Maharabharata.
Livro Marabharata – Versão Condensada da Maior Epopeia do Mundo. Recontado
por Krishna Dharma (1950 - ). Capítulo Seis. A PRINCESA QUE NASCEU DO FOGO. EM
HASTINAPURA, OS MENSAGEIROS DE VARANAVATA trouxeram a notícia da suposta morte
dos pândavas. Dritarastra soluçava, triste. Genuinamente triste, pois sua
aflição originava-se do sentimento de culpa. Ele segurava a cabeça e chorava:
“Hoje é que o meu querido irmão Pandu, que vivia por meio dos filhos,
morreu. Este é um dia negro para os Kurus”. O rei instruiu para que se fizesse
uma cerimônia fúnebre. Milhares de cidadãos, chorando, entraram nas águas do
Ganges para ofertar flores às almas que haviam partido. Lamentavam-se
terrivelmente, chamando alto os nomes de Kunti e de seus filhos. Bishma se
mostrou particularmente aflito, isolando-se em seus aposentos para chorar
sozinho. Duriodhana e os irmãos deram ostensivas demonstrações de tristeza,
lamuriando-se sem cessar, mas internamente se rejubilavam. Vidura não se
mostrou muito triste, mas sabia que não podia revelar a verdade a ninguém. Até
mesmo Bishma, que era favorável aos pândavas, certamente contraria ao rei que
eles estavam salvos, e haveria muita perturbação e tensão em Hastinapura. Seria
melhor aguardar até que o Senhor revelasse um momento mais oportuno. Os
pândavas viveram um tempo em Ekachacra. Apresentando-se como brâmanes, ganhavam
a vida pedindo esmolas. De dia, percorriam a aldeia coletando esmolas. Voltavam
ao anoitecer e Kunti preparava a refeição, dividindo a comida em duas partes –
metade, para, Bima e metade para todos os outros. Enquanto os pândavas viviam
em Ekachacra, um brâmane viajante pernoitou na casa deles e lhes contou
histórias que ouvira em suas viagens. Souberam, então, que em breve haveria uma
cerimônia de swayamvara na capital do rei Drupada, na qual sua filha escolheria
um marido. O brâmane descreveu a filha de Drupada: Essa nobre moça é de uma
beleza incomparável. E não nasceu como qualquer de Draupadi. Fascinados, os
pândavas pediram ao brâmane que lhes falasse mais sobre Draupadi. Esta história
começa, na verdade, com o nascimento de Drena, o brâmane respondeu, “e tem suas
raízes no relacionamento entre o grande acharia e o poderoso rei Drupada”. O brâmane narrou a história do
desentendimento entre Drona e Drupada, que os pândavas conheciam tão bem. Eles
se mantiveram em silêncio enquanto o brâmane relatava como eles tinham
derrotado Drupada. Depois disso, o rei foi espumando de indignação. Ele queria
se vingar de Drona. Compreendendo que somente outro brâmane poderoso poderia se
igualar a Drona e vencê-lo, entrou na floresta para procurar um. Encontrou dois
irmãos brâmanes, chamados Yaja e Upayaja. Quando lhes perguntou se poderiam
fazer com que tivesse um filho que vencesse Drona, eles aceitaram fazer um
sacrifício para esse fim. Drupada e sua esposa se sentaram no momento do
sacrifício, observando enquanto os dois irmãos faziam as oferendas ao grande
fogo. Então, ante seus olhos atônitos, um jovem surgiu do fogo. Vestido com
armadura de ouro, o guerreiro resplandecente imediatamente subiu no carro e
circulou por ali, gritando e brandindo o arco. Uma voz celestial anunciou que
ele tinha nascido para destruir Drona, e foi-lhe dado o nome de Dristadiúmna.
Logo após, uma moça também surgiu do fogo. Com a pele clara como um lótus azul,
era linda como a deusa da fortuna. Seus olhos eram escuros e seus cabelos caíam
em cachos negros. Emanavam uma fragrância doce, tinha a cintura bem fina, seus
lábios eram sensuais e seus membros delicados. Ouviu-se novamente a voz
celestial: Esta beleza divina será a melhor das mulheres. Cumprindo o propósito
dos deuses, ela provocará a morte de incontáveis guerreiros. O brâmane também
lhes contou que Drona, mesmo sabendo que o rapaz tinha nascido para mata-lo, o
aceitara em sua academia e lhe ensinara a ciência das armas. Quando o brâmane
terminou de falar, os pândavas ficaram em silêncio. A mente deles viajava até o
passado. Sabendo que seu amado guru. Drona seria morto, e também escutando a
descrição de Draupadi, celestialmente adorável, ficaram pasmos e sentiram que falar,
naquele momento, seria supérfluo. Naquela noite, depois que se retiraram para
descansar, Kunti falou aos filhos. Vendo que estavam ansiosos, disse-lhes: Nós
já vivemos aqui por um longo tempo. Acho que deveríamos agora partir para o
reino de Drupada, Panchala. Iudístira concordou. Tanto ele quanto seus irmãos
queriam muito ir ao swayamvara de Draupadi. Mas ele se lembrou do aviso de
Viasadeva: O rishi nos pediu que o esperássemos aqui até que ele voltasse. No
momento em que pronunciou o nome de Viasadeva, o sábio repentinamente apareceu
perto deles. Todos logo o reverenciaram, ajoelhando-se a seus pés, e ele disse:
Entendi o desejo de suas mentes e vim aqui vê-los. Vocês certamente devem ir a
Panchala para o swayamvara de Draupadi. O sábio também disse que Arjuna deveria
participar do concurso para ganhar a mão de Draupadi. A princesa é uma noiva e
tanto. Na verdade, ela está destinada a se casar com vocês. Iudístira falou: Ó
rishi onisciente, iremos logo para Panchala. Viasadeva então se despediu de Kunti
e dos irmãos e, no dia seguinte, eles partiram para a cidade de Drupada,
Kampilia, a capital de Panchala. Caminhando pelas estradas dia e noite, iam na
direção norte. Depois de três dias de viagem, chegaram ao rio Ganges. Já era
noite, e andavam iluminados pela tocha que Arjuna carregava. Quando se
aproximaram do rio, foram repentinamente interpelados por alguém que lhes
gritou de dentro da escuridão. Alto lá! Vocês não podem seguir adiante. Sou
Angaraparna, um chefe gandarva que está se banhando neste rio. É durante a
noite que os seres celestiais como nós usam o rio. Os homens devem se banhar
somente de dia. Se vocês se aproximarem mais, correrão sério perigo. Sou
poderoso e não tolerarei qualquer abuso. Arjuna colocou a tocha em várias
direções e finalmente viu o gandarva à sua frente, sentado num carro de ouro.
Dando um passo à frente, ele riu e falou: Ó tolo, desde quando o rio Ganges
pode ser fechado a qualquer pessoa e a qualquer hora? Isso é totalmente
contrário aos princípios religiosos. Só mesmo uma pessoa ignorante ou sem
nenhum poder acataria seu aviso. Quanto a nós, não damos a mínima para as suas
palavras. Angaraparna ficou furioso. Imediatamente pegou seu arco e atirou
inúmeras flechas, que sibilavam como serpentes venenosas. Arjuna não se perturbou:
aparou algumas das flechas com o escudo que tinha numa das mãos e outras com a
própria tocha. Sempre rindo, falou: Ó gandarva, não tente intimidar aqueles que
são os melhores nas armas. Você está desperdiçando seu tempo. Mas, por ser um
ente celestial, lutarei contra você com armas celestiais. Prepare-se para
receber a Agneyastra, o míssil do deus do fogo! Elevando a tocha, Arjuna
recitou alguns mantras para invocar o poder da arma celestial. Então, atirou a
tocha contra Angaraparna. Carregada de poder místico, a tocha explodiu contra o
carro do gandarva e o reduziu a cinzas. Atônito, este caiu de cabeça no chão.
Arjuna o levantou pelos cabelos, que estavam adornados com guirlandas de
flores, e o levou aos pés de Iudístira. A esposa de Angaraparna, chocada,
correu até Arjuna e lhe pediu, de mãos postas, que liberasse o marido.
Iudístira sorriu para Arjuna e falou: Ó herói, quem mataria um inimigo que é
vencido na batalha, indefeso, de quem lhe tiram a honra e ainda por cima
protegido por uma mulher? Deixe-o ir. Arjuna libertou Angaraparna; e sua esposa
correu até ele e respingou água em seu rosto. O gandarva se levantou e disse a
Arjuna, em voz Baixa: Daqui por diante renuncio a meu orgulho, uma vez que fui
humilhado por um homem. Ainda assim, considero uma sorte ter conhecido herói
como vocês, que comandam armas divinas. Vocês me devolveram a vida, e desejo
lhes dar alguma coisa em troca. Angaraparna, então, concedeu a Arjuna o poder
de ver qualquer coisa, assim como sua natureza essencial, que existisse no
mundo. Também lhe ofereceu o poder de criar ilusões durante uma batalha. Além
disso, ainda lhe darei cavalos que podem galopar na velocidade do pensamento.
Por favor, aceite presentes, ó homem sem pecados. Arjuna juntou as mãos e
respondeu: Não posso aceitar nada em troca de sua vida. Os Vedas ordenam que
não se mate uma pessoa perturbada e, além disso, meu irmão me ordenou que o
libertasse. Portanto, este era o meu dever. Arjuna perguntou, então, por que o
gandarva os desafiara. Nós conhecemos os Vedas, somos virtuosos e conhecedores
poderosos das armas. O que fizemos de errado? Angaraparna respondeu que tinha
se sentido ofendido e incapaz de tolerar a transgressão dos irmãos. Ninguém que
tenha algum poder deve aceitar um insulto na frente de sua esposa. E, depois,
vocês não estão acompanhados de nenhum sacerdote, nem carregam consigo nenhum
fogo sagrado. Foi por isso que os censurei. O gandarva continuou explicando que
o rishi Narada tinha lhe contado muitas coisas acerca da raça Kuru. Ele também conhecia
pessoalmente todos os deuses que eram pais dos pândavas. Sei que vocês são
todos homens virtuosos. E pelo poder dessa mesma virtude foi que você me
venceu, um ser celestial. Entretanto, é fundamental que encontrem um brâmane
para ser seu guia. Os reis sem brâmanes são logo derrotados, enquanto aqueles
guiados e aconselhados por eles podem conquistar a terra inteira e finalmente
chegar aos céus. Arjuna então lhe perguntou se ele poderia orientá-lo para que
encontrassem um guru. Angaraparna replicou: Dirijam-se ao norte, até um
eremitério chamado Utkacha. Lá vocês conhecerão um rishi refulgente de nome
Daumya. Se desejarem, podem aceita-lo como guia. Agradecendo ao gandarva pelo
conselho, os pândavas se despediram dele e começaram a caminhar na direção norte.
Dentro em pouco chegaram a Utkacha. Aproximando-se, reverenciaram ajoelhando-se
aos pés do rishi, que os recebeu com oferendas de água fresca e frutas
silvestres. Daumaya ficou impressionado com a humildade dos irmãos e notou que,
da mesma forma que ele próprio, eram todos vaishnavas, ou seja, adoradores de
Vishnu. Assim, quando lhe pediram que se tornasse guru deles, prontamente
aceitou. Os irmãos se rejubilaram. Com a orientação de Daumya, sentiam que o
reino deles já estava quase recuperado, os inimigos derrotados e a princesa
panchala, ganha. Daumya, por sua vez, sentia que, pela virtude, os cinco irmãos
logo seriam os senhores da terra. Na manhã seguinte, os pândavas e Daumya
partiram rumo a Kampilia. No caminho, encontraram multidões de brâmanes que
também estavam se encaminhando para o swayamvara. Juntando-se a eles, os irmãos
pareciam cinco jovens ascetas. Barbudos e com os cabelos presos num coque acima
da cabeça, ninguém os reconheceria no meio de tantos brâmanes que caminhavam
pela estrada. Depois de alguns dias, chegaram a uma aldeia nas cercanias de
Kampilia. Lá, acharam acomodações na casa de um ceramista, onde começaram a
viver como viviam em Ekachacra, ou seja, pedindo esmolas. Os irmãos ouviram das
pessoas do povoado muitas coisas sobre o swayamvara. Por exemplo, que o rei
Drupada tinha concebido um teste difícil para os candidatos à mão de sua filha.
Fora construído um arco especial, imenso, pesadíssimo e feito da nogueira mais
forte. Qualquer um que tivesse esperanças de ganhar Draupadi como esposa teria
de dobrar o arco que lhe colocar o fio e então usá-lo para atingir um alvo bem
difícil. Um pequeno pássaro de madeira que fora colocado em cima de um alto
mastro. Um prato de metal com um furo no meio passava pelo pássaro e este era visto
através do furo, em determinados momentos. Os arqueiros teriam que acertar uma
flecha no pássaro, através do orifício do prato, no momento exato em que o
pássaro se mostrasse. Ouvindo isso, Arjuna se animou e rezou para que tivesse
oportunidade de participar do concurso. Se ganhasse Draupadi como esposa e
assegurasse, com o casamento, a aliança de Drupada, isso fortaleceria
imensamente a posição de Iudístira. E esperou ansiosamente pelo dia da
cerimônia. Em Kampilia, chegavam todos os dias muitos reis e príncipes de
vários países. Drupada lhes havia mandado preparar acomodações luxuosas.
Erigira também um enorme estádio, cercado por muros altos e brancos onde cem
portões largos foram instalados. No dia da cerimônia uma multidão de pessoas
vestidas de todas as cores entrou, como ondas do mar, por aqueles portões, e
encheu gradualmente os terraços. Assentos ornados de joias ficavam nas
primeiras filas sobre plataformas de ouro, e um por um os monarcas ocuparam
seus lugares. Os tambores rufaram e milhares de conchas foram sopradas. O ar se
encheu de perfumes de incenso e, dentro da arena, muitos brâmanes cantavam
hinos védicos. Multidões de brâmanes ascetas entoaram no estádio, parecendo que
iluminavam todos os cantos com a refulgência dos seus corpos. Os pândavas e
Daumya deixaram Kunti na casa do ceramista e entraram na arena junto com os
brâmanes. Despercebidos de todos, sentaram-se no meio dos ascetas e olharam ao
redor da arena. Na frente de todos os reis estava Duriodhana, cercado pelos
irmãos, todos vestido com armaduras e joias de ouro. Ao ver o príncipe com a
cabeça levantada, olhando arrogantemente à sua volta, Bima sentiu que sua
antiga raiva voltava. Tinha vontade de correr até lá e agarrar Duriodhana pelo
pescoço, mas se controlou. Os irmãos ainda não podiam se arriscar a ser
descobertos. De um lado da arena se sentavam Drupada com os filhos e ministros.
Antes do início da cerimônia, ele distribuiu montes de ouro e joias entre os
brâmanes, desejosos de atrair toda a felicidade do mundo para sua filha. Os
pândavas não se levantaram, enquanto os brâmanes que estavam sentados ao redor
foram até o rei receber as doações. Quando todos já haviam ganhado riquezas
suficientes, o filho de Drupada, Dristadumna, se ergueu e anunciou o início do
swayamvara. Sua voz poderosa ecoava pelo estádio como um trovão. A princesa
Draupadi escolherá hoje seu marido. Qualquer um que deseje sua mão em casamento
terá que passar pelo seguinte teste: aqui está um arco e ali, o alvo. O homem
de berço nobre que conseguir dobrar e encordoar este arco e, com ele, atirar
uma flecha e fazer cair o alvo, ganhará a mão de Draupadi. O que eu disse é
verdade. Dristadiumna apontou para o imenso arco sobre uma mesa, próxima ao
alvo. Quando se sentou novamente, Draupadi desceu e deu uma volta pela rena. Um
grande murmúrio ecoou na plateia, quando os homens viram sua beleza
estonteante. Draupadi tinha traços perfeitos e a fina cintura tornava seu corpo
ainda mais encantador. Ela parecia brilhar como a lua cheia. Todos os olhares a
seguiram, enquanto ela voltava a seu lugar na plataforma real. Enquanto a linda
princesa passava diante deles, os reis e príncipes se levantavam dos assentos,
entreolhando-se admirados e gritando: Draupadi será minha! Nada disso, serei eu
o felizardo que a ganhará! Aflitos pelo desejo, invejavam-se reciprocamente e
desconfiavam até dos próprios amigos. Enquanto se exibiam e contavam vantagens
do poder que possuíam, com grande barulho. Dristadiumna novamente se levantou
para pedir silêncio. Quando todos se aquietaram mais uma vez, viram acima da
arena inúmeros deuses e outros seres celestiais que chegavam para testemunhar a
cerimônia. Aqueles seres divinos ficaram suspenso no céu, sentados acima das
cabeças dos convidados em seus carros dourados, e logo jogaram uma chuva de
flores celestiais na arena. No meio dos príncipes estavam Krishna e seu irmão
Balarama. Olhando ao redor, na plateia, avistou os pândavas. Sorriu e disse
baixinho a Balarama: Caro irmão,olhe discretamente naquele lado. Consegue ver
Iudístira e seus irmãos? Balarama olhou cuidadosamente os cinco homens sentados
juntos e, então, sorriu para Krishna, concordando. Os dois estavam felizes de
ver os pândavas salvos e bem dispostos. Então, Drupada anunciou que os testes
poderiam começar. Olhou para todos os reis e pensou que nenhum deles merecia
Draupadi. Apenas Krishna e os monarcas de Madura pareciam qualificados, mas
eles não estavam participando do teste. Só existia uma pessoa no mundo que
Drupada desejava como genro: Arjuna. Tendo ouvido rumores de que os pândavas
tinham conseguido se salvar do incêndio em Varanavata, planejara um teste no
qual tinha certeza de que só Arjuna poderia passar. Inclusive, no nascimento de
Draupadi, os brâmanes tinham lhe dito que ela seria a noiva de Arjuna. Será que
aquelas palavras eram falsas? Onde estaria Arjuna? E o rei olhava para os lados
ansiosamente. Depois de verem Draupadi desfilando pela arena, os pândavas
sentiram as flechas do amor. Admiraram-na de olhos arregalados. Certamente ela
não poderia cair nas mãos de Duriodhana, nem de seus camaradas. Como poderiam
aqueles infames merecer tal prêmio? Olhando atentamente o pesado arco, Arjuna
duvidou que qualquer Kaurava conseguisse usá-lo. Sem dúvida, logo teria a
oportunidade de participar do teste para ganhar a princesa. Dristadiúmna
começou a chamar os nomes dos monarcas e eles subiram até onde o arco estava.
Mas, assim que tentavam encordoá-lo, confundiam-se terrivelmente. Alguns nem
conseguiam levantá-lo! Os que conseguiam, usavam toda a força de que dispunham
para dobrá-lo apenas um pouco. Tentando e lutando até o limite de suas forças,
a maioria caía no chão e lá ficava, gemendo. Assim, um por um, todos os reis e
príncipes foram humilhados e voltaram devagar para seus lugares, sem mais
esperanças de ganhar Draupadi. Depois de uns vinte reis terem tentado e
falhado. Karna se levantou e se dirigiu ao local do teste. Um murmúrio de
admiração se ouviu quando ele ergueu, dobrou e encordoou o arco em questão de
segundos. Colocou uma flecha no arco e mirou o alvo. Vendo que ele estava
decidido a atirar, Iudistira e seus irmãos já sentiam que ele acertaria o alvo.
Mas, de repente, Draupadi se levantou e gritou: Não vou me casar com o filho de
um Auriga! Karna se virou zangado para ela. Não podia dizer nada. A princesa
apenas exercera sua prerrogativa, e Dristadiúmna já tinha declarado que a prova
destinava-se apenas aos de berço nobre. Largando o arco no chão, Karna olhou
para o disco do Sol, escondendo a vergonha que sentia com uma gargalhada. A
plateia emudeceu e ele voltou rapidamente para seu lugar. O próximo a se
levantar foi Duriodhana. Ele foi direto à mesa onde os criados de Drupada
tinham colocado o arco. Como Karna, ele o dobrou e encordoou com agilidade,
colocando uma flecha com ponta de ouro. Draupadi ficou apreensiva. O que seria
dela se Duriodhana vencesse? Como poderia se casar com aquele príncipe,
obviamente arrogante? Ela olhou para os outros monarcas e, vendo Krishna, rezou
para que ele não permitisse que Duriodhana vencesse. Krishna mirava Duriodhana
sorrindo, enquanto ele esticava o arco, imóvel, e atirava a flecha para o alto,
com um grande som. Sua flecha passou pelo orifício do disco mas não atingiu o
alvo, e por um triz ele não venceu! Irritado, o príncipe jogou o arco no chão
com força. Vendo que até o grande príncipe de Hastinapura falhara, os outros
permaneceram sentados. Ninguém se achava capaz de passar naquela prova. Os
príncipes que vieram de Madura com Krishna ouviram-no dizer que Draupadi estava
destinada a se casar com Arjuna e, portanto, nada tentaram. O rei Drupada
estava cada vez mais ansioso. Será que Arjuna viria? Será que estava mesmo
vivo? Krishna e Bima Olharam para o grupo de brâmanes. Se Arjuna tentasse,
tinha que ser naquele momento. Entendendo isso, o pândava se virou para Daumya,
pedindo sua permissão, e o rishi assentiu com a cabeça. Então, Arjuna se
levantou e entrou na arena. Vendo que ia direto pegar o arco, os brâmanes se
rejubilaram e sacudiam as estolas. Alguns eram mais pessimistas, achando que
aquele jovem brâmane atrevido traria o ridículo para sua classe. Como é que ele
pode conseguir se nem homens poderosos como Duriodhana conseguiram? Eles
perguntavam. Mas outros confiaram. Vejam só a postura dele, parece um leão
poderosos. Olhem aqueles ombros imensos! Por que ele não venceria o teste? O
poder de um brâmane é sempre maior do que o de um guerreiro. Aproximando-se da
plataforma real, Arjuna reverenciou Drupada e perguntou: É permitido que os
Brâmanes participem do torneio? O rei Drupada olhou para ele com curiosidade.
Bem, os brâmanes são sempre superiores na hierarquia real, respondeu. Na
verdade, dependemos do poder deles para nossa proteção, assim como os deuses
dependem de Vishnu. Você pode participar do teste. Arjuna voltou-se e caminhou
até o arco. De mãos postas, andou a seu redor respeitosamente, então, ergueu-o
e sentiu seu peso. Num único movimento ágil, dobrou-o, encordoou-o e colocou
uma flecha rapidamente. O estádio inteiro emudecera, enquanto aquele brâmane
estranho mirava imóvel, o alvo, segurando firmemente o arco estirado nas mãos
poderosas. De repente, ele atirou a flecha de ouro e está subiu, atingindo o
alvo bem no meio. O pássaro de madeira caiu ao chão com um grande estrondo.
Vendo isso, o estádio todo se levantou, aos gritos. Os brâmanes dançavam
felizes, jogando as camisas e estolas na arena. A multidão gritava de alegria,
e o som de milhares de instrumentos musicais se ouviu. Do céu, os seres
celestiais jogaram flores e tocaram seus tambores. Draupadi se levantou e se
encaminhou para o vencedor, com a guirlanda nupcial nas mãos. Colocando-a no
pescoço de Arjuna, conseguiu capturar o olhar do marido e timidamente olhou
para o chão. Agora Arjuna era seu marido, e a cerimônia formal de casamento
logo se seguiria. Drupada olhou Arjuna cuidadosamente. Não havia vergonha
nenhuma em sua filha se casar com um brâmane, mas quem era ele, afinal?
Entretanto, os monarcas sentiram, horrorizados, que o orgulho deles tinha sido
esmagado por um brâmane. Todos se levantaram e se entreolharam pasmos. Como é
que Drupada permitiu que isso acontecesse? Perguntavam. Será que não respeita a
ordem real? Dando sua filha em casamento a um brâmane, simplesmente nos
insulta. Como podemos tolerar isso? Vendo que os reis se rebelavam,
inconformados, Iudistira começou a sair do estádio, acompanhado dos irmãos e de
Draupadi. Os reis continuavam a discutir e gritar. Alguns sugeriram atacar
Arjuna, mas outros declinaram, lembrando que um brâmane nunca deveria ser
agredido. Argumentavam que o culpado era Drupada. Por causa do desrespeito que
demonstrara ter por eles, merecia morrer. De armas na mão, os reis se
aproximaram ameaçando Drupada. Iudístira viu a cena e disse a Bima e Arjuna:
Drupada agora é nosso pai e merece nossa proteção. Vocês devem deter esses reis
irritados, como as areias da praia param o oceano. Os dois príncipes correram
para dentro da arena. Arjuna pegou o arco do teste e desafiou os reis. A seu
lado, Bima brandia uma árvore que arrancara, como uma maça colossal. Os
monarcas olharam para os dois, surpresos. Que tipo de brâmanes eram eles?
Krishna continuou sentado, enquanto os reis se rebelavam contra Drupada. Vendo
os dois pândavas na arena, disse a Balarama: Certamente esses dois são Arjuna e
Bima. Só mesmo Bima poderia ter arrancado aquela árvore, e quem mais senão
Arjuna poderia passar no teste de Drupada? Ele mostrou ao irmão os outros
pândavas que esperavam perto do portão. Aquele ali, o mais alto de todos, com
olhos que parecem pétalas de lótus, de pele clara e expressão firme, que se
apresenta com a maior humildade – aquele é Iudistira. Ao seu lado estão os
lindos gêmeos filhos dos aswinis, Nákula e Sahadeva. Tenho tanta certeza quanto
sou o filho de Vasudeva de que esta é a verdade. Balarama concordou: Que
maravilha que nossos primos tenham sobrevivido ao incêndio com nossa tia Kunti!
Os reis enfrentaram Arjuna e Bima. Embora os brâmanes não devem ser atacados,
se forem os agressores, não existe pecado nenhum em lutar contra eles, alguns
declararam, levantando as armas. Drupada imediatamente mandou que seus soldados
dessem a Arjuna uma quantidade de flechas de pontas compridas. Karna,
particularmente ofendido por não lhe terem permitido participar do teste! Ele
atirou uma nuvem delas sobre Arjuna, que imediatamente recebeu cada uma com as
suas. Uma troca feroz de dardos ocorreu entre os dois guerreiros. Suas flechas
colidiam no ar e caíam ao chão, quebradas. Mas, conseguindo abrir a guarda de
Karna, Arjuna cobriu-lhe braços e pernas com flechas velocíssimas. Karna ficou
pasmo com a velocidade e o poder de Arjuna e retomou o próprio ataque, enviando
centenas de flechas de prata pontudas, que cobriram o céu como uma revoada de
pássaros. Invocou armas celestiais que faziam com que de seu arco saísse um
número incrível de setas! Arjuna resistia agilmente, invocando outras armas divinas
para se defender do ataque de Karna. Desarmado, este se ria do oponente
enquanto as flechas divinas voavam. Enquanto o duelo seguia, o rei Shalya de
Madras correu para Bima. O poderoso monarca agarrou a árvore das mãos de Bima e
a jogou longe. Os dois homens começaram um combate corpo a corpo furioso, e
pareciam um par de elefantes machos brigando por um fêmea. Lutaram por algum
tempo, jogando-se um contra o outro e sacudindo a terra enquanto andavam pela
arena. Com sua força inigualável, Bima logo obteve vantagem. Alçou Shalya sobre
a cabeça e o jogou com força no chão, deixando-o tonto. É que o príncipe não
usara todo seu poder contra o rei porque sabia que ele era irmão de Madri.
Todos os outros reis olhavam admirados, enquanto os dois supostos brâmanes
exibiam força e habilidades de guerreiros heroicos. Compreendendo que não
poderia vencer, Karna abaixou o arco e disse a Arjuna: Ó brâmane, estou muito
impressionado com seu poder. É incomparável. Quem é você? Raros guerreiros
poderiam resistir a meu ataque. Acho que só meu guru, Parasurama, ou Indra, ou
o infalível Vishnu seriam capazes – ou talvez Arjuna, o filho de Kunti. Por
acaso você é um deles? Arjuna sorriu nervoso: Saiba que sou um simples brâmane
que se especializou nas armas pela graça de seu guru. E estou pronto para
derrota-lo numa batalha. Ataque-me se você se atreve. Karna não acreditava que
aquele fosse apenas um simples brâmane, mas sabia que o poder de um deveria ser
sempre respeitado. Seria melhor desistir do combate. Draupadi já tinha
encontrado seu marido, e ele nada mais poderia conseguir com uma luta.
Cumprimentando discretamente Arjuna, se virou e se afastou. Duriodhana
observara estarrecido enquanto Karna e Shalya se igualavam, em poder e força,
aos dois brâmanes. Dirigindo-se aos outros reis, disse: Esses dois não são
homens comuns. Certamente são grandes rishis ou heróis de alguma linhagem
poderosa de reis. Vamos primeiro descobrir a linhagem deles e, então, a luta
poderá continuar. Krishna, porém, se adiantou e falou: Ó governantes desta
terra, não vejo necessidade de outros confrontos aqui. Draupadi já está casada,
e bem casada, com o brâmane. Não vamos toldar o brilho desta ocasião com
derramamento de sangue e, especialmente, com ataques a brâmanes. Assim
argumentando sábia e persuasivamente, Krishna conseguiu acalmar todos os reis.
Um a um, eles começaram a abaixar as armas e a sair da arena. Aproveitando-se,
Arjuna e Bima se reuniram a Iudistira e aos gêmeos no portão. Levando Draupadi
com eles, se encaminharam rapidamente para a cabana do ceramista. Livro
Mahabharata – Versão Condensada da Maior Epopeia do Mundo. Recontado por
Krishna Dharma. Abraço.
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