Espiritismo.
www.institutoandreluiz.org. Texto de Allan Kardec (1804-1869). I. ANJOS E
DEMÔNIOS SEGUNDO O ESPIRITISMO. OS ANJOS SEGUNDO A IGREJA. REFUTAÇÃO. OS ANJOS SEGUNDO O
ESPIRITISMO. ORIGEM DA CRENÇA NOS DEMÔNIO. OS DEMÔNIOS SEGUNDO A IGREJA.
OBJEÇÕES. OS DEMÔNIOS SEGUNDO O ESPIRITISMO. Os anjos segundo a
Igreja. 1
- Todas as religiões têm tido anjos sob vários nomes, isto é, seres superiores
à Humanidade, intermediários entre Deus e os homens. Negando toda a existência
espiritual fora da vida orgânica, o materialismo naturalmente classificou os
anjos entre as ficções e alegorias. A crença nos anjos é parte essencial dos
dogmas da Igreja, que assim os define (1): 2 - "Acreditamos
firmemente, diz um concílio geral e ecumênico (2), que só há um Deus
verdadeiro, eterno e infinito, que no começo dos tempos tirou conjuntamente do
nada as duas criaturas - espiritual e corpórea, angélica e mundana - tendo
formado depois, como elo entre as duas, a natureza humana, composta de corpo e
Espírito." "Tal é, segundo a fé, o plano divino na obra da
criação, plano majestoso e completo como convinha à eterna sabedoria. Assim concebido,
ele oferece aos nossos pensamentos o ser em todos os seus graus e
condições." "Na esfera mais elevada aparecem a existência e a
vida puramente espirituais; na última ordem, uma e outra puramente materiais e
intermediário, uma união maravilhosa das duas substâncias, uma vida ao mesmo
tempo comum ao Espírito inteligente e ao corpo
organizado." "Nossa alma é de natureza simples e indivisível,
porém limitada em suas faculdades. A ideia que temos da perfeição faz-nos
compreender que pode haver outros seres simples quanto ela, e superiores por
suas qualidades e privilégios." "A alma é grande e nobre, porém,
está associada à matéria, servida por órgãos frágeis e limitada no poder e na
ação. Por que não haver outras ainda mais pobres, libertas dessa escravidão,
dessas peias e dotadas de uma força e atividade maiores e incomparáveis? Antes
que Deus houvesse colocado o homem na Terra, para conhecê-lo, servi-lo, e
amá-lo, não teria já chamado outras criaturas, a fim de compor a corte celeste
e adorá-lo no auge da glória? Deus, enfim, recebe das mãos do homem os tributos
de honra e homenagem deste universo: é, portanto, de admirar que receba das
mãos dos anjos o incenso e as orações do homem? Se, pois, os anjos não
existissem, a grande obra do Criador não patentearia o acabamento e a perfeição
que lhe são peculiares; este mundo, que atesta a sua onipotência, não fora mais
a obra-prima da sabedoria; nesse caso a nossa razão, posto que fraca, poderia
conceber um Deus mais completo e consumado. Em cada página dos sagrados livros,
do Velho como do Novo Testamentos, se fez menção dessas inteligências sublimes,
já em piedosas invocações, já em referências históricas. A sua intervenção
aparece manifestamente na vida dos patriarcas e dos profetas. Serve-se Deus de
tal ministério, ora para transmitir a sua vontade, ora para anunciar futuros
acontecimentos, e os anjos são também quase sempre órgãos de sua justiça e
misericórdia. A sua presença ressalta das circunstâncias que acompanham o
nascimento, a vida e a paixão do Salvador; a sua lembrança é inseparável da dos
grandes homens, como dos fatos mais grandiosos da antiguidade religiosa. A
crença nos anjos existe no seio mesmo do politeísmo e nas fábulas da mitologia,
porque essa crença é tão universal e antiga quanto o mundo. O culto que os pagãos
prestavam aos bons e maus gênios não era mais que falsa aplicação da verdade,
um resto degenerado do primitivo dogma. As palavras do santo concílio de
Latrão, ano de 1123, contêm fundamental distinção entre os anjos e os homens: -
ensinam-nos que os primeiros são puros Espíritos, enquanto que os segundos se
compõem de um corpo e de uma alma, isto é, que a natureza angélica subsiste por
si mesma não só sem mistura como dissociada da matéria, por mais vaporosa e
sutil que se suponha, ao passo que a nossa alma, igualmente espiritual,
associa-se ao corpo de modo a formar com ele uma só pessoa, sendo tal e
essencialmente o seu destino." "Enquanto perdura tão íntima
ligação de alma e corpo, as duas substâncias têm vida comum e se exercem recíproca
influência; daí o não poder a alma libertar-se completamente das imperfeições
de tal condição: as ideias chegam-lhe pelos sentidos na comparação dos objetos
externos e sempre debaixo de imagens mais ou menos aparentes. Eis por que a
alma não pode contemplar-se a si mesma, nem conceber Deus e os anjos sem
atribuir-lhes forma visível e palpável. O mesmo se dá quanto aos anjos, que
para se manifestarem aos santos e profetas hão de revestir formas tangíveis e
palpáveis. Essas formas, no entanto, não passavam de corpos aéreos que faziam
mover-se e identificar-se com eles, ou de atributos simbólicos de acordo com a
missão a seu cargo." "Seu ser e movimentos não são localizados
nem circunscritos a limitado e fixo ponto do Espaço. Desligados integralmente
do corpo, não ocupam qualquer espaço no vácuo; mas assim como a nossa alma
existe integral no corpo e em cada uma de suas partes, assim também os anjos
estão, e quase que simultaneamente, em todos os pontos e partes do mundo. Mais
rápidos que o pensamento, podem agir em toda parte num dado momento, operando
por si mesmos sem outros obstáculos, senão os da vontade do Criador e os da
liberdade humana. Enquanto somos condenados a ver lenta e limitadamente as
coisas externas; enquanto as verdades sobrenaturais se nos afiguram enigmas num
espelho, na frase de São Paulo, eles, os anjos, veem sem esforço o que lhes
importa saber, e estão sempre em relação imediata com o objeto de seus
pensamentos. Os seus conhecimentos são resultantes não dá indução e do
raciocínio, mas dessa intuição clara e profunda que abrange de uma só vez o
gênero e as espécies deles derivadas, os princípios e as consequências que
deles decorrem. A distância das épocas, a diferença de lugares, como a
multiplicidade de objetos, confusão alguma podem produzir em seus
espíritos." "Infinita, a essência divina é incompreensível; tem
mistérios e profundezas que se não podem penetrar; mas em lhes serem defesos os
desígnios particulares da Providência, ela lhos desvenda quando em certas
circunstâncias são encarregados de os anunciarem aos homens. As comunicações de
Deus com os anjos e destes entre si, não se fazem como entre nós por meio de
sons articulados e de sinais sensíveis. As puras inteligências não têm
necessidade nem de olhos para ver, nem de ouvidos para ouvir; tampouco possuem
órgão vocal para manifestar seus pensamentos. Este instrumento usual de nossas
relações é-lhes desnecessário, pois comunicam seus sentimentos de modo só a
eles peculiar, isto é, todo espiritual. Basta-lhes querer para se
compreenderem. Unicamente Deus conhece o número dos anjos. Este número não é,
sem dúvida, infinito, nem pudera sê-lo; porém, segundo os autores sagrados e os
santos doutores, é assaz considerável, verdadeiramente prodigioso. Se se pode
proporcionar o número de habitantes de uma cidade à sua grandeza e extensão, e
sendo a Terra apenas um átomo, comparada ao firmamento e às imensas regiões do
Espaço, força é concluir que o número dos habitantes do ar e do céu é muito
superior ao dos homens. E se a majestade dos reis se ostenta pelo
brilhantismo e número dos vassalos, dos oficiais e dos súditos, que haverá de
mais próprio a dar-nos ideia da majestade do Rei dos reis do que essa multidão
inumerável de anjos que povoam céus e Terra, mar e abismos, a dignidade dos que
permanecem continuamente prostrados ou de pé ante seu
trono?" "Os padres da Igreja e os teólogos ensinam geralmente
que os anjos se dividem em três grandes hierarquias ou principados, e cada
hierarquia em três companhias ou coros." "Os da primeira e mais
alta hierarquia designam-se conformemente às funções que exercem no
céu: Os Serafins são assim designados por serem como que abrasados perante
Deus pelos ardores da caridade; outros, os Querubins, por isso que refletem
luminosamente a divina sabedoria; e finalmente Tronos os que proclamam a
grandeza do Criador, cujo brilho fazem resplandecer." "Os anjos
da segunda hierarquia recebem nomes consentâneos com as operações que se lhes
atribui no governo geral do Universo, e são: as Dominações, que determinam
aos anjos de classes inferiores suas missões e deveres; as Virtudes, que
promovem os prodígios reclamados pelos grandes interesses da Igreja e do gênero
humano; e as Potências, que protegem por sua força e vigilância as leis
que regem o mundo físico e moral." "Os da terceira hierarquia
têm por missão a direção das sociedades e das pessoas, e são: os Principados,
encarregados de reinos, províncias e dioceses; os Arcanjos, que transmitem as
mensagens de alta importância, e os Anjos de guarda, que acompanham as
criaturas a fim de velarem pela sua segurança e santificação."(1) Extraímos este resumo da pastoral do Monsenhor
Gousset, cardeal arcebispo de Reims, para a quaresma de 1864. Por ele podemos,
pois, considerar os anjos, assim como os demônios, cujo resumo tiramos da mesma
origem e citamos no capítulo seguinte, como última expressão do dogma da Igreja
neste sentido. (2) Concílio de Latrão. Refutação. 3
- O princípio geral resultante dessa doutrina é que os anjos são seres
puramente espirituais, anteriores e superiores à Humanidade, criaturas
privilegiadas e voltadas à felicidade suprema e eterna desde a sua formação,
dotadas, por sua própria natureza, de todas as virtudes e conhecimentos, nada
tendo feito, aliás, para adquiri-los. Estão, por assim dizer, no primeiro plano
da Criação, contrastando com o último onde a vida é puramente material; e,
entre os dois, medianamente existe a Humanidade, isto é, as almas, seres
inferiores aos anjos e ligados a corpos materiais. De tal sistema decorrem
várias dificuldades capitais: Em primeiro lugar, que vida é essa puramente
material? Será a da matéria bruta? Mas a matéria bruta é inanimada e não tem
vida por si mesma. Acaso referir-se-á aos animais e às plantas? Neste suposto
seria uma quarta ordem na Criação, pois não se pode negar que no animal
inteligente algo há de mais que numa planta, e nesta, que numa simples
pedra. Quanto à alma humana, que estabelece a transição, essa fica
diretamente unida a um corpo, matéria bruta, aliás; porque sem alma o corpo tem
tanta vida como qualquer bloco de terra. Evidentemente, esta divisão é
obscura e não se compadece com a observação; assemelha-se à teoria dos quatro
elementos, anulada pelos progressos da Ciência. Admitamos, entretanto, estes
três termos: a criatura espiritual, a humana e a corpórea, pois que tal é,
dizem, o plano divino, majestoso e completo como convém à Eterna Sabedoria.
Notemos antes de tudo que não há ligação alguma necessária entre esses três
termos, e que são três criações distintas e formadas sucessivamente, ao passo
que em a Natureza tudo se encadeia, mostrando-nos uma lei de unidade admirável,
cujos elementos, não passando de transformações entre si, têm, contudo, seus
laços de união. Mas essa teoria, incompleta embora, é, até certo ponto,
verdadeira, quanto à existência dos três termos; faltam-lhe os pontos de
contato desses termos, como é fácil demonstrar. 4. Diz a Igreja que esses
três pontos culminantes da Criação são necessários à harmonia do conjunto.
Desde que lhe falte um só que seja, a obra incompleta não mais se compadece com
a Sabedoria Eterna. Entretanto, um dos dogmas fundamentais diz que a Terra, os
animais, as plantas, o Sol e as estrelas e até a luz foram criados do nada, há
seis mil anos. Antes dessa época não havia, portanto, criatura humana nem
corpórea - o que importa dizer que no decurso da eternidade a obra divina jazia
imperfeita. É artigo de fé capital a criação do Universo, há seis mil anos,
tanto que há pouco ainda era a Ciência anatematizada por destruir a cronologia
bíblica, provando maior ancianidade da Terra e de seus habitantes. Apesar
disso, o concílio de Latrão, concílio ecumênico que faz lei em matéria
ortodoxa, diz: "Acreditamos firmemente num Deus único e verdadeiro, eterno
e infinito, que no começo dos tempos tirou conjuntamente do nada as duas criaturas
- espiritual e corpórea." Por começo dos tempos só podemos inferir a
eternidade transcorrida, visto ser o tempo infinito como o Espaço, sem começo
nem fim. Esta expressão, começo dos tempos, antes uma figura que implica a
ideia de uma anterioridade ilimitada. O concílio de Latrão acredita, pois,
firmemente, que as criaturas espirituais como as corpóreas foram
simultaneamente formadas e tiradas em conjunto do nada, numa época
indeterminada, no passado. A que fica reduzido, assim, o texto bíblico que data
a Criação de seis mil dos nossos anos? E, ainda que se admita seja tal o começo
do Universo visível, esse não é seguramente o começo dos tempos. Em qual crer:
no concílio ou na Bíblia? 5. O concílio formula, além disso, uma estranha
proposição: "Nossa alma, diz, igualmente espiritual, é associada ao corpo
de maneira a não formar com ele mais que uma pessoa, e tal é, essencialmente, o
seu destino." Ora, se o destino essencial da alma é estar unida ao corpo,
esta união constitui o estado normal, o desígnio, o fim, por isso que é o seu
destino. Entretanto, a alma é imortal e o corpo não; a união daquela com este
só se realiza uma vez, segundo a Igreja, e ainda que durasse um século, nada
seria em relação à eternidade. E sendo apenas de algumas horas para muitos, que
utilidade teria para a alma união tão efêmera? Mas, que se prolongue essa união
tanto quanto se pode prolongar uma existência terrena e, ainda assim,
poder-se-á afirmar que o seu destino é estar essencialmente integrada? Não,
essa união mais não é na realidade do que um incidente, um estádio da alma,
nunca o seu estado essencial. Se o destino essencial da alma é estar
ligada ao corpo humano; se por sua natureza e segundo o fim providencial da
Criação, essa união é necessária às manifestações das suas faculdades, forçoso
é concluir que, sem corpo, a alma humana é um ser incompleto. Ora, para que a
alma preencha os seus desígnios, deixando um corpo preciso se faz que tome um
outro - o que nos conduz à pluralidade forçada das existências, ou, por outra,
à reencarnação, à perpetuidade. É verdadeiramente estranhável que um concílio,
havido por uma das luzes da Igreja, tenha a tal ponto identificado os seres
espiritual e material, de modo a não subsistirem por si mesmos, pois que a
condição essencial da sua criação é estarem unidos. 6. O quadro hierárquico dos
anjos nos mostra que várias ordens têm, nas suas atribuições, o governo do
mundo físico e da Humanidade, para cujo fim foram criados. Mas, segundo a
Gênese, o mundo físico e a Humanidade não existem senão há seis mil anos; e o
que faziam, pois, tais anjos, anteriormente a essa era, durante a eternidade,
quando não existia o objetivo das suas ocupações? E teriam eles sido criados de
toda a eternidade? Assim deve ser, uma vez que servem à glorificação do
Todo-Poderoso. Mas, criando-os numa época qualquer determinada, Deus ficaria
até então, isto é, durante uma eternidade, sem adoradores. 7. Diz ainda o
concílio: "Enquanto dura esta união tão intima da alma com o corpo."
Há, por conseguinte, um momento em que a união se desfaz? Esta proposição
contradita a que sustenta a essencialidade dessa união. E diz mais o concílio:
"As idéias lhes chegam pelos sentidos, na comparação dos objetos
exteriores." Eis aí uma doutrina filosófica em parte verdadeira, que não
em sentido absoluto. Receber as ideias pelos sentidos é, segundo o
eminente teólogo, uma condição inerente à natureza humana; mas ele esquece as
ideias inatas, as faculdades por vezes tão transcendentes, a intuição das
coisas que a criança traz do berço, não devidas a quaisquer ensinos. Por meio
de quais sentidos, jovens pastores, naturais calculistas, admiração dos sábios,
adquirem ideias necessárias à resolução quase instantânea dos mais complicados
problemas? Outro tanto pode dizer-se de músicos, pintores e filólogos
precoces. "Os conhecimentos dos anjos não resultam da indução e do
raciocínio"; têm-nos porque são anjos, sem necessidade de aprendê-los,
pois tais foram por Deus criados: quanto à alma, essa deve aprender. Mas se a
alma só recebe as ideias por meio dos órgãos corporais, que ideias pode ter a
alma de uma criança morta ao fim de alguns dias, se admitirmos com a Igreja que
essa alma não renasce? 8. Aqui reponta uma questão vital, qual a de
saber-se se a alma pode adquirir conhecimentos após a morte do corpo. Se uma
vez liberta do corpo não pode adquirir novos conhecimentos, a alma da criança,
do selvagem, do imbecil, do idiota ou do ignorante permanecera tal qual era no
momento da morte, condenada à nulidade por todo o sempre. Mas se, ao contrário,
ela adquire novos conhecimentos depois da vida atual, então, é que pode
progredir. Sem progresso ulterior para a alma, chega-se a conclusões absurdas,
tanto quanto admitindo-o se conclui pela negação de todos os dogmas fundados
sobre o estacionamento, a sorte irrevogável, as penas eternas, etc. Progredindo
a alma, qual o limite do progresso? Não há razão para não atingir por ele ao
grau dos anjos, ou puros Espíritos. Ora, com tal possibilidade não se
justificaria a criação de seres especiais e privilegiados, isentos de qualquer
labor, gozando incondicionalmente de eterna felicidade, ao passo que outros
seres menos favorecidos só obtêm essa felicidade a troco de longos, de cruéis
sofrimentos e rudes provas. Sem dúvida que Deus poderia ter assim determinado,
mas, admitindo-lhe o infinito de perfeição sem a qual não fora Deus, força é
admitir que coisa alguma criaria inutilmente, desmentindo a sua justiça e
bondade soberanas. 9. "E se a majestade dos reis ostenta o seu
brilhantismo pelo número dos vassalos, oficiais e súditos, que haverá de mais
próprio a dar-nos ideia da majestade do Rei dos reis do que essa inumerável
multidão de anjos que povoam céu e terra, mar e abismos, a dignidade dos que
permanecem continuamente prostrados ou de pé ante seu trono?" E não
será rebaixar a Divindade confrontá-la com o fausto dos soberanos da Terra?
Essa idéia, inculcada no espírito das massas ignorantes, falseia a opinião de
sua verdadeira grandeza. Sempre Deus reduzido às mesquinhas proporções da
Humanidade! Atribuir-lhe, como necessidade, milhões de adoradores, perenemente
genuflexos, é emprestar-lhe vaidade e fraqueza próprias dos orgulhosos déspotas
do Oriente! E que é que engrandece os soberanos verdadeiramente grandes? É o
número e brilho dos cortesãos? não; é a bondade, é a justiça, é o título
merecido de pais do seu povo. perguntareis se haverá algo de mais próprio a
dar-nos a ideia da grandeza e majestade de Deus do que a multidão de anjos que
lhe compõem a corte (...). Mas, certamente que há, e essa coisa melhor é
apresentar-se Deus às suas criaturas soberanamente bom, justo e misericordioso,
que não colérico, invejoso, vingativo, exterminador e parcial, criando para sua
própria glória esses seres privilegiados, cumulados de todos os dons e nascidos
para a felicidade eterna, enquanto a outros impõe condições penosas na
aquisição de bens, punindo erros momentâneos com eternos suplícios (...). 10. A
respeito da união da alma com o corpo, o Espiritismo professa uma doutrina
infinitamente mais espiritualista, para não dizer menos materialista, tendo ao
demais a seu favor a conformidade com a observação e o destino da alma. Ele
ensina-nos que a alma é independente do corpo, não passando este de temporário
invólucro: a espiritualidade é-lhe a essência, e a sua vida normal é a vida
espiritual. O corpo é apenas instrumento da alma para exercício das suas
faculdades nas relações com o mundo material; separada desse corpo, goza dessas
faculdades mais livre e altamente. 11. A união da alma com o corpo, em ser
necessária aos seus primeiros progressos, só se opera no período que poderemos
classificar como da sua infância e adolescência; atingido, porém, que seja, um
certo grau de perfeição e desmaterialização, essa união é prescindível, o
progresso faz-se na sua vida de Espírito. Demais, por numerosas que sejam as
existências corpóreas, elas são limitadas à existência do corpo, e a sua soma
total não compreende, em todos os casos, senão uma parte imperceptível da vida
espiritual, que é ilimitada. Os
anjos segundo o Espiritismo.
12. Que haja seres dotados de todas as
qualidades atribuídas aos anjos, não restam dúvidas. A revelação espírita neste
ponto confirma a crença de todos os povos, fazendo-nos conhecer ao mesmo tempo
a origem e natureza de tais seres. As almas ou Espíritos são criados simples e
ignorantes, isto é, sem conhecimentos nem consciência do bem e do mal, porém,
aptos para adquirir o que lhes falta. O trabalho é o meio de aquisição, e o fim
- que é a perfeição - é para todos o mesmo. Conseguem-no mais ou menos prontamente
em virtude do livre-arbítrio e na razão direta dos seus esforços; todos têm os
mesmos degraus a franquear, o mesmo trabalho a concluir. Deus não aquinhoa
melhor a uns do que a outros, porquanto é justo, e, visto serem todos seus
filhos, não tem predileções. Ele lhes diz: Eis a lei que deve constituir a
vossa norma de conduta; ela só pode levar-vos ao fim; tudo que lhe for conforme
é o bem; tudo que lhe for contrário é o mal. Tendes inteira liberdade de
observar ou infringir esta lei, e assim sereis os árbitros da vossa própria
sorte. Conseguintemente, Deus não criou o mal; todas as suas leis são para
o bem, e foi o homem que criou esse mal, divorciando-se dessas leis; se ele as
observasse escrupulosamente, jamais se desviaria do bom caminho. 13.
Entretanto, a alma, qual criança, é inexperiente nas primeiras fases da
existência, e daí o ser falível. Não lhe dá Deus essa experiência, mas dá-lhe
meios de adquiri-la. Assim, um passo em falso na senda do mal é um atraso para
a alma, que, sofrendo-lhe as consequências, aprende à sua custa o que importa
evitar. Deste modo, pouco a pouco, se desenvolve, aperfeiçoa e adianta na
hierarquia espiritual até ao estado de puro Espírito ou anjo. Os anjos são,
pois, as almas dos homens chegados ao grau de perfeição que a criatura
comporta, fruindo em sua plenitude a prometida felicidade. Antes, porém, de
atingir o grau supremo, gozam de felicidade relativa ao seu adiantamento,
felicidade que consiste, não na ociosidade, mas nas funções que a Deus apraz
confiar-lhes, e por cujo desempenho se sentem ditosas, tendo ainda nele um meio
de progresso. (Vede 1ª Parte, cap. III, "O céu"). 14. A Humanidade
não se limita à Terra; habita inúmeros mundos que no Espaço circulam; já
habitou os desaparecidos, e habitará os que se formarem. Tendo-a criado de toda
a eternidade, Deus jamais cessa de criá-la. Muito antes que a Terra existisse e
por mais remota que a suponhamos, outros mundos havia, nos quais Espíritos
encarnados percorreram as mesmas fases que ora percorrem os de mais recente formação,
atingindo seu fim antes mesmo que houvéramos saído das mãos do Criador. De toda
a eternidade tem havido, pois, puros Espíritos ou anjos; mas, como a sua
existência humana se passou num infinito passado, eis que os supomos como se
tivessem sido sempre anjos de todos os tempos. 15. Realiza-se assim a grande
lei de unidade da Criação; Deus nunca esteve inativo e sempre teve puros
Espíritos, experimentados e esclarecidos, para transmissão de suas ordens e
direção do Universo, desde o governo dos mundos até os mais ínfimos detalhes.
Tampouco teve Deus necessidade de criar seres privilegiados, isentos de
obrigações; todos, antigos e novos, adquiriram suas posições na luta e por
mérito próprio; todos, enfim, são filhos de suas obras. E, desse modo, completa-se
com igualdade a soberana justiça do Criador. OS DEMÔNIOS. Origem da crença nos
demônios. 1. Em todos os tempos os demônios
representaram papel saliente nas diversas teogonias, e, posto que
consideravelmente decaídos no conceito geral, a importância que se lhes
atribui, ainda hoje, dá à questão uma tal ou qual gravidade, por tocar o fundo
mesmo das crenças religiosas. Eis por que útil se torna examiná-la, com os
desenvolvimentos que comporta. A crença em um poder superior é instintiva
no homem. Encontramo-la, sob diferentes formas, em todas as idades do mundo.
Mas, se hoje, dado o grau de cultura atingido, ainda se discute sobre a
natureza e atributos desse poder, calcule-se que noções teria o homem a
respeito, na infância da Humanidade. 2. Como prova da sua inocência, o
quadro dos homens primitivos extasiados ante a Natureza e admirando nela a
bondade do Criador é, sem dúvida, muito poético, mas pouco real. De fato,
quanto mais se aproxima do primitivo estado, mais o homem se escraviza ao
instinto, como se verifica ainda hoje nos povos bárbaros e selvagens
contemporâneos; o que mais o preocupa, ou, antes, o que exclusivamente o
preocupa é a satisfação das necessidades materiais, mesmo porque não tem
outras. O único sentido que pode torná-lo acessível aos gozos puramente morais
não se desenvolve senão gradual e morosamente; a alma tem também a sua
infância, a sua adolescência e virilidade como o corpo humano; mas para
compreender o abstrato, quantas evoluções não tem ela de experimentar na
Humanidade! Por quantas existências não deve ela passar! Sem nos
remontarmos aos tempos primitivos, olhemos em torno a gente do campo e
perscrutemos os sentimentos de admiração que nela despertam o esplendor do Sol
nascente, do firmamento a estrelada abóbada, o trino dos pássaros, o murmúrio
das ondas claras, o vergel florido dos prados. Para essa gente o Sol nasce por
hábito, e uma vez que desprende o necessário calor para sazonar as searas, não
tanto que as creste, está realizado tudo o que ela almejava; olha o céu para
saber se bom ou mau tempo sobrevirá; que cantem ou não as aves, tanto se lhe
dá, desde que não desbastem da seara os grãos; prefere às melodias do rouxinol,
o cacarejar da galinhada e o grunhido dos porcos; o que deseja dos regatos
cristalinos, ou lodosos, é que não sequem nem inundem; dos prados, que produzam
boa erva, com ou sem flores. Eis aí tudo o que essa gente almeja, ou, o
que é mais, tudo o que da Natureza apreende, conquanto muito distanciada já dos
primitivos homens. 3. Se nos remontarmos a estes últimos, então,
surpreendê-los-emos mais exclusivamente preocupados com a satisfação de
necessidades materiais, resumindo o bem e o mal neste mundo somente no que
concerne à satisfação ou prejuízo dessas necessidades. Acreditando num
poder extra-humano e porque o prejuízo material é sempre o que mais de perto
lhes importa, atribuem-no a esse poder, do qual fazem, aliás, uma ideia muito
vaga. E por nada conceberem fora do mundo visível e tangível, tal poder se lhes
afigura identificado nos seres e coisas que os prejudicam. Os animais nocivos
não passam para eles de representantes naturais e diretos desse poder. Pela
mesma razão, veem nas coisas úteis a personificação do bem: dai, o culto votado
a certas plantas e mesmo a objetos inanimados. Mas o homem é comumente mais
sensível ao mal que ao bem; este lhe parece natural, ao passo que aquele mais o
afeta. Nem por outra razão se explica, nos cultos primitivos, as cerimônias
sempre mais numerosas em honra ao poder maléfico: o temor suplanta o
reconhecimento. Durante muito tempo o homem não compreendeu senão o bem e
o mal físicos; os sentimentos morais só mais tarde marcaram o progresso da
inteligência humana, fazendo-lhe entrever na espiritualidade um poder
extra-humano fora do mundo visível e das coisas materiais. Esta obra foi,
seguramente, realizada por inteligências de escol, mas que não puderam exceder
certos limites. 4. Provada e patente a luta entre o bem e o mal,
triunfante este muitas vezes sobre aquele, e não se podendo racionalmente
admitir que o mal derivasse de um benéfico poder, concluiu-se pela existência
de dois poderes rivais no governo do mundo. Daí nasceu a doutrina dos dois
princípios, aliás lógica numa época em que o homem se encontrava incapaz de,
raciocinando, penetrar a essência do Ser Supremo. Como compreenderia,
então, que o mal não passa de estado transitório do qual pode emanar o bem,
conduzindo-o à felicidade pelo sofrimento e auxiliando o progresso? Os limites
do seu horizonte moral, nada lhe permitindo ver para além do seu presente, no
passado como no futuro, também não lhe permitia compreender que já houvesse
progredido, que progrediria ainda individualmente, e muito menos que as
vicissitudes da vida resultavam das imperfeições do ser espiritual nele
residente, o qual preexiste e sobrevive ao corpo, na dependência de uma série
de existências purificadoras até atingir a perfeição. Para compreender como do
mal pode resultar o bem é preciso considerar não uma, porém, muitas
existências; é necessário apreender o conjunto do qual - e só do qual -
resultam nítidas as causas e respectivos efeitos. 5. O duplo princípio do
bem e do mal foi, durante muitos séculos, e sob vários nomes, a base de todas
as crenças religiosas. Vemo-lo assim sintetizado em Oromase e Arimane entre os
persas, em Jeová e Satã entre os hebreus. Todavia, como todo soberano deve ter
ministros, as religiões geralmente admitiram potências secundárias, ou bons e
maus gênios. Os pagãos fizeram deles individualidades com a denominação
genérica de deuses e deram-lhes atribuições especiais para o bem e para o mal,
para os vícios e para as virtudes. Os cristãos e os muçulmanos herdaram dos
hebreus os anjos e os demônios. 6. A doutrina dos demônios tem, por
conseguinte, origem na antiga crença dos dois princípios. Compete-nos examiná-la
aqui tão-somente no ponto de vista cristão para ver se está de acordo com as
noções mais exatas que possuímos hoje, dos atributos da Divindade. Esses
atributos são o ponto de partida, a base de todas as doutrinas religiosas; os
dogmas, o culto, as cerimônias, os usos e a moral, tudo é relativo à ideia mais
ou menos justa, mais ou menos elevada que se forma de Deus, desde o fetichismo
até o Cristianismo. Se a essência de Deus continua a ser um mistério para as
nossas inteligências, compreendemo-la no entanto melhor que nunca, mercê dos
ensinamentos do Cristo. O Cristianismo racionalmente ensina-nos que: Deus é
único, eterno, imutável, imaterial, onipotente, soberanamente justo e bom,
infinito em todas as perfeições. Foi por isso que algures dissemos - (1ª
Parte cap. VI, "Doutrina das penas eternas") "Se se tirasse a
menor parcela de um só dos seus atributos, não haveria mais Deus, por isso que
poderia coexistir um ser mais perfeito." Estes atributos, na sua plenitude
absoluta, são, pois, o critério de todas as religiões, estalão da verdade de
cada um dos princípios que ensinam. E para que qualquer desses princípios seja
verdadeiro, preciso é que não encerre um atentado às divinas perfeições.
Vejamos, se é assim, de fato, na doutrina vulgar dos demônios. Livro O Céu E O
Inferno. www.institutoandreluiz.org.
Abraço. Davi
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