livros O Evangelho Maltrapilho, Brenann, fala que as prostitutas estão no céu junto com todos os filhos de Deus. Uma referência ao famoso escritor russo Fiodor Dostoievsky (1821-1881) que com a personagem Sonia Marmeladov da obra Crime e Castigo, cujo primeiro nome significa sabedoria, tipificou a prostituta, não só para ilustrar a misericórdia divina com relação a mulher "caída", mas para ter dela sua própria salvação através da extravagante graça divina. Esse irmão em Cristo, morreu em abril de 2013 com 81 anos. Sua velhice foi bastante complicada em termos de saúde, já que adquirindo uma doença rara perdeu a visão, tinha dificuldade em se locomover, sendo carregado nos deslocamentos básicos como tomar banho, deitar-se e levantar-se. Se alimentava com auxílio de um enfermeiro. Muitos desses fatos estão relatados em seus livros, tendo muita coragem e confiando na graça divina para expor suas fraquezas ao público; coisa que já vi, mas em pouquíssimos escritores. Assim, em seus últimos dias viveu praticamente amparado, sendo guardado e sustentado pela graça divina da qual ele tanto fala em seus vários livros publicados; pelo seu testemunho pessoal nunca se afastando dela. Um exemplo, a graça divina, a ser seguido por nós. E quanto ao alcoolismo, ele se curou, talvez alguns de vocês estejam se perguntando? Bem, quanto a isso não tenho resposta. O Brennan tem um interessante livro com o título Deus o Ama do Jeito que Você É. Também O Impostor que Morra em Mim e O Obstinado Amor de Deus são outros excelentes livros. Infelizmente por tentar ser uma pessoa autêntica, procurando em suas palavras e atos ser genuíno, esse irmão foi muito criticado pela liderança cristã em seu país e seus livros ainda hoje são visto com reservas pelos ortodoxos e dogmáticos da teologia. Os que leem sua obra se apaixonam por saber que alguns confiando na graça divina, vivem a vida com intensidade dando frutos dignos de arrependimento. As vezes ficamos pensamos, mas porque sofremos? Sendo esse sofrimento causado pelos nossos pecados e outros fatores, o que devemos fazer para nos livrar dessa situação? Nessa particularidade é interessante acrescentarmos aquilo que Jesus falou em João 16:33 "Tenho vos dito isso, para que em mim tenhais paz; no mundo tereis aflições, mas tende bom ânimo, eu venci o mundo". As palavras do mestre são enfáticas ao asseverar que todos os seres, humanos e não humanos, sem distinção terão que enfrentar o sofrimento em suas vidas. Ele se manifesta em nosso nascimento, crescimento, envelhecimento e morte. Para um entendimento mais abrangente desse tema, sofrimento, precisamos ter a ideia de que, estamos nesse mundo de passagem; “forasteiros e peregrinos” como a bíblia fala em I Pedro 2:11; estivemos aqui antes, estamos hoje e retornaremos depois, quantas vezes forem necessárias pelos renascimentos. Do contrário não temos como justificar que alguém que conhecemos, vivendo de maneira justa, reta e integra diante de Deus sofra terríveis vicissitudes em sua vida. O sofrimento funciona como ajuste e correção de situações não resolvidas no passado, aperfeiçoando e desenvolvendo a vida presente. Ao referir-se a paz, imagino que o Mestre quis dizer, que o sofrimento é além de uma disciplina corretiva ao nosso ser, também o processo inevitável que nos conduzirá ao progresso espiritual. Como é dito em Gálatas 6:7 "(...) tudo o que o homem semear isso também ceifará". Dessa maneira, as situações que enfrentamos em nossas vidas são resultados daquilo que fizemos, no passado ou no presente, para recebermos como consequência o que estamos colhendo. Não tenho a intenção de insinuar um determinismo ou predestinação, mas nossos atos são resultado daquilo que escolhemos baseados em nossa vontade. Assim os dois aspectos conjugados reproduzem a evolução de nossa consciência espiritual; um nos levará infalivelmente ao Logos Eterno, o outro disciplina, corrigindo, nosso comportamento e conduta nos renascimentos.  Um bom exemplo como ilustração é o da lagarta que está sendo preparada para ser uma linda borboleta. Por um período de tempo ela sofre em seu casulo com terríveis dores advinda da metamorfose, transformação, pela qual passa, mudando completamente sua aparência física, incluindo nervos, peles, músculos, asas, antenas e outros adaptadores. Tudo para viver sua elevada vida de borboleta, que voando por galhos, árvores e flores, distribui o pólen, para reprodução dos vegetais, disseminando vida em abundância na natureza. Desse modo, deixa para trás a primitiva e rastejante forma de lagarta, que contamina e infesta degradantemente a vida vegetal e animal. Acho que nessa vida estamos também passando por um processo semelhante. Nossa personalidade terrena, apegada ao materialismo e desejos egoístas de nossa vontade precisa ser depurada pelo fogo, sofrimento, que limpará toda a impureza e sordidez incrustadas pelo pecado, onde nesse estágio espiritual somos introduzidos numa individualidade límpida, pura e santa que culminará com nossa salvação completa, tornando-nos homem perfeito como dito em Efésios 4;13 "Até que todos cheguemos a unidade da fé, e ao conhecimento do filho de Deus, a homem perfeito, a medida da estatura completa de Cristo". Acontece que muitas vidas serão necessárias à que cheguemos no topo da escada de Jacó, onde os anjos de Deus subiam e desciam por ela. Assim cotidianamente estamos aprendendo as lições ensinadas pela escola da vida, em alguns testes somos aprovados, mas em outros, temos que repetir a mesma aula. A pedagogia da vida é tão maravilhosa que nos dá tantas oportunidades, quantas forem necessárias para que aprendamos a lição, sendo aprovados no exame. Mas o que a unção tem haver, com o que acabamos de falar? Acho que tudo, pois ela é a chave da solução do problema do sofrimento; a iniciadora e finalizadora do estágio de nossa transformação à estatura completa de Cristo. A unção, entendo, como nosso mestre espiritual, nosso guru interno ou o Espírito Santo que faz morada em nosso ser. Podemos inferir da passagem bíblica de I João 2:27, que a responsabilidade pelas escolhas quando passadas pelo crivo da vontade é individual, sendo legitimadas pelo livre arbítrio. Deus nos outorga essa liberdade sem interferir em nossa decisão, respeitando e abençoando o caminho que escolhemos, dentro daquilo que compreendemos como o melhor para proporcionar-nos felicidade e paz. Os dois textos da unção, penso, deixa claro que nossa opinião sobre nossos problemas têm preponderância sobre aquilo que os outros dizem sobre eles. Em outras palavras, posso ouvir o que as pessoas tem a dizer sobre o que estou vivendo no presente, mas esses conselhos posso aceitá-los ou rejeitá-los, dependendo do que seja melhor para mim e minha família. Em alguns casos por assumirmos um excesso de preciosismo pela organização ou instituição onde estamos afiliados, confundimos nossas escolhas públicas com as privada. Uma está na esfera geral e comum, onde compartilhamos a responsabilidade com o grupo onde estamos inserido. A outra é particular, em nosso foro íntimo como obrigação exclusiva. Sendo que nessa situação respondemos diante de Deus pessoalmente pelo que decidimos; a despeito do que falou qualquer irmão ou amigo. Essa última instância, a privada, está ligada a unção interior comentada pelo apóstolo João em sua carta que citamos no início. O zelo exagerado, expresso em nossa espiritualização, impessoaliza a deliberação, fragilizando nosso pensamento em relação ao conflito ou questão que enfrentamos, criando dúvida se nossa escolha foi correta ou incorreta. A falsa impressão de que devemos dividir com outros, os lucros ou perdas de nossas escolhas acaba comprometendo o livre arbítrio, retirando parte de nossa liberdade, mas ao final das contas, apenas nós arcaremos com o ônus ou bônus de nossa escolha. Assim, nossa consciência ganha importância fundamental nas decisões que temos de tomar. Precisamos estar sensíveis a voz interior manifestada na intuição, percepção, sensação e sentimento. Em questão de consciência não devemos nos deixar influenciar por terceiro, a obrigação do direcionamento de qual caminho vamos tomar é inteiramente nossa, e tenhamos certeza que, nosso mestre, a unção interior, nos conduzirá pela senda que trará progresso espiritual, felicidade, amor e paz. Budha disse: "Veja o falso como falso, o verdadeiro como verdadeiro. Olhe para o seu coração. Siga a sua natureza". Osho (1931-1990) explicando esse aforismo diz: "Budha não está dizendo, siga as escrituras. Ele não está dizendo siga-me. Ele não está dizendo, siga certas regras de conduta. Ele não está ensinando a você qualquer moralidade. Ele não está tentando criar um certo caráter em você, porque todo caráter é uma bela cela de prisão. Ele não está dando a você um certo caminho para viver. Ao invés disso, ele está lhe dando coragem para seguir a sua própria natureza. Ele quer que você seja corajoso o bastante para ouvir o seu próprio coração, e seguir de acordo com ele. Siga a sua natureza, quer dizer, flua com você mesmo. Você é a escritura (...) e escondido lá no fundo de você ainda está uma pequena voz. Se você se tornar silencioso, você será guiado por ela". Abraço. Davi.

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