Cristianismo. www.eclesia.com.br A SANTA IGREJA
ORTODOXA. 1. Qual o significado de Ortodoxia? E de Igreja Ortodoxa? Chamamos Ortodoxia à verdadeira doutrina - neste
caso, a verdadeira doutrina de Cristo. Ortodoxia é uma palavra grega que
significa, à letra, glória (doxa) reta, direita, justa, verdadeira (orto).
Assim, chama-se Ortodoxia à Igreja que se manteve fiel à Verdade, transmitida
pela Tradição, desde os Apóstolos até nossos dias. Igreja Ortodoxa é, portanto,
a Igreja de Cristo, a que permaneceu sempre una e indivisa, fiel à verdade da
doutrina Cristã. Erradamente, há quem pense que a Igreja Ortodoxa é apenas a
Igreja Grega ou Russa, ou ainda, as Igrejas dos países eslavos. Quem pensa
assim esquece-se que a Ortodoxia não é uma questão de geografia - é uma questão
de verdade, de fidelidade ao dogma e à Tradição da Igreja de Cristo. Além
disso, A Igreja Ortodoxa encontra-se hoje espalhada por todo o Mundo: Europa
(de Portugal a Rússia), Ásia (Médio e Extremo Oriente), Américas (do Brasil ao
Canadá), África (Uganda, Quênia) e Oceania (Austrália), num total de mais de
350 milhões de fiéis. Mas, como dizia um importante teólogo russo, Khomiakov, "a
Igreja não existe pela quantidade, maior ou menor, dos seus membros, mas pelo
laço espiritual que os une". Logo, é também errado dizer-se que a Igreja
Ortodoxa é uma Igreja "Oriental" - oriental é o espírito do
Cristianismo na sua origem, porque é do Oriente que vem a luz, e para o Oriente
viramos, quando rezamos, sozinhos ou em comunidade. No entanto, é verdade que na Idade Média se
verificou a separação entre Ocidente e Oriente, resultante da Própria divisão
do Império Romano entre Império do Ocidente e Império do Oriente, tendo como
centro Bizâncio (Constantinopla). E também é verdade que pouco a pouco se criou
uma distinção nítida entre "catolicismo romano", tipicamente
ocidental, e um Cristianismo "oriental", ortodoxo. Mas hoje a Igreja
Ortodoxa encontra-se espalhada por todo Mundo - um Mundo em que distinções como
a de Oriente-Ocidente, outrora bem nítida, cada vez fazem menos sentido. 2. Quais foram as
causas que levaram à separação da Igreja Romana e da Igreja Ortodoxa? Porque é que se verificou o cisma da Igreja Romana?
Porque é que Roma se separou do tronco comum e fecundo da árvore da Tradição,
criando um Cristianismo "Romano" a que deu o nome contraditório de "Catolicismo"? O seu cisma (separação) não pode ser identificado
com nenhum acontecimento particular da História, nem se lhe pode atribuir uma
data precisa. Para essa separação progressiva terão contribuído diversos
fatores, entre os quais a oposição política entre Constantinopla e o "império"
de Carlos Magno, o afastamento da Tradição por desvios sucessivos do pensamento
e da prática da Igreja Romana, divergências no campo teológico e no da Vida da
Igreja. No entanto, talvez tenha sido este
último aspecto - o de Roma criar um conceito diferente do que é a vida e a
missão da Igreja - que acabou por ser o fator determinante ou, pelo menos, a
gota de água que fez transbordar o vaso cheio de erros e falhas. De fato, a
Igreja de Roma, graças a fatores essencialmente políticos, de ambição do poder
temporal, desenvolveu a partir da Idade Média, a doutrina da primazia do Papa
(título, aliás, dado aos Patriarcas de Roma e de Alexandria) como último e,
depois, como único recurso em matéria de Fé. Ora, isto era, é e será,
completamente estranho à Tradição da Igreja dos Apóstolos, dos Mártires, dos
Santos e dos Sete Concílios Ecumênicos. Para esta, a autoridade em questões de
Fé repousa nos Concílios - no acordo entre todos os Bispos, sucessores dos
Apóstolos - e no Povo Real, Hierarquia e fiéis. Havendo, portanto, divergências
entre Oriente e Ocidente acerca da noção de autoridade na Igreja, não podia
existir acordo quanto à maneira de resolver os problemas entretanto surgidos no
seio da Igreja una: a questão do "Filioque", a diferença dos ritos, a
existência de presbíteros casados, a utilização do latim ou das línguas
indígenas, o uso da barba ou da cara rapada entre clero etc. Para a Igreja de Roma, o seu Bispo é o "chefe
da Igreja universal" porque se considera o sucessor de São Pedro. E
interpreta como fundação da Igreja e proclamação dessa chefia universal a
célebre passagem do Evangelho de Mateus: "Tu és Pedro e sobre esta pedra
edificarei a Minha Igreja, e as portas do Inferno não prevalecerão contra
Ela"(16,18). Para a Igreja una e indivisa a interpretação desta passagem
do Evangelho é toda outra. Como disse Orígenes (fonte comum da Tradição
patrística da exegese), Jesus responde com estas palavras à confissão de Pedro:
este torna-se a pedra sobre a qual será fundada a Igreja porque exprimiu a Fé
verdadeira na divindade de Cristo. E Orígenes comenta: "Se nós dissermos
também: 'Tu és o Cristo, Filho de Deus Vivo', então tornamo-nos também Pedro
(...) porque quem quer que seja que se una a Cristo torna-se pedra. Cristo
daria as chaves do Reino apenas a Pedro, enquanto as outras pessoas abençoadas
não as poderiam receber?". Pedro é, então, o primeiro "crente" e
se os outros o quiserem seguir podem "imitar" Pedro e receber também
as mesmas chaves. Jesus, com as Suas palavras relatadas no Evangelho, sublinha
o sentido da Fé como fundamento da Igreja, mais do que funda a Igreja sobre
Pedro, como a Igreja Romana pretende. Tudo se resume, portanto, em saber se a
Fé depende de Pedro, ou se Pedro depende da Fé (...). Por isso mesmo, São
Cipriano de Cartago pôde afirmar que a Sé de Pedro pertence ao Bispo de cada
Igreja Local, enquanto São Gregório de Nissa escrevia que Jesus "deu aos
Bispos, através de Pedro, as chaves das honras do Céu". A sucessão de
Pedro existe onde a Fé justa (ortodoxa) é preservada e não pode, então, ser
localizada geograficamente, nem monopolizada por uma só Igreja nem por um só
indivíduo. Levando a teoria da primazia de Roma
às últimas conseqüências, seríamos obrigados a concluir que somente Roma possui
essa Fé de Pedro - e, nesse caso, teríamos o fim da Igreja una, santa, católica
e apostólica que proclamamos no Credo: atributos dados por Deus a todas as
comunidades sacramentais centradas sobre a Eucaristia, possuindo um verdadeiro
Episcopado, uma verdadeira Eucaristia e, portanto, uma presença autêntica de
Cristo. Afirma, depois, a Igreja de Roma que
é ela a Igreja fundada por Pedro e que essa fundação apostólica especial lhe dá
direito a um lugar soberano sobre todo o universo. Ora a verdade é que, para
além do fato de não sabermos realmente se São Pedro foi o fundador dessa Igreja
Local e o seu primeiro Papa (aliás, terão os Apóstolos sido Bispos de qualquer
Igreja Local...?), temos conhecimento que outras cidades ou outras localidades
mais pequenas podiam, igualmente, atribuir a si mesmas essa distinção, por
terem sido fundadas por Pedro, Paulo, João, André ou outros Apóstolos. Assim, o
Cânone do 6º Concílio de Nicéia reconhece um prestígio excepcional às Igrejas
de Alexandria, Antioquia e Roma, não pelo fato de terem sido fundadas por
Apóstolos, mas porque eram na altura as cidades mais importantes do Império
Romano e, sendo assim, deram origem a importantes Igrejas Locais (...). Toda
esta divergência de pontos de vista entre Roma, considerando-se única detentora
da verdade e da autoridade, e as restantes Igrejas Irmãs, que desejavam
manter-se fiéis ao espírito da Tradição herdada dos Apóstolos, acabou por
resultar nos trágicos acontecimentos de 1054 e 1204 - no dia 16 de julho de
1054, os legados do Papa de Roma entraram na Catedral de Santa (em
Constantinopla, capital do Império), um pouco antes de começar a Sagrada
Liturgia, e depositaram em cima do altar uma bula que excomungava o Patriarca
de Constantinopla e todos os seus fiéis. Esta separação oficial, decidida pela
Igreja Romana, teria sua confirmação em 1204, quando os cruzados, que se
intitulavam cristãos, assaltaram Constantinopla, saquearam e pilharam, fizeram
entrar as prostitutas que traziam consigo para dentro do santuário de Santa ,
sentaram uma delas no trono do Patriarca, destruíram a iconostase e o altar,
que eram de prata. E o mesmo aconteceu em todas as igrejas de Constantinopla. 3. Quais são as
diferenças existentes entre a Igreja Romana e a Igreja Ortodoxa? Eis a pergunta clássica, a que nos é feita
obrigatoriamente... A primeira vista, para quem está de fora, dir-se-ia que
entre a Igreja de Roma e as Igrejas Ortodoxas existem apenas diferenças de "pormenor".
Na prática, as diferenças são profundas e assinalaram destinos bem separados
desde, pelo menos, o século XI. Tentando
resumir essas diferenças, poderíamos dizer que são duas maneiras distintas de
estar no Mundo. E, de fato, só vivendo cada uma dessas espiritualidades se pode
reconhecer como são diferentes entre si (...). Mas
vejamos mais em detalhe quais são essas divergências que opõem a Igreja Romana
à Tradição. A espiritualidade ocidental-romana
tende a colocar o indivíduo acima da comunidade, enquanto a espiritualidade
ortodoxa age, instintivamente, de maneira oposta, sabendo que "ninguém se
salva sozinho". O Ocidente encara a matéria e o espírito como
irremediavelmente separados e opostos entre si, enquanto o Oriente desconhece
essa falsa oposição, trazendo a matéria aos mais sagrados atos de comunhão com
Deus. Essas duas diferentes visões do
mundo, do homem, da Igreja e até de Deus refletem-se, por exemplo, na
arquitetura dos templos: enquanto no Ocidente, a partir de uma certa época
(final da Idade Média) se começou a cultivar um estilo exuberante e pesado,
profundamente "terrestre" (na nossa época, esse peso das coisas deste
mundo atingiu talvez o seu auge, com a construção de templos em cimento armado
iguais a qualquer edificação profana - um banco ou cinema...), no Oriente,
ontem como hoje, a arquitetura cristã é muito mais "leve", tendendo
para o alto e obedecendo a um simbolismo imensamente rico. Por exemplo, as
cúpulas em forma de chama que vemos nas igrejas russas, com as suas cores
brilhantes, em que predomina o dourado, proclamam o poder regenerador da
Criação que foi dado à Igreja de Cristo. Ou seja: a própria arquitetura cristã
ortodoxa anuncia a futura transfiguração do Universo e afirma que mesmo agora a
Terra se transforma em Paraíso, sempre que a Liturgia se celebra e a Graça
divina desce sobre a comunidade cristã celebrante. A decoração interior dos templos é também eloquente
em relação a essas vivências diferentes da mesma mensagem do Cristianismo: os
templos ortodoxos representam a união gloriosa do Céu e da Terra, embora a
santidade e o mistério persistam representados pela Iconostase que separa o
Santuário do resto do templo; por seu turno, os templos da Igreja Romana, pela
sua própria mistura de estilos e arquitetura, refletem a constante necessidade
de mudança de quem perdeu o sentido da Tradição e da eternidade. Também são significativas as diferenças verificadas
nas Liturgias - a Igreja Ortodoxa celebra normalmente uma Liturgia com mais de
1500 anos de existência; a Igreja Romana celebra cerimônias sucessivamente
sujeitas a alterações, quer no texto, quer na forma. Outra das diferenças reside na importância
desmedida que a Igreja Romana dá as funções e à figura do Papa de Roma,
considerando-o "chefe universal" da Igreja. É uma visão
centralizadora da Igreja, completamente estranha à Tradição cristã, que
resultou em parte das circunstâncias históricas e políticas vividas no
Ocidente. Efetivamente, no Ocidente, o Bispo de Roma atua como senhor todo
poderoso de uma Igreja que não lhe pertence e as suas ordens, em princípio, são
rigorosamente executadas como se se tratasse das decisões de um chefe temporal.
Do ponto de vista da Igreja Romana, o centro do mundo está de fato em Roma e o
Papa é o seu líder supremo. Para
a Igreja Ortodoxa, que procura cumprir escrupulosamente a Tradição, Roma até ao
séc. XI era apenas o primeiro dos Patriarcados tradicionais e o seu Bispo era o
Patriarca do Ocidente, "primeiro entre os seus iguais" - o que não
lhe dava o direito a qualquer função de "chefia" da "Igreja
Universal" (outra idéia estanha à Tradição): o único chefe de Igreja é
Cristo, e não o Papa de Roma ou o Patriarca de Constantinopla (...). Outras
diferenças consistem na questão do casamento dos Presbíteros e Diáconos, na
maneira como os cristãos são ensinados a benzer-se ou a rezar, ou na
administração dos próprios Sacramentos - por exemplo, o Batismo romano é feito
por aspersão da água, enquanto o Batismo ortodoxo é feito por tripla imersão
completa do corpo na água; a Eucaristia na Igreja Ortodoxa é ministrada, desde
sempre, segundo as duas espécies, pão e vinho, etc. Também os textos das orações diferem no Ocidente e
no Oriente - isso acontece, por exemplo, com o Pai Nosso, a Ave Maria e,
principalmente, com o Credo de Niceia-Constantinopla. Aliás, no caso do Credo,
a Igreja Romana introduziu no texto original um elemento, o "Filioqüe",
que deu origem ao seu próprio cisma - ao contrário do que alguns historiadores
afirmam, o cisma é realmente "do Ocidente", visto que foi a Igreja
Romana quem se separou da comunhão de Fé das Igrejas Irmãs. Até mesmo em relação à música sacra diferem as duas
espiritualidades: enquanto na Igreja Ortodoxa continua a ser utilizada apenas a
voz humana no louvor a Deus (tal como manda a Tradição), na Igreja Romana, depois
de se ter abandonado o canto gregoriano, foi adotada toda a espécie de
instrumentos musicais, cedendo às modas de cada época. Além do Credo, outras diferenças dogmáticas existem
que separam a Igreja Romana da grande fonte da Tradição - é o caso, por exemplo,
da "Imaculada Conceição" de Maria, ou do "Purgatório",
ambos conceitos e dogmas estranhos à Tradição da Igreja, inventados pura e
simplesmente pelos teólogos de Roma; ou da falsa oposição entre graça e
liberdade; ou a própria concepção do pecado original - Roma acredita e ensina
que o pecado de Adão e Eva é "hereditário", é um pecado de "natureza",
enquanto para a Igreja una o pecado é sempre um ato pessoal, de pessoa livre e
responsável: nós não herdamos "naturalmente" o pecado dos nossos
primeiros pais; seremos culpados como eles se pecarmos como eles pecaram. A
Tradição patrística define a herança da Queda como a da mortalidade e não a do
pecado (por isso também o sentido do Batismo dos recém nascidos não é o da
remissão dos pecados, que não existem ainda, mas o de lhes dar uma vida nova e
imortal que os seus pais, mortais, não lhes puderam transmitir). 4. Uma das
questões dogmáticas que separam a Igreja Romana da Igreja Ortodoxa é a questão
do «Filioqüe». Qual o seu significado? A
palavra "Filioqüe" significa "e do Filho" e representa uma
afirmação teológica introduzida abusivamente pelo Ocidente no texto original do
Credo de Niceia-Constantinopla. Essa interpretação abusiva começou por ser
feita em Espanha, nos Concílios de Toledo dos séculos VI e VII e, mais tarde,
generalizou-se a todo o Ocidente. Vejamos
o que diz o texto original do Credo: "Creio no Espírito Santo (...) que
procede do Pai, e com o Pai e o Filho recebe a mesma adoração e a mesma
glória". Portanto, temos uma afirmação muito clara de que: «O Pai, criador de todas as coisas, gerou o Filho e
espirou o Espírito Santo; Tanto o Pai, como o Filho, como o Espírito Santo, são
adorados e glorificados do mesmo modo; isto é, nós, cristãos, adoramos e
glorificamos uma Trindade perfeita, três Pessoas num só Deus.» Ao alterar esse texto, aprovado por todos os Padres
conciliares e inspirados pelo Espírito Santo, a Igreja Romana impôs aos seus
fiéis a seguinte modificação: «Creio
no Espírito Santo (...) que procede do Pai e do Filho ('Filioqüe')" Isto
significa que o Espírito Santo é visto como uma terceira Pessoa "diminuída"
em relação ao Pai e ao Filho. Como se o Espírito Santo já não devesse ser
adorado e glorificado do mesmo modo e com a mesma fé com que o são o Pai e o
Filho (...)». Para quem está fora e não vive intensamente a presença ativa da
Santíssima Trindade em todos os atos da vida cristã, pode parecer que esta
questão do "Filioqüe" é um simples jogo de palavras. Pensar assim é cair num erro grave: o de acreditar
que em matéria tão fundamental como a Teologia há questões de "pormenor"
que os teólogos se entretêm a discutir (...) Mas
pior do que isso é ignorar que os Concílios Ecumênicos proibiram formalmente
que fossem introduzidas quaisquer modificações no Credo, precisamente porque o
Credo é patrimônio espiritual comum de toda a Igreja e uma parte da Igreja não
tem o direito de o alterar. Assim, o Ocidente, alterando arbitrariamente o
Credo sem consultar as Igrejas Irmãs do Oriente, tornou-se culpado de "fratricídio
moral" (como, lembrava um teólogo russo do século XIX, Dimitri Khomiakov),
isto é, de pecado contra a unidade da Igreja, contra a fé católica que é
conciliar. Como diria outro teólogo, Vladimir Lossky,
a controvérsia sobre o "Filioqüe" incidia, afinal, sobre o fato de
que "pelo dogma do 'Filioqüe', o Deus dos filósofos e dos sábios tomou o
lugar do Deus vivo... A essência incognoscível do Pai, do Filho e do Espírito
Santo recebe qualificações positivas, torna-se objeto de uma teologia natural,
relativa a 'Deus em geral', que pode ser o Deus de Descartes ou o de Leibnitz,
ou mesmo, até certo ponto, o de Voltaire e dos deístas descristianizados do
séc. XVIII" - mas não é certamente o Deus Tri-único que os santos mártires
proclamaram com o seu sangue. Ora é esta a acepção da Santíssima Trindade que a
Santa Igreja Ortodoxa igualmente proclama desde os Apóstolos até hoje e para
sempre. 5. A Igreja Romana intitula-se a si mesma "Igreja Católica".
Por seu turno, a Igreja Ortodoxa afirma no Credo que crê na "Igreja
Católica". Será que os ortodoxos e católicos romanos crêem na mesma coisa
(...)? Efetivamente, ao cantarmos o Credo na
Sagrada Liturgia ou durante um Batismo, nós afirmamos que cremos na Igreja "una,
santa, católica e apostólica" - atributos da Igreja Una e Indivisa, a
Igreja dos Sete Concílios Ecumênicos, que a Tradição nos deixou como preciosa
herança. Hoje, depois de a Igreja de Roma se ter separado da Árvore da Tradição
(que é a Árvore da Vida), tanto essa Igreja como a Igreja Ortodoxa se afirmam
como "católicas". Mas
enquanto para a Igreja Romana "católico" significa universal, na
Igreja Ortodoxa "católico" quer dizer algo de mais concreto e mais
íntimo, inerente ao próprio ser da Igreja - toda verdade pode ser considerada
universal mas nem toda a verdade é a Verdade católica, que é a Verdade cristã.
Querendo identificar a catolicidade da Igreja como o caráter universal da
missão cristã, seremos obrigados a chamar católicas, também, a outras religiões
como o Budismo, o Islamismo... Sendo assim, devemos desistir de tentar identificar
"católico" como "universal". A Catolicidade é uma qualidade
da Verdade revelada e dada à Igreja; um modo de conhecimento da Verdade que é
próprio da Igreja de Cristo. A Catolicidade da Igreja constitui um acordo
perfeito entre a unidade e a diversidade, a natureza humana, que é una e as
diversas pessoas, que são múltiplas. Desse modo, "católico" é aquele
que sabe ultrapassar a sua própria individualidade, identificando-se
misteriosamente como o Todo e tornando-se testemunha da Verdade em nome da Igreja
- e é ai que reside, por exemplo, a força dos Padres da Igreja, dos Confessores
e dos Mártires, assim como a força dos próprios Concílios. "A Igreja
reconhece como seus, aqueles que estão marcados pelo selo da
catolicidade", dirá o grande teólogo Vladimir Lossky. Portanto, a
catolicidade não é um termo espacial ou geográfico para designar a extensão
física da Igreja, espalhada por toda a Terra: é uma qualidade própria da Igreja
de Cristo, desde o seu início e para sempre. E a Igreja está neste mundo, mas o
Mundo não pode contê-la, não pode limitá-la, porque ela não é deste mundo (...) 6. O que é Igreja
Local? Para a Tradição da Igreja é
impensável admitir uma "Igreja universal" com centro em Roma ou
Constantinopla. Pelo contrário, a Tradição diz-nos que toda a importância
assenta na Igreja Local, ligada a um povoe a uma região. Sendo assim, a Igreja Ortodoxa não é "democrática",
como as Igrejas da Reforma protestante (em que todas as igrejas são
independentes, sem qualquer ligação entre elas), nem "monárquica" como
a Igreja Romana (em que tudo depende da decisão de um governo central, como
sede em Roma). A base da Ortodoxia é a Igreja Local,
espelho da Santíssima Trindade - as Igreja Locais são autocéfalas, iguais em
santidade e dignidade entre si e unidas numa sinfonia que é a Fé comum, tal
como as três Pessoas da Trindade Santíssima. Aliás,
esta ideia da igreja como espelho vivo da Trindade é muito mais vasta: a igreja
possui três Ordens menores (Leitor, Chantre e Subdiácono), três Ordens maiores
(Diácono, Presbítero e Bispo), três dignidades diaconais (Diácono, Proto-diácono,
Arcediago), três dignidades presbiterais (Presbítero, Arcipreste, Proto-presbítero)
e três dignidades episcopais (Bispo, Arcebispo ou Metropolita e Patriarca). Resumindo, diríamos que a Igreja Ortodoxa é
essencialmente uma vasta família de Igrejas irmãs, unidas pela comunhão da
mesma Fé e dos mesmos mistérios, e diversas pelos seus ritos e pela sua
localização no tempo e jo espaço. Para Ela não existe um centro nem um chefe
único da Igreja que não seja o próprio Cristo. 7. Mas existe uma diferença entre
Tradição e tradições? Existe, de fato,
uma diferença entre a Tradição e as tradições. A Tradição é um tesouro comum a
todas as Igrejas Ortodoxas, seja a Grega seja a da Finlândia. As tradições
podem ser particulares a uma certa Igreja local, sendo igualmente transmitida
como o tempo, de pais a filhos, de mestres a discípulos. Na Igreja Ortodoxa existem duas grandes tradições
distintas, a grega e a russa, que se diferenciam entre si em certos pontos de
interpretação de usos e costumes da Igreja - por exemplo, a tradição russa
recebe os novos fiéis vindos de outros ramos, católico romano ou protestante,
pela imposição dos Santos Óleos do Crisma; a tradição grega recebe os novos
fiéis obrigatoriamente pelo Batismo. Mas
sobrepondo-se a todas as tradições particulares e locais existe a grande
Tradição, criativa, contento em si mesma a capacidade de se adaptar (sem se
alterar) às mudanças que os tempos exigem; uma Tradição que é uma vida, que deve
ser vivida por dentro, no nosso dia-a-dia, num encontro pessoal e constante com
Nosso Senhor Jesus Cristo. A nossa fidelidade a essa Tradição é a garantia de
que estamos na verdade. A Igreja a que pertencemos, a Igreja de Cristo, una e
indivisa, encara a Tradição como uma experiência viva do Espírito Santo no
presente, e não como uma simples aceitação do passado. Para nós, a Tradição não muda, é imutável, porque
Deus também não muda e a Revelação foi-nos dada uma vez por todas. A sua
compreensão perfeita só é possível dentro da Igreja, numa união permanente
entre o Povo Real (guardião da Fé) e o seu Clero. 8. Por que os
ortodoxos se benzem ao contrário? Os
cristãos ortodoxos não se benzem ao "contrário" - os fiéis de outras
confissões de origem cristã é que se benzem de maneira errada. De fato, a
Igreja Ortodoxa ensina os seus fiéis a benzerem-se de acordo com a Tradição que
nos foi legada pelos nossos Paias na Fé. E o fato de nos benzermos desta ou de
outra maneira também não é questão sem importância: é um conjunto de gestos
cheios de significado e de simbolismo. Senão vejamos: quando nos benzemos,
começamos por unir os três primeiros dedos da mão direita (a mão nobre),
simbolizando a Trindade. Depois, dizendo "Em Nome do Pai", tocamos
com esses três dedos unidos primeiro a testa e, seguidamente, na zona da
cintura, simbolizando que o Pai é o Criador do Céu e da Terra; em seguida,
dizemos "e do Filho" e tocamos com os três dedos unidos no ombro
direito - porque o Filho, Jesus Cristo, ressuscitou e sentou-se à direita do
Pai; finalmente, dizemos "e do Espírito Santo" tocando com os três
dedos unidos no ombro esquerdo - o Filho e o Espírito Santo são os dois "braços"
do Pai agindo na Criação. Deste
modo, traçamos uma cruz sobre o nosso próprio corpo, afirmando,
simultaneamente, a nossa fé na Santíssima Trindade e na essência de Cristo. Convém ainda salientar que até ao séc. XI todos os
cristãos, no Oriente e no Ocidente, se benziam como nós, ortodoxos, o fazemos. 9. Afirma-se
muitas vezes que a espiritualidade ortodoxa é uma espiritualidade
"monástica". O que é que isto significa? A espiritualidade ortodoxa é, de fato,
caracteristicamente monástica, o que significa que todo o cristão ortodoxo
tende para a vida monástica. Ou seja: mesmo que se trate de um leigo, casado e
com filhos, trabalhando para se alimentar e à sua família, ele vive no seu
interior, na sua parte maior e mais importante, um apelo constante à oração, à
transformação da vida espiritual, de acordo com o ideal monástico. Recordamos
as palavras de são João Crisóstomo: "Aqueles que vivem no mundo, embora
casados, devem em todo o resto assemelhar-se aos Monges". Desde a sua aparição no deserto egípcio, no fim do
século III e começo do século IV, até hoje, o Monge lembra-nos a todo o momento
que o Reino de Deus não é deste Mundo e que, portanto, o cristão é um homem de
passagem, em trânsito para uma vida melhor. Do
mesmo modo, o cristão ortodoxo (simbolicamente tonsurado quando recebido na
Igreja), ao assumir uma espiritualidade deste tipo, vive permanentemente a
tensão entre o que é deste Mundo ("de César") e a esperança da vida
eterna junto do Pai, do Filho e do Espírito Santo. Aliás, já São Teodoro Studita (759-826) - abade do
grande Mosteiro de Studios, e que desempenhou um papel tão importante na história
do Monaquismo - dizia que os Monges formam uma comunidade que realiza da
maneira mais plena e mais perfeita o que a Igreja deveria ser no seu conjunto.
E, assim, podemos dizer que a Igreja é uma comunidade de crentes que, estando
neste Mundo, não é por ele limitada - essa comunidade está neste Mundo mas não
é deste Mundo: vive já ansiando pela segunda vinda de Cristo, qure pode
acontecer a qualquer momento( ...) 10. O que é um Monge? Monge é "aquele que está separado de todos e
unido a todos", segundo a noção que nos é dada pelo mestre do ascetismo
que se chamou Evágrio o Pôntico. "É
assim chamado porque conversa com Deus noite e dia e não imagina senão as
coisas de Deus, sem nada possuir na terra". "É chamado Monge porque
em primeiro lugar é sozinho, é solitário, abstendo-se do casamento e
renunciando ao mundo, interior e exteriormente; em segundo lugar, porque se
dirige a Deus na oração incessante, para que Deus purifique o seu intelecto,
enquanto tal, se torne monge e solitário em presença de Deus verdadeiro, sem
admitir pensamentos do mal" (São Macário o egípcio). Ou como dizia Santo Hesíquios, "o verdadeiro
Monge é aquele que atinge a sobriedade. E o Monge verdadeiramente sóbrio é
aquele que é Monge no seu coração". De
acordo com os grandes e santos Padres da Igreja, o Monge é, afinal, aquele que
quer ser salvo, levando uma vida de acordo como o Evangelho, procurando o único
necessário, fazendo a si próprio violência em tudo. Podemos dizer que, de certo modo, foram os monges
que ensinaram a comunidade cristão a rezar. Efetivamente, foram eles que
desenvolveram uma prática litúrgica progressivamente adotada pela Igreja no seu
conjunto e que se manteve até hoje. Foram também os monges que criaram uma
tradição de oração pessoal e de contemplação incessante. Isto é, foram os
monges que nos ensinaram a conceber a oração como um meio de alcançar o fim da
vida cristã: a participação em Deus, a deificação, comungando pelo Espírito
Santo com a humanidade deificada de Cristo. 11. O que significa
"Metanóia"? Metanóia" é
uma palavra grega que significa "arrependimento", "conversão".
Arrependimento e conversão que nos abrem as portas da Graça de Deus, a Graça
que nos dá acesso ao caminho da santidade. A
Metanóia ajuda-nos a receber o dom das lágrimas, de que falava São Simeão o
Novo Teólogo: "É impossível limpar uma veste suja na ausência de água e,
sem lágrimas, mais impossível, ainda, é limpar e purificar a alma das suas
manchas e impurezas". "O arrependimento faz jorrar lágrimas das
profundezas da alma: as lágrimas purificam o coração e fazem desaparecer os
grandes pecados". Metanóia é, também, o nome dado a
dois gestos rituais transmitidos pela Santa Tradição: a "pequena Metanóia",
que é o gesto que fazemos diante de um Ícone, antes de o beijarmos, ou de um
Bispo, antes de lhe pedirmos a bênção; a "grande Metanóia", que é a prostação
que fazemos no "grande perdão", nas nossas orações privadas ou
durante o ofício de vésperas e da Sagrada Liturgia (quando celebrada em dias
feriais). www.eclesia.com.br. Abraço.
Davi
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