Catolicismo. www.w2.vatican.va.
Mensagem do Santo Padre Francisco para o I Dia Mundial dos Pobres. 19 de
novembro de 2019. NÃO AMEMOS COM PALAVRAS, MAS COM OBRAS. «Meus filhinhos, não
amemos com palavras nem com a boca, mas com obras e com verdade» (1 João 3,
18). Estas palavras do apóstolo João exprimem um imperativo de que nenhum
cristão pode prescindir. A importância do mandamento de Jesus, transmitido pelo
«discípulo amado» até aos nossos dias, aparece ainda mais acentuada ao
contrapor as palavras vazias, que frequentemente se
encontram na nossa boca, às obras concretas, as únicas capazes de
medir verdadeiramente o que valemos. O amor não admite álibis: quem pretende
amar como Jesus amou, deve assumir o seu exemplo, sobretudo quando somos
chamados a amar os pobres. Aliás, é bem conhecida a forma de amar do Filho de
Deus, e João recorda-a com clareza. Assenta sobre duas colunas mestras: o
primeiro a amar foi Deus (cf. 1 João 4, 10.19); e amou
dando-Se totalmente, incluindo a própria vida (cf. 1 João 3, 16).
Um amor assim não pode ficar sem resposta. Apesar de ser dado de maneira
unilateral, isto é, sem pedir nada em troca, ele abrasa de tal forma o coração,
que toda e qualquer pessoa se sente levada a retribui-lo, não obstante as suas
limitações e pecados. Isto é possível, se a graça de Deus, a sua caridade
misericordiosa, for acolhida no nosso coração a pontos de mover a nossa vontade
e os nossos afetos para o amor ao próprio Deus e ao próximo. Deste modo a
misericórdia, que brota por assim dizer do coração da Trindade, pode chegar a
pôr em movimento a nossa vida e gerar compaixão e obras de misericórdia em prol
dos irmãos e irmãs que se encontram em necessidade. 2. «Quando um pobre invoca
o Senhor, Ele atende-o» (Salmos 34/33, 7). A Igreja compreendeu, desde
sempre, a importância de tal invocação. Possuímos um grande testemunho já nas
primeiras páginas do Atos dos Apóstolos, quando Pedro pede para se escolher
sete homens «cheios do Espírito e de sabedoria» (6, 3), que assumam o serviço
de assistência aos pobres. Este é, sem dúvida, um dos primeiros sinais com que
a comunidade cristã se apresentou no palco do mundo: o serviço aos mais pobres.
Tudo isto foi possível, por ela ter compreendido que a vida dos discípulos de
Jesus se devia exprimir numa fraternidade e numa solidariedade tais, que
correspondesse ao ensinamento principal do Mestre que tinha proclamado os
pobres bem-aventurados e herdeiros do Reino
dos céus (cf. Mateus 5, 3). «Vendiam terras e outros bens e
distribuíam o dinheiro por todos, de acordo com as necessidades de cada um» (Atos 2,
45). Esta frase mostra, com clareza, como estava viva nos primeiros cristãos
tal preocupação. O evangelista Lucas – o autor sagrado que deu mais espaço à
misericórdia do que qualquer outro – não está a fazer retórica, quando descreve
a prática da partilha na primeira comunidade. Antes pelo contrário, com a sua
narração, pretende falar aos fiéis de todas as gerações (e, por conseguinte,
também à nossa), procurando sustentá-los no seu testemunho e incentivá-los à
ação concreta a favor dos mais necessitados. E o mesmo ensinamento é dado, com
igual convicção, pelo apóstolo Tiago, usando expressões fortes e incisivas na
sua Carta: «Ouvi, meus amados irmãos: porventura não escolheu Deus os pobres
segundo o mundo para serem ricos na fé e herdeiros do Reino que prometeu aos
que O amam? Mas vós desonrais o pobre. Porventura não são os ricos que vos
oprimem e vos arrastam aos tribunais? (…) De que aproveita, irmãos, que alguém
diga que tem fé, se não tiver obras de fé? Acaso essa fé poderá salvá-lo? Se um
irmão ou uma irmã estiverem nus e precisarem de alimento quotidiano, e um de
vós lhes disser: “Ide em paz, tratai de vos aquecer e matar a fome”, mas não
lhes dais o que é necessário ao corpo, de que lhes aproveitará? Assim também a
fé: se ela não tiver obras, está completamente morta» (2, 5-6.14-17). 3.
Contudo, houve momentos em que os cristãos não escutaram profundamente este
apelo, deixando-se contagiar pela mentalidade mundana. Mas o Espírito Santo não
deixou de os chamar a manterem o olhar fixo no essencial. Com efeito, fez
surgir homens e mulheres que, de vários modos, ofereceram a sua vida ao serviço
dos pobres. Nestes dois mil anos, quantas páginas de história foram escritas
por cristãos que, com toda a simplicidade e humildade, serviram os seus irmãos
mais pobres, animados por uma generosa fantasia da caridade! Dentre todos,
destaca-se o exemplo de Francisco de Assis, que foi seguido por tantos outros
homens e mulheres santos, ao longo dos séculos. Não se contentou com abraçar e
dar esmola aos leprosos, mas decidiu ir a Gúbio para estar junto
com eles. Ele mesmo identificou neste encontro a viragem da sua conversão:
«Quando estava nos meus pecados, parecia-me deveras insuportável ver os leprosos.
E o próprio Senhor levou-me para o meio deles e usei de misericórdia para com
eles. E, ao afastar-me deles, aquilo que antes me parecia amargo converteu-se
para mim em doçura da alma e do corpo» (Test 1-3: FF 110).
Este testemunho mostra a força transformadora da caridade e o estilo de vida
dos cristãos. Não pensemos nos pobres apenas como destinatários duma boa obra
de voluntariado, que se pratica uma vez por semana, ou, menos ainda, de gestos
improvisados de boa vontade para pôr a consciência em paz. Estas experiências,
embora válidas e úteis a fim de sensibilizar para as necessidades de tantos
irmãos e para as injustiças que frequentemente são a sua causa, deveriam abrir
a um verdadeiro encontro com os pobres e dar lugar a uma partilha que
se torne estilo de vida. Na verdade, a oração, o caminho do discipulado e a
conversão encontram, na caridade que se torna partilha, a prova da sua
autenticidade evangélica. E deste modo de viver derivam alegria e serenidade de
espírito, porque se toca com as mãos a carne de Cristo. Se
realmente queremos encontrar Cristo, é preciso que toquemos o seu corpo no
corpo chagado dos pobres, como resposta à comunhão sacramental recebida na
Eucaristia. O Corpo de Cristo, partido na sagrada liturgia, deixa-se encontrar
pela caridade partilhada no rosto e na pessoa dos irmãos e irmãs mais frágeis.
Continuam a ressoar de grande atualidade estas palavras do santo bispo
Crisóstomo: «Queres honrar o corpo de Cristo? Não permitas que seja desprezado
nos seus membros, isto é, nos pobres que não têm que vestir, nem O honres aqui
no tempo com vestes de seda, enquanto lá fora O abandonas ao frio e à nudez» (Hom.
in Matthaeum, 50, 3: PG 58). Portanto somos chamados a
estender a mão aos pobres, a encontrá-los, fixá-los nos olhos, abraçá-los, para
lhes fazer sentir o calor do amor que rompe o círculo da solidão. A sua mão
estendida para nós é também um convite a sairmos das nossas certezas e
comodidades e a reconhecermos o valor que a pobreza encerra em si mesma. 4. Não
esqueçamos que, para os discípulos de Cristo, a pobreza é, antes de mais,
uma vocação a seguir Jesus pobre. É um caminho atrás d’Ele e com
Ele: um caminho que conduz à bem-aventurança do Reino dos céus (cf. Mateus
5, 3; Lucas 6, 20). Pobreza significa um coração humilde, que
sabe acolher a sua condição de criatura limitada e pecadora, vencendo a
tentação de omnipotência que cria em nós a ilusão de ser imortal. A pobreza é
uma atitude do coração que impede de conceber como objetivo de vida e condição
para a felicidade o dinheiro, a carreira e o luxo. Mais, é a pobreza que cria
as condições para assumir livremente as responsabilidades pessoais e sociais,
não obstante as próprias limitações, confiando na proximidade de Deus e vivendo
apoiados pela sua graça. Assim entendida, a pobreza é o metro que permite
avaliar o uso correto dos bens materiais e também viver de modo não egoísta nem
possessivo os laços e os afetos (cf. Catecismo da Igreja Católica, n. 25-45).
Assumamos, pois, o exemplo de São Francisco, testemunha da pobreza genuína.
Ele, precisamente por ter os olhos fixos em Cristo, soube reconhecê-Lo e
servi-Lo nos pobres. Por conseguinte, se desejamos dar o nosso contributo
eficaz para a mudança da história, gerando verdadeiro desenvolvimento, é
necessário escutar o grito dos pobres e comprometermo-nos a erguê-los do seu
estado de marginalização. Ao mesmo tempo recordo, aos pobres que vivem nas nossas
cidades e nas nossas comunidades, para não perderem o sentido da pobreza
evangélica que trazem impresso na sua vida. 5. Conhecemos a grande dificuldade
que há, no mundo contemporâneo, de poder identificar claramente a pobreza. E
todavia, esta interpela-nos todos os dias com os seus inúmeros rostos marcados
pelo sofrimento, pela marginalização, pela opressão, pela violência, pelas
torturas e a prisão, pela guerra, pela privação da liberdade e da dignidade,
pela ignorância e pelo analfabetismo, pela emergência sanitária e pela falta de
trabalho, pelo tráfico de pessoas e pela escravidão, pelo exílio e a miséria,
pela migração forçada. A pobreza tem o rosto de mulheres, homens e crianças
explorados para vis interesses, espezinhados pelas lógicas perversas do poder e
do dinheiro. Como é impiedoso e nunca completo o elenco que se é constrangido a
elaborar à vista da pobreza, fruto da injustiça social, da miséria moral, da
avidez de poucos e da indiferença generalizada! Infelizmente, nos nossos dias,
enquanto sobressai cada vez mais a riqueza descarada que se acumula nas mãos de
poucos privilegiados, frequentemente acompanhada pela ilegalidade e a
exploração ofensiva da dignidade humana, causa escândalo a extensão da pobreza
a grandes sectores da sociedade no mundo inteiro. Perante este cenário, não se
pode permanecer inerte e, menos ainda, resignado. À pobreza que inibe o
espírito de iniciativa de tantos jovens, impedindo-os de encontrar um trabalho,
à pobreza que anestesia o sentido de responsabilidade, induzindo a preferir a
abdicação e a busca de favoritismos, à pobreza que envenena os poços da
participação e restringe os espaços do profissionalismo, humilhando assim o
mérito de quem trabalha e produz: a tudo isso é preciso responder com uma nova
visão da vida e da sociedade. Todos estes pobres – como gostava de dizer o
Beato Paulo VI – pertencem à Igreja por «direito evangélico» (Discurso de aberturana
II Sessão do Concílio Ecuménico Vaticano II, 29/IX/1963) e obrigam à
opção fundamental por eles. Por isso, benditas as mãos que se abrem para
acolher os pobres e socorrê-los: são mãos que levam esperança. Benditas as mãos
que superam toda a barreira de cultura, religião e nacionalidade, derramando
óleo de consolação nas chagas da humanidade. Benditas as mãos que se abrem sem
pedir nada em troca, sem «se» nem «mas», nem «talvez»: são mãos que fazem
descer sobre os irmãos a bênção de Deus. 6. No termo do Jubileu da
Misericórdia, quis oferecer à Igreja o Dia Mundial dos Pobres, para
que as comunidades cristãs se tornem, em todo o mundo, cada vez mais e melhor
sinal concreto da caridade de Cristo pelos últimos e os mais carenciados. Quero
que, aos outros Dias Mundiais instituídos pelos meus Predecessores e sendo já
tradição na vida das nossas comunidades, se acrescente este, que completa o
conjunto de tais Dias com um elemento requintadamente evangélico, isto é, a
predileção de Jesus pelos pobres. Convido a Igreja inteira e os homens e
mulheres de boa vontade a fixar o olhar, neste dia, em todos aqueles que
estendem as suas mãos invocando ajuda e pedindo a nossa solidariedade. São
nossos irmãos e irmãs, criados e amados pelo único Pai Celeste. Este Dia pretende
estimular, em primeiro lugar, os crentes, para que reajam à cultura do descarte
e do desperdício, assumindo a cultura do encontro. Ao mesmo tempo, o convite é
dirigido a todos, independentemente da sua pertença religiosa, para que se abram
à partilha com os pobres em todas as formas de solidariedade, como sinal
concreto de fraternidade. Deus criou o céu e a terra para todos; foram os
homens que, infelizmente, ergueram fronteiras, muros e recintos, traindo o dom
originário destinado à humanidade sem qualquer exclusão. 7. Desejo que, na
semana anterior ao Dia Mundial dos Pobres – que este ano será
no dia 19 de novembro, XXXIII domingo do Tempo Comum –, as comunidades cristãs
se empenhem na criação de muitos momentos de encontro e amizade, de
solidariedade e ajuda concreta. Poderão ainda convidar os pobres e os
voluntários para participarem, juntos, na Eucaristia deste domingo, de modo
que, no domingo seguinte, a celebração da Solenidade de Nosso Senhor Jesus
Cristo Rei do Universo resulte ainda mais autêntica. Na verdade, a realeza de
Cristo aparece em todo o seu significado precisamente no Gólgota, quando o
Inocente, pregado na cruz, pobre, nu e privado de tudo, encarna e revela a
plenitude do amor de Deus. O seu completo abandono ao Pai, ao mesmo tempo que
exprime a sua pobreza total, torna evidente a força deste Amor, que O
ressuscita para uma vida nova no dia de Páscoa. Neste domingo, se viverem no
nosso bairro pobres que buscam proteção e ajuda, aproximemo-nos deles: será um
momento propício para encontrar o Deus que buscamos. Como ensina a Sagrada
Escritura (cf. Gênesis 18, 3-5; Hebreus 13,
2), acolhamo-los como hóspedes privilegiados à nossa mesa; poderão ser mestres,
que nos ajudam a viver de maneira mais coerente a fé. Com a sua confiança e a
disponibilidade para aceitar ajuda, mostram-nos, de forma sóbria e muitas vezes
feliz, como é decisivo vivermos do essencial e abandonarmo-nos à providência do
Pai. 8. Na base das múltiplas iniciativas concretas que se poderão realizar
neste Dia, esteja sempre a oração. Não esqueçamos que
o Pai Nosso é a oração dos pobres. De facto, o pedido do pão
exprime o abandono a Deus nas necessidades primárias da nossa vida. Tudo o que
Jesus nos ensinou com esta oração exprime e recolhe o grito de quem sofre pela
precariedade da existência e a falta do necessário. Aos discípulos que Lhe
pediam para os ensinar a rezar, Jesus respondeu com as palavras dos pobres que
se dirigem ao único Pai, em quem todos se reconhecem como irmãos. O Pai
Nosso é uma oração que se exprime no plural: o pão que se pede é
«nosso», e isto implica partilha, comparticipação e responsabilidade comum.
Nesta oração, todos reconhecemos a exigência de superar qualquer forma de
egoísmo, para termos acesso à alegria do acolhimento recíproco. 9. Aos irmãos
bispos, aos sacerdotes, aos diáconos – que, por vocação, têm a missão de apoiar
os pobres –, às pessoas consagradas, às associações, aos movimentos e ao vasto
mundo do voluntariado, peço que se comprometam para que, com este Dia
Mundial dos Pobres, se instaure uma tradição que seja
contribuição concreta para a evangelização no mundo contemporâneo. Que este
novo Dia Mundial se torne, pois, um forte apelo à nossa
consciência crente, para ficarmos cada vez mais convictos de que partilhar com
os pobres permite-nos compreender o Evangelho na sua verdade mais profunda. Os
pobres não são um problema: são um recurso de que lançar mão para acolher e
viver a essência do Evangelho. Vaticano, Memória de Santo António de Lisboa,
13 de junho de 2017. www.w2.vatican.va.
Abraço. Davi
Nenhum comentário:
Postar um comentário