sexta-feira, 12 de abril de 2019

II. OS PRINCÍPIOS CONFUCIONISTAS DA IDEOLOGIA CHINESA ATUAL


Confucionismo. Texto de Jacques Gernet (1921-2018). II. OS PRINCÍPIOS CONFUCIONISTAS DA IDEOLOGIA CHINESA ATUAL. A MORAL O pensamento proposto por Confúcio procurava apresentar uma moral que, em última instância, visava o aperfeiçoamento do Homem na sua vivência em sociedade. Segundo Chow Yih-Ching, trata-se "antes de tudo, de uma ética, não de uma metafísica, e essa moral está inteiramente ao serviço da política." Isto porque durante este período, assistia-se a uma crise da sociedade nobre e ao declínio das práticas rituais. Confúcio defendia, então, o regresso aos antigos ritos (li,礼), a partir do estudo dos Clássicos da Antiguidade, que ele próprio teria compilado. Contudo, as opiniões divergem quanto à sua autoria e aparecem duas opiniões mais destacadas apresentadas por Max Kaltenmark (1910-2002): "Segundo a primeira, Confúcio teria escrito a maior parte dos Clássicos, tendo sido um reformador de ideias ousadas, tendo mesmo uma doutrina esotérica e sendo necessário procurar, por detrás da letra dos textos, a ideia profunda e oculta do Mestre. A crer na segunda, ele foi essencialmente um editor dos textos antigos e era o primeiro a afirmar que nada inovava e que não fazia mais que transmitir a tradição dos antigos sábios: era um historiador moralista, não um inovador." A verdade é que aparentemente, Confúcio nada escreveu, até porque nunca foi sua intenção fundar uma nova filosofia ou uma nova religião, mas sim apresentar modelos sobre as mais diversas facetas da vida, nomeadamente no relacionamento com os outros e na arte de governação. Assim, através do estudo dos Clássicos, Confúcio considerava os ritos instituídos pela Dinastia Zhou Ocidental, no período conhecido como Período da Primavera e Outono, como o modelo perfeito a ser seguido pelos imperadores e súbditos subsequentes. Para o homem comum, Confúcio apresentava o modelo de junzi (君子), que literalmente significa "filho do senhor" mas que se poderá traduzir como "homem de bem" ou "homem honrado". Por oposição temos o xiaoren (小人)- literalmente "pequeno homem ". Mas que se poderá traduzir por "homem modesto" -  distinção está com um significado moral. Ora, o junzi deve receber uma boa educação, assim como uma formação moral, com vista à ascensão a um lugar elevado na sociedade e, quem sabe, na governação. Uma das qualidades essenciais que o junzi deve possuir é o ren (), caráter chinês constituído por um ser humano () e por um dois (), e que se poderá traduzir como benevolência, isto é, "amar todos os homens" (Analectos XII:22), tal como certa vez Confúcio definiu ao responder a um dos seus discípulos. Trata-se do bem que um homem pode fazer ao outro, a virtude que permite ao homem viver em sociedade. É esta qualidade do amor universal ou altruísmo que confere um carácter humanista à doutrina do Mestre Kong. Mais tarde, Mêncio (372 AC 289) haveria de atribuir a esta qualidade um lugar de destaque na sua teoria, pois sublinha que o homem é bom por natureza, qual precursor da teoria do "Bom Selvagem" de Jean Jacques Rousseau (1717-1778). No entanto, e ainda segundo Confúcio, esta bondade deve obedecer a regras, pois há que dominar o comportamento bom. É aí que aparece o li (), um conjunto de normas de cortesia a que o junzi deve obedecer para melhor interagir em sociedade. Como tal, comportar-se humanamente e comportar-se ritualmente são sinónimos. Mas esta atitude ritual é mais profunda que uma simples cerimónia religiosa. Deve haver uma certa introspecção de quem a realiza, pois como Confúcio sublinha o li vem do coração, de dentro para fora. É exatamente esta característica que diferencia o conceito de li confucionista e o conceito de fa (法)legista. Isto porque estes últimos apresentam as normas como regras iguais para toda a gente e cuja obediência é suscitada de fora, dos castigos que podem ser aplicados se as leis não forem cumpridas. Enquanto Confúcio procura conferir um fundamento moral à sua doutrina de governação, os legistas defendem que isso não será possível sem meios de coação externas. Uma das outras qualidades essenciais necessárias à realização do ren é o xiao (), a piedade filial, pedra angular da sociedade chinesa que ainda atualmente caracteriza a relação existente entre pais e filhos na China. Tal como Confúcio o definiu, trata-se de "Não desobedecer aos ritos (...) De acordo com os ritos, enquanto estiverem vivos, os pais devem ser servidos; de acordo com os ritos, quando falecerem, devem ser enterrados; segundo os ritos, devem ser-lhes feitos sacrifícios." (Analectos II:5). O xiao nada mais é do que o efeito da reciprocidade, isto é, a resposta natural do filho ao amor que os seus pais lhe deram num contexto de harmonia familiar. Por isso, é interessante notar que o período de 3 anos de luto que os ritos previam aquando do falecimento de um dos pais corresponde exatamente ao período de três anos a partir do nascimento de uma criança e quando os pais lhes dedicam cuidados especiais, nomeadamente o aleitamento. Segundo Confúcio, a partir do modelo familiar aplicado às relações sociais, se mantém uma estabilidade hierárquica que dá consistência à concepção de Estado. A harmonia das relações familiares não se cinge ao interior da casa que habita a família, mas ultrapassa essas pequenas barreiras físicas, abarcando outras famílias, o que promove a estabilidade da sociedade. Tal como refere Confúcio, "Entre os Quatro Mares, todos os homens são irmãos." (Analectos XI:5) Ora, o xiao preside a todas as relações humanas fundadas sobre o yi (), ou seja, o sentido de justiça, retidão ou imparcialidade. Segundo Anne Cheng, "o yi, cuja grafia [do carácter antigo] comporta o elemento wo (eu), representa o investimento pessoal de sentido que cada um emprega na sua forma de ser no mundo e na comunidade humana, é a forma como cada um reinterpreta indefinidamente a tradição coletiva, dando-lhe um novo sentido." Trata-se da "justificação dos nomes", ou seja, o comportamento de cada um deve estar de acordo com a posição que ocupa na sociedade (Analectos XIII:3). Para além destas qualidades, a realização do ren inclui ainda o zhong () e o shu (), isto é, o ensino da lealdade e da tolerância. Tal como ensina Confúcio "Não faças aos outros o que não gostas que te façam a ti mesmo." (Analectos XV:24) Por isso, estas qualidades devem ser desenvolvidas reciprocamente, começando por si mesmo. Trata-se da noção de centralidade da perspectiva confucionista sobre a humanidade: o próprio carácter de lealdade () é constituído pelo carácter "centro" () e "coração" (), traduzindo assim a centralidade do coração. É esta a virtude do Meio justo e constante descrito na "Doutrina do Meio" (中庸), o bem supremo para o qual deve tender todo o ser humano. E esse bem supremo é um reflexo da harmonia existente no universo físico: "A vontade do Céu chama-se natureza; a observância da lei natural denomina-se a regra das nossas ações; a regulação desta regra chama-se instrução. A regra das nossas ações não pode ser abandona por um instante. Se a regra das nossas ações pudesse ser abandonada, não seria regra." Como tal, os princípios morais preconizados pelo Mestre Confúcio visavam a realização do homem de bem à escala familiar, depois social e mesmo estatal, promovendo assim a harmonia cósmica. Ora, desde o pequeno núcleo familiar, a educação representava um dos meios essenciais para criar o junzi. A EDUCAÇÃO. A educação tinha um lugar de destaque no pensamento de Confúcio, de que é exemplo o fato do primeiro capítulo dos Analectos ser exatamente consagrado a esta matéria. Para o Grande Mestre, mais tarde intitulado “Professor de Dez Mil Gerações”, “quando caminhando por um caminho com outros homens, há sempre um do qual posso aprender algo” (Analectos VII:22). Por isso, essa atitude em relação à aprendizagem, o próprio Mestre Kongzi punha em prática, dizia ele “Não nasci com conhecimento mas sendo apreciador da cultura antiga, dediquei-me a procurá-la com diligencia.” (Analectos VII:20). Apesar de Confúcio enfatizar o conhecimento dos Antigos, por considerar que estes se aproximam mais da perfeição, a sua atitude com respeito a este período não é passiva pois, tal como ele refere “O Bom Mestre é aquele que é capaz de adquirir novos conhecimentos, revendo o conhecimento antigo.” (Analectos II:11). Um dos aspectos mais inovadores apresentados pelo Grande Mestre foi o facto de defender que todas as pessoas, sem qualquer tipo de discriminação, deviam ter direito à educação. Confúcio dizia “Na educação do povo, trato todos da mesma forma” (Analectos XV:39), o que também pode ser traduzido como “Toda a gente está habilitada para ser educada.” Esta atitude aumentou a esfera da educação às pessoas de estrato social inferior. Por este motivo, os ensinamentos de Confúcio relativos à educação foram muito inovadores no seu tempo na China e mesmo no mundo inteiro, pois foi o primeiro a defender que todas as pessoas deviam ter direito à educação independentemente da sua condição social. Ainda segundo o Mestre Kongzi, a aprendizagem, fator de aperfeiçoamento constante, deve fazer-se na maior parte das vezes a partir da experiência, sublinhando-se a importância de "como saber" mais do que "saber o quê". De certa forma, foi o que Confúcio sempre fez, dedicando-se não só ao estudo profundo dos Clássicos, mas também ao ensino. Aliás, seria desse ensino itinerante que realizou cerca de uma década, acompanhado dos seus alunos e das lições que estes aprenderam, que resultaram os "Analectos" (论语), um dos livros básicos do confucionismo. Ora, "o objetivo prático da educação é a formação de um homem capaz, sobre o plano político, de servir a comunidade e, ao mesmo tempo, sobre o plano moral, de tornar-se num «homem de bem», os dois planos não sendo senão um, porque servir um príncipe assemelha-se a servir o seu pai. (...) O grande objetivo da aprendizagem é tornar-se um homem de bem." A ARTE DE GOVERNAR. Para Confúcio, o homem tem a missão sagrada de se elevar cada vez mais na sua humanidade. E a sabedoria inclui "empenhar-se nos deveres devidos ao homem e, enquanto respeitando os seres espirituais, manter-se afastados deles." (Analectos VI:22) Está última expressão elucida sobre a concepção confucionista do sagrado que não é tanto o culto das divindades, mas consciência moral individual, a fidelidade à via, ao dao (), fonte de todo o bem. Para alcançar o dao, o homem de bem deve estar disposto a todos os sacrifícios, nomeadamente a renunciar a todas as vantagens e riquezas decorrentes inclusivamente do reconhecimento social e político, ou mesmo a sacrificar a sua própria vida. No entanto, a realização do homem de bem, o chamando junzi, não se cinge à ordem moral individual. Esta aproximação constante que se faz ao carácter humano, através do estudo e da atitude ritual, pode também realizar-se na ordem prática política. Assim, tal como a atitude individual se reflete na família, o Estado acaba por ser um prolongamento da família. Neste contexto, o príncipe tem com os seus súbditos uma relação semelhante que um pai tem com os seus filhos, servindo de modelo. O Imperador deve exercer o governo através do seu próprio exemplo de benevolência e retidão para com os súbditos. É aliás esta característica que previne a eclosão de revoltas contra os governantes, tão frequentes na época em que viveu. Confúcio diz: "Se um ministro adota um conduta correta, que dificuldade terá em tomar parte no governo? Se ele não se consegue tornar a si próprio correto, como é que ele pode tornar os outros corretos?" (Analectos XIII:13) É deste exemplo reto que advém a virtude, o de () do governante, o que está relacionado com o coração, com a energia que cada pessoa possui. "O de é a autoridade, a força moral que possui o homem de bem ou o bom soberano, o que induz à admiração e à submissão." Por isso, para suscitar a obediência do seu povo, o súbdito não deve usar a força, mas somente a sua benevolência como exemplo, é o chamado "direito do coração". Trata-se, de certa forma, do carisma do líder, que deve ser desenvolvido, e que demove qualquer um de desobedecer e impele os seus súbditos a obedecer-lhe sem qualquer tipo de coação exterior, como era utilizada pelos legistas. Diz Confúcio: "Se o povo é conduzido pelas leis e a harmonização é conseguida através de castigos, tentará evitar os castigos, mas não terá sentido da vergonha. Se for conduzido pela virtude e a harmonização é conseguida através dos ritos, o povo sentirá vergonha e, ademais, saberá corrigir os seus próprios erros." (Analectos II:3). Como tal, o bom governo depende também do cumprimento rigoroso dos rituais, do li (), sendo que o que interessa aqui é, não a forma das práticas rituais, mas sim o seu conteúdo, o seu significado profundo. A função do li é o controlo das atitudes e comportamentos do indivíduo e do governante, observando as regras de vida em sociedade. Desta forma se tenta um regresso à antiga unidade religiosa, herdada dos Shang (1600 AC 1100) e adaptada pelos Zhou (1100 AC 476). Segundo Confúcio, esta ordem servia de exemplo para os tempos que corriam, devia ser o modelo de governação adoptado pelos príncipes que governavam os feudos, mais tarde reinos, em que se encontrava dividido o território chinês e que tendia para a sua desagregação, o que veio de facto a acontecer entre (475 AC 221), período conhecido pelos Reinos Combatentes. Ora, o objetivo principal do governo confucionista não era o poder, mas sim a harmonia ritual. O carisma pessoal do soberano, tal como o ritual, é já só por si um elemento suficiente para suscitar a harmonização das atitudes dos soberanos, contribuindo diretamente para a paz e prosperidade do reino. Ora, “se o soberano governasse baseando-se em princípios morais, seria apoiado pelo povo, tal como a Estrela Polar é seguida pelas outras estrelas.” (Analectos II:7) E o que é afinal governar? Confúcio responde: "Os requisitos para governar são suficiência de alimentos, suficiência de equipamento militar e confiança do povo no seu governante." (Analectos XII:7). Segundo, as palavras do Mestre ao seu discípulo Zigong, o mais importante destes requisitos seria a confiança do povo no seu governante pois se o povo a perde, então o país perderá a sua base. É de sublinhar também que, para Confúcio, a educação devia ser encarada como essencial pelo poder político, para o desenvolvimento do indivíduo. Por esse motivo, defendia que qualquer pessoa, independentemente da sua origem social ou étnica, devia ter iguais oportunidades de educação. Isto porque qualquer pessoa tinha a priori a possibilidade de chegar à Via. Além disso, frisava que o soberano deveria ter um cuidado especial, colocando pessoas educadas nos lugares de chefia. À pergunta de Zhong Gong sobre a arte de governar, Confúcio respondeu “Apresenta um exemplo para que os outros o sigam, não ponhas atenção nos erros dos outros e promove homens de talento.” (Analectos XIII:2), pois se “os homens de bem governarem o país durante 100 anos sucessivos, não haverá crueldade nem assassinatos.” (Analectos XIII:11). Ora ao serem nomeados para os seus cargos, os ministros devem corresponder às suas funções, cumprindo os seus deveres. Isto é o que se chama de "retificação dos nomes", isto é, a correspondência entre o nome e a realidade, entre o estatuto e o papel representado, entre o cargo e as funções desempenhadas. Tal como refere o Mestre Confúcio, que viveu numa era de desorganização em que nem sempre as pessoas desempenhavam os papeis que lhes estavam designados, “se os nomes não forem retificados, o que se diz não parecerá razoável; se o que se diz não parecer razoável, os esforços não resultarão em sucesso; se os esforços não resultam em sucesso, os ritos e a música não prosperarão; se os ritos e a música não prosperam, os crimes não poderão ser devidamente punidos; se os crimes não são devidamente punidos, o povo não saberá o que fazer. Por isso, tudo o que o governante diga deve estar de acordo com os ritos. Ele deve ser prático e nunca inconsequente.” (Analectos XIII:3) MÊNCIO (372-289). A VIDA E OBRA. Pouco se sabe da vida de Mêncio (Mengzi, 孟子). Contemporâneo do mestre tauísta Zhuangzi (庄子), aparentemente terá vivido entre 380 e 289 AC, mas há alguma divergência quanto a estas datas. Natural de Zou, um pequeno reino limítrofe de Lu (atual província de Shandong). Mêncio era descendente da família real de Lu. Pertencia à segunda geração dos discípulos de Zi Si, neto de Confúcio, e foi o confucionista mais representativo do período dos Reinos Combatentes (475 AC 221). Numa tentativa de pôr em prática os seus ideais políticos, e já com cerca de 60 anos, viajou pelos Reinos de Qi, Song, Lu, Teng, Wei e outros estados, com o propósito de influenciar os seus súbditos. Imbuído da missão celeste do homem de bem, tal como Confúcio já havia efetuado, a sua empresa resultou, contudo, em fracasso. Já no final da sua vida, regressou a Zou, onde escreveu o "Livro de Mêncio" (Mengzi - 孟子) com os seus discípulos, entre os quais Gongsu Chou e Wang Zhang. A sua vida apresenta algumas características comuns às da de Confúcio: ambos perderam o pai enquanto jovens e foram educados de forma exemplar pela mãe; ambos realizaram longas viagens para divulgar as suas doutrinas, mas depois voltaram às suas terras natal para se dedicarem ao ensino. Ambas as doutrinas se encontram desenvolvidas num livro constituído por diálogos que empreenderam com diversas personagens e que se tornaram livros básicos do confucionismo. Apesar de partirem de uma mesma concepção, as perspectivas que cada um dá do confucionismo, são diferentes, tendo Mêncio oportunidade para aprofundar aspectos não desenvolvidos anteriormente. A BONDADE DA NATUREZA HUMANA. Mêncio defendia que é possível o governo pelo ren porque a natureza do homem é essencialmente boa. Muitíssimo antes da teoria do "Bom Selvagem" de Jean-Jacques Rousseau, Mêncio, cerca de 20 séculos antes, já defendia que a natureza inata do homem é boa e atribuía o mal aos abusos contra a natureza. "Como o coração de criança é puro, se tivéssemos sabido guardar a nossa primeira natureza, teríamos um coração puro donde poderiam brotar espontaneamente as grandes virtudes." Daí que algumas das características atribuídas à doutrina de Rousseau já se encontrem em Mêncio, nomeadamente: 1. concepção idealista e, por vezes, utópica da realidade; 2. crença na bondade natural do ser humano; 3. crença nas capacidades superiores e reveladoras da razão; 4. esperança na sabedoria política de um povo e aceitação da sua participação nos destinos do reino/país. A doutrina de Mêncio baseia-se no facto de que os homens possuem qualidades morais inatas: o ren (), a chamada generosidade; o yi (), o sentido de dever; o li (), a civilidade; e zhi (), o conhecimento. Estas qualidades podem transformar-se em virtudes ao longo da vida através da educação ou ser abafadas sob a influência do ambiente circundante. Assim, temos: "a comiseração, que está na origem de um comportamento «humano» (ren); a vergonha ou repulsa pelo mal, que é o princípio da virtude da equidade (yi); a modéstia e o apagamento, que são o fundamento do espírito ritual (li); o sentido do verdadeiro e do falso, que está na base do discernimento moral (zhi). Basta cultivar estas boas disposições para ver desabrochar estas quatro virtudes cardeais que são o ren, o yi, o li e o zhi." É esta inclinação natural para as qualidades morais, presente em todos os homens sob a forma de génese, que os distingue dos animais. E o xin (心) que designa, ao mesmo tempo, o coração e o espírito, é uma forma exclusivamente humana de sensibilidade, a faculdade de desejar, querer, mas também de pensar o que se deseja. O xin é o órgão dos afetos e do intelecto, pelo que não se pode dissociar o coração do espírito. As próprias seis disciplinas de base da educação de um homem de bem - os ritos, a música, o tiro ao arco, a condução dos carros antigos, a caligrafia e a aritmética - são ao mesmo tempo físicas e espirituais. É o ideal "Mente sã em corpo são." Segundo Mêncio, todos os homens nascem em igualdade de bondade original e têm a priori a mesma capacidade de se tornarem sábios. Por isso, cabe-lhes a si a única responsabilidade pela sua própria natureza moral, o que está relacionado com a educação que têm. Como só alguns desenvolvem esta capacidade inata, só a estes cabe dirigir a sociedade. Também seguindo a orientação de Confúcio, o Mestre Meng continuou fiel ao conceito de responsabilidade moral contrabalançado pela ideia de li, as normas tradicionais e regras às quais não queria renunciar porque representavam para ele os fundamentos da civilização. OS IDEAIS POLÍTICOS. Mêncio viveu em meados do período dos Reinos Combatentes, quando o feudalismo já se havia estabelecido em todas as municipalidades há mais de 100 anos, excepto em Qi. A classe dos proprietários já havia alcançado o poder nestas municipalidades e continuava a fortalecer o regime, enquanto os pequenos proprietários perdiam gradualmente as suas pequenas propriedades pela anexação violenta das terras. Perante estas contradições, Mêncio procurou elaborar uma doutrina de governo benevolente, aplicando assim a ideia de benevolência () ao campo político. Tal como Confúcio, preconizava que o fundamento do poder reside na virtude do príncipe. Dizia ele: "No Estado, o povo é o mais importante, o território vem em segundo lugar e o soberano em último." (“Livro de Mêncio”, Capítulo relativo aos sentimentos19) O facto de colocar tanta ênfase no papel do povo tem a ver com o facto de que acreditava que só assim o reinado do soberano estava assegurado. Por isso, exortavam-se os soberanos a manterem um reinado benevolente e a partilhar tanto as alegrias como as tristezas com o povo. O soberano devia tratar os seus súbditos como os pais tratam os seus filhos, com benevolência, o que os impele a obedecer-lhes de uma forma espontânea. Mêncio defendia que esta era a única forma de governação que se fundava no consenso, factor unificador e de garantia de coesão e estabilidade. É está a diferença entre a via real e a via hegemónica. Por outro lado, considerava injusto que o príncipe exigisse do povo obediência ao seu modo de governação se não tivessem boas condições de vida. Consequentemente, e como a legitimidade de um governo dependia da vontade do povo, a qual estava diretamente relacionada com o Mandato do Céu, o confucionismo de Mêncio apresenta as raízes do sistema democrático. Como forma de resolver as tensões existentes entre a classe dos proprietários e a dos camponeses, Mêncio propunha a utilização de meios políticos. A sua ideia de que "O povo é o mais importante e o soberano o menor" seguia o modelo adotado pela Dinastia Zhou Ocidental (1100 AC 771). Naquela época, haveria uma harmonia social perfeita no conjunto dos territórios chineses sob a égide de um único soberano universal. Contudo, se o povo fosse demasiadamente explorado pela classe governante, poderia chegar ao limite e empunhar as armas para fazer uma revolta. Para além da resolução das contendas sociais, Mêncio opunha-se às guerras de anexação e defendia que o uso de um exército de justiça e benevolência que, não tendo interesse em matar os outros, haveria de ganhar sobre o povo e tornar possível a unificação da China. A ideia básica de Mêncio era a unificação do território chinês através de meios pacíficos. O fato de que Mêncio enfatizou o regresso ao passado teve a ver a época conturbada em que viveu. Daí que tenha sublinhado, mais do que Confúcio, o regresso às antigas práticas de governo e a aproximação à virtude dos heróis míticos da Alta Antiguidade. Por este motivo, há quem defenda que Mêncio dava demasiada atenção à preservação das velhas ideias antiquadas, o que distanciava a sua teoria da realidade. Para além destes ideais e no que se refere aos aspectos mais práticos da governação, Mêncio propôs um regresso à prática do "campo comum", isto é, a repartição das terras de forma a que os camponeses deixassem de ser simples servos. Sublinhava também a importância de proteger a agricultura, assim como a redução dos impostos. Estes princípios demonstram que Mêncio se preocupava com as necessidades do povo. Por outro lado, atribuía uma grande importância à educação, mais do que aos castigos judiciais e criminais. O seu objetivo era clarificar as relações humanas, as quais se baseiam na prática das virtudes familiares e na piedade familiar. As relações humanas são cinco: - relação entre pai e filho - relação entre soberano e súbdito - relação entre marido e esposa - relação entre irmão mais velho e irmão mais novo - relação entre amigos. O principal dever dos homens é honrar os seus pais e ter filhos do sexo masculino para assegurar a continuação do culto dos antepassados, que se fazia pela via masculina. Ora, a prática das virtudes familiares está na base da ordem social e do bom governo, pelo que a sua concepção do modo de governar é ao mesmo tempo aristocrática e paternalista. O príncipe devia dar o exemplo. Como forma de pôr em prática os seus ideais, Mêncio propôs a veneração do sábio, pelo que um governo benevolente devia ser regido por um sábio. O soberano devia venerar o sábio e, em última instância, devia estar disposto a abdicar do trono em benefício do sábio. Assim, somente aqueles dotados com qualidades especiais deviam ser entronados, independentemente do seu estatuto social ou nascimento. Para dirigir a sociedade era necessário pertencer a uma classe de especialistas que consagravam a sua juventude ao estudo, mas só os homens mais virtuosos, aqueles que desenvolveram ao máximo a sua bondade inata, eram dignos de ocupar o cume da hierarquia. Ademais, o Mestre Mêncio via com desconfiança os privilégios adquiridos pela nobreza nobiliárquica e justificava a existência de classes sociais pela necessidade de dividir tarefas. XUNZI "O pensamento de Xunzi marcou o último estádio do desenvolvimento da Escola Confucionista durante o Período dos Reinos Combatentes." He Zhaowu [et al.]. Abraço. Davi.

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