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Texto de Pena Chodron. Tradução Fábio Valgas. ACORDANDO PARA O SEU MUNDO. Um
dos meus assuntos favoritos de contemplação é a seguinte questão: “Desde que a
morte é certa, mas a hora da morte é incerta, qual é a coisa mais importante?”
Você sabe que irá morrer, mas você realmente não sabe quanto tempo tem para
despertar do seu casulo de padrões habituais. Você não sabe quanto tempo lhe
resta para cumprir com o potencial do seu nascimento humano precioso. Dado
isso, qual é a coisa mais importante? Em todos os dias da sua vida, em todas as
manhãs da sua vida, você poderia se perguntar: “Enquanto eu sigo por esse dia,
qual é a coisa mais importante? Qual é o melhor uso desse dia?” Na minha idade,
é meio assustador quando eu me deito a noite e olho para como foi o dia, e
parece que eu passei por ele num estalar de dedos. Aquilo foi um dia inteiro? O
que eu fiz com ele? Eu me movi minimamente em direção a ser mais compassiva,
amorosa e cuidadosa – para ser totalmente desperta? Minha mente está mais
aberta? O que eu realmente fiz? Eu sinto como há tão pouco tempo e o quão
importante é a maneira como nós o gastamos. Qual é o melhor uso de cada dia de
nossas vidas? Num dia bastante curto, cada um de nós se tornaria mais são, mais
compassivo, mais suave, mais em contato com a qualidade onírica da realidade.
Ou nós poderíamos enterrar estas qualidades mais profundamente e entrar em
contato com a mente sólida, retirando-se ainda mais para dentro de nossos próprios
casulos. Toda vez que um padrão habitual se fortalece, toda vez que nos
sentimos tomados pelo piloto automático, nós poderíamos ver isso como uma
oportunidade de queimar o carma negativo. Ao invés de ver isso como um
problema, nós poderíamos vê-lo como um amadurecimento do carma, que nos dá a
oportunidade de queimá-lo, ou ao menos de enfraquecer nossas propensões
cármicas. Mas isso é difícil de ser feito. Quando percebemos que estamos
fisgados, que estamos no piloto automático, o que fazemos a seguir? Isso é uma
questão central para o praticante. Uma das maneiras mais eficientes para
trabalhar com aquele momento em que você vê a tempestade de tendências
habituais se formando é a prática de pausar, ou criar um espaço. Podemos parar
e tomar três respirações conscientes e, assim, o mundo tem uma chance de se
abrir para nós dentro desse espaço. Nós podemos permitir o espaço dentro do
nosso estado mental. Antes de eu falar mais a respeito de pausar
conscientemente e criar um espaço, pode ser útil apreciar o espaço que já
existe em nosso ambiente. A mente desperta existe nos nossos arredores – no ar
e no vento, no mar, na terra, nos animais –, mas com que frequência estamos de
fato em contato com isso? Estamos tirando as nossas cabeças para fora dos
nossos casulos por tempo suficiente para verdadeiramente prová-la,
experienciá-la, deixá-la mudar alguma coisa em nós, deixá-la penetrar na
maneira usual com que olhamos para as coisas? Se você reserva algum tempo para
praticar meditação formalmente, talvez cedo, pela manhã, há muito silêncio e
espaço. A prática da meditação em si é uma maneira de criar espaços. Toda vez
que você percebe que está pensando e deixa seus pensamentos irem, você está
criando um espaço. Toda vez que a expiração está saindo, você está criando um
espaço. Talvez você não experiencie isso sempre dessa forma, mas a instrução
básica da meditação é desenhada para ser cheia de espaços. Se você não preenche
o seu tempo de prática com a mente discursiva, com suas preocupações e
obsessões e esse tipo de coisa, você tem tempo para experienciar as bênçãos do
seu entorno. Você pode somente sentar-se lá, quieta. Assim, talvez o silêncio
nasça em você, e a sacralidade do espaço irá penetrar. Ou talvez não. Talvez
você já esteja tomado pelo trabalho que tem pra hoje, pelos projetos que não
terminou do dia anterior. Talvez você se preocupe com algo que precisa ser
feito, ou que não foi feito, ou com uma carta que acabou de receber. Talvez
você esteja tomado por uma mente atarefada, tomado por hesitação ou medo, depressão
ou desencorajamento. Em outras palavras, você foi para o seu casulo. Para todos
nós, a experiência dos nossos embaraços difere a cada dia. Mesmo assim, se você
se conecta com as bênçãos do seu entorno – a quietude, a mágica e o poder –
talvez esse sentimento possa permanecer com você e você possa ir para o seu dia
com ele. O que quer que você esteja fazendo, a mágica, a sacralidade, a
expansividade, a quietude, permanecem com você. Quando você está em contato com
esse ambiente mais amplo, isso pode cortar através da sua mentalidade de
casulo. Por outro lado, eu sei, por experiência pessoal, o quão forte a mente
habitual pode ser. A mente discursiva, a mente atarefada, preocupada, tomada,
desorientada, é poderosa. Isso é mais uma razão para fazer a coisa mais
importante – perceber, o quão poderosa é a oportunidade de cada dia, e o quão
fácil é desperdiçá-la. Se você não permite que a sua mente se abra e conecte-se
com onde você está, com o imediatismo da sua experiência, você poderia se
tornar facilmente submergido. Você poderia estar completamente tomado e
distraído pelos detalhes da sua vida, do momento em que você se levanta da cama
pela manhã até cair no sono, quando anoitece. Você se torna tão tomado pelo
conteúdo da sua vida, pelas minúcias que criam cada dia, se torna tão auto
absorto no grande projeto que você tem para fazer que as bênçãos, a mágica, a
quietude e a vastidão lhe escapam. Você nunca emerge do seu casulo, a não ser
por quando há um barulho que é tão alto que você não consegue evitar de
notá-lo, ou alguma coisa te choca, ou captura o seu olhar. Então, por um
momento, você põe a cabeça pra fora e percebe “Uau! Olha esse céu! Olha aquele
esquilo! Olha, aquela pessoa!” O grande professor tibetano do século XIV,
Longchenpa (1308-1363), falou sobre o nosso foco desnecessário e sem sentido
nos detalhes, nos tornando tão apanhados que não conseguimos ver aquilo que
está na frente do nosso nariz. Ele fala que esse foco inútil se estende momento
a momento, criando um contínuo, e, assim, dias, meses e até mesmo vidas
inteiras se passam. Você gasta todo o seu tempo apenas pensando sobre as
coisas, distraindo a si mesmo com a sua própria mente, completamente perdido em
pensamentos? Eu mesma conheço esse hábito muito bem. Se trata do dilema humano.
É aquilo que o Buda reconheceu e que todos os professores que viveram desde
então reconheceram. É em frente a isso que nós estamos. “Sim, mas…”, nós
dizemos. Sim, mas eu tenho um trabalho a fazer, existe um prazo, existe uma
infinidade de e mails com os quais eu preciso lidar, eu tenho que cozinhar e
limpar e tenho meus afazeres. Como nós deveríamos lidar com tudo aquilo que
temos para fazer em um dia, uma semana, um mês, sem perdermos a preciosa
oportunidade de experienciar quem nós realmente somos? Nós temos não somente
uma vida humana preciosa, mas essa vida humana preciosa é feita de momentos
humanos preciosos. Como nós os gastamos é muito importante. Sim, nós temos
trabalhos a fazer; nós não ficamos apenas sentados por aí meditando o dia
inteiro, mesmo dentro de um centro de retiros. Nós possuímos a real essência
das relações – a maneira como vivemos juntos, como nos esfregamos uns nos
outros. Encarar as dificuldades sozinhos, afastando-se das pessoas que achamos
estarem nos distraindo, não resolve nada. Parte do nosso carma, parte do nosso
dilema, é aprender a trabalhar com os sentimentos que as relações nos trazem.
Elas também provêm as oportunidades para se fazer a coisa mais importante. Se
você passou a manhã perdido em pensamentos, preocupando-se sobre o que precisa
fazer no fim da tarde, já trabalhando em cada lacuna que consegue encontrar,
você perdeu várias oportunidades e não é nem a hora do almoço ainda. Mas se a
manhã foi caracterizada por ao menos alguma espacialidade, alguma abertura na
sua mente e no seu coração, alguma lacuna na sua maneira usual de ser
arrastado, cedo ou tarde isso irá começar a penetrar no resto do seu dia. Se
você não tem se acostumado à experiência da abertura, se você não adquiriu
nenhum sabor disso, então não há nenhuma chance de que a tarde seja
influenciada por isso. Por outro lado, se você deu uma chance à abertura, não
importa se você está meditando, trabalhando no computador ou fazendo comida, a
mágica estará lá para você, permeando sua vida. Como eu disse, nossos hábitos
são poderosos, então uma certa disciplina é necessária para dar o passo para
fora de nossos casulos e para recebermos a mágica dos nossos arredores. A
prática de pausar – a prática de tomar três respirações conscientes a qualquer
momento quando notamos que estamos empacados – é uma simples. Porém, poderosa
prática que cada um de nós pode fazer a qualquer momento. A prática de pausar
pode transformar cada dia de nossas vidas. Ela cria uma porta aberta para a
sacralidade do lugar em que você se encontra. A vastidão, a quietude e a mágica
do lugar irão alvorecer sobre você se você permitir que a sua mente relaxe e
largue por apenas algumas respirações a narrativa em que você tem trabalhado
com tanto esforço para manter. Se você pausa por tempo suficiente, você pode se
reconectar com o exato lugar onde você está, com o imediatismo da sua
experiência. Quando você está acordando pela manhã e ainda nem se levantou da
cama, mesmo que esteja atrasado, você poderia apenas observar e soltar a
narrativa e tomar três respirações conscientes. Apenas esteja onde você está!
Quando você está lavando o rosto, ou fazendo café ou chá, ou escovando os
dentes, apenas crie uma lacuna na sua mente discursiva. Tome três respirações
conscientes. Apenas pause. Deixe que se torne um contraste com relação a estar
todo preso. Deixe que seja como estourar uma bolha. Deixe que seja apenas um
momento no tempo, e aí siga em frente. Você está a caminho de fazer o que quer
que seja preciso ser feito nesse dia. Talvez você esteja no seu carro ou no
ônibus, ou de pé em uma fila. Mas você ainda pode criar aquela lacuna por meio
de tomar três respirações conscientes e estar exatamente ali, com o imediatismo
da sua experiência. Exatamente ali, com o que quer que você esteja vendo, com o
que quer que você esteja fazendo, com o que quer que você esteja sentindo.
Outra maneira poderosa de fazer a prática do pausar é simplesmente escutar por
um momento. Ao invés da visão como sendo a percepção sensorial predominante,
deixe que o som, que o escutar seja o sentido predominante de percepção. É uma
forma muito poderosa de cortarmos através da nossa maneira convencional de
olhar para o mundo. A qualquer momento, você pode apenas parar e ouvir
imediatamente. Não importa qual som em particular você ouve; você simplesmente
cria uma lacuna ao escutá-lo atentamente. A qualquer momento você poderia
apenas ouvir. A qualquer momento, você poderia pôr a sua atenção toda no
imediatismo da sua experiência. Você poderia olhar para sua mão a descansar na
sua perna, ou sentir suas nádegas sentadas no sofá ou na cadeira. Você poderia
apenas estar aqui. Ao invés de não estar aqui, ao invés de estar absorto pelos
pensamentos, planejamentos e preocupações, interrompido do poder e da mágica do
momento, você poderia estar aqui. Quando você sai para uma caminhada, pause
frequentemente – pare e ouça. Pare e tome três respirações conscientes. Como
especificamente você cria essa lacuna na verdade não importa. Apenas encontre
uma forma de pontuar a sua vida com esses momentos livres de pensamento. Não é
necessário que sejam minutos livres de pensamento, basta que sejam não mais que
uma respiração, que um segundo. Pontue, crie lacunas. Assim que o fizer, você
perceberá o quão grande é o céu, o quão grande é a sua mente. Quando você está
trabalhando é tão fácil consumir-se, particularmente por computadores. Eles
possuem um modo de te hipnotizar, mas você poderia ter um alarme no seu
computador que te lembra de criar uma lacuna. Não importa o quão desafiador
seja o seu trabalho, não importa o quanto ele esteja te apanhando, apenas
continue pausando, continue permitindo alguma lacuna. Quando você é fisgado por
seus padrões habituais, não veja isso como um grande problema; permita uma
lacuna. Quando você está completamente enrolado com alguma coisa e você pausa,
uma inteligência natural dá um clique e você tem uma sensação da coisa certa a
ser feita. Isso faz parte da mágica: nossa própria inteligência natural está
sempre lá para nos informar, contanto que permitamos a lacuna. Enquanto estivermos
no piloto automático, ditado pelas nossas mentes e nossas emoções, não há
inteligência. É uma corrida dos ratos. Quer nós estejamos num centro de retiros
ou em Wall Street, ele se torna o lugar mais atarefado, mais emaranhado do
mundo. Pause, conecte-se com o imediatismo da sua experiência, conecte-se com
as bênçãos; libere-se do casulo do auto envolvimento, falando consigo mesmo o
tempo todo, completamente obcecado. Permita uma lacuna, lacuna, lacuna. Apenas
faça isso, de novo e de novo e de novo; permita a si próprio o espaço para
perceber quem você é. Perceba o quão grande a sua mente é; perceba o quão
grande é o espaço que nunca foi embora, mas que você tem ignorado. Encontre uma
maneira de diminuir a velocidade. Encontre uma maneira de relaxar. Encontre uma
maneira de relaxar a sua mente e faça isso muitas e muitas vezes, continuamente
ao longo do dia, não apenas quando você está fisgado, mas o tempo todo. Na sua
raiz, estar pego pelo pensamento discursivo, continuamente auto envolvido com
planos discursivos, preocupações e assim por diante, se trata de apego a nós
mesmos. É a manifestação superficial do apego ao ego. Então qual é a coisa mais
importante a ser feita a cada dia? Com cada manhã, cada tarde, cada anoitecer?
É deixar uma lacuna. Não importa se você está praticando meditação ou se está
trabalhando, há uma continuidade por detrás. Essas lacunas, essas pontuações,
são como abrir buracos em nuvens, abrir buracos no casulo. E estas lacunas
podem estender-se para que elas possam permear a sua vida inteira, para que
então a continuidade não seja mais a continuidade do pensamento discursivo, mas
sim, uma lacuna contínua. Mas antes que sejamos arrastados pela ideia de lacuna
contínua, sejamos realistas a respeito de onde nós realmente estamos. Primeiro,
precisamos lembrar a nós mesmos sobre qual é a coisa mais importante. Depois,
precisamos aprender como equilibrar isso com o fato de que temos trabalhos a
fazer, o que pode fazer com que fiquemos submersos nos detalhes das nossas
vidas e tomados pelo casulo dos nossos padrões durante o dia todo. Então,
encontre maneiras de criar a lacuna frequentemente, recorrentemente,
continuamente. Dessa forma, você permite a si mesmo o espaço para conectar-se
com o céu e o oceano e os pássaros e a terra, e com as bênçãos do mundo
sagrado. Dê a si mesmo a chance de sair do seu casulo. www.budavirtual.com.br. Abraço. Davi
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