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Texto de Otávio Botelho da Cunha. JESUS NA ÍNDIA – UMA BREVE ANÁLISE DAS
FONTES. A vida de Jesus sem a crucificação e, consequentemente, sem a
ressurreição, é algo inconcebível para tradição cristã, ou melhor, mais do que
isto, uma remoção da base da doutrina do Cristianismo, a qual foi construída a
partir do crucial milagre da ressurreição, que está bem no coração da fé
cristã. No entanto, não era assim nos primeiros anos do Cristianismo, quando
diferentes correntes exegéticas disputavam a hegemonia ideológica da nova
crença. Os gnósticos, com base no que é possível perceber a partir dos textos
remanescentes e dos descobertos, por exemplo, não davam tanta importância para
os fenômenos da crucificação e da ressurreição, tal como faziam os seguidores
da corrente que se tornaria ortodoxa mais tarde, pois para eles, Jesus era mais
um sábio do que um salvador, portanto, a sua sabedoria era mais importante que
os milagres e o fenômeno da ressurreição. Os textos gnósticos compostos no
momento das aparições de Jesus após a morte não são para provar que ele
alcançou o fantástico milagre de renascer entre os mortos, tal como o
Cristianismo Ortodoxo entende, mas sim para transmirtir ensinamentos numa
sublimidade que nenhum outro era capaz. Enfim, para os gnósticos as instruções
são mais importantes que os milagres da ressurreição e das aparições póstumas.
Um exemplo é o Pistis Sophia, um extenso texto gnóstico no qual
Jesus transmite ensinamentos aos discípulos durante uma aparição após a morte. Assim,
o estudo abaixo trata de uma versão da vida de Jesus que desmorona todo o
edifício da tradicional fé cristã, erguido, após muita luta e sangue, sobre os alicerces
da crucificação e da ressurreição de Jesus, ou seja, a hipótese de que ele não
tenha morrido na cruz, daí a magnitude da polêmica entre os religiosos. O
ímpeto fantasioso. O ímpeto pela fantasia é tão incontido nos religiosos
que o processo de composição de novas lendas e mitos não tem fim, bem como o
resgate de antigas lendas perdidas continua a atrair a curiosidade de muitos.
Mesmo numa época predominantemente secular, tal como o século XX, novos relatos
fantasiosos sobre as antigas religiões e seus líderes são criados com a
receptividade dos curiosos, sobretudo daqueles que procuram versões
alternativas que, supostamente, preencham lacunas deixadas pelas grandes
religiões tradicionais. No Ocidente, este interesse é alimentado, sobretudo,
pelos esoteristas, pelos teósofos, pelos rosa-cruzes, pelos new agers e
por outros, os quais estão sempre abertos e ávidos por novas revelações, por
novos achados e por novas interpretações que satisfaçam os seus apetites por
esclarecimentos suplementares ausentes nas religiões tradicionais, não
importando, na maioria das vezes, o quão fantasiosa a nova revelação possa ser.
Com respeito ao Cristianismo, a continuidade do aparecimento de novos relatos,
sobre a vida e os ensinamentos de Jesus, recebeu os nomes de “apócrifos
modernos” ou de “boatos bíblicos” (Good speed, 1956). Se estas denominações são
procedentes ou não, trata-se de um assunto discutível. A literatura sobre estas
novas revelações e descobertas é extensa, de modo que o breve estudo abaixo se
limitará aos recentes textos sobre a viagem e a estadia de Jesus na Índia. O
assunto nunca foi seriamente encarado pelos acadêmicos. Com isso, não temos
literatura acadêmica, apenas breves avaliações e comentários desaprovadores por
especialistas, os quais não se deram ao trabalho de aprofundar na questão.
Porém, mesmo assim, será interessante tratar deste assunto aqui, pois embora
não seja de interesse acadêmico, provoca muito reboliço na mídia e na
população. Veja os exemplos do alvoroço provocado por filmes como a Última
Tentação de Cristo (1988) e O Código Da Vinci (2006),
ambos a partir de livros, duas obras que tratam da sobrevivência de Jesus à
crucificação. A lacuna nos evangelhos canônicos. Os quatro textos
oficiais omitem o relato da vida de Jesus dos 12 aos 30 anos de idade. No
máximo, o Evangelho de Lucas apenas menciona que ele foi levado ao templo na
idade de 12 anos (Lucas 2,41), mais adiante é afirmado que ele inicia seu
ministério na idade de cerca de 30 anos (Lucas 3,23), portanto um salto de 18
anos. Existem alguns evangelhos apócrifos da infância, porém nada foi
registrado da sua adolescência e do início da sua vida adulta. Esta
lacuna deixa a curiosidade em saber da vida do nazareno durante este período.
Os relatos sobre as suas viagens durante este período, sobretudo à Índia, são
contestada pelos oponentes com base em um episódio, nem tão esclarecedor,
narrado nos evangelhos de Marcos e de Mateus, quando Jesus está iniciando seu
trabalho de pregação e é visto por conterrâneos que se surpreendem com o seu
discurso, então proferem a indagação: “Não é ele o carpinteiro, o filho de
Maria (…)”? (Marcos 6,3 e Mateus 13,53). Existe uma diferença na redação destas
duas passagens, na de Marcos, Jesus é mencionado como o ‘carpinteiro’
(gr: tekton; lat: faber), enquanto na de Mateus, é
mencionado como o ‘filho do carpinteiro’ (gr: tektonos uios;
lat: fabri filius). A alegação dos contestadores das viagens é que
Jesus permaneceu em sua cidade, trabalhando como carpinteiro, durante este
período, por isso a familiaridade de seus conterrâneos e a surpresa pela sua
pregação. No entanto, a indagação dos conterrâneos não é suficiente para
assegurar a sua invariável permanência, pois a frase “filho do carpinteiro” (tektonos
uios) deixa uma margem para o fato de Jesus ser conhecido apenas como o
filho de José, o carpinteiro, e não ter sido um carpinteiro de profissão, bem
como a possibilidade de ter estado fora da região por algum período, portanto
não trabalhou o tempo todo como carpinteiro em sua cidade. Os anos perdidos
e a sobrevivência à crucificação. O período da vida de Jesus omitido nos
relatos bíblicos é conhecido como “os anos perdidos” ou “os anos desconhecidos”
(Notovitch, 1916; Dowling, 1947; Prophet, 1987; Kerster, 2001 e Ahmad, 2003),
isto é, a fase dos 12 aos 30 anos, quando alguns autores alegam que o nazareno
esteve com os essênios, ou visitou a Bretanha, ou viajou pelo Oriente (Índia,
Tibete, Egito, Pérsia, Grécia, Japão, etc.), aprendendo com os sábios ou
ensinando ao povo. Outra alegação é a de que ele não morreu na cruz (Alcorão
4:157 e Ahmad, 2003: 57-62), sendo então substituído por outra pessoa no
momento da crucificação, a qual foi crucificada em seu lugar, ou também,
sobreviveu à crucificação, não chegando a morrer, mas apenas sofreu um desmaio (Ahmad,
2003: 17), este último caso é conhecido como “hipótese do desmaio”. Então, em
seguida, partiu em viagem para o Oriente, onde faleceu nestas terras distantes
em idade avançada (Ahmad, 2003: passim), ou até mesmo que Jesus
visitou as regiões orientais tanto na sua juventude como depois da
sobrevivência à crucificação (Kersten, 2001). Os mórmons acreditam que Jesus
realizou aparições na América depois da sua morte. Dentre todas estas
especulações, o estudo aqui se limitará à hipótese de sua viagem à Índia, do
contrário este estudo se tornaria muito extenso, em vista do grande número de
relatos delirantes. O despertar do interesse. O assunto acima estava
adormecido até 1887, quando o jornalista russo Nicolas Notovitch (1858-1916),
durante uma viagem à Índia, visitou a região do Ladak, no estado da
Caxemira, Índia, onde predomina a cultura do Budismo Tibetano, por isso o Ladak é
apelidado de “Pequeno Tibete”. Após uma fratura na perna, ele teve de ser
assistido por monges do mosteiro budista de Hemis, nesta região,
fato que lhe obrigou a estender sua permanência. Na ocasião, ele foi informado
da existência de um manuscrito desconhecido com o nome de “A Vida do
Santo Issa, o Melhor dos Filhos do Homem” guardado na biblioteca
deste mosteiro. Issa é o nome atribuído a Jesus no Alcorão
(3,45 e 5,75). Então, com a ajuda de um intérprete, anotou as traduções para,
assim, publicá-las depois em Paris com o título de “La Vie Inconneu de Jésus
Christ” (A Vida Desconhecida de Jesus Cristo), em 1894. A edição inglesa
apareceu logo em seguida, com o nome de “The Unknown Life of Jesus Christ”,
em 1895 (Notovitch, 1916: 08-9). O livro, certamente, provocou um alvoroço no
meio intelectual. As opiniões se dividiram entre os que acreditaram na
publicação de Notovitch e os que perceberam nela uma fraude. O primeiro a
contestar foi o então prestigiado orientalista F. Max Müller, no jornal
inglês The Nineteenth Century, em Outubro de 1894, onde ele
denunciou a descoberta de Notovitch como uma fraude, bem como suspeitou até
mesmo da visita deste jornalista russo ao mosteiro de Hemis no Ladak (Kerster,
2001: 10). Outro ataque, desta vez de um professor do Government
College de Agra, Índia, J. Archibald Douglas, cuja visita
ao Ladak em 1895, o levou a investigar a autenticidade da
descoberta de Notovitch. Seu relato foi publicado em Abril de 1896 no Orientalischen
Bibliografie com o título de “Documentos provam a fraude de
Notovitch”. Outra publicação do The Nineteenth Century, em 1896,
contém a afirmação de J. A. Douglas, durante sua visita ao mosteiro Hemis,
de que o abade, ao conhecer a publicação de Notovitch, respondeu que “tudo era
mentira” (Kerster, 2001: 11). Em 1956, Edgar J Goodspeed usou o primeiro
capítulo de seu livro Famous Biblical Hoaxes or Modern Apocrypha (Famosos
Boatos Bíblicos ou Apócrifos Modernos) para demonstrar a fraude de Nicolas
Notovitch. Mais recentemente, o conhecido e dedicado pesquisador bíblico Bart
D. Ehrman (1955- ) escreveu: “Hoje não
há um único pesquisador reconhecido no planeta que tenha dúvida sobre a
matéria. A história inteira foi inventada por Notovitch, que ganhou muito
dinheiro e uma substancial soma de notoriedade por seu boato” (Ehrman, 2011:
282-3). Para James R. Lewis (1959- ),
tudo é uma forja (Lewis, 2003: 79s). Por outro lado, Nicolas Notovitch também
teve defensores, naturalmente da parte de um esoterista, de um místico, e de
uma que se autoproclamava vidente (Kersten, 2001: 01-18; Abhedananda, 1987 e
Prophet, 1987: 92-120 respectivamente). Enfim, somente estas modalidades de
pessoas acreditaram em Notovitch. O fato é que, o manuscrito, do qual Notovich
retirou suas anotações traduzidas, nunca foi mostrado publicamente, nem sequer
uma cópia, sendo assim, nunca foi entregue para o escrutínio de pesquisadores
acadêmicos com conhecimento em Crítica Textual e em Filologia, para a avaliação
da sua autenticidade, do seu significado e da sua credibilidade como documento histórico.
“A Vida Desconhecida de Jesus Cristo” de Nicolas Notovitch. Agora,
deixando de lado a questão se a publicação de Notovitch é autêntica ou uma
fraude, ou seja, se o tal manuscrito realmente existe, se ele esteve no
mosteiro de Hemis, se o tal manuscrito lhe foi mostrado, se ele de
fato anotou as traduções ditadas pelo tradutor, etc., uma vez que a dúvida não
foi esclarecida até hoje, a análise do próprio conteúdo da publicação poderá
ser mais útil para o julgamento da autenticidade. Notovitch afirmou que a sua
publicação de “A Vida Desconhecida de Jesus Cristo” não é uma tradução integral
do manuscrito que lhe foi mostrado no mosteiro de Hemis, mas sim
uma coletânea de notas que ele efetuou conforme o tradutor lhe foi ditando.
Estas anotações em algumas passagens coincidem e em outras divergem dos relatos
do Antigo e Novo Testamentos. Com respeito a Jesus, chamado de Issa neste
texto, ele já era um admirado pregador na idade de treze anos, quando sua casa
era frequentada por ricos e nobres, os quais disputavam o jovem Issa (Jesus)
como genro (Notovitch, 1916: 106-7). Mas Issa não se
interessou por este destino e, clandestinamente, deixou a casa dos pais para,
na companhia de mercadores, viajar em direção a Sindh (Índia),
para “se aperfeiçoar na divina palavra e estudar as leis dos grandes Budas”
(idem, p. 107). Chegando lá, ele primeiro esteve com os adoradores do
deus Jaina (os jainistas não adoram nenhum deus), mas logo em
seguida os abandonou e se dirigiu para a província de Orissa (nordeste
da Índia). Lá encontrou os brâmanes, os quais lhe ensinaram a ler e a
compreender os Vedas (os brâmanes nunca ensinavam os Vedas aos estrangeiros no
passado), a realizar curas pela oração e a expulsar demônios. Ele permaneceu
seis anos em algumas cidades, inclusive Benares, na companhia dos vaishyas e
dos sudras, as castas mais baixas do Hinduísmo (idem, p. 108).
Então, Issa passou a ensinar o que tinha prendido dos Vedas
aos membros das castas mais baixas, o que provocou a imediata ira dos brâmanes
de dos kshatriyas (as castas mais altas), uma vez que a lei
hindu (Dharma Shastra) restringe o ensino védico aos vaishyas e
proíbe totalmente aos sudras. Em seguida, Issa (Jesus)
negou a divina origem dos Vedas e dos Puranas (os
pesquisadores ainda não têm certeza se os Puranas já tinham
sido compostos naquela época, sobretudo na forma em que se apresentam hoje),
bem como desestimulou a adoração aos deuses hindus e começou a fazer uma
pregação com base na doutrina bíblica, falou até do Juízo Final aos vaishyas e
aos sudras (para quem conhece o Hinduísmo, esta seria, se
fosse verdade, uma cena cômica). Ao saberem deste discurso de Issa,
os brâmanes ordenaram que ele fosse assassinado (essa reação não é comum na
história do Hinduísmo). Porém, antes disto, Issa ficou sabendo
e fugiu para o Nepal, onde aprendeu a língua Páli e estudou os Sutras (sermões)
de Buda (idem p. 113) – ainda é dúvida se a língua Páli era conhecida naquela
época no local. Depois deixou esta região em direção ao Ocidente, onde
continuou pregando em seu caminho até chegar de volta à Israel com 29 anos de
idade (idem, p. 123). Na passagem pela sua terra natal (idem p. 123-46), alguns
episódios coincidem e outros divergem do Novo Testamento. Seria muito extenso
mencioná-los todos aqui, porém os mais curiosos são os fatos que Issa também
é crucificado e a tumba é encontrada vazia depois de três dias, mas não por
Maria Madalena, e sim pela multidão (idem, p. 146), então o texto termina aqui.
De maneira que não menciona a ressurreição e nem as aparições póstumas de Issa aos
discípulos. Bem, se o relato acima não é crível, é, pelo menos, cômico em
alguns trechos. Outro livro sobre a viagem de Jesus à Índia, nesta mesma fase
da sua vida, é a fantasiosa obra de Levi Dowling (1844-1911) “The Aquarian
Gospel of Jesus the Christ” (O Evangelho Aquariano de Jesus, o
Cristo), primeira edição em 1908, com a diferença que este não foi escrito a
partir de algum manuscrito antigo, mas sim de experiências de clarividência. Em
linhas gerais, o trecho sobre a viagem a Índia (p. 47-65) ora coincide ora
diverge da narrativa do livro de Notovitch, com alguns acréscimos ainda mais
cômicos e a especificação de mais detalhes. Afirma-se aí que Jesus esteve e
estudou em Jagannath, na cidade de Puri, no estado
de Orissa, Índia, um templo Vishnuista do Hinduísmo, famoso por seu
festival anual da carruagem (Ratha Yatra). Este relato é tão absurdo
que, segundo a história e as pesquisas arqueológicas, este templo só foi
construído durante a dinastia Ganga Oriental (séculos XI-XV),
mais precisamente, iniciado pelo rei Ananga Bhima Deva em 1174
e.c. e finalizado em 1198, portanto o templo ainda não existia na época de
Jesus. Jesus na Índia após a crucificação. Outro momento que é alegado
que Jesus esteve na Índia, mas não na fase dos 12 aos 30 anos de idade, como
tratado acima, e sim no período após a crucificação, com o argumento que ele
sobreviveu à crucificação. A tradição de que ele não morreu na cruz é antiga,
uma das fontes mais antigas é a seguinte passagem do Alcorão 4:157 “e disseram:
Nós matamos o Messias, Jesus, o filho de Maria, o Mensageiro de deus. (Quando
na verdade) eles não o mataram, nem o crucificaram, embora pareceu assim para
eles. Aqueles que discordaram sobre ele (se morreu ou não) estão em dúvida, sem
nenhum conhecimento, somente suposição, eles certamente não o mataram” (Haleem,
2005: 65). Ainda na tradição islâmica, H. M. Ghulam Ahmad menciona alguns Hadiths (ditos
de Maomé), da coleção conhecida como Kanz-ul-Ummal, de que Jesus
viveu até a idade avançada de 125 anos, viajou por muitas partes do mundo e
ficou conhecido como o “profeta viajante” (Ahrmad, 2003: 62-3). Este autor, que
é o fundador do movimento islâmico reformista Ahrmadiyya Muslim Jamat,
é um dos primeiros e mais ardentes defensores da tese de que Jesus sobreviveu à
crucificação, viajou para a Índia para encontrar as tribos de Israel e, o que é
também surpreendente, do argumento de que o profeta Yuz Asaf,
enterrado no santuário de Roza Bal, na cidade de Srinagar,
Caxemira, é o próprio Jesus. Ele foi o principal divulgador desta tradição
de Roza Bal, através do seu livro, publicado em 1908 na língua urdu
“Misih Hindustan Mein”, depois publicado em inglês pela primeira vez em
1944, com o título de “Jesus in Índia”. H. Mirza Ghulam Ahmad influenciou outros
autores, inclusive esoteristas ocidentais, os quais acreditaram na sua
argumentação. Em suma, para ele Jesus sobreviveu à crucificação, viveu na Índia
por muitos anos, que ele é Yuz Asaf e está sepultado no
santuário de Roza Bal em Srinagar, Caxemira. Jesus
no Bhavishya Purana. Os Puranas são textos em
sânscrito que fazem parte de uma coleção de contos dos tempos antigos da Índia.
Estão entre as mais importantes e influentes escrituras do Hinduísmo. Existem
18 Puranas principais, conhecidos como Maha Puranas (Grande
Puranas), e o Bhavishya Purana está entre eles. Diferente dos
demais, o Bhavishya Puranatrata, além dos habituais tópicos comuns
nos outros puranas, de profecias sobre o futuro (bhavishya),
portanto, em alguns trechos, é um purana profético. O que
existe de excepcional neste purana é a referência a Jesus,
mencionado como Isha Putra (filho de deus), a partir dos
termos Isa e Issa dos textos islâmicos, no
episódio do diálogo com o rei Salivahana (também conhecido
como Gautamiputra Shatakarni), pertencente à dinastia Shatavahana,
que reinou de 78 a 102 e.c. (portanto contemporâneo com o período da
sobrevivência de Jesus à crucificação), cuja capital do reino era Ujjain,
no atual estado de Madhya Pradesh, na Índia Central. Este
diálogo aparece no Pratisarga Parva do Chaturyuga
Kanda do Dwitiya Adhyayah, no capítulo 19, versos 17-32.
Abaixo um resumo deste trecho. O texto inicia informando que uma vez um
poderoso rei, chamado Salivahana, alcançou muitas conquistas, o
qual subjulgou os Shakas, os Cinas, o povo de Roma, os
descendentes de Khuru e o povo de Bahikaus. Em
seguida estabeleceu as fronteiras do país dos arianos e a dos Mlecchas (estrangeiros
impuros). O país dos arianos era conhecido como Sindusthan, o qual se
transformou em um grande país. Uma vez o rei Salivahana dirigiu-se
para o oeste, na direção de Hunadesha (região perto da
montanha Kailasano Tibete Ocidental). Aí, o rei avistou um
auspicioso homem que vivia numa montanha. A pele deste homem era dourada e suas
roupas brancas. Então, o rei lhe perguntou: “Quem és tu, senhor”? O Homem
respondeu: “Você deveria saber que eu sou Isha Putra, o filho de
deus”, e completou: “eu sou filho de uma virgem”. “Eu sou o expositor da
religião dos Mlecchas e eu me prendo estritamente à verdade
absoluta”. Ao ouvir isto o rei indagou: “Quais são os princípios de acordo com
sua opinião”? Após ouvir esta pergunta de Salivahana, Isha
Putra (Jesus) disse: “Ó rei, quando a destruição da verdade ocorreu,
eu, Masiha, o profeta, vim para este país de um povo degradado,
onde não há regras e leis. Então, ao encontrar esta temerosa condição
irreligiosa dos bárbaros, a qual se espalha desde o país dos Mlecchas,
eu decidi assumir o papel de profeta deste povo”. Então, em seguida, Isha
Putra (Jesus) expôs os princípios da sua religião ao rei, através de
tópicos da religião hindu. No final, Isha Putra afirma que se
tornou o Isha Masiha (Jesus, o Messias). Após ouvir estas
comoventes palavras e prestar reverência a aquele homem, o qual é adorado pelos
bárbaros, o rei humildemente pediu a ele para permanecer na terra horrível
dos Mlecchas (estrangeiros impuros). Primeiro é preciso
esclarecer que o Bhavisha Purana é um texto cercado de
desconfianças, uma vez que, das quatro edições disponíveis atualmente, nenhuma
coincide uma com a outra em muitos pontos. Por isso, Maurice Winternitz observa
que “o texto preservado até nós em forma manuscrita certamente não é a antiga
obra, a qual é citada no Apastambiya Dharmasutra” e que Th.
Aufrecht o “tem exposto como uma fraude literária” (Winternitz, 1990,
541). As fraudes não são difíceis de serem percebidas, pois se mostram
através de clamorosas falhas histórias e anacrônicas. Logo no início é afirmado
que o rei Salivahara (r. 78-102 e.c.) derrotou os Shakas,
os Cinas (chineses), o povo de Roma, os descendentes de Khuru (os
persas) e o povo de Bahikaus (bactrinianos-gregos).
Historicamente falando, dos povos relacionados, o rei Salivahana (Gautamiputra
Shatakarni), na verdade, derrotou apenas os Shakas (Keay,
2000, 131). Os outros povos derrotados pelo rei Salivahana, conhecidos
na história, são os Yavanas e os Pahlavas, porém
não são mencionados no texto em questão. Não existe nenhum registro na história
indiana no qual os chineses travaram uma batalha com os indianos no passado.
Também, os indianos nunca guerrearam com os romanos, apenas com os gregos, na
época de Alexandre, o Grande. Ademais, não existe prova de que os gregos
chegaram até a região de Ujjain, a capital Shatavahana na
Índia Central, a ocupação grega na Índia se limitou à região noroeste. Ainda
mais, existe uma forte suspeita de que este trecho do Bhavishya Purana seja uma interpolação
acrescida por missionários cristãos, durante o período da ocupação britânica na
Índia, com o objetivo de converter os hindus das classes mais instruídas, uma
vez que sabemos que alguns sacerdotes aprenderam a língua sânscrita, e esta foi
uma estratégia para tentar aproximar o Cristianismo do Hinduísmo e,
consequentemente, com isso, facilitar as conversões. A pista para esta suspeita
é o fato de que todas as edições existentes deste texto são do período a partir
da colonização britânica. Outra curiosidade é a diferença entre as quatro
edições conhecidas, uma tem 5 capítulos, outra tem 4, uma outra tem 3 e ainda
uma outra tem apenas 1 capítulo. Também, o conteúdo em cada uma das 4 versões
diverge em muitos graus, algumas têm mais versos, enquanto outras têm menos,
embora todas elas mencionam Jesus (Isha Putra), porém, com razões
diferente. Aqui foi utilizada, para este estudo, a edição da Venkateswara
Press, Mumbai, 1917. A exposição dos princípios da religião dos Mlecchas por
Jesus (Isha Putra) ao rei Salivahana (versos 27-9)
parece uma pregação proferida pela boca de um guru hindu, com tópicos tais
como: prescrição da prática de japa(repetição de mantras),
menção do Surya Mandala (diagrama do deus Sol para adoração
dos hindus) e da dhyana(meditação). Enfim, para encerrar, se para
um cristão tradicional a ideia de uma vida de Jesus sobrevivendo à
crucificação, portanto sem ressurreição, já é sentida como um desmoronamento da
fé cristã, imagine então o choque que será ao saber de um Jesus pregando
doutrinas e prática hindus. www.observadorcriticodasreligioes.com.
Abraço. Davi
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