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VERDADE: O QUE É E ONDE SE ENCONTRA? Desde que Aristóteles (384 AC 322) questionou o que
seria 'verdade', muitas mentes brilhantes têm tentado defini-la;
lamentavelmente, sem o lograr. Neste mundo em que vivemos, infelizmente há
muita mentira. Regimes políticos e profissões, ciências e religiões, artes e
literatura, crenças místicas e filosofias, nada está imune a esse mal. Vivemos
sob o império da falsidade. Esta se encontra nos relacionamentos humanos, nas
pregações de pseudo gurus, no discurso político e mesmo na linguagem
"convenientemente" dita diplomática, em que vemos grandes líderes
fazerem declarações quando, de fato, querem dizer algo totalmente diferente. A
realidade é que vivemos cercados da própria mentira camuflada. O que esperar,
então, como resposta, ao tentar falar sobre verdade àqueles que vivem envoltos
em falsidade? Ao tratar do tema, não temos a presunção de cobri-lo por inteiro.
Nosso intuito é tentar demonstrar aquilo que o judaísmo tem a oferecer acerca
de um assunto tão antigo quanto a própria criação do homem. É muito difícil
despertar nas pessoas o desejo de buscar a verdade. Muitos têm uma noção um
tanto ilusória a respeito da palavra "verdade". Só estariam dispostos
a admitir que o homem pode chegar a conhecer a Verdade se alguém lhes mostrar a
verdade total - aquela resposta universal e completa sobre as questões mais
profundas e difíceis, para as quais o homem tem procurado resposta desde que o
mundo é mundo. E, como ninguém consegue satisfazer esta exigência, concluem,
com o ceticismo clássico, que toda verdade é incognoscível. Mas esse tipo de
exigência não expressa uma busca sincera pela verdade. A busca sincera inclui
descobrir tanto as verdades corriqueiras quanto as supremas, sem exigir, desde
logo, respostas definitivas para todas as perguntas. O que seria, pois, a
Verdade? Existiria uma verdade única, intangível e absoluta? Antes de analisar
o que o judaísmo tem a dizer a respeito, vejamos algumas opiniões de grandes
filósofos e pensadores dos séculos passados. Há uma corrente de pensamento que
sustenta não haver nenhuma verdade além daquilo que é perceptível aos órgãos
sensoriais. A "verdade" é a realidade como ela é. Em grego, a palavra
para verdade é alithia, a dizer, o não-oculto, não-escondido, não-dissimulado.
Verdade é tudo o que se manifesta aos olhos do corpo e do espírito. Verdade é a
manifestação de tudo o que é ou existe tal como é. Por exemplo, se ao comer
certo alimento, percebermos que é amargo, o gosto do alimento deixa de ser uma
suposição, torna-se um dado, uma certeza. E, se virmos que a cor de uma flor é
vermelha, não nos caberá dúvidas quanto à sua coloração. Outra corrente de
pensamento, no entanto, advoga que cada um tem sua própria verdade, não
existindo, portanto, a verdade única. Segundo estes pensadores, não há
percepções e sensações uniformes. Estas diferem de ser para ser e de situação
para situação. Um exemplo: coloca-se uma mão na água fria e a outra na água
quente; e, a seguir, ambas em água morna. Uma mão terá a sensação de que a água
está fria enquanto a outra, a de que está quente. Afinal, em qual das mãos está
a razão? Certamente, as duas sensações são verdadeiras, pois cada mão tem uma
experiência anterior que justifica a sua afirmação. Já o judaísmo defende a
existência de uma verdade única e absoluta, sendo que o ser humano pode, até um
certo nível, chegar a alcançá-la. Perguntamo-nos, qual das opiniões acima seria
"a" verdadeira? Talvez todas o sejam; talvez não. Trata-se de uma
discussão controversa. Rabi Nachman de Breslav (1772-1810) afirmava: "A verdade
é uma só. Mas muitas verdades' são mentiras". Refletindo um pouco sobre
suas sábias palavras, poderemos entender o ensinamento do grande mestre
chassídico. O judaísmo e a verdade. O Talmud afirma que "o selo de
D'us é a verdade". O Eterno é a fonte de todas as virtudes e da absoluta
perfeição. Por que então, o "selo" de D'us é a verdade e não um dos
outros Atributos Divinos, como a compaixão ou a justiça? De acordo com o sábio
Maharal de Praga, isto demonstra que assim como D'us é Único, a verdade também
é uma só, e assim como o Eterno é imutável, também a verdade o é. Todos os
outros atributos são, de certa forma, relativos. Ao encarar uma situação
específica, podemos demonstrar pouca ou muita compaixão, pouca ou muita
paciência. Mas, quando se trata da verdade, não há verdades parciais; a verdade
é ou não é. Como reconhecer então o que é verdade? O "Aurélio",
Dicionário da Língua Portuguesa, define verdade como sendo a "conformidade
com o real". Isto é bastante complicado, já que determinar o que é ou não
"real" não é tarefa simples. O que é real para uns, por exemplo,
anjos e alma, pode não ser para outros. Segundo essa definição, para determinar
o que é verdadeiro, necessitamos conhecer muito bem a realidade. E como
consegui-lo? Como distinguir o que é real? Como separar o fato concreto da
opinião subjetiva; como distinguir aquilo que é real, "de verdade",
daquilo que é apenas fruto de uma visão pessoal ou da crença de um determinado
grupo de pessoas? Ilustrando-o com um exemplo: quatro homens cegos encontram um
elefante. O primeiro agarra a pata do animal e acredita ter agarrado o tronco
de uma árvore. O segundo segura a cauda e pensa tratar-se de um chicote. O
terceiro toca a trompa do elefante e julga ser uma mangueira, enquanto que o
quarto homem apalpa o lado do corpo do elefante e tem certeza de que se trata
de uma parede. Qual a moral desta história? Muitos usam esta parábola para
explicar que tudo, na vida, é relativo. Outros usam-na para exemplificar como
agem os diferentes povos: cada povo tira suas próprias conclusões, diferentes
entre si, e, presumindo estar com a razão, luta para impor "a sua
verdade". Mas cabe a pergunta: o elefante existe? Naturalmente! O elefante
é real e lá está! É uma realidade objetiva, independente, de qualquer opinião.
A verdade não muda, é uma só, incontestável, ainda que a maioria não concorde
com a mesma. Onde, então, teriam errado os quatro cegos? Tiraram suas
conclusões sem ter informações suficientes. O que, então, deveriam ter feito?
Deveriam ter compartilhado as respectivas impressões e, unindo as partes,
obteriam uma "visão", uma ideia mais clara e objetiva. Daí a chegar à
identificação do elefante, pouco faltaria. Quando isolamos uma única informação
de um conjunto, muito provavelmente, a análise resultante será distorcida.
Imaginem um pai que, ao entrar no quarto das crianças, vê o filho se aproximar
para bater na irmãzinha. O pai pune apenas o filho, mas o que ele não viu foi
que a menina havia provocado o irmão pouco antes dele chegar. Para descobrir a verdade
e fazer justiça, precisamos analisar o todo. A palavra Emet, verdade, em
hebraico, é composta de três letras: Alef, Mem e Tav. Alef é a primeira letra
do alfabeto hebraico; Mem, a do meio, e Tav, a última. Há uma mensagem contida
nesta palavra: para alcançar a verdade é necessário analisar o começo, o meio e
o fim, senão, teríamos apenas uma faceta da questão em pauta. Assim sendo,
seria impossível ter uma visão clara e verdadeira do assunto. A verdade é
complexa, multifacetada e, por vezes, muito difícil de ser depreendida. No
entanto, não é relativa; é objetiva e real. Quando, face a uma questão
qualquer, assumimos o compromisso e a franqueza de descobrir o maior número
possível de informações sobre a mesma, passamos a ter um retrato mais claro da realidade
objetiva. Ou seja, só estando constantemente abertos a desvendar as partes do
enigma na busca pelo conjunto completo, pelo todo, chegaremos à verdade. Pensar
por si próprio é ser capaz de alcançar a verdade por meios próprios. Aliás, uma
das condições para o desenvolvimento da inteligência é não fazer questão de ter
uma opinião diferente apenas para "ser diferente". O importante é
fazer questão de tudo analisar por si só e chegar a uma conclusão, sem
necessitar da aprovação do grupo ou de quem quer que seja. É mais importante
ser capaz de examinar qualquer questão por si próprio do que ter uma opinião
diferente dos demais. O atributo místico para a verdade é Tiferet, que
literalmente significa beleza, harmonia. O Maharal define verdade como sendo uma
figura inteira e completa - algo que inclui passado, presente e futuro, que
inclui a realidade interna e externa. A verdade é a síntese de um todo - a
harmonia. Se algo for verdadeiro, deve ser por completo espiritual, física e
matematicamente, bem como filosoficamente. Se uma ideia é aplicável apenas em
um nível, mas não em algum outro, não pode ser considerada uma verdade
absoluta. O Maharal (1520-1609) considera a verdade transcendental como a única
verdade real, na mais pura acepção da palavra. Conta-se que Rabi Shneur Zalman
de Liadi (1745-1813), grande sábio chassídico, dedicou-se durante 21 anos a
alcançar a tão bela e valiosa virtude. Nos primeiros 7 anos, lutou para
entender qual a definição exata da verdade. Nos 7 seguintes, afastou-se
totalmente da mentira. E ainda precisou de mais 7 anos para introduzir a
verdade no mais profundo de seu ser. Cada um de nós deve esforçar-se para
atingir um nível tão elevado de veracidade a ponto de alcançar aquilo que diz o
Salmista: "Falar a verdade em seu coração". O Talmud (Macot 24a)
relata um exemplo de alguém que incorporou a verdade a tal ponto que lhe era
impossível agir de forma diferente. Rav Safra tinha um artigo a vender. Alguém
interessado em comprá-lo se aproximou do Rabino, oferecendo seu preço. Como o
sábio estava recitando o Shemá, não pôde responder a seu interlocutor. Este não
havia percebido que Rav Safra rezava e pensou que sua oferta fora muito baixa.
Então, elevou a oferta. Novamente não obteve resposta do Rabino e novamente
imaginou que este não aceitara a oferta. Dobrou mais uma vez o valor. O Rabino,
que ainda estava absorto em meio ao Shemá, não podia interromper a oração e
continuou em silêncio. O outro lançou mão de uma última tentativa, aumentando
ainda mais o valor. Depois que Rav Safra terminou a leitura, disse ao comprador
que o negócio estava fechado, mas que só aceitaria vender o objeto pelo
primeiro preço oferecido, já que, em pensamento, concordara originalmente com
aquela oferta. Eis um trecho do filósofo brasileiro Olavo de Carvalho, que
ilustra o comportamento de Rav Safra: "Por onde começa o treinamento da
consciência para admitir a verdade? O primeiro grau no aprendizado da verdade
consiste em aprender a reconhecer aquelas verdades que só você sabe e que
ninguém, fora você, pode confirmar ou negar. Por exemplo, só você conhece suas
intenções, só você conhece os atos que praticou em segredo, só você conhece os
sentimentos que não confessou. Você, nesses casos, é a única testemunha, e é aí
que você vai conhecer a diferença radical e intransponível entre verdade e
falsidade. As pessoas que vivem negando a existência de verdades não conhecem
essa experiência, nunca deram senão falso testemunho de si mesmas ante o
tribunal da consciência, mentem para si mesmas e por isto sentem que tudo no
mundo é mentira". Alguns exemplos da vida. Pode-se debater durante
horas, acerca da verdade, sem no entanto chegar a uma definição clara e
convincente. Para nós, judeus, mais importante do que a descoberta da definição
da própria verdade é inserir seus ensinamentos em nosso cotidiano. Qual é, por
exemplo, o valor atribuído à verdade? Ou seja, que preço estamos dispostos a
pagar para zelar pela verdade? Certamente não há um valor unânime, cada pessoa
tem seu próprio preço, que se transforma no seu próprio valor. Pois o valor de
uma pessoa é proporcional ao preço que está disposta a pagar pela verdade. Uma
pequena história pode ilustrar a afirmação acima. Havia um judeu que não
acreditava na vida após a morte e, consequentemente não acreditava que existisse
vida no Olam Habá, o Mundo Vindouro. Certa vez, durante uma discussão entre
amigos, quis demonstrar sua descrença em relação a estes conceitos, e, para
tanto, "pôs à venda" o seu direito ao Mundo Vindouro por uma simples
moeda. Um dos presentes, que acreditava no Olam Habá, aproveitou a ocasião e a
venda se concretizou. De volta à casa, o homem conta à esposa acerca do
"negócio". Ela fica muito zangada, ao ponto de questionar seu
casamento, afirmando não estar disposta a viver com alguém que negava os fundamentos
do judaísmo. Determinada, a mulher convence o marido a retificar o erro,
"recomprando" seu quinhão para o Mundo Vindouro. Mas, quando quis se
explicar ao comprador, este não aceitou fazer a "devolução" pelo
mesmo valor. "Para recuperar o que lhe toca do Olam Habá, você terá que me
pagar dez mil moedas". Quanto valia o Mundo Vindouro para este judeu,
antes de vendê-lo? Uma única moeda. No entanto, depois de tê-lo perdido e
recuperado, seu "tesouro" valia dez mil vezes mais! O mesmo acontece
com a verdade. Cada um de nós é avaliado de acordo com o preço que está
disposto a pagar para alcançar a verdade. O ser humano, criado à imagem de D'
us, não gosta do que não é verdadeiro. A busca pela verdade se manifesta desde
cedo. E é mais perceptível nas crianças, por sua pureza e autenticidade. Elas
não aceitam mentiras e ficam nervosas quando percebem que não lhes dizem a
verdade. Insistem e perguntam aos adultos se algo "é de verdade ou de
mentira". Mesmo quando adultos, o sentimento da busca pela verdade
permanece em nós. Um exemplo comum a todos é instintivamente tocar as flores de
um arranjo bonito, cujas cores e beleza nos atraem. Por quê? Por querer a
certeza de serem verdadeiras. O artificial pode impressionar-nos, mas isto não
pressupõe que nos agradará ou nos convencerá. Esta característica está
arraigada em nosso ser. Afinal, o que é a Verdade e como a reconhecer?
Finalizaremos com uma regra simples. Verdade é aquilo que nos leva a fazer o
bem e a cumprir a vontade de D'us. A mentira é exatamente o contrário. Apesar
de a verdade ser o alicerce do mundo, nossos sábios ensinam que há algo ainda
mais importante: a paz! Por isso, esclarecem que há situações específicas nas
quais se pode mudar ou omitir a verdade, se o objetivo final for manter a harmonia
e a paz entre as pessoas. Mesmo se, aparentemente, a pessoa estiver mentindo,
estiver sendo falsa, mas seu objetivo for nobre. Contudo, nossos sábios alertam
que a pessoa não deve agir assim de forma corriqueira, para que a prática não
vire hábito e passe a cultivar a mentira e a falsidade. A verdade é, ao mesmo
tempo, frágil e poderosa. Frágil porque os poderes constituídos podem
destruí-la. Poderosa, porque a busca e a exigência do verdadeiro é o que dá
sentido à existência humana. Rabino Avraham Cohen é rabino da Sinagoga Beit
Yaacov, São Paulo – Brasil. www.morasha.com.br.
Abraço. Davi
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